ARTE BRASILEIRA NO SÉCULO XIX: O NEOCLASSICISMO
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1 ARTE BRASILEIRA NO SÉCULO XIX: O NEOCLASSICISMO Por Danilo Sá de Moura RESUMO O Brasil no século XIX passa por suas mudanças mais profundas. No império, o estilo neoclássico contribui para divulgar de forma idealizada, as grandes conquistas do país. A Academia Imperial de Belas Artes vai marcar uma nova fase no método de ensino, baseado exclusivamente nas teorias neoclássicas. A arte brasileira, antes, incentivada principalmente pela igreja católica, baseava sua produção ao redor do tema religioso, no século XIX com o advento da arte neoclássica, retorna aos antigos temas clássicos, voltados para o homem. O texto pretende analisar de forma preliminar o neoclassicismo no Brasil e sua importância para o país no século XIX. PALAVRAS-CHAVE: Neoclassicismo, Arte brasileira, Academia Imperial de belas Artes.
2 A CHEGADA DA MISSÃO ARTISTICA FRANCESA NO BRASIL O inicio do séc. XIX no Brasil é marcado com a chegada do príncipe regente e da corte portuguesa no ano de 1808, estabelecida no Rio de janeiro, esse estado a partir de então, por ordens de D. João VI, começa a passar por suas mais profundas transformações políticas, econômicas, culturais e sociais com o objetivo de igualar o Brasil aos países Europeus: Como o Rio de Janeiro era, desde 1808, a nova sede do Império, Dom João VI devia dotar a cidade de uma infra-estrutura que refletisse, substancial e simbolicamente, a grandeza da monarquia européia. Dedicando o segundo decênio do século XIX á transformação da antiga colônia em reino, o regente toma certo número de medidas que permitem ao Brasil reduzir sua dependência de Portugal. (Albuquerque, A. C.; Duque, A. F.; Soares, R. A Pintura em Foco: O Neoclassicismo em uma Abordagem Historiográfica. Ano. II, N. 1, p ). No âmbito artístico, a maior mudança aconteceu com a chegada, em 26 de março de 1816, da missão artística francesa, um grupo de renomados artistas, sob a liderança de Joachim Lebreton, que vieram ao Brasil com o propósito de fundar uma Academia Imperial de Belas Artes e atualizar o cenário artístico brasileiro, que ainda se encontrava ligado à arte colonial de grande cunho religiosa. Efetivamente, esta academia seria inaugurada somente em 1826, entretanto, mudou a concepção estética do país, disseminando um ensino baseado nos idéias do neoclassicismo, conforme aponta Pereira (2008:15), A Academia inaugurou no país o ensino artístico em moldes formais, em oposição ao aprendizado empírico dos séculos anteriores. Faziam parte da missão o pintor e desenhista Jean-Baptiste Debret, o pintor especialista em paisagem Nicolas Antoine Taunay, o gravador Charles Simon Pradier (que logo regressaria à França em 1818), o escultor Auguste-Marie Taunay, o arquiteto Grandjean de Montigny e admitidos posteriormente os dois escultores e gravuristas Marc e Zépherin Ferrez. Da procedência desta missão, destacam-se duas: A primeira afirma que, por sugestão do conde da Barca, o príncipe Dom João requer ao marquês de Marialva,[...] a contratação de um grupo de artistas capaz de lançar as bases de uma instituição de ensino em artes visuais na nova capital do reino. [...] Marialva chega a Lebreton, que se encarrega de formar o grupo. A outra versão afirma que os integrantes da missão vêm por iniciativa própria, oferecendo seus serviços à corte portuguesa. [...] partidários de Napoleão Bonaparte, os artistas se sentem prejudicados com a volta dos Bourbon ao poder. Decidem vir para o Brasil e são acolhidos por D. João [...] (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL ARTES
3 VISUAIS.Missão Artística Francesa. Disponível em: action=marcos_texto&cd_verbete=340 A ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES O ensino na Academia Imperial de Belas Artes, com uma instrução voltada aos fundamentados do estilo neoclássico, proporcionou aos alunos o conhecimento da produção técnica da obra de arte, além de ampliar o repertório cultural e atualizar o cenário artístico brasileiro com a Europa: O modelo de ensino da Academia Imperial seguia os cânones da Ecole des Beaux-Arts, de Paris. Seus primeiros professores traziam na sua formação os conceitos e fundamentos da tradição neoclássica francesa (...) e, as difundiram entre os alunos da academia, como o ideal, a meta para todo jovem estudante de arte, tornar-se um grande artista. (XEXÉO, 2004; p 16, apud MESEU VICTOR MEIRELLES Dossiê Educativo, 2009; p. 13). Assim como qualquer outra instituição de ensino, a AIBA (Academia Imperial de Belas Artes) baseava seu currículo metodológico em teorias e regras rigorosas de aprendizado, cópia de obras originais dos grandes mestres da Europa, desenho de observação, memorização, modelo nu. Estava lançado o modelo de ensino que se disseminaria por todas as escolas do país e que caracterizaria o século XIX: No ensino, nessa orientação predominava basicamente o exercício formal da produção de figuras, do desenho do modelo vivo, do retrato, da cópia de estamparias, obedecendo a um conjunto de regras rígidas. No texto legal, o ensino da arte nos moldes neoclássico era caracterizado como acessório; um instrumento de modernização de outros setores, e não como uma atividade com importância em si mesmo. (SILVA; ARAÚJO; TENDÊNCIAS E CONCEPÇÕES NO ENSINO DE ARTE EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA: UM ESTUDO A PARTIR DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA E SÓCIO-EPISTEMOLÓGICA DA ARTE/EDUCAÇÃO).
