O que é um Interesse, no Sentido que Geralmente Interessa aos Juristas?

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1 O que é um Interesse, no Sentido que Geralmente Interessa aos Juristas? Pedro Múrias 1 (para os Estudos em Memória do Prof. Saldanha Sanches) 1. Introdução Este estudo apresenta e avalia brevemente três definições de «interesse», no sentido «objectivo» da palavra. Ou melhor, apresenta três definições de «ter um interesse (objectivo) em». A primeira definição, na versão preferível, afirma que ter um interesse com certo conteúdo é ter uma necessidade que a verificação daquele conteúdo satisfaz. A segunda afirma que ter um interesse com certo conteúdo consiste em a verificação desse conteúdo ser boa para a entidade que tem o interesse. Para a terceira definição, ter um interesse com certo conteúdo é ter razão para querer que se verifique esse conteúdo. Todas estas definições parecem, no essencial, correctas, apesar de uma dificuldade, talvez ultrapassável, da primeira. O meu propósito é mostrar, porém, que as definições de «interesse» através dos conceitos de «bem para» e de «razão para querer» são mais claras e mais informativas. Não se trata de serem mais exactas, mas de oferecerem um esclarecimento mais profundo do conceito de interesse e do seu papel nalguns temas a que é chamado. Nada disto infirma, por outro lado, que o simples facto de termos à disposição três definições diferentes é já uma vantagem, por nelas se espelharem três diferentes aspectos do conceito. Apesar de a discussão das definições referidas constituir o cerne deste escrito, não consegui evitar um duplo desequilíbrio na exposição. Por um lado, o número 2 alonga-se na consideração de algumas dificuldades terminológicas inerentes ao uso da palavra «interesse». É um ponto introdutório, preenchido por considerações elementares, mas que parece indispensável para evitar equívocos e para identificar bem a matéria dos números seguintes. Por outro lado, várias páginas do número 3 são consumidas na crítica de uma versão «tradicional», entre os juristas portugueses, da análise do conceito de interesse através do de necessidade. 1 Com um agradecimento ao Luís Duarte d Almeida por várias sugestões e correcções. 1

2 2. Questões de palavras À semelhança da generalidade das palavras de uso corrente, «interesse» tem vários sentidos relacionados, como documentam os dicionários. Deparamos com uma variação semântica semelhante à polissemia, que só não é propriamente polissemia por os sentidos serem relacionados. Esta variação estende-se às palavras derivadas de «interesse» e ocorre em várias línguas, embora eu vá usar apenas exemplos do português. Comecemos por notar um fenómeno partilhado por estas palavras nos seus vários sentidos. Tanto se pode dizer «ele interessa-se muito por insectos» quanto «os insectos interessam-lhe muito», e «ele tem muito interesse nisso» ou «isso tem muito interesse para ele». Ou seja, em termos sintácticos, o «sujeito» do interesse, quem «tem» o interesse, tanto pode ser a entidade interessada quanto a entidade interessante. Trata-se de um fenómeno linguístico comum, a que os especialistas chamam por vezes «alternância». 2 Há muitos «verbos de alternância»: por exemplo, o verbo «aquecer» tanto pode tomar como sujeito o causador do aquecimento quanto o objecto aquecido: pode dizer-se «ele aqueceu a sopa», mas também «a sopa aqueceu por acção dele». Isto, evidentemente, e também no que toca à palavra «interesse», não tem nenhum interesse filosófico ou jurídico, salvo na medida em que valha a pena identificar o fenómeno para não nos confundirmos com ele. 3 Vou ter em vista sobretudo as estruturas sintácticas em que se diz que uma pessoa «tem interesse» nalguma coisa, mas, com pequenas adaptações, aquilo que direi pode ser transposto para outras construções. Num primeiro sentido, o «interesse» é aquilo a que podemos chamar «interesse-curiosidade» ou «interesse-atenção». Assim, diz-se que alguém olhou para alguma coisa «com muito interesse», que alguém «se interessa por» um certo tema, que alguém «mostrou interesse/desinteresse por» alguma coisa, que certa coisa é «muito interessante» ou que certa pessoa é «muito interessada». Neste sentido, a palavra «interesse» vem frequentemente seguida da preposição «por» e pode ser substituída por «curiosidade» ou por «atenção», outras vezes por «vontade de conhecer» ou, mais elaboradamente, «disposição para manifestar curiosidade», «...para ter atenção», «...para conhecer», ou por «disposição para suscitar curiosidade», etc. Não sei de leis ou de estudos jurídicos em que a palavra surja neste sentido e não voltarei a falar dele. 2 Cf. M.ª Helena Mateus et al., Gramática da língua portuguesa, 5.ª ed., Caminho, 2003, 203 e Embora pareça que, p. ex., F. Regelsberger tinha em vista justamente esta duplicação das possibilidades sintácticas quando escreveu que «a palavra interesse é polissémica: subjectivamente, designa o desejo de certa vantagem (prazer), objectivamente, a vantagem a que o desejo se dirige» (Pandekten, vol. I, Duncker & Humblot, Leipzig, 1893, p. 76). 2

3 Num outro grande conjunto de sentidos, «interesse» e as palavras da sua família ocorrem frequentemente seguidas da preposição «em», por sua vez seguida de uma oração subordinada, finita ou infinitiva, ou de outra estrutura que possa desempenhar a função semântica típica das subordinadas completivas. Diz-se por vezes que essa função é a de nomear uma «proposição». Assim, poderia dizer-se que eu «tenho interesse em que» chova, que eu «estou interessado em que» chova, que «é do meu interesse que» chova ou que «me interessa que» chova. Neste conjunto de sentidos, como se sabe, cabe, porém, fazer uma distinção que nem sempre se nota nas formas sintácticas. Cabe distinguir entre os sentidos a que podemos chamar «subjectivos» e os «objectivos», para manter uma terminologia com alguma tradição entre os juristas. Os termos surgem num sentido subjectivo, por exemplo, nas seguintes frases: (1) Ele está interessado em comprar uma bicicleta. (2) Ele tem mostrado muito interesse em receber papelada desta. Surgem, pelo contrário, com um sentido objectivo nas seguintes: (3) Foi no interesse dele que lhe dei uma sova. (4) Ele não percebeu qual era o seu interesse. (5) Agora que penso melhor, tenho interesse é em fazer isto. (6) O que mais te interessa não é isso! A construção «estar interessado em» é a que mais claramente gera um sentido subjectivo; 4 a construção «ser no interesse de [alguém] que», a que mais claramente gera um objectivo. A frase (6) poderá talvez ser lida em ambos os sentidos, mas a interpretação objectiva é mais imediata. Julgo que a estrutura «ter interesse em» é mais frequentemente usada no sentido objectivo, mas este é um juízo empírico para que não tenho argumentos e que não é necessário esclarecer. Nos usos subjectivos de «interesse» e seus cognatos, estas palavras podem ser substituídas por «vontade», «querer», «desejo», «gostar», «gosto», etc., sem grande alteração de significado. É fácil fazer esse exercício com (1) e (2). Nos usos objectivos, «interesse» e as palavras afins podem ser substituídas por «bem», «beneficiar», «convir», «ser útil», «ter razão para», «precisar de», «necessidade», «vantajoso», etc. Parte destes sinónimos vem indicada em vários dicionários. Assim, por exemplo, parece intuitivo que as frases (3) a (6) não têm sentidos muito diferentes dos das suas correspondentes seguintes: 4 O que não quer dizer que não possa ser usada também num sentido objectivo. Assim acontece nalgumas disposições da lei portuguesa. 3

