Aspectos da relação fala-escrita
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- Judite Peres Fidalgo
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1 Aspectos da relação fala-escrita Carla Andréia Souza Nascimento 1 Maria Amélia Rocha Machado Míria Helena Monteiro da Cunha Universidade Federal da Bahia (UFBA) Resumo Este trabalho aborda a relação fala-escrita, alicerçada nas pesquisas hodiernas da lingüística textual, que defendem a tese de que essas modalidades lingüísticas devam ser analisadas a partir do continuum tipológico de gêneros textuais. Alicerçada nessa perspectiva, objetiva-se evitar enfoques dicotômicos, que atribuem, a partir dos seus gêneros prototípicos, características exclusivas às referidas modalidades, não as reconhecendo, pois, como práticas sociais (BAKHTIN, 2003, p ). Palavras-chave: Relação fala-escrita - Modalidades lingüísticas - Gêneros textuais. Abstract This paper deals with the relationship speech-writing founded in modern text linguistic research. This research argues that these linguistic modalities should be analyzed from a typological continuum of text genres. Based on this perspective, the aim is to avoid dichotomies, which attribute exclusive characteristics to those modalities taking as starting point prototypical genres; as a result, speech and writing are not recognized as social practice (BAKHTIN, 2003, p ). Keywords: Speech-writing relationship - Linguistic modalities - Text genres. Considerações iniciais O tema desenvolvido neste estudo é a relação fala-escrita. Para tanto, faz-se necessário um recorte sincrônico da história da lingüística desde a antigüidade clássica. Nesse período, os antigos gregos admiravam as grandes obras literárias, fato este ratificado pela definição de gramática de Dionísio da Trácia 2 (séc.ii a.c.). Houve, portanto, uma marginalização da língua efetivamente falada no ato comunicativo. A supremacia da escrita sobre a fala originou, segundo Lyons (1979), o erro clássico, ou seja, o erro de interpretar a língua falada em relação direta com a escrita e a suposição de que a língua dos escritos antigos fosse mais pura do que a fala coloquial. No entanto, na Grécia Antiga, menos de dez por cento da população sabia ler e escrever (OLSON, 1998). 1 As autoras são estudantes de Letras da UFBA. 2 Conceito de gramática de Dionísio: conhecimento prático do uso lingüístico comum aos poetas e prosadores. (ROBINS, 1979, p. 23).
2 2 Perspectiva das dicotomias estritas Ao se adotar como parâmetro a tradição greco-latina, alguns lingüistas como Bernstein (1989), Labov (1972), Halliday (1985-1ª fase) e Ochs (1979), analisaram a relação fala-escrita numa perspectiva dicotômica estrita, realizando-se em sistemas lingüísticos distintos. Neste caso, a análise é voltada para o código e permanece na imanência do fato lingüístico. Na abordagem imanentista, textos prototípicos e características específicas são atribuídos a cada modalidade, como se observa nos quadros a seguir: Quadro 1: Visão imanentista versus Visão interacionista Visão imanentista Visão interacionista língua falada língua escrita língua falada língua escrita Conversação face a face Textos científicos Continuum tipológico: inter-relação entre os gêneros textuais O quadro 1 expõe duas propostas para a relação fala-escrita. Na visão imanentista, fala e escrita são vistas como opostas, visto que sendo atribuída a conversação face a face é considerada como gênero prototípico da fala e o texto científico, da escrita. Já na visão interacionista, ocorre a inter-relação das modalidades, sem a determinação de gêneros exclusivos. Quadro 2: Relação fala-escrita na visão dicotômica Fala Escrita 1 contextualizada 1 descontextualizada 2 não-autônoma 2 autônoma 3 implícita 3 explícita 4 redundante 4 condensada 5 não-planejada 5 planejada 6 predominância do modus pragmático 6 predominância do modus sintático 7 fragmentada 7 não-fragmentada 8 incompleta 8 completa 9 interativa 9 não-interativa 10 pouco elaborada 10 elaborada 11 menor densidade lexical 11 maior densidade lexical (KOCH, 1998, p. 62) Este quadro, retirado do livro de Koch (1998), menciona as diferenças entre fala e escrita com base na visão dicotômica da linguagem. Para o entendimento do primeiro tópico, faz-se necessária apresentar a idéia de contexto dentro dessa abordagem. É importante ressaltar que na visão estrita, o contexto
3 3 é entendido como espaço puramente físico, onde a comunicação, realizada por elementos paralingüísticos, é efetivada. Nesse aspecto, a fala é considerada contextualizada, enquanto a escrita é vista como descontextualizada por não apresentar contexto situacional (tempo, espaço e elementos paralingüísticos), considerado fundamental para o ato comunicativo. Na visão estrita, a explicitude corresponde à precisão e à clareza contidas no texto escrito. Por possuir autonomia semântica, ou seja, por utilizar o código lingüístico em prol da compreensão do texto, a escrita é explícita, enquanto a fala, provida de elementos paralingüísticos, é implícita e não-autônoma por ser dependente do contexto de realização (contexto discursivo). No entanto, as modalidades de uso da língua não estão restritas a características exclusivas, uma vez que existem, no continuum tipológico de gêneros textuais, textos falados que se assemelham à língua escrita (tais como as entrevistas pessoais e as exposições acadêmicas), assim como textos escritos que se aproximam da língua falada, como no texto de humor a seguir: Como se escrevia farmácia antigamente? Com ph. E hoje? Com f. Não, hoje se escreve com h. (POSSENTI, 1998, p. 31) Feita a leitura dessa piada, percebe-se que as características vistas anteriormente passam por um processo de desconstrução. A fim de que haja um perfeito entendimento, é preciso ter conhecimento de mundo. Isso prova que a escrita é contextualizada, pois exige do leitor processos inferíveis. Quanto ao caráter da explicitude, a piada é um dos gêneros textuais que contém o entendimento oculto no texto. Pode-se, então, considerar a escrita como implícita. Relação fala-escrita na perspectiva dos gêneros 1 Mas, afinal o que são gêneros textuais? De acordo com o posicionamento de Bakhtin (2003), os gêneros seriam os diversos textos com os quais os membros de alguma comunidade se deparam no decorrer da vida.