4 Fig. 1 Academia Imperial de belas Artes De fato, a AIBA passaria por bons momentos com a direção de duas pessoas, os quais introduziram algumas mudanças, foram eles: o pintor e professor de desenho Félix Émile Taunay (diretor entre 1834 a 1851) e o pintor, arquiteto, poeta e dramaturgo gaúcho Manuel de Araújo Porto Alegre (diretor entre 1854 a 1857). Taunay foi quem organizou as exposições gerais e ofereceu como prêmio, bolsas de estudos à Europa para os alunos que mais se destacassem. Porto Alegre se preocupou com o sistema de ensino da Academia. A AIBA, prova com esses dois personagens, um período de grande estabilidade. A partir do penúltimo decênio do século XIX, a Academia passa por crises financeiras, grande aperto em oferecer bolsas de estudos e dificuldades em realizar as exposições gerais. O sistema de ensino e algumas situações precárias de estudo já estavam sendo duramente criticadas até mesmo por alunos, e especialmente pelo maior crítico de arte da época: Gonzaga Duque, um não adepto do neoclassicismo: Ah! Se o artista em lugar de encher a sua tela decorativa de tanta riqueza de estofos, colunas de mármore, e tapetes e flores e ânforas, tivesse pintado uma paisagem do Amazonas, a mata virgem daquela região
5 vastíssima! Talvez tivesse interpretado o assunto. (DUQUE, G. apud LINS, V; GONZAGA DUQUE: Crítica e Utopia na Virada do Século P. 12). Em 1980, com o período republicano e o crescente pedido de modernização, a academia passa a se chamar Escola Nacional de belas Artes, novos professores e diretores são admitidos, entretanto, essas mudanças ainda não foram suficientes: Na verdade, não houve grandes mudanças na estrutura curricular nem nos métodos de ensino. O que houve foi principalmente uma grande mudança no quadro docente. Os velhos mestres como Vitor Meireles e Pedro Américo foram aposentados, e uma nova geração assume a escola. (PEREIRA, S. G. 2008, p. 56). A PINTURA NEOCLÁSSICA NO BRASIL Com a chegada da missão artística francesa, o estilo acadêmico neoclássico é afirmado e desde então, a preferência se faz por obras que privilegiem e enunciem as qualidades artísticas questionadas pela antiguidade clássica; o equilíbrio, a clareza, a proporção, o belo, temas heróicos, alegorias e idealização. Desse modo, é classificado como inadequada e de mau-gosto a arte colonial barroca, com seus excessos de emoção e inspiração religiosa. Assim, passam a ser consideradas de mau-gosto e vistas como liberdades inadmissíveis a representação de anjos, apóstolos, da virgem e de Cristo como mulatos ou caboclos, como vazia o mestre colonial Manuel da Costa Ataíde. (...) Foram igualmente banidos os frutos e folhagens autóctones usados na talha decorativa barroca e a arquitetura cheia de curvas foi substituída por formas retilíneas e estáticas. (TEMÁTICA BARSA. Rio de janeiro: Barsa Planeta, v 9, p ) No Brasil Império ( ), era necessário reafirmar (no sentido de reorganizar) uma identidade nacional, difundir através da arte os grandes marcos e conquistas da nação, para fortalecer o sentimento de patriotismo, tendo em vista, a existência de uma grande quantidade de pessoas iletradas, a arte mais uma vez, assume um papel pedagógico. O neoclassicismo vai atingir seu ápice na segunda metade do século XIX, com a produção de telas de grandes dimensões descrevendo cenas históricas, além de alegorias e personagens brasileiros retratados como heróis. O discurso visual possuía uma função pedagógica, primordial na inspiração de virtudes e ideais civilizatórios. (...) A visão era apreciada enquanto instrumento de conhecimento mais confiável e legítimo, e a arte tornava-se fundamental na consolidação de valores como ordem, patriotismo e civilidade, tão caros a uma nação em construção. (CASTRO, I. P. OS
