Ensaio mecânico e uso clínico do enxerto homógeno processado *
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- Paulo Clementino Santarém
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1 ENSAIO MECÂNICO E USO CLÍNICO DO ENXERTO HOMÓGENO PROCESSADO ARTIGO ORIGINAL Ensaio mecânico e uso clínico do enxerto homógeno processado * JOSÉ B. VOLPON 1, RICARDO MARZOLA P. DA COSTA 2 RESUMO Em ensaio laboratorial foram avaliadas as propriedades mecânicas do osso corticoesponjoso humano preparado para ser usado como enxerto. Em uma segunda etapa, osso humano corticoesponjoso processado quimicamente foi usado como enxerto homógeno e avaliado clinicamente. Inicialmente, após triagem para doadores de tecidos, foram obtidos blocos de osso corticoesponjoso da epífise distal do fêmur e proximal da tíbia. Este osso foi preparado pela limpeza, retirada da gordura, desidratação, acondicionado, esterilizado em óxido de etileno e estocado em meio ambiente. O ensaio mecânico consistiu de testes de compressão de amostras ósseas com formato cilíndrico, tanto do osso processado, como do osso in natura. Foi observado que o osso processado apresentou maior resistência mecânica, quando comparado com o não processado. O ensaio clínico consistiu no uso de blocos de osso processado, em situações cirúrgicas em que estava indicado o uso de enxerto ósseo. Vinte pacientes com 23 enxertos foram analisados radiográfica e prospectivamente, com idade média de sete anos e seguimento médio de 14 meses. Em 20 situações o enxerto foi usado na forma de bloco único para osteotomias supracetabulares (12 casos), em artrodese subtalar extra-articular (seis casos) e em osteotomia supramaleolar (dois casos). Em três casos foi usado na forma de fragmentos para preenchi- * Trabalho realizado no Laboratório de Bioengenharia e no Setor de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). 1. Professor Associado. 2. Médico residente do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Endereço para correspondência: José B. Volpon, Rua São José, Ribeirão Preto, SP. Recebido em 5/5/00. Aprovado para publicação em 20/6/00. Copyright RBO2000 mento de cavidade óssea pós-ressecção tumoral. Não houve infecção. Em todos os casos, exceto um, houve integração do enxerto. Em um caso surgiu reação em torno do enxerto que terminou por integrar-se, embora em período mais longo. Os autores concluem que este tipo de enxerto tem resistência mecânica adequada e é uma alternativa viável e útil para substituição do enxerto autógeno fresco e constituição de bancos de ossos. Unitermos Enxerto ósseo; ensaio mecânico; osteogênese; óxido de etileno ABSTRACT Mechanical testing and clinical performance of the processed homogenous bone graft The mechanical properties of blocks made of chemically processed corticocancellous human bone were determined in a test machine and compared with the frozen preserved bone. In a second step, the processed human corticocancellous bone was used as a graft in patients and evaluated. The bone used in this study was legally obtained from the distal femur and proximal tibia of donors and cut so as to yield blocks that were cleaned of soft tissue, defattened, dehydrated, packed, sterilized in ethylene oxide and stored at room temperature. The mechanical tests were in compression and performed in cylindrical samples for both processed and frozen stored bones. Processed bone was found to be stronger than the bone kept in the freezer. Twenty patients received the processed 23 grafts whose integration was analyzed from X-rays. In 20 patients the graft was used in the shape of blocks for supra-acetabular osteotomies (12 cases), extra-articular subtalar arthrodesis (six cases) and supramalleolar osteotomies (two cases). In three conditions the graft was chipped and used to treat bone cavities that resulted from bone curettage (cyst). In all but Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 6 Junho,
