OS DOCENTES E A PRÁTICA DO ENSINO DA ESCRITA: TENSÕES ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA
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- Catarina Castanho Ximenes
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1 OS DOCENTES E A PRÁTICA DO ENSINO DA ESCRITA: TENSÕES ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA ANATULA DA SILVA AXIOTELIS (UFRJ). Resumo Este trabalho é um desdobramento do artigo Indicadores objetivos de novas práticas no ensino de redação: indícios de uma mudança?, apresentado no 16º Cole. Tal artigo buscou investigar que consequências ocorreram no ensino de produção textual no Ensino Médio depois da introdução da prova de redação no vestibular da UFRJ, há duas décadas. Algumas hipóteses puderam ser confirmadas: o ensino de redação ganhou mais espaço na grade curricular; os professores passaram a produzir material didático específico e a dar um dimensionamento teórico prático para as aulas. Além disso, houve tanto um aumento da produção textual quanto a melhora de qualidade das redações, mesmo nas escolas de baixo investimento pedagógico. Todas essas mudanças ocorreram em função de tornar os alunos mais competitivos no vestibular, o que significa dizer que, no geral, a prática de produção textual no Ensino Médio costuma limitar se a um treinamento para escrever uma redação de vestibular nos moldes exigidos. Se reconhecemos que houve melhora, também podemos nos perguntar quais os limites desse progresso: até que ponto o objetivo de se alcançar um bom desempenho no vestibular limita o desenvolvimento do senso crítico do aluno e inibe sua subjetividade? Como é tratada a interlocução, o encontro entre o autor e o leitor? A aula de redação é uma atividade de produção ou de reprodução? O ato de escrever pode ser encarado como sinônimo de redigir uma redação de vestibular? Em busca de respostas a essas questões, nosso grupo de pesquisa, filiado ao LEDUC Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação da UFRJ, realizou o curso de extensão A Prova de Vestibular da UFRJ: histórias e desdobramentos. Com base nas discussões ocorridas e nos trabalhos finais dos participantes chegamos a algumas considerações iniciais que pretendemos compartilhar, pondo em evidência a palavra dos docentes da escola básica. Palavras-chave: escrita, treinamento, subjetividade. Este trabalho pretende desenvolver as questões levantadas em um primeiro artigo intitulado Indicadores Objetivos de Novas Práticas no Ensino de Redação: Indícios de uma Mudança?, apresentado no 16º COLE. Tanto um quanto o outro são frutos do projeto de pesquisa A Prova de Redação no Vestibular da UFRJ: histórias e desdobramentos, filiado ao Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação LEDUC, pertencente à Faculdade de Educação da UFRJ. No primeiro artigo buscamos investigar quais foram as mudanças ocorridas no ensino de produção textual, há pouco mais de duas décadas, depois que a prova de redação passou a ser obrigatória no exame de acesso à universidade. Para isso entrevistamos 19 professores com experiências médias de 20 anos na educação básica e de 10 anos como avaliadores dos Vestibulares da UFRJ. Eram 9 questões que se agrupavam em três níveis de mudanças.
2 O primeiro nível dizia respeito às transformações no plano curricular, todas de responsabilidade da instituição de ensino: abertura de espaço na grade exclusivamente para aulas de redação, contratação de profissional específico para ministrar as aulas e contratação de outro professor somente para corrigir as redações. Todas essas medidas começaram a ser tomadas com mais freqüência, ainda que de forma bem modesta. O segundo nível de mudanças era relativo à prática pedagógica: uso de material didático específico para as aulas de redação - produzido pelos próprios docentes, na maioria dos casos -, a aplicação de aulas teóricas e práticas referentes à produção textual dos alunos, o desenvolvimento de atividades pedagógicas complementares, como leitura de jornais ou revistas, e um esforço de promover atividades culturais, como idas a teatros e museus. Ao contrário dos indicadores relacionados às mudanças de responsabilidade da escola, o aumento desses indicadores, relativos às responsabilidades docentes, foi muito alto, chegando a quase 100% na maioria dos casos. O terceiro nível de perguntas referia-se à produção textual dos alunos, os resultados apontam para um crescimento expressivo tanto no que se refere ao aumento de produção quanto na melhora das redações. Então, em princípio, nossa suposição inicial foi confirmada: após a implantação da prova obrigatória no vestibular, houve melhora no ensino de redação, e, portanto, melhora na qualidade das redações. Tanto é que houve uma queda brutal no índice de provas e redações em branco ou ininteligíveis, de acordo com Cloves Dottori, um dos palestrantes do curso e Coordenador Acadêmico do Vestibular da UFRJ há mais de 20 anos. A partir disso, a fim de começar a refletir mais a fundo sobre tais mudanças formulamos algumas indagações: Não haveríamos chegado a um momento de estagnação do ensino de produção textual? Afinal, o treinamento direcionado ao vestibular não limitaria a subjetividade, a criatividade e a capacidade crítica dos alunos? Não seria o momento, vinte anos após a transformação ocorrida nos exames de acesso à universidade, de dar uma guinada no ensino de prática textual? Como isso poderia acontecer, novamente como uma imposição da universidade face à submissão das instituições de ensino e dos docentes? E, finalmente, o professor - com sua prática, seus saberes, suas reflexões, seus poderes: o que pensa e o que faz em meio a todas essas questões? Assim, em busca de maior clareza, resolvemos novamente ouvir a palavra dos professores, porém de uma maneira que nos ajudasse a entender mais profundamente, através de um processo mais dialético, e, portanto, mais rico e mais amplo, o objeto de nossa reflexão: a atividade de escrever dentro da escola, seus problemas e suas possíveis soluções.