4 4 Marcuschi (2003, p. 15) diz que os gêneros textuais, além de serem os textos encontrados no dia-a-dia, representam também padrões sócio-comunicativos definidos por sua composição, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados por forças históricas, sociais, institucionais e tecnológicas. Geralmente, a expressão gêneros textuais é utilizada como sinônimo de tipos textuais. No entanto, muitas pesquisas vêm sendo realizadas nas áreas da Lingüística Textual, Análise da Conversação e Análise do Discurso desde 1960, para conceberem essas expressões como formas distintas, não deixando de reconhecer que ambas possuem relações estreitas. 2 Gêneros textuais e tipos textuais A expressão gêneros textuais refere-se às formas textuais 3 realizadas empiricamente de acordo com o crescimento do indivíduo no meio social. Por designarem textos empíricos, são numerosos e relativamente vagos. Os gêneros se proliferam para atender às várias atividades desenvolvidas no dia-a-dia e são, principalmente, oriundos do uso das novas tecnologias. Tratando-se da noção de tipos textuais, tem-se uma classificação abstrata, nãoempírica um constructo teórico. A expressão tipo textual não corresponde a textos cristalizados provenientes de práticas sociais, mas à natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, etc.). Em geral, os tipos textuais abarcam categorias conhecidas como: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição. Segundo Marcuschi (1995), a distinção entre gêneros textuais e tipos textuais pode equivaler a uma distribuição entre classificação empírica e classificação teórica, respectivamente. Como se observa, poucos são os tipos textuais, enquanto os gêneros são inúmeros. Continuum tipológico de gêneros textuais O continuum tipológico de gêneros textuais está alicerçado no paradigma funcional da linguagem, ou seja, na visão sócio-interacionista, segundo a qual a fala e a escrita são duas modalidades de um mesmo sistema lingüístico. A ilustração do continuum apresenta os mais diversos gêneros. 3 O texto não é um produto nem um simples artefato pronto, ele é um processo. (MARCUSCHI, 1996, p )
5 5 Quadro 3: Representação do continuum tipológico dos gêneros textuais. Ao se fazer uma análise do continuum, nota-se que os gêneros textuais estão inter-relacionados, sendo posicionados de acordo com o grau de aproximação das modalidades. A exposição acadêmica, por exemplo, é um gênero oral com características da língua escrita. Em contrapartida, o bilhete é um gênero escrito com características da língua falada. Já o noticiário televisivo é um gênero textual escrito oralizado, sendo assim, caracterizado como gênero híbrido. Outro gênero híbrido, que é proveniente das novas tecnologias, é o bate-papo da internet. Com essa exposição, sugere-se a abordagem da pesquisa da fala e escrita dentro de uma base eminentemente empírica, ou seja, ambas sendo analisadas dentro de um continuum tipológico de diferentes gêneros textuais, e seus graus de distanciamento, aproximação e hibridez. Os gêneros textuais e o ensino das línguas Em geral, os manuais didáticos não têm o hábito de focalizar as relações entre fala e escrita, limitando o ensino aos moldes do paradigma formal da linguagem. Para que o ensino seja eficiente, é necessária a inclusão da linguagem oral no ensino de
6 6 línguas, sem serem evidenciados apenas a competência gramatical e o saber enciclopédico. Em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) deram início a uma mudança substantiva no ensino quando na lingüística discursiva. A partir das idéias apresentadas, propõe-se um ensino suplementar utilizando-se os gêneros textuais e, que aproxime as situações de aprendizagem à realidade pessoal e cotidiana dos estudantes, sem excluir as questões lingüísticas formais. Referências BAKHTIN, Michail. Os gêneros do discurso. In:. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, p HEINE, Lícia. Aspectos da língua falada.in: Estudos Lingüísticos e Literários, Salvador, n. 29/30, dez LYONS, John. Introdução à lingüística teórica. Trad. de Rosa Virgínia Mattos e Silva e Hélio Pimentel. São Paulo: Nacional, MARCUSCHI, Luis Antônio. Hipertexto e gêneros digitais. 2 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005., Luis Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2006., Luiz Antônio. Gêneros textuais:definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva. (org.). Gêneros textuais & ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, p.,luis Antônio. Perspectivas teóricas na análise do discurso. Recife: Universidade federal de Pernambuco, mimeo., Luis Antônio. Oralidade e ensino de língua:um questão pouco falada IN: DIONÍSIO, Ângela Paiva; BEZERRA; Maria auxiliadora (orgs.). O livro didático de português: múltiplos olhares. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, OLSON, David. A escrita sem mitos. In:. O mundo no papel. São Paulo: Ática, POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises lingüísticas de piadas. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998, p 31.
7 7 ROBINS, Robert Henry. Pequena história da Lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, KOCH, Ingedore Grünfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 2.ed. São Paulo: Contexto, < > (Acesso em 02 dez 06).
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