2 J.B. VOLPON, R.M.P. COSTA one case there was complete graft integration. The authors conclude that this kind of graft has an adequate mechanical resistance, an adequate biological performance, and may be a good alternative for the autogenous bone graft and bone banking. Key words Bone graft; mechanical testing; osteogenesis; ethylene oxide INTRODUÇÃO A enxertia óssea é um dos assuntos mais pesquisados em ortopedia e traumatologia, pois sempre se buscou explorar novas possibilidades de enxerto que superassem limitações ou satisfizessem condições específicas de seu emprego. À medida que a cirurgia ortopédica se desenvolve, aumenta a necessidade de uso de enxerto, pois um substituto para o osso que tenha suas qualidades biológicas e mecânicas ainda não foi encontrado. A base científica do transplante ósseo foi estabelecida na metade do século XIX com observações feitas por Ollier, em 1867, sobre as propriedades osteogênicas do osso e periósteo. Inclan (1) e Wilson (2) publicaram estudos em que descreviam o uso de osso preservado em cirurgia ortopédica, lançando bases seguras para a constituição de bancos. Friedlander (3) ampliou o uso do enxerto ao comprovar a influência benéfica do frio para a preservação das características osteogênicas. O osso autógeno ainda é o melhor material do ponto de vista da osteogênese e tem a vantagem adicional de não transmitir doenças infecto-contagiosas. Entretanto, algumas vezes, apresenta limitações de uso, como, por exemplo, quantidade insuficiente. Isso pode ocorrer porque a quantidade total de enxerto requerida é muito grande ou porque a fonte doadora é escassa, como nas crianças e em pacientes já submetidos a cirurgias anteriores que exauriram áreas potencialmente doadoras de osso. Outras vezes, é desejável que o enxerto tenha propriedades adicionais, como formato e dimensões físicas específicas, resistência mecânica ou possibilidade de estocagem. Além disso, a obtenção do auto-enxerto representa uma cirurgia adicional, muitas vezes dentro de um ato cirúrgico complexo, aumentando a morbidade de maneira geral. A retirada de enxerto não é de todo inócua. Dawson et al. (4) avaliaram pacientes submetidos à retirada de enxerto do osso ilíaco e constataram que muitos referiam dor ou desconforto no local doador do enxerto, anos após a cirurgia. Outros autores (5-7) constataram lesões de nervos associadas, bem como infecções, hematomas, lesões vasculares, instabilidade da articulação sacroilíaca e deformidade estética. Todos esses fatores levam à necessidade do desenvolvimento de técnicas de estocagem e preservação de osso, constituindo bancos, que podem ser mais facilmente implementadas com o uso de osso proveniente de doadores cadáveres. O objetivo desta investigação foi avaliar, do ponto de vista mecânico e biológico, o desempenho do osso humano corticoesponjoso submetido a tratamento químico, estocado, e já em uso clínico. MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho foi dividido em duas etapas: 1) Obtenção e processamento de osso humano, seguido do ensaio mecânico comparativo (enxerto processado quimicamente x enxerto in natura preservado por congelação). 2) Avaliação radiográfica dos casos clínicos (humanos) nos quais foi utilizado o enxerto processado quimicamente. Obtenção e preparo do enxerto Seleção dos doadores Foram utilizadas as normas da Associação Americana de Tecido. Doenças como AIDS, hepatite, sífilis, tuberculose, micoses ósseas ou metástases tumorais excluíam os doadores potenciais, assim como também foram excluídos pacientes que apresentaram evidências de doenças sistêmicas ou localizadas nos ossos e tecidos moles, vítimas de morte por envenenamento, grandes queimados e pacientes que haviam ingerido drogas ou substâncias tóxicas. Todos foram doadores de múltiplos órgãos; a doação foi consentida