4 (7) Foi para o bem dele que lhe dei uma sova. (8) Ele não percebeu o que é que lhe convinha. (9) Agora que penso melhor, é-me útil é fazer isto. (10) Agora que penso melhor, tenho razão é para fazer isto. (11) Agora que penso melhor, preciso é de fazer isto. (12) Agora que penso melhor, tenho necessidade é de fazer isto. (13) O que mais te beneficia não é isso! (14) O que te traz mais vantagem não é isso! (15) O que te calha melhor não é isso! (16) O que te convém não é isso! Já notamos, porém, claras mudanças de sentido se usarmos sinónimos do interesse em sentido subjectivo. P. ex., os sentidos das três frases seguintes estão bastante longe dos das (3) e (7), (4) e (8), e (5) e (9), respectivamente. (17) Foi porque ele quis que lhe dei uma sova. (?) (18) Ele não percebeu do que é que gostava. (?) (19) Agora que penso melhor, a minha vontade é fazer isto. (?) Cabe agora frisar que a variação entre os sentidos objectivos e subjectivos é apenas isso mesmo, é a simples possibilidade de a palavra «interesse» e suas derivadas serem usadas ora num, ora noutro dos sentidos. Sem prejuízo de poder haver uma relação significativa entre estes dois sentidos, não se trata aqui de uma categoria comum analisável em duas subcategorias, nem se trata, o que é mais importante, de uma categoria comum cuja melhor compreensão, em geral ou para certos efeitos, passasse por optar entre um e o outro dos sentidos. Nada disso. Trata-se apenas de haver dois usos semanticamente distintos de uma mesma palavra, dois usos perfeitamente legítimos, se é que pode distinguir-se entre usos legítimos e ilegítimos das palavras. Dois usos, inclusive, dicionarizados. Por isso, e por exemplo, não cabe discutir alguma teoria jurídica geral do «interesse» em defesa do sentido subjectivo ou do sentido objectivo da palavra. Aos juristas interessa apenas discutir, em cada caso em que a palavra surja numa lei ou noutro lugar jurídico, se ela aí aparece num ou noutro dos sentidos. E é certo que ela aparecerá ora num, ora no outro. Por exemplo, o Código Civil português toma a palavra num sentido objectivo quando a usa nos arts. 792.º e ss., relativos ao não cumprimento das obrigações, como vai até expresso num desses artigos (o 808.º). Mas o mesmo código já a usa num sentido subjectivo, p. ex., no art. 611.º, em que se atribui um certo 4

5 ónus da prova aos terceiros que pretendam («terceiro interessado») que certo acto se «mantenha». 5 Em termos gerais, a única coisa que parece valer a pena dizer é que se pode observar que o uso jurídico mais frequente das palavras da família de «interesse» é um uso no sentido objectivo. Isto explica inclusive que em várias ocasiões se contraponham sem mais esclarecimentos o «interesse» e a «vontade». Se, pelo contrário, «interesse» fosse tomado num sentido subjectivo, não teríamos aqui uma contraposição, mas uma relação de sinonímia ou quase sinonímia. E a maior frequência do uso objectivo tem por seu turno a fácil explicação de que, para o sentido subjectivo, as leis e os juristas preferem normalmente termos como «querer», «pretender» ou «vontade». Mais à frente, vou considerar a palavra «interesse» apenas no sentido objectivo, num dos sentidos objectivos. O tema que escolhi para este estudo é esse sentido ou esse conceito. Antes disso, falta esclarecer que o termo «interesse» admite ainda vários sentidos objectivos que podem ter-se por «derivados» do ou dos sentidos objectivos «centrais» a que me referi. Sublinho que, ao chamar-lhes «sentidos derivados», não pretendo indicar nenhuma posterioridade histórica ou, mais especificamente, etimológica. Chamo-lhes sentidos «derivados» apenas na medida em que todos eles parecem poder ser facilmente esclarecidos por relação com o sentido «central» que me ocupará. Assim, por exemplo, a palavra «interesse» é usada amiúde para designar apenas interesses «egoístas» e, por vezes, apenas interesses, digamos, «pecuniários». É o caso quando se contrapõe um «casamento por amor» a um «casamento por interesse». Como é claro, casar por amor é, muitas vezes, do interesse de quem casa. Quando falamos de um «casamento por interesse», temos em vista uma subcategoria dos interesses. Ocorre-nos normalmente essa mesma subcategoria quando dizemos que certa pessoa é «interesseira». Encontramos outro sentido derivado, e de novo com uma relação especial com o dinheiro, no uso da palavra «interesse» com o sentido de «juro». Além disto, é ainda inevitável que grande parte dos usos de «interesse» em disciplinas ou actividades específicas gere sentidos derivados. Por exemplo, parece claro que alguns dos usos da palavra «interesse» em matérias de direito processual civil («interesse em agir», «interesse processual», «interesse directo») não a tomem no sentido central, mas sim em derivações resultantes de algumas doutrinas filosófico-jurídicas que pretenderam reduzir todo o direito aos interesses no 5 Admito que, com alguma má vontade, algum jurista quisesse contrariar a minha leitura do art. 611.º, mas a verdade é que o dito ónus da prova não deixa de incumbir ao terceiro pelo facto de aquilo que ele pretende ser caprichoso e em nada lhe trazer vantagem. 5