6 PINTORES DE HISTÓRIA: A PINTURA HISTÓRICA E SUA RELAÇÃO COM A CULTURA HISTÓRICA OITOCENTISTA. Ano 1, n zero, p ). Para a execução de qualquer obra neoclássica é necessário uma estrutura, ou seja, um estudo minucioso e científico do objeto ou tema a ser representado, e esse estudo se dá através do desenho, conforme aponta Argan (1992. p, 25), O projeto é desenho, o traço que traduz o dado empírico em fato intelectual. Neste estilo de composição é imprescindível a harmonia dos objetos dentro do campo visual, todas as figuras são dispostas de modo a nivelar o peso que adquirem nesse espaço, dessa forma, o equilíbrio é atingido. O nu feminino volta a fazer parte do repertório artístico, remetendo à concepção estética dos antigos gregos. Esse gênero de pintura, conforme a norma, é oriunda da imaginação do artista, ou seja, idealizada, não representando uma ligação direta com o mundo real, muitas das vezes o nu está codificado em uma alegoria, para não escandalizar a sociedade da época. Na obra abaixo, A Carioca, do artista Pedro Américo, vemos um exemplo de alegoria, o Rio Carioca é representado pela imagem de uma figura feminina, todo o cenário é proveniente do pensamento de um idealizador, não existe de fato, mas é a personificação de objetos ou matérias desprovidas de vida. A tonalidade do corpo da personagem remete ao mármore das esculturas clássicas, sua posição direta ao espectador, somado ao movimento voluptuoso que toca os cabelos, produz com quem observa uma experiência estética do belo ideal inexistente na natureza. Para o Brasil, que passava por muitas transformações políticas no século XIX, o neoclassicismo teve a função de fortalecer o povo brasileiro através do patriotismo, o destino não estava mais submetido às ordens e desejos de um Deus como acontecia no barroco colonial, agora, o homem impregnado pela filosofia clássica volta a se tornar a medida de todas as coisas: Os artistas voltam-se para a antiguidade clássica, procurando nos modelos gregos e romanos, o equilíbrio que convinha a uma sociedade laica, liberta dos ideais da Contra Reforma e desejosa do fausto europeu, buscado a todo custo. (...) (MAKOWIECKY, 2008; apud MESEU VICTOR MEIRELLES Dossiê Educativo, 2009, p. 13).
7 Fig. 2 Pedro Américo. A Carioca, óleo s/ tela 1882, 205x134 cm (MNBA) A ARQUITETURA NEOCLÁSSICA NO BRASIL A influência neoclássica também se faz sentir na arquitetura brasileira, e o agente transmissor deste estilo é a própria AIBA, em um primeiro momento com o arquiteto e professor, membro da missão artística francesa Grandjean de Montigny e posteriormente com seus discípulos, que irão erguer obras monumentais. No Brasil, esse estilo arquitetônico se divide em dois grupos: Os grandes centros litorâneos e nas províncias. No primeiro caso, desenvolve-se um tipo de arquitetura mais complexa e fiel os padrões europeus, pois contava com maior número de mão-deobra especializada e materiais para construção importados da Europa: (...) nos centros maiores do litoral, especialmente Rio de Janeiro, Belém e Recife que tinham contato direto com a Europa, desenvolveram um nível mais complexo de arte e arquitetura e se integrou nos moldes internacionais da sua época (...) (TRIANA, A; SILVA, E. M. ARQUITETURA NEOCLÁSSICA IDEIA, MÉTODO E LINGUAGEM).