3 Dessa vez, no lugar de um questionário objetivo, optamos por abrir um curso de extensão, direcionado a professores, na Faculdade de Educação, intitulado A Prova de Redação no Vestibular da UFRJ: histórias e desdobramentos, cujo objetivo era examinar criticamente as relações entre a evolução da prova de redação no vestibular da UFRJ, no período de 1988 a 2007, e as mudanças havidas na educação básica, especialmente no Ensino Médio, no que se refere às práticas de ensino-aprendizagem da escrita, durante o mesmo período. A partir da troca de experiências, das discussões ocorridas e das reflexões surgidas nos trabalhos finais dos participantes oriundos de diferentes realidades, chegamos a algumas considerações iniciais, baseadas nas respostas da maioria, que pretendemos compartilhar. Uma das questões debatidas era a seguinte: até que ponto melhorou o desempenho escrito em geral dos estudantes? Afinal, a introdução da redação na prova do vestibular, em 1987/88, era uma estratégia para se alcançar o objetivo de melhorar o desempenho escrito dos estudantes da Educação Básica e, em consequência, seu desempenho intelectual. A primeira observação importante foi que, de um modo geral e guardando as devidas discrepâncias entre escolas de baixo investimento pedagógico e escolas de alto investimento pedagógico, houve visível melhora no desempenho escrito, com uma escrita mais bem estruturada, organizada, clara. Ao mesmo tempo, os professores apontam para a falta de criatividade e para a superficialidade generalizada nos textos, dizem que falta índice de autoria, subjetividade, sensibilidade. Ou seja, houve um crescimento na textualidade que não foi seguido por um avanço em relação à discursividade: Analisando o efeito bloqueador da escola quando em nome de corrigir a palavra aprisiona a idéia, paralisa a escrita e a torna repetitiva: ou observando o resultado das atividades que controlam, determinam e definem o quê, como, quando, onde e por que crianças e adultos devem escrever, percebemos que, nesse processo, não só a criança aprende a escrever (ou a ficar paralisada e amedrontada diante do papel em branco), mas também algo nela é escrito (...). Escreve-se nos alunos - crianças, jovens e adultos o traço da obediência e da conformação, a necessidade de evitar os riscos do papel e os riscos de se aventurar pelas trilhas do desconhecido. (KRAMER: 2000, p.111) A reflexão de Sonia Kramer nos leva a integrar nesta discussão outras duas questões debatidas durante nossos encontros: até que ponto os professores atuam como interlocutores/leitores de seus alunos e não como meros corretores/avaliadores, simulando a banca de correção do vestibular; e até que ponto o potencial da atividade de escrever vem sendo explorado pela escola na formação dos estudantes? As respostas apontam o predomínio da postura de corretor/avaliador sobre a de leitor/interlocutor e o conseqüente empobrecimento discursivo acarretado por esse fato: um maior domínio das técnicas aliado a
4 uma argumentação pouco relevante, pois a fértil relação entre sujeitos interlocutores é substituída pela inóspita relação entre corretor e corrigido. Além disso, boa parte das respostas sustenta a opinião de que, para explorar melhor o potencial da escrita, deve-se dar mais atenção às aulas de redação, que devem merecer a mesma importância que o ensino de Português costuma ter, ou seja, é preciso intensificar o treinamento. Tais respostas refletem a realidade do ensino da escrita, especialmente no Ensino Médio: bastante reduzido ao texto dissertativo-argumentativo nos moldes do vestibular. Ora, a redação de vestibular é um texto que só existe no vestibular, é artificial e superficial, escrito para uma banca que tem o objetivo de eliminar e classificar. Realmente é difícil que a voz discursiva não seja emudecida dessa maneira, afinal, essas não parecem ser condições muito propícias para a expressão da subjetividade, da criatividade, da contestação, da dúvida, da descoberta, da ousadia, do desenvolvimento intelectual e da capacidade crítica. Certamente o processo de treinamento baseado na visão da escrita como um produto e não como processo - gera um desperdício do potencial que a atividade de escrever pode oferecer. É como se quiséssemos formar somente um candidato ao vestibular e não um ser humano. O vestibular é um exame de seleção, classificatório e qualificatório, baseado na memorização de conteúdos. É excludente por natureza, independente dos critérios e da metodologia utilizados. Pode-se supor, deste modo, que não deveria ser a função de um exame de acesso à universidade definir políticas