6 sentido central. O mesmo fenómeno acontece quando, no direito da obrigação, se chama «interesse primário» (do credor) ao resultado definidor da prestação, que é um elemento do conteúdo da obrigação, e não um interesse no sentido central. Aqui, uma pequena dificuldade teórica é falsamente dissolvida com recurso ao termo «interesse». No direito das indemnizações, parece que por vezes a palavra «interesse» é usada com o sentido de «valor do interesse» refiro-me ao «valor em dinheiro», numa derivação análoga àquela que nos faz dizer que certa verba contabilística «é» o bem ou encargo a que corresponde, ou àquela que permite distinguir entre um «dano real» (ou seja, um dano) e um «dano de cálculo» (o respectivo valor para certos efeitos). E não podemos estranhar que, nalguns contextos desse mesmo direito indemnizatório, «interesse» surja com o sentido de «valor do interesse calculado de acordo com»... a teoria A ou B, designadamente com a célebre (entre os juristas) «teoria da diferença». São ainda fenómenos linguísticos sem novidade aqueles que levem a palavra «interesse» a tomar o sentido de «dano», dada a relação entre estes dois termos a que me refiro a seguir. Em consequência, não surpreende de novo que «interesse» possa tomar o sentido de «valor do dano», e por aí adiante. 6 Vou doravante ignorar estes sentidos derivados de «interesse». Notei que há relações conceptuais importantes entre o interesse, a utilidade, a vantagem e o benefício. Melhor dizendo, o termo «interesse», no sentido que nos convém, tem relações de quase sinonímia com esses termos. Resulta daqui que «interesse» é, aproximadamente, um antónimo de «dano», no sentido em que esta palavra é usada pelos juristas. É-o, tal como «útil» é antónimo de «nocivo» ou «prejudicial», «vantajoso» de «desvantajoso», etc., e tendo em conta que «dano» é quase um sinónimo de («surgimento de uma») «desvantagem», de «prejuízo» e de «malefício». Tratando-se de antónimos, «interesse» e «dano» podem muitas vezes ser substituídas uma pela outra, com o acréscimo de um termo de negação. Se alguém sofre um dano, não foi satisfeito um seu interesse. Se conseguiu satisfazer certo interesse, evitou um dano. Esta ligação conceptual entre «interesse» e «dano» pode ter alguma relevância para as doutrinas jurídicas, pelo menos no plano da simplificação terminológica. Limito-me aqui a observar a proximidade dos conceitos; não voltarei a falar de danos. 6 Este sentido «derivado», tal como o sentido de «juro», tem grandes pergaminhos históricos, como se pode ler em P. Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Ed., 2008,

7 3. A definição tradicional Concentremo-nos, então, no sentido objectivo central de «interesse», ou seja, como passarei a dizer, no «conceito de interesse». Vou discutir algumas definições de «interesse», todas extensionalmente correctas ou pouco incorrectas: definições que designam todas as coisas que são interesses e apenas essas coisas, ou que não andam longe disso. A minha intenção é sobretudo notar outros méritos e deméritos dessas definições. Começo por uma definição comum em escritos jurídicos teóricos ou didácticos, nomeadamente em estudos portugueses, que afirma que um interesse é «a relação entre o sujeito de uma necessidade e um bem apto a satisfazer essa necessidade» «Relação». A definição de «interesse» como «relação» suscita dúvidas, digamos, «técnicas». Quando se diz que se verifica certa relação, diz-se, normalmente, que existem certas duas entidades 8 que instanciam essa relação. Pelo contrário, quando dizemos que A tem interesse em x, fica em aberto que x se verifique ou não, isto é, não afirmamos simultaneamente que o interesse haja de ser satisfeito. Pode ser que A tenha interesse na ocorrência de B, e B nunca venha a ocorrer. Por isso, para exprimir que todo o interesse é interesse «nalguma coisa», talvez o ideal não seja falar de uma relação, mas sim dizer que todo o interesse «tem» ou se «dirige» a um «objecto intencional», para usar a linguagem da fenomenologia, ou dizer que todo o interesse tem um «conteúdo proposicional», para usar a linguagem da «filosofia analítica». A isto não se deve opor que um interesse seria uma relação com algum tipo de abstracção, nomeadamente a ideia ou a idealização de x para continuar a usar o «x» desta maneira, ou a proposição de que x. Como é claro, se António tem interesse, p. ex., na morte de Bento, a suposta relação de interesse havia de estabelecer- -se entre António e a morte de Bento, e não entre António e a ideia da morte de Bento. Acresce 7 Sobre esta definição e os seus defensores, cf. os estudos recentes de P. Mota Pinto, Interesse, cit., , e M. Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Coimbra Ed., 2010, , mas tb. P. Albuquerque, Direito de Preferência dos Sócios em Aumentos de Capital nas Sociedades Anónimas e por Quotas, Almedina, 1993, Mota Pinto não se compromete com uma definição, mas indica vários conceitos que lhe parecem indispensáveis a uma boa definição de «interesse» e que coincidem com os termos mais relevantes da definição a que chamei «tradicional». Lima Rego aceita declaradamente a definição tradicional, embora opte por uma fórmula mais concisa. Albuquerque expõe uma tradição de argumentos filosóficos e jurídicos que conduzem à definição tradicional e adopta-a. Esta tradição portuguesa apoia-se muito em estudos jurídicos italianos, como pode confirmar-se nos três lugares citados. 8 Ignoremos, por não interessarem no caso, quer os casos de relações entre mais de duas entidades quer os casos das relações que uma entidade tenha consigo própria. 7

8 que, se, ao identificarmos todo o interesse com uma relação, quiséssemos apenas exprimir que todo o interesse tem um conteúdo proposicional, teríamos igualmente de identificar os desejos ou as crenças com relações, pois também estes são sempre desejos de alguma coisa ou crenças nalguma coisa. Pelo contrário, estas «atitudes proposicionais» não costumam ser identificadas com relações, mas sim com estados ou propriedades de quem quer ou crê. Julgo que a tentativa de definir «interesse» como «relação» tem subjacente, em parte, o vício de tentar oferecer tanto quanto possível definições de substantivos, normalmente supondo que todo o substantivo que possa entrar numa frase afirmativa verdadeira haveria de designar um existente. Mas é claro que se trata de um vício. Quando um relógio dá horas, não há um conjunto de coisas, as «horas», que o relógio «dê», e quando um acontecimento ocorre em virtude de outro, não há uma «virtude» «em que» o primeiro ocorra. É preferível explicar expressões como «dar horas» e «em virtude de» na sua totalidade, e não composicionalmente, ou seja, não decompondo os seus segmentos em unidades semânticas explicáveis por si. Por isso mesmo, neste escrito não irei tentar esclarecer o que é um interesse nem é claro que haja alguma coisa que seja um interesse, mas sim tentar esclarecer o que é ter um interesse, o que evita complicações metafísicas do género que acabámos de ver e não parece ter inconveniente algum. Pode ainda estar subjacente à definição de «interesse» como «relação» um outro vício. Diz-se por vezes, e por exemplo, que «António tem interesse na casa» a ou b. Descontando a possibilidade de a palavra «interesse» aparecer aqui num sentido subjectivo ou nalgum sentido derivado, o que uma frase como estas normalmente significa é que António tem interesse em adquirir a casa ou em que a casa exista, etc. O interesse de António não é uma relação entre ele e a casa, dizendo- -se que António seria o «sujeito» do interesse e a casa seria o «bem» com que o sujeito se relaciona. Devidamente explicitado, o conteúdo de um interesse é sempre uma proposição; é sempre, se se preferir, um «estado de coisas», ou mesmo o significado de uma frase, e não uma coisa, um objecto. Por isso é que «António tem interesse em que a casa exista» é uma frase mais clara do que «António tem interesse na casa», e por isso também é que «António tem interesse em que a casa não venha a existir» é uma frase com todo o sentido. Isto mesmo torna discutível que o termo «bem» apareça numa definição de interesse. Em qualquer caso, o «bem» seria o estado de coisas visado, e não alguma das coisas eventualmente necessárias à sua realização. Com isto, não quero dizer que não haja virtudes na definição de «interesse» como «relação», mas apenas que será preferível praticar essas virtudes de outra forma. Em primeiro lugar, ao dizermos que um interesse é uma «relação», dizemos que todo o interesse é interesse de uma pessoa ou de uma entidade comparável. Em segundo lugar, e como já vimos, dizemos que todo o inte- 8