8 Fig. 3 Louis- Léger Vauthier. Teatro Santa Isabel, Recife, A arquitetura nas províncias apresenta-se menos rebuscada que nas cidades litorâneas, o estilo neoclássico adorna apenas superficialmente as residências, e mesmo assim, o barroco colonial ainda é visível em alguns elementos destas casas, principalmente na materialidade empregada para a construção. Isso acontece por dois motivos; a falta de materiais adequados, que inviabilizou a sutileza da arquitetura neoclássica; e segundo, a carência de mão de obra especializada, o que implicou em cópias muitas vezes toscas das grandes arquiteturas litorâneas pela mão de obra escrava: As residências urbanas nas Províncias constituíam cópias imperfeitas da arquitetura dos grandes centros do Litoral, pois ainda que seus construtores e proprietários pretendessem estar realizando obras neoclássicas, na maioria dos exemplos esta vinculação com a temática e linguagem do neoclássico era muito superficial. (...) Mas as transformações arquitetônicas se limitavam à superfície; papéis decorativos importados da Europa, pinturas aplicadas sobre as paredes de terra para assemelhar-se aos interiores europeus, onde muitas vezes se pintavam fingimentos, sugerindo uma ambientação neoclássica jamais realizável com as técnicas e matérias disponíveis no local. (TRIANA, A; SILVA, E. M. ARQUITETURA NEOCLÁSSICA IDEIA, MÉTODO E LINGUAGEM. p, 41)
9 Fig. 4 Barroco na província Podemos concluir que, mesmo com o neoclassicismo no panorama da arte brasileira do século XIX, não significa que tenha deixado de existir o barroco dos antigos grandes mestres, muito pelo contrário, ambos os estilos acontecem concomitantemente, e juntos, oferecem uma nova possibilidade de construção, que, a propósito, será muito utilizada ao longo no século, principalmente com o advento do ecletismo na arquitetura. No entanto, a expansão do neoclassicismo não significa que formas mais tradicionais, ligadas às raízes coloniais, tenham desaparecido. Nas províncias e também na capital, igrejas e seu recheio em telha, imaginária e pintura, prolongaram ainda por bom tempo as formas coloniais, se bem que numa conotação mais classicizante. No Rio de Janeiro, por exemplo, ainda se constroem inúmeras igrejas ao longo do século XIX, como a igreja de São Francisco de Paula, em que os estilos rococó, pombalino e neoclássico se complementam nas fachadas e na decoração interna. (PEREIRA, S. G P, 32).
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGAN, J.C., ARTE MODERNA Do Iluminismo aos Movimentos Contemporâneos, Albuquerque, A. C.; Duque, A. F.; Soares, R. A Pintura em Foco: O Neoclassicismo em uma Abordagem Historiográfica, SILVA; ARAÚJO; TENDÊNCIAS E CONCEPÇÕES NO ENSINO DE ARTE EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA: UM ESTUDO A PARTIR DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA E SÓCIO-EPISTEMOLÓGICA DA ARTE/EDUCAÇÃO. LINS, V., GONZAGA DUQUE: Crítica e Utopia na Virada do Século MESEU VICTOR MEIRELLES Dossiê Educativo, PEREIRA, S. G., ARTE BRASILEIRA NO SÉCULO XIX TEMÁTICA BARSA. Rio de janeiro: Barsa Planeta, v 9. CASTRO, I. P., OS PINTORES DE HISTÓRIA: A PINTURA HISTÓRICA E SUA RELAÇÃO COM A CULTURA HISTÓRICA OITOCENTISTA. Ano 1, n zero. TRIANA, A; SILVA, E. M., ARQUITETURA NEOCLÁSSICA IDEIA, MÉTODO E LINGUAGEM. BEUTTENMULLER, A., VIAGEM PELA ARTE BRASILEIRA SITE: Acesso em 20/04/2010
11 AS IMAGENS Fig 1. Academia Imperial de Belas Artes. Disponível em: acesso em 21/04/2010 Fig 2. A Carioca. Disponível em: te=3030&cd_obra=1145 acesso em 21/04/2010 Fig 3. Teatro Santa Isabel. Disponível em: acesso em 21/04/2010 Fig 4. Arquitetura Barroca provinciana. Disponível em: TRIANA, A; SILVA, E. M., ARQUITETURA NEOCLÁSSICA IDEIA, MÉTODO E LINGUAGEM. p, 48.
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