educacionais, conteúdos e metodologias para o Ensino Fundamental, e, principalmente, para o Ensino Médio. Além disso, o vestibular é o final do caminho do Ensino Básico, portanto, tarde demais para causar-lhe alguma melhora significativa. Mas, infelizmente, parece que tal realidade ainda não é contestada ou questionada pelo senso comum, incluindo aí boa parte dos agentes pedagógicos e dos alunos. A cultura escolar ainda se baseia na memorização de um conteúdo enciclopédico. Isso acontece mesmo nas escolas em que o público atendido não tem o Ensino Superior como horizonte, por isso a atividade da escrita ainda caracteriza-se mais como reprodução do que como produção. Mediante todas essas considerações, surge a necessidade de avançamos para a quarta pergunta feita aos participantes: que desdobramentos você sugere que a relação entre a UFRJ e as escolas de educação básica avance no sentido de gerar a superação das atuais barreiras no ensino-aprendizagem da produção textual? A maioria das respostas sugere que a universidade deveria repassar diagnósticos relativos ao desempenho dos estudantes na redação, apontando as dificuldades mais recorrentes, e elaborar propostas de soluções para que os professores as executem, a fim de aprimorar o ensino de redação. Para começar a pensar sobre esse resultado, citamos a fala de um dos palestrantes do curso, o Coordenador Acadêmico do Vestibular da UFRJ, Luiz Otavio Langlois: Escola boa
5 seria independente do vestibular. As escolas têm que envolver os pais, a sociedade. Se, baseando-nos em toda essa discussão, podemos concluir que, após notável avanço, o atual modelo de prática de produção textual encontra-se estagnado, reduzido a um treinamento que sufoca a potencialidade da escrita e o potencial escritor de cada estudante, também podemos deduzir que é chegada a hora de provocar uma mudança nessa realidade. E não há como mudar se não começarmos a pensar a escrita para além da redação de vestibular, da prática mecanizada e esvaziada de sentido, portanto, esvaziada de sujeito:... já é hora de pararmos de apenas ensinar a escrita na escola, de pararmos de apenas escrever dígrafos, polissílabos, sintaxes ou sinônimos, para escrever idéias, emoções, reivindicações, poemas, cartas e tantos outros textos, enfim, já é hora de começarmos a escrever e deixar escrever também na escola. (KRAMER: 2000, p.106) Acreditamos que uma boa maneira de começar esse processo de escrever e deixar escrever na escola seja o estabelecimento de uma relação dialógica entre os docentes e a universidade assim como achamos que deve ser a relação entre professor e aluno: sem subserviência, sem assujeitamento, sem adestramento. Talvez algumas provocações iniciais para abrir esse diálogo seriam: afinal, por que, apesar do reconhecimento dos problemas, não há mudança? Até que ponto, nós, professores, temos consciência das coerções ideológicas que sofrem nosso discurso e nossa prática, especialmente no que se refere à produção textual? Quais as potencialidades da escrita que poderiam ser exploradas em sala de aula e como? Será que é possível realmente provocar alguma mudança face às múltiplas pressões com as quais lidamos diariamente (direção da escola, vestibular, pais de alunos etc)? Enfim, sejam lá quais forem as possíveis soluções, elas jamais virão a existir sem que se faça o exercício da escuta, do diálogo, do confronto, da troca de experiências, da valorização dos saberes principalmente dos professores e, na essência de tudo: sem que se faça uma honesta, profunda e rigorosa reflexão crítica, coletivamente, claro. Portanto, essa será a tônica da próxima etapa do nosso projeto, a elaboração de uma proposta para um Fórum do Ensino de Escrita, na Faculdade de Educação da UFRJ. Dessa vez, coerentemente com nosso discurso, os professores não serão nem entrevistados nem participantes de um curso, serão co-autores.
6 Bibliografia BRITTO, Luiz Percival Leme. A sombra do Caos: ensino de língua x tradição gramatical. Campinas: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, CASTRO, Marcelo Corrêa e. Por que escrever? uma discussão sobre o ensino da produção textual. Rio de Janeiro: UFRJ, FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, KRAMER, Sonia. Escrita, experiência e formação múltiplas possibilidades de criação de escrita in Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP & A ed., ORLANDI, Eni Puccineli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4ª ed. Campinas: Pontes, 1996.
INDICADORES OBJETIVOS DE NOVAS PRÁTICAS NO ENSINO DE REDAÇÃO: INDÍCIOS DE UMA MUDANÇA?
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