9 resse tem um conteúdo proposicional, normalmente expresso através de uma oração subordinada. Um terceiro aspecto virtuoso na definição de «interesse» como «relação» é o de assim se assinalar uma importante diferença entre os interesses e os desejos ou as crenças, que marca a «objectividade» dos interesses. Para sabermos se alguém tem o desejo de que x ou acredita que x, basta-nos conhecer nos aspectos relevantes a pessoa que deseja ou acredita. 9 Em linguagem popular, diríamos que os desejos e as crenças estão totalmente «dentro da cabeça» de quem quer ou crê; só a verdade das crenças e a satisfação dos desejos depende do resto do mundo. Pelo contrário, ao afirmarmos que alguém tem interesse em x, pelo menos para a grande maioria dos x, temos não só de conhecer a pessoa que tem o interesse, mas também de saber como é o resto do mundo. P. ex., para sabermos se António tem interesse em beber o líquido que se encontra à sua frente, não nos basta saber que António tem sede, é preciso saber se esse líquido é água potável. Na verdade, na generalidade dos casos, para haver um interesse é necessária certa relação entre quem tem o interesse e o mundo. Não parece é que esta ideia seja adequadamente expressa pelo asserto de que um interesse seria uma relação. Melhor se diria simplesmente que os interesses são «objectivos», mas há certamente modos ainda preferíveis de expressão «Sujeito» A definição tradicional inclui uma referência a um «sujeito». Geram-se com isso enormes dificuldades que não posso discutir aprofundadamente aqui. Por um lado, parece que os grupos de pessoas, mesmo quando não lhes corresponde nenhuma forma de institucionalização, também podem ter interesses, aliás com relevância moral, jurídica e política. Mesmo que estes interesses sejam de alguma forma redutíveis aos interesses das pessoas que compõem os grupos, há aqui um factor de complexidade que caberia considerar. Noto que os interesses de grupos não institucionalizados podem ser relevantes inclusive para o direito, designadamente para vários «sistemas jurídicos» nacionais que temos hoje. Em segundo lugar, teríamos de considerar os interesses daquilo a que os juristas portugueses chamam «pessoas colectivas», entidades como a Fundação Gulbenkian, o Estado Português e inclusive a «sociedade comercial» constituída ontem entre amigos por desfastio. Na verdade, estas entidades, ao contrário dos grupos não institucionalizados, não criam dificuldade nenhuma para uma definição de «interesse» dada no contexto dos discursos 9 Ignoremos as «teorias externalistas do conteúdo», que negam esta afirmação mesmo quanto às atitudes proposicionais, mas por razões que não nos interessa considerar. 9

10 jurídicos, permitindo inclusive que se substitua a palavra «sujeito» por «pessoa». O problema, que não me cabe tratar, seria a análise deste conceito jurídico de pessoa. Mas a dificuldade surge fora do direito justamente porque algumas destas entidades não se reconduzem, de modo nenhum, a grupos (institucionalizados) de pessoas e, por isso, não beneficiam da possibilidade teórica de redução dos seus interesses aos interesses dos seus putativos membros. A terceira dificuldade nasce dos interesses dos animais não humanos e, porventura, de outros seres vivos. Pelo menos quanto aos chamados «animais sencientes», 10 hoje, os discursos normativos «normativos» vai doravante como abreviatura de «jurídico, político ou moral» dificilmente podem deixar de considerar que eles têm interesses, 11 mas não parece claro que seja adequado incluí-los na categoria dos «sujeitos». O que a definição tradicional sugere é que toda a entidade que tenha necessidades poderá ter interesses, sendo «sujeito» ou «titular» apenas o modo de designar essas entidades, sem uma intenção restritiva. Nessa leitura, seria só através de uma análise do conceito de necessidade que poderíamos determinar quais as entidades que podem ter necessidades. Talvez fosse preferível, então, omitir ou deixar entre parênteses a designação do «sujeito». Em qualquer caso, a questão é demasiado complexa para que a discuta aqui. Doravante, e por simplicidade, pressuporei que quem tem um interesse é sempre uma pessoa, no sentido mais comum do termo (a excluir, p. ex., as «pessoas colectivas») «Bem apto a satisfazer». A definição de «interesse» através do conceito de «bem» entendida esta palavra no sentido «económico», ou seja, designando os «objectos» dos interesses suscita de novo uma observação que acabámos de fazer a propósito do termo «sujeito». Não se trata aqui de um elemento restritivo da extensão do definiente, mas apenas da indicação do modo de designar um dos termos da «relação» de interesse. Se alguma coisa pode satisfazer uma necessidade, então é um bem. Mais uma vez, pareceria preferível omitir o termo da definição, ou deixá-lo entre parênteses, por não ter função explicativa. Por outro lado, as dúvidas que expus quanto à conveniência 10 Trata-se de tradução de «sentient animals». Não a considero feliz (por que não «sentintes», como em «ouvintes» e «pedintes»?), mas parece que se estabilizou. 11 Sem poder discutir o tema neste espaço, sublinho apenas que há diferenças enormes entre considerar que os animais têm interesses e considerar que têm direitos. Antevêem-se razões ponderosas em favor do entendimento de que só pessoas podem ter direitos, faltando discutir o conceito de «pessoa», mas não parece que as mesmas razões procedam quanto à titularidade de interesses. 10