e obtida pelo setor de captação de órgãos e tecidos da instituição. Outros elementos que fizeram parte do protocolo de seleção de doadores incluíram faixa etária de 16 a 55 anos, tipagem sanguínea, hemocultura e os testes laboratoriais AgHBs, anti-hbs, anti-hiv e anti-hcv. Obtenção e processamento dos ossos Os casos foram coletados em sala cirúrgica, logo após a retirada dos demais órgãos e tecidos interessados pelas outras especialidades. Foram seguidas as técnicas cirúrgicas convencionais, não sendo obedecidas normas rigorosas de assepsia. Foram ressecados os terços distais dos fêmures e terços proximais das tíbias. Após a retirada dos blocos ósseos, os membros dos cadáveres foram recompostos com auxílio de tubos plásticos ou cabos de madeira, que foram encaixados e ajustados nas regiões doadoras. 220 Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 6 Junho, 2000
3 ENSAIO MECÂNICO E USO CLÍNICO DO ENXERTO HOMÓGENO PROCESSADO Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3 Os segmentos ósseos foram identificados, acondicionados em sacos plásticos e mantidos em freezer à temperatura em torno de 14ºC. Desta maneira, permaneceram armazenados no mínimo três e, no máximo, 12 meses. Para o processamento as peças foram, sem cuidados de assepsia, serradas em blocos de osso corticoesponjoso, de vários formatos e tamanhos, lavados em água corrente, escovados, removidos os detritos e retirados os tecidos moles aderidos. Após a limpeza mecânica, foi iniciado o processamento químico, obedecendo à seguinte seqüência: 1) Fixação em álcool absoluto por 48 horas. 2) Manutenção em água oxigenada (10 volumes) até o clareamento. 3) Remoção da gordura em éter etílico (trocas até a remoção completa). 4) Desidratação final em álcool absoluto por 48 horas. 5) Secagem em estufa por 24 horas. 6) Esterilização em óxido de etileno ( mg/l, 30 a 60% de umidade, 21ºC) em embalagens individuais. Os ossos sofreram nova esterilização após seis meses, se não usados, e só foram utilizados até um ano de estocagem. Processamento dos corpos de prova e ensaio mecânico Os ossos destinados ao ensaio mecânico foram retirados da peça com uma trefina de modo a fornecer quatro pares de blocos cilíndricos, com 1cm de diâmetro e 1,5cm de altura, para serem usados como corpos de prova. Cada par foi obtido de regiões ósseas adjacentes. De cada par, um cilindro foi processado quimicamente e esterilizado em óxido de etileno, como descrito e, o outro, congelado ( 14ºC). Os corpos de prova foram ensaiados em compressão (fig. 1) e obtidos valores para confecção de gráficos carga x deformação, com a carga representada no eixo das ordenadas e a deformação nas abscissas. Com estes gráficos foram calculadas as propriedades mecânicas. Inicialmente, foi traçada a reta de regressão pela fase elástica da curva carga x deformação e identificado o seu ponto limite, que foi projetado nos eixos cartesianos para fornecer a carga e deformação no limite de proporcionalidade (LP). A rigidez é dada pela inclinação da reta na fase elástica no gráfico, calculada pela tangente do ângulo formado por esta reta e uma linha horizontal, e a resiliência (R), pelo cálculo da área do triângulo formado pela reta na fase de deformação plástica e o eixo das abscissas (fig. 2). Foram registradas, também, para efeito de comparação, as maiores cargas e deformações alcançadas em cada ensaio, identificadas na curva de cada ensaio (LM). Avaliação dos pacientes operados Seleção dos pacientes O protocolo do uso do enxerto foi aprovado pela Comissão de Normas Éticas e Disciplinares da instituição. Para o estudo radiográfico foram avaliados 20 pacientes (23 enxertias) que tiveram seus procedimentos cirúrgicos realizados no período de agosto de 1997 a novembro de O grupo de estudo foi composto por 10 crianças do sexo feminino e 10 do sexo. A idade no ato cirúrgico variou de um ano e sete meses