11 de considerar os interesses como relações respeitam justamente ao facto de o bem não ter de existir para que se afirme que alguém tem um interesse e, inclusive, ao facto de o bem nunca existir ao tempo relativamente ao qual se afirma o interesse. Também por aqui se sugere que a aplicabilidade do conceito de bem é uma decorrência de haver um interesse, e não o contrário. O mesmo se dirá ainda da ideia de «satisfazer». «Satisfazer» uma necessidade não é senão verificar-se aquilo de que se necessita, ou provocar essa verificação, se o verbo for usado transitivamente. O termo destina-se unicamente a garantir a gramaticalidade da definição. Mais interessante é a ocorrência do termo «apto». Trata-se de um termo modal, ou seja, de uma indicação de possibilidade. 12 Há um interesse, diz a definição tradicional, se alguém tem certa necessidade, e a verificação de certo estado de coisas pode realizar, ou talvez ser causa da realização, daquilo de que se necessita. Este elemento modal parece dispensável. Se o estado de coisas relativamente ao qual há um interesse apenas possibilita a satisfação de uma necessidade, e não a satisfaz por si, então parece que se pode afirmar que o titular da necessidade tem também uma outra necessidade cujo conteúdo é ele próprio modal. Por exemplo, se eu tenho interesse em que seja instalada uma porta em minha casa, porque a existência da porta pode impedir a entrada de ladrões, então parece correcto dizer não só que tenho necessidade de que não me entrem ladrões em casa, mas também que tenho necessidade de que haja possíveis impedimentos à entrada de ladrões em minha casa. Esta segunda parece ser uma necessidade tão legítima como a anterior, sendo a sua satisfação «garantida» pela verificação do estado de coisas em que se tem interesse. Haverá, contudo, quem negue que o termo «necessidade» abranja também estes casos, como veremos a seguir. Para essa visão, sim, a definição de «interesse» terá de incluir um termo modal. A inclusão deste elemento modal na definição não pode é sustentar-se na confusão, a que já aludi, entre os estados de coisas a que se referem os interesses e as coisas que deles participam. Se se disser que António tem interesse «num certo copo de água» porque precisa de beber água, então o dito copo de água seria objecto do interesse de António porque ele pode bebê-lo. Na verdade, porém, e como vimos, António tem interesse é em beber aquele copo de água, e não no próprio copo de água. E, ao bebê-lo, António satisfaz a sua necessidade, não se limita a criar a possibilidade de satisfazê-la. 12 Ou, porventura, de probabilidade. Ainda noutra leitura, o problema seria o da adequação do bem. 11

12 3.4. Reformulações Pelo que disse até aqui, caberia reformular a definição tradicional de modo a eliminar dúvidas e elementos redundantes. O ponto mais notório da reformulação será uma alteração do próprio definido, que deixaria de ser «interesse» para passar a «ter interesse». O resultado poderia ser, p. ex.: «uma entidade (o «titular») tem interesse num certo estado de coisas («o bem») se, e só se, o titular tem necessidade de um outro estado de coisas que o bem realiza». Mais sinteticamente: o «titular» tem interesse em x se, e só se, tem necessidade de y, e x realiza y. Ou, com informalidade e reduzindo os titulares de interesses a pessoas: uma pessoa tem interesse nalguma coisa se, e só se, essa pessoa tem necessidade de alguma coisa que se verificará se a primeira se verificar. Ou mesmo, voltando ao verbo «satisfazer»: uma pessoa tem interesse nalguma coisa se, e só se, esta satisfaz uma necessidade sua. Em suma, e de acordo com a ideia tradicional, ter interesse em x é ter necessidade de y, e x realizar y. Se, todavia, a definição tradicional tiver de incluir um termo modal, então ter interesse em x é ter necessidade de y, e x poder produzir y. «Produzir» serve aqui como abreviatura de «realizar ou causar a realização» Com estas duas versões mais claras e sintéticas, vou agora expor o que me parecem ser dois defeitos importantes do entendimento tradicional O que é uma necessidade? A definição tradicional, na versão modal curta, diz-nos que ter interesse em x é ter necessidade de y, e x poder realizar y. Como «poder» e «realizar» são termos metafísicos elementares, de amplíssima extensão e compreensão mínima, a parte relevante da definição tradicional é uma simples redução do conceito de interesse ao de necessidade. Isto suscita a pergunta sobre se a definição acrescenta significativamente o conhecimento do conceito de interesse, e sugere uma resposta negativa. O conceito de necessidade é demasiado próximo do de interesse. Os contextos em que se fala de interesses são, podemos supor, os mesmos em que se fala de necessidades; «interesse» e «necessidade», no sentido que nos interessa, são termos do mesmo campo semântico. Nas páginas seguintes, veremos inclusive que podem ser definidos com praticamente os mesmos termos. E há muitos contextos de discurso em que se pode indiferentemente usar uma ou outra destas palavras sem afectar a verdade do que se diz nem a medida da informação transmitida, como julgo resultar da sequência de frases numeradas que apresentei no ponto 2. Numa linguagem infantil, poderíamos mesmo dizer que «interesse e necessidade são mais ou menos o mesmo, só que interesse é mais concreto, porque uma necessidade pode gerar vários 12

13 interesses»... Em suma, o progresso analítico na definição do conceito de interesse através do de necessidade é demasiado pequeno. A definição tradicional de interesse impõe a pergunta sobre o que é uma necessidade e não costuma vir acompanhada de uma resposta sintética a esta pergunta semelhante à resposta sintética que ela própria pretende dar à pergunta sobre o que é um interesse. 13 Seria talvez exigível à definição tradicional, por exemplo, restringir a sua referência a necessidades às necessidades não instrumentais. 14 A diferença entre necessidades instrumentais e não instrumentais corresponde à oposição entre precisar de uma coisa para uma outra e precisar de alguma coisa sem restrição. Só as necessidades não instrumentais relevam para a definição em vista, só elas são «verdadeiras necessidades», se se preferir, mas caberia dizê-lo. Também eu me referirei sempre apenas a necessidades não instrumentais. A proximidade semântica entre «interesse» e «necessidade» levanta inclusive a dúvida sobre o propósito da definição tradicional. Pretende esta definição, na verdade, ser uma tese teórica sobre conceitos? Ou, pelo contrário, é uma tentativa de legitimação da relevância normativa dos interesses, no pressuposto de que a relevância das necessidades colhe à partida maior consenso? Trata-se de uma definição «puramente filosófica» ou, pelo contrário, de uma definição «ideológica»? A questão é tão mais justificada quanto são conhecidos os usos pejorativos de «interesse», como nas expressões «interesseiro» e «por interesse», a que já aludi, que curiosamente se contrapõem a usos legitimadores de «necessidade», como em «necessitado» e «por necessidade». Não vou aqui, naturalmente, tentar responder a esta pergunta, que melhor caberia num estudo de história das ideias, embora uma resposta que afirmasse a intenção ideológica pudesse explicar por que motivo esta definição se tornou «tradicional». Cabe considerar uma réplica possível à objecção da proximidade conceptual excessiva entre os conceitos de interesse e de necessidade. A réplica é a de que as necessidades, ao contrário dos 13 Num estudo conhecido («Claims of Need», de 1987, em Needs, Values and Truth. Essays in the Philosophy of Value, 3.ª ed., Clarendon, 1998, 1-57), D. Wiggins sublinha (pp. 2-4) a necessidade de esclarecer o que é uma necessidade, notando que o conceito foi muito usado por quem, como Hegel e Marx, não teve tal cuidado de esclarecimento. Pelo contrário, o autor (pp ) encontra definições de «necessidade» em Aristóteles, embora as traduções geralmente não o revelem, e Adam Smith. O autor analisa o conceito de necessidade («absoluta», i.e., não instrumental) definindo «necessitar de x» através da ideia de «ficar lesado ([to] be harmed)» se x não vier a ocorrer. Na definição (p. 14), inclui restrições que, se bem o interpreto, fazem depender a aplicabilidade do conceito de necessidade de uma relação causal (ou afim) adequada entre a ausência de x e o dano (a lesão, o harm). Dada a proximidade a que antes me referi entres os conceitos de dano e de interesse, é curioso notar que Wiggins adopta a análise inversa da definição tradicional para relacionar os conceitos de interesse e de necessidade (explica esta através daquele, e não o contrário). O autor chega a afirmar que «ter necessidade de» e «ter um interesse vital em» são sinónimos. 14 Cf. o estudo cit. na n. anterior, pp

14 interesses, não seriam «relações», num dos sentidos vistos. Claro que toda a necessidade tem o seu conteúdo proposicional, tal como os interesses. O que está em causa é que, para aferir se certo indivíduo tem necessidade de certa coisa, bastaria a consideração do próprio indivíduo, das suas características intrínsecas, e não do resto do mundo. Assim, p. ex., as necessidades de comer, de não ser morto ou de sentir-se amado parecem poder ser identificadas num indivíduo em função apenas das suas propriedades intrínsecas. O mesmo poderá inclusive ser dito de necessidades com um conteúdo mais concreto como a necessidade de comer agora ou a de comer agora alguma coisa de substancial. O conceito de necessidade da linguagem corrente, porém, abrange mais do que isto. P. ex., uma pessoa pode ter necessidade de encontrar um bom ortopedista, pode ter necessidade de se explicar bem e pode ter necessidade de que chova. Estas necessidades já são «relações», no sentido em vista. Se a definição tradicional pretendia referir-se apenas a «necessidades intrínsecas» ou «fundamentais», como podemos chamar-lhes, devia fazer a competente restrição. Mas, mesmo que seja esse o sentido da definição tradicional, nem por isso ela consegue evitar uma série de objecções. Em primeiro lugar, também os interesses podem ser «intrínsecos». Em especial, sempre que alguém tem uma necessidade com certo conteúdo proposicional, tem um interesse com o mesmo conteúdo. Quem tenha necessidade de comer, de não ser morto e de sentir-se amado tem interesse em comer, em não ser morto e em sentir-se amado. Isto no sentido objectivo de «interesse», que não se vê como afastar sem passarmos a falar de algo completamente diferente. «Necessidade» e «interesse» não marcam a distinção entre intrínseco e relativo (ou «relacional»), nem entre fins e meios. Em segundo lugar, a redução do conjunto das «necessidades» a que se refere a definição tradicional de modo a incluir apenas necessidades intrínsecas gera dúvidas quanto à existência de algum nexo relevante entre elas e certos conteúdos de interesses. Se uma pessoa rica tem a haver dois contos de outrem, diremos, na generalidade dos casos, que tem interesse em receber os dois contos. Os dois contos recebidos podem («são aptos para») vir a ser usados na satisfação de necessidades intrínsecas do credor, mas também podem vir a ser usados na satisfação de caprichos ou em prejuízo próprio. E, é claro, sendo o credor rico, no mais dos casos a probabilidade de ficar por satisfazer alguma das suas necessidades intrínsecas não parece diminuir pelo recebimento dos dois contos. Em suma, o efeito relevante do recebimento dos dois contos, no plano que temos em vista, é o pequeno alargamento das possibilidades gerais de acção do credor, é o alargamento dos meios de que dispõe para realizar qualquer fim que venha a acalentar, para realizar qualquer desejo, ainda que despropositado ou deletério, que venha a ter. Casos como este 14

15 que, naturalmente, é um caso comum de ter interesse nalguma coisa, mostram que o reconhecimento de que alguém tem um interesse não passa forçosamente pela conclusão de que existe alguma necessidade intrínseca cuja satisfação se torna possível ou sequer mais fácil se o interesse for satisfeito, mas simplesmente pela observação de que a verificação do conteúdo do interesse amplia as possibilidades de actuação do titular do interesse. Como parece incorrecto dizer que toda a gente, a todo o momento, teria necessidade de mais meios para agir aí, estaríamos perto de esvaziar de sentido o termo «necessidade», a identificação do interesse dispensa a identificação de uma necessidade O problema do «conflito de necessidades» Até agora, não defendi que houvesse algum erro extensional na definição de «interesse» que os juristas portugueses mais comummente apresentam. Tentei apenas esclarecê-la e censurar a escolha de algumas das palavras usadas, acrescentando a crítica geral de a definição não ser elucidativa, não ampliar significativamente o conhecimento analítico sobre o que é um interesse. Com isto, não quis sequer dizer que não haja ganho em analisar conjuntamente os conceitos de interesse e de necessidade, mas apenas que é insuficiente analisar um através do outro. Julgo, contudo, que a definição tradicional inclui um erro significativo, que passo a expor. Diz a tradição que ter interesse em x é ter uma necessidade que a realização de x pode satisfazer. Contudo, o uso intuitivo dos termos no sentido que nos convém mostra que a possibilidade de satisfação de uma necessidade não é suficiente para haver um interesse, pois a satisfação de uma necessidade pode levar à insatisfação de uma outra. Por outras palavras, pode acontecer que alguém tenha necessidade de x e que y realize x, mas, ainda assim, essa pessoa não tenha interesse em y. Isso acontece nalguns casos em que y também realiza z, e o sujeito tem necessidade de não-z. Por exemplo, se eu tenho necessidade de ingerir água na quantidade que, aproximadamente, cabe num copo e tenho à minha frente um copo de limonada e um copo de laranjada, então tenho à partida interesse quer em beber a limonada, quer em beber a laranjada (posso não ter interesse em beber ambas). Mas, se sou alérgico ao limão, que me provoca grandes dores de cabeça, então, nos casos mais comuns, tenho apenas interesse em beber a laranjada, e não em beber a limonada. Eu teria também interesse em beber a limonada se não fosse a alergia ou se não houvesse outro modo de saciar a sede, mas, de facto, não tenho interesse nisso. Como beber a limonada me satisfaria a necessidade de ingerir água, vemos que a satisfação de uma necessidade pela verificação de certo facto não basta para haver interesse nessa verificação. Só haverá interesse, 15