a 11 anos e 10 meses, com média de sete anos e mediana de oito anos e sete meses. Os pacientes foram submetidos a procedimentos cirúrgicos ortopédicos clássicos que demandam a utilização de enxertos ósseos para preencher espaço ou, também, com função mecânica, além de propiciar a osteogênese. Em 20 casos o enxerto foi utilizado na forma de bloco único (fig. 3), sendo que em três destes casos ele foi fixado com fios de Kirschner. Em três casos o enxerto foi utilizado na forma fragmentada para preenchimento de cavidade. A conduta pós-operatória foi estabelecida em função da cirurgia realizada, sem modificação por causa do uso do enxerto. Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 6 Junho,
4 J.B. VOLPON, R.M.P. COSTA TABELA 1 Resultados das médias aritméticas das propriedades mecânicas dos corpos de prova do osso preparado e não preparado Tipo de enxerto Limite de proporcionalidade (kgf) Deformação no limite de proporcionalidade (mm) Rigidez (N/m) Resiliência (N x m) Carga máxima (CM) (kgf) Deformação máxima (DM) (mm) Processado 32,8 0,17 1,75 x ,45 x 10 3 CM = 35,9 DM = 0,22 Não processado 19,1 0,12 1,56 x ,43 x 10 3 CM = 26,39 DM = 0,25 Fonte: FMRP-USP Os pacientes retornaram a cada quatro semanas ou menos, durante os três primeiros meses de período pós-operatório. Nas radiografias foram avaliadas a integração, posição e reações locais ao enxerto. Para avaliação da posição do enxerto, foram comparadas as radiografias realizadas no transoperatório com as realizadas no dia. A presença do início da integração foi detectada quando se observava a diminuição na densidade radiográfica do enxerto e trabeculações (matriz óssea) atravessando a interface osso-enxerto. O período de seguimento para avaliação radiográfica foi, no mínimo, de 12 meses e, no máximo, de 25 meses (média: 14 meses; mediana: 18 meses). RESULTADOS A tabela 1 fornece os resultados dos ensaios mecânicos obtidos com o enxerto processado quimicamente e preservado por congelamento, mostrando que o processamento aumentou a resistência do osso. Os 20 pacientes não apresentaram reação local anômala na região operada, infecção ou qualquer intercorrência clínica pós-operatória. Como o osso preparado é radiopaco, foi possível, nas radiografias pós-operatórias, fazer seguimento da integração e de reações adversas ocorridas com o enxerto (figs. 4 e 5). O início da integração do enxerto foi observado, em média, em torno da 7ª semana e a integração completa, em média, por volta da 17ª semana (tabela 2). Em um caso não foi observada a integração do enxerto, havendo posteriormente a completa reabsorção do mesmo, na 20ª semana pós-operatória. Fig. 4 Fig. 5 Em dois casos houve reabsorção parcial do enxerto, seguida da integração completa, sem comprometer o resultado final da cirurgia. Em um caso houve formação esclerótica em torno do enxerto que persistiu após a integração, com tendência para diminuir. DISCUSSÃO A utilização de ossos de banco é, sem dúvida, um recurso que vem sendo largamente empregado em vários países. Publicações de artigos descrevendo o uso de ossos preservados apareceram mais freqüentemente a partir das décadas de 40 e 50 (1,2). Como algumas das vantagens na utilização de homoenxertos ósseos preservados, podemos citar que são particularmente úteis em crianças que têm a crista ilíaca em grande parte cartilaginosa e capaz de fornecer menor quantidade de enxerto. Outra vantagem é evitar a dor que, às vezes, é mais acentuada no local de doação que na região da cirurgia principal (3). Apesar da inferioridade do homoenxerto ósseo quando comparado com o auto-enxerto no que se refere ao seu potencial osteogênico, é bem estabelecido que são bem incorporados em crianças. Os homoenxertos são 222 Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 6 Junho, 2000