16 para usar linguagem pouco rigorosa, se «o conjunto das necessidades» da pessoa em causa «favorecer» o dito facto. Isto, naturalmente, não diz respeito apenas a copos de limonada e de laranjada, é um aspecto geral do conceito de «interesse» («objectivo»). É fácil figurar casos jurídicos equivalentes a respeito, v.g., do «interesse do credor» ou do «interesse público». O problema não é fácil de resolver. Não pode dizer-se, p. ex., que alguém tem interesse em x se a verificação de x satisfaria «o conjunto das necessidades» do titular do interesse. Não se vê sequer o que seja a satisfação do conjunto das necessidades de uma pessoa, à parte a hipótese de ingresso nalgum paraíso etéreo. Dizermos que há interesse quando o conjunto das necessidades do titular «favorece» certo facto passaria pela introdução de um termo novo e não esclarecido («favorecer»), que se suspeita que tenha de ser definido através do conceito de interesse. Também não é verdade que ter um interesse em x seja ter uma necessidade que x satisfaria e não ter nenhuma necessidade cuja satisfação x impediria. O interesse pode manter-se quando a sua satisfação impede a satisfação de algumas necessidades, bastando que, por exemplo, não haja outro modo de satisfazer a necessidade que corresponda ao interesse e que essa necessidade seja «mais importante» do que as necessidades prejudicadas. A aplicação do conceito de interesse, para usar uma metáfora comum entre os juristas, envolve a «ponderação» de todas as circunstâncias «relevantes». O difícil é dar conta disso numa definição que relacione «interesse» e «necessidade» e que evite a circularidade ou o uso de termos próximos. Veja-se, p. ex., que ao dizermos que certa necessidade é «mais importante» do que outra estamos apenas a dizer que há mais interesse na satisfação de uma do que na da outra. Não podemos certamente definir «interesse» com recurso a uma medida dos interesses. Esta falha da definição tradicional significa que ela omite um aspecto nuclear do conceito de interesse e que, portanto, dá dos interesses uma imagem enganadora. Ter interesse em x não corresponde a uma relação simples entre um aspecto delimitado do titular e um aspecto delimitado do universo. Pelo contrário, a verdade de um juízo de interesse depende da totalidade das qualidades do titular e da totalidade das qualidades do mundo. Só se cada uma dessas qualidades, no caso concreto, for irrelevante, «favorecer» a «existência» do interesse ou «contrariar» essa «existência» mas for «compensada» por outras qualidades que a «favoreçam» é que alguém terá um interesse nalguma coisa. O juízo de que alguém tem certo interesse envolve uma complexidade que a definição tradicional não deixa entrever. É a complexidade própria dos juízos «tudo visto», bem conhecidos a propósito da moral e do direito. Claro que isto não impede juízos a que ainda podemos chamar «juízos de interesse» em situações de informação limitada, mas estes 16

17 serão sempre juízos «em princípio», «prima facie», «tanto quanto se sabe», etc. Pelo contrário, quando se diz apenas que alguém tem interesse em x, a afirmação é «tudo visto». Cabe acrescentar que não são só os juízos de interesse que dependem de todas as circunstâncias: os próprios juízos de necessidade dependem de todas as circunstâncias, o que corrobora a ideia de proximidade entre os dois conceitos. Se tenho necessidade de comer agora, isso não resulta apenas de a minha saúde ou o meu bem-estar serem afectados se eu adiar a refeição, resulta também, p. ex., de não haver alguma ameaça à minha vida que se consumará no caso de eu comer em breve (de comer seja o que for). Se tal ameaça existe, não se diz que eu tenho necessidade de comer agora, diz-se que eu «tinha» ou «teria» essa necessidade, se não fosse a ameaça. Os casos tornam-se menos rebuscados com necessidades de conteúdo menos extenso, necessidades de conteúdo mais «concreto». Se tenho necessidade de «chumbar» um dente, isso não depende apenas de o dente ter um buraco, mas também de, p. ex., um «chumbo» não ter em mim efeitos secundários mais graves do que o referido buraco. 4. Interesse e bem relativo 4.1. Bom para alguém Assente a proximidade entre os conceitos de necessidade e de interesse proximidade excessiva para os nossos intentos pode pensar-se em substituir a definição tradicional por definições em que outros termos próximos de «interesse» tomem o lugar da referência a necessidades. Evidentemente, estas definições continuarão a ser pouco esclarecedoras, a fazer avançar pouco o entendimento do que é um interesse, mas sempre podem trazer sugestões diferentes das trazidas pela relação entre os conceitos de interesse e de necessidade. Assim, dir-se-ia, por exemplo, que certa pessoa tem um interesse em x se, e só se, x é útil para essa pessoa. A quase sinonímia entre estas duas expressões é do senso comum e vem atestada pelos dicionários. Por isso mesmo, e como se previa, não parece resultar daqui nenhum avanço analítico. Por outro lado, semelhante definição traria consigo algumas dúvidas geradas pelo tratamento do conceito de utilidade no seio do utilitarismo, em especial por poder haver quem defenda que a utilidade é a simples satisfação de preferências ou de desejos, o que poderia levar à identificação, naturalmente incorrecta, dos sentidos objectivo e subjectivo de «interesse». Noutras hipóteses de definição através de termos reconhecidamente próximos, poderíamos fazer corresponder o «interesse» ao que é vantajoso para o seu titular, ou àquilo que o beneficia. Mais 17

18 uma vez, semelhantes definições não são, só por si, muito esclarecedoras. Mas estas sugerem facilmente uma outra que usa um termo mais simples e genérico «bom» e parece abrir novos caminhos. Uma pessoa tem interesse em x se, e só se, x é bom para essa pessoa. 15 «Bom para» deve ser entendido, é claro, no sentido próximo de «para o bem de», e não no de «considerado bom por». Esta definição é certamente correcta. A relação entre «ter interesse em» e «ser bom para» é, mais uma vez, confirmada pela intuição de qualquer falante de português e pelos dicionários (nas entradas «bom» e «interesse»). A própria terminologia associada à definição tradicional chama «bem» à verificação do conteúdo do interesse. Se uma pessoa tem interesse em beber certo copo de água, então beber esse copo de água é bom para essa pessoa, e vice-versa. Fazer bem a uma pessoa é agir no seu interesse. Etc. O conceito de «bom para» é acompanhado dos de «mau para» e «indiferente para» «indiferente», no sentido de «nem bom, nem mau» e uma sua análise deve incluir os outros dois. Cabe agora discutir se a definição é elucidativa. A ideia central de definir «ter interesse» por relação àquilo que é «bom para» o titular é a de explicitar que o interesse corresponde a um valor. Um juízo de interesse será um juízo de valor. Nessa medida, o interesse entra numa mesma categoria com os valores morais, estéticos, epistémicos, etc., embora não se trate agora de valor intrínseco, mas de valor relativo a uma pessoa (ou entidade equiparável). A filosofia do interesse é, nesta visão, uma filosofia do valor ou axiologia, tal como a ética, etc. Uma sugestão daqui resultante, conforme conhecidas teorias doutros campos, é que o conceito de interesse seria um conceito fundamental ou básico, não analisável, um conceito sui generis e irredutível a outros, por ser também assim, porventura, o conceito não relativo de «bom». Talvez esta hipótese não seja propriamente um «esclarecimento» do que é ter um interesse, mas é, pelo menos, uma tentativa clara de localização da respectiva filosofia. Isto é uma vantagem relativamente à pseudo-análise contida na definição tradicional. A insusceptibilidade de análise não exclui por si que sejam válidas as discussões sobre aquilo que faz alguém ter um interesse. Deixa-se espaço para teorias hedonistas tem-se interesse naquilo que possa aumentar o prazer e diminuir o sofrimento, teorias autonomistas há interesse naquilo que alargue a autonomia, teorias dos valores objectivos, cognoscíveis através de alguma faculdade específica, teorias das preferências informadas e o que mais se quiser. 15 É em grande medida sobre o conceito de «bom para» o artigo de Roger Crisp na SEPh sobre bem-estar (artigo de 2008: Cf. ainda o Normativity de Judith Jarvis Thomson, também de 2008 (da editora Open Court; cf. sobretudo as pp ), e o «clássico» The Varieties of Goodness, de G. H. von Wright (Thoemes (Routledge), 1996 (1963)). 18