5 ENSAIO MECÂNICO E USO CLÍNICO DO ENXERTO HOMÓGENO PROCESSADO TABELA 2 Detalhamento seqüencial dos casos, conforme a idade, procedimento cirúrgico e avaliação do desempenho do enxerto Caso Idade/sexo Diagnóstico Procedimento Início de Integração Posição Reações (anos + meses) cirúrgico realizado integração completa do enxerto adversas Legg-Perthes Osteotomia de Salter 8 semanas 24 semanas Inalterado Ausentes Displasia Osteotomia de Salter 8 semanas 24 semanas Inalterado Ausentes feminino acetabular Displasia Aumento da cobertura 6 semanas 16 semanas Perda parcial Ausentes feminino acetabular acetabular de Staheli Displasia Osteotomia de Salter 4 semanas 12 semanas Inalterado Ausentes feminino acetabular Cisto ósseo Curetagem Não Não Reabsorção simples observada observada completa de todo o enxerto Displasia Acetabuloplastia 4 semanas 12 semanas Inalterado Ausentes feminino acetabular de Tönnis Legg-Perthes Osteotomia de Salter 8 semanas 16 semanas Inalterado Ausentes Pé valgo Artrodese subtalar 6 semanas 12 semanas Inalterado Ausentes feminino espástico extra-articular de Grice* Cisto ósseo Curetagem e enxertia 8 semanas 32 semanas Inalterado Integração parcial aneurismático do enxerto Displasia Acetabuloplastia 6 semanas 12 semanas Inalterado Ausentes feminino acetabular lateral (Tönnis) Seqüela lesão Osteotomia 12 semanas 20 semanas Perda parcial Reabsorção parcial feminino fisária supramaleolar, do enxerto cunha de adição Seqüela infecção Osteotomia 8 semanas 20 semanas Inalterado Ausentes supramaleolar, cunha de adição Pé valgo Artrodese subtalar 8 semanas 16 semanas Inalterado Reabsorção parcial espástico extra-articular de Grice* do enxerto Osteoma Ressecção em bloco 8 semanas 20 semanas Inalterado Ausentes osteóide Displasia Osteotomia de Salter 6 semanas 12 semanas Deslocamento Ausentes feminino acetabular parcial Legg-Perthes Osteotomia de Salter 8 semanas 20 semanas Inalterado Ausentes Legg-Perthes Osteotomia de Salter 8 semanas 12 semanas Inalterado Ausentes Legg-Perthes Osteotomia de Salter 8 semanas 12 semanas Inalterado Ausentes Pé valgo Artrodese subtalar 8 semanas 20 semanas Inalterado Ausentes feminino espástico extra-articular de Grice* Seqüela artrite Acetabuloplastia 12 semanas 20 semanas Inalterado Reação esclerótica feminino séptica lateral (Tönnis) vizinha * Procedimentos bilaterais Fonte: FMRP-USP também úteis em pacientes idosos, cujos ossos osteoporóticos fornecem auto-enxerto de má qualidade. A partir destes conhecimentos, selecionamos crianças para avaliar o desempenho clínico do enxerto homógeno preparado. Em primeiro lugar, uma pesquisa clínica com estas características encontra limitações de metodologia, pois deve ficar subordinada aos regulamentos da Declaração de Helsinque sobre a experimentação em seres huma- Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 6 Junho,
6 J.B. VOLPON, R.M.P. COSTA nos. Assim, não foi estabelecido um grupo controle vazio para comparação exclusiva do enxerto homógeno preparado. Além disso, não foi nossa intenção estabelecer comparação do desempenho clínico entro o enxerto homógeno preparado e o enxerto autógeno. Iniciamos a utilização de ossos de banco em 1997 e, baseados nos primeiros resultados, realizamos um total de 23 implantes de enxerto homógeno processado com tempo suficiente de seguimento para esta primeira avaliação. Entre as várias técnicas descritas na literatura para a utilização de ossos armazenados em banco, resolvemos adotar aquela que empregava ossos retirados de cadáveres, com morte cerebral, que serviam como doadores de múltiplos órgãos, fato que facilitou a triagem dos doadores, uma vez que esta já era realizada pela comissão responsável pela busca de doadores de múltiplos órgãos. Ao selecionarmos um enxerto, como o empregado neste trabalho, tivemos em mente a possibilidade de usá-lo no futuro para a criação de um banco de ossos. Assim, a conservação deveria ser fácil e a preparação simples e rápida. De nossa