19 Definir «ter interesse» através de «ser bom para» deixa claro que os juízos de interesse são juízos «tudo visto», e não juízos dependentes de características delimitadas do titular do interesse ou do mundo. Também é assim quanto aos juízos sobre a bondade (em geral) de alguma coisa. Tal como quanto ao interesse, uma coisa pode ser boa para outra «em princípio», «prima facie», «tanto quanto se sabe», etc. Mas, se é boa tout court, é boa em face de todos os infinitos aspectos das coisas em vista. Um aspecto positivo e curioso deste modo de definição de «interesse» é o de ser facilmente extensível a uma definição de «necessidade». Uma pessoa tem necessidade de x se, e só se, não-x é mau para essa pessoa. Esta definição será, julgo eu, intuitivamente tida por correcta. As intuições são as mesmas com expressões sinónimas de «ter necessidade de» como «precisar de» ou «necessitar de». E a definição ainda dá alguma luz sobre o uso da mesma palavra para estas «necessidades» e para a «necessidade» enquanto categoria modal básica. 16 Um estado de coisas y é necessário se, e só se, não-y não pode ser o caso. Nas modalidades aléticas, «não pode ser o caso» quer simplesmente dizer «impossível». Para as «necessidades» que agora nos interessam, um estado de coisas «não pode ser o caso» se esse estado de coisas seria, tudo visto, mau. O verbo «poder» tem estas variedades de sentido. Relacionando os conceitos de necessidade e de interesse à luz destas definições, chegamos, no entanto, a um resultado «visualmente estranho», se posso exprimir-me assim. Quem tem necessidade de x tem interesse em x, o que se traduz em que se não-x é mau para certa pessoa, x é bom para essa pessoa. Quem tem interesse em x, pelo contrário, pode não ter necessidade de x, pois pode haver alguma alternativa a x que satisfaça do mesmo modo as necessidades do titular. Pode haver, digamos, um «interesse alternativo». Então, de acordo com as definições que estamos a considerar, se x (ou não-x) é bom para uma pessoa, daí não se segue que não-x (ou, respectivamente, x) seja mau para essa pessoa: pode ser indiferente. O que há aqui de «visualmente estranho» é que quando x é indiferente para alguém, ou seja, quando não é bom nem mau, não-x pode ser também indiferente, mas pode ainda ser bom para essa pessoa. Não pode é ser mau para ela. Esta falta de simetria dever-se-á com certeza a alguma insuficiência do modo de exposição que segui. 16 As categorias modais, digamos, «originárias» são a necessidade, a possibilidade, a impossibilidade e a contingência, que se relacionam num conhecido «quadrado de oposições». Também se lhes chama «modalidades aléticas». 19

20 A «análise» do interesse enquanto bem para uma entidade relaciona o conteúdo dos interesses com as pessoas sem passar por um conceito como o de necessidade, que vimos criar dúvidas. Pelo contrário, oferece uma «análise» do próprio conceito de necessidade. Ao mesmo tempo, delimita a discussão sobre outros titulares de interesses, além das pessoas. Aqui, todavia, as dúvidas são bastante maiores. No plano dos usos da linguagem, «ser bom para» admite dois tipos de «argumento interno»: 17 ou a descrição de um estado de coisas, ou a referência a uma pessoa ou outro objecto. O primeiro grupo de casos como na frase «tomar aspirinas é bom para aliviar as dores de cabeça.» não interessa ao nosso tema, limita-se normalmente a enunciar relações causais. É o segundo grupo que pode corresponder à titularidade de interesses. 18 Quanto a ele, ainda no plano linguístico, pode dizer-se que certo facto é bom não só para pessoas e afins, mas também para plantas, para bactérias (ainda que causadoras de doenças), para o ambiente, para artefactos (uma ida à oficina pode ser boa para um automóvel) e para outras coisas. Naturalmente, a nossa compreensão do conceito de ter um interesse impede que ele se aplique a várias destas entidades, o que parece revelar um erro (extensional) da definição que estamos a considerar. Mas a ideia subjacente à definição sugere o modo de corrigir esse erro. Digo apenas «sugere», não insinuo que isto de algum modo já resulte do sentido da definição. E o modo de correcção do erro é o de considerar que «ser bom para» só corresponde ao sentido de «ter interesse» quando a entidade para a qual algo é bom, o suposto titular do interesse, tenha ela própria um valor ético, político ou jurídico que dê, por sua vez, valor normativo àquilo que é bom para ela. Pensar-se-ia então, talvez, que o titular de um interesse teria de ter valor intrínseco, mas a ideia parece precipitada se considerarmos a possibilidade de as «pessoas colectivas» e outras instituições terem interesses. Tudo isto é, evidentemente, pouco conclusivo, mas não posso aqui ir mais além. 17 Sobre o conceito de argumento, cf. M.ª Helena Mateus et al., Gramática da língua portuguesa, 5.ª ed., Caminho, Lisboa, 2003, O «argumento externo» dos verbos e expressões verbais (hoc sensu) é normalmente o respectivo sujeito. Os verbos intransitivos não têm «argumentos internos»; os transitivos simples têm um argumento interno, etc. Verbos impessoais como «chover» não têm argumento nenhum. 18 Há ainda um terceiro tipo de casos, que vou ignorar, formalmente parecido com o primeiro mas com sentido mais relacionado com o segundo. Diz-se, v.g., que «coelho é bom para comer» ou que «Tonga é boa para passar férias». Estas frases são talvez traduzíveis por «comer coelho é bom para a pessoa que o come» e «Passar férias em Tonga é bom para quem lá as passa». 20

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