experiência, concluímos que os dois objetivos foram atingidos com o atual enxerto e encontramos, ainda, um baixo custo para a preparação e facilidade de estocagem, em temperatura ambiente. Tivemos interesse em avaliar as propriedades mecânicas do enxerto, pois os métodos de processamento poderiam alterar sua resistência, tornando-o quebradiço e, portanto, inadequado, quando o osso também deve atuar como espaçador, como, por exemplo, na osteotomia de Salter. As propriedades mecânicas mostraram que, de fato, o processamento torna o enxerto mais resistente às forças de compressão, o que é uma característica bastante útil. Pela avaliação dos nossos resultados, interpretamos que o enxerto ósseo atuou efetivamente em 22 dos 23 casos em que foi empregado. Verificamos que, mesmo usado em condições clínicas variadas, a osteogênese ocorreu em velocidade adequada. Provavelmente, o enxerto ósseo processado não atua como elemento osteogênico, pois o tratamento deve destruir todos os fatores biológicos que estimulam a neoformação óssea, principalmente representados pela proteína morfogenética óssea (8). Segundo Chalmers e Sissons (9), são necessárias três condições básicas para ocorrer a osteogênese: 1) presença de um estímulo indutor, 2) existência de célula osteoprogenitora, e 3) um meio tissular favorável. Assim, o provável efeito do nosso implante ósseo foi atuar como osteocondutor, isto é, um meio especialmente adequado para a proliferação óssea, como ocorre com a hidroxiapatita (11). Entretanto, em relação a esta, o enxerto apresenta a vantagem de ser mais barato e ser mais rapidamente reabsorvido. Outro fator que deve ter favorecido o desempenho do enxerto foi o fato de ter sido usado apenas em crianças. Na literatura, não encontramos trabalhos semelhantes para comparação dos nossos resultados. Entretanto, verificamos que, em alguns casos, se for feita analogia com o enxerto autógeno, a incorporação do enxerto homógeno preparado foi mais lenta. Essa impressão reforça a idéia de que o enxerto em questão é uma alternativa de uso em relação ao enxerto autógeno e não seu substituto ideal. O caso em que houve reabsorção completa do enxerto nos alertou que esse tipo de enxerto pode não ter boa integração quando utilizado para preenchimento de grandes cavidades ósseas, o que nos levou à interrupção da utilização nessas situações. CONCLUSÕES O osso processado quimicamente e esterilizado em óxido de etileno: 1) Apresenta maior resistência aos esforços de compressão quando comparado com o osso não processado quimicamente; 2) Apresenta boa capacidade de integração, permitindo a reossificação, quando usado como enxerto; 3) Não causou infecção, o que implica a eficiência do método de esterilização. REFERÊNCIAS 1. Inclan A.: The use of preserved bone graft in orthopedic surgery. J Bone Joint Surg [Am] 24: 81-96, Wilson P.D.: Experience with a bone bank. Ann Surg 126: , Friedlander G.E.: Bone banking. J Bone Joint Surg [Am] 64: , Dawson E.G., Lotysch III M., Urist M.: Intertransverse process lumbar arthrodesis with autogenous bone graft. Clin Orthop 15: , Schneider J.R., Bright R.W.: Anterior cervical fusion using preserved bone allografts. Transplant Proc 8: 73-76, Tomford W.W., Doppelt S.H., Mankin H.J. et al: Bone bank procedures. Clin Orthop 174: 15-21, Smith S.E., Lee J.C., Ramamurthys S.: Ilioinguinal neuralgia following iliac bone-grafting. Report of two cases and review of the literature. J Bone Joint Surg [Am] 66: , Urist M.: Bone: formation by autoinduction. Science 150: , Chalmers J., Sissons H.A.: An experimental comparison of bone grafting materials in the dog. J Bone Joint Surg [Br] 41: 209, Bucholz R.W., Carlton A., Holmers R.E.: Hydroxyapatite and tricalcium phosphate bone graft substitutes. Orthop Clin North Am 18: , Rev Bras Ortop _ Vol. 35, Nº 6 Junho, 2000
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