O excesso de sódio presente na alimentação da população brasileira: desafios e estratégias para reduzir o seu consumo
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- Iago Cerveira Zagalo
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1 O excesso de sódio presente na alimentação da população brasileira: desafios e estratégias para reduzir o seu consumo 67 Naiara Laís Siqueira MONTEVERDE 1 Fabíola Rainato Gabriel de MELO 2 Erika da Silva BRONZI 3 Cyntia Aparecida Montagneri AREVABINI 4 Márcio Henrique Gomes de MÉLLO 5 Resumo: O sal é o aditivo alimentar mais antigo do mundo e é muito utilizado nas cozinhas domésticas, restaurantes e indústrias. O consumo de alimentos processados com adição de sal aumentou na população brasileira, e considerando os diversos prejuízos à saúde que o consumo excessivo de sódio causa, o Ministério da Saúde e ABIA realizaram acordos para sua redução em alimentos processados. O objetivo deste estudo foi revisar o papel do sódio na alimentação e as medidas adotadas para reduzir o consumo da população brasileira. A metodologia utilizada foi revisão bibliográfica em um período de 10 anos. Os resultados encontrados apresentam notável redução de sódio pelas indústrias alimentícias em razão dos acordos. Conclui-se que os esforços para redução de sódio em alimentos processados são muito importantes e, se associados a mudanças no estilo de vida e hábitos alimentares saudáveis, podem reduzir a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e altos índices de morbimortalidade. Palavras-chave: Sódio. Excesso de Sódio. Sal. Alimentos Processados. Estratégias de Redução. 1 Naiara Laís Siqueira Monteverde. Bacharel em Nutrição pelo Claretiano Centro Universitário. <naiarasiqueira337@gmail.com>. 2 Fabíola Rainato Gabriel de Melo. Doutora e Mestre em Investigação Biomédica pela Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto (SP). Bacharel em Nutrição pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Coordenadora e docente do curso de Nutrição no Claretiano Centro Universitário. <nutricao@claretiano.edu.br>. 3 Erika da Silva Bronzi. Doutora em Ciências Nutricionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), campus Araraquara (SP). Mestre em Saúde na Comunidade pela Universidade de São Paulo (USP), campus Ribeirão Preto (SP). Docente do curso de Nutrição do Claretiano Centro Universitário. <esbronzi@yahoo.com.br>. 4 Cyntia Aparecida Montagneri Arevabini. Mestre em Biotecnologia e Especialista em Docência na Educação Superior pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Bacharel em Nutrição pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Docente do curso de Nutrição do Claretiano Centro Universitário. <cyntiaarevabini@claretiano.edu.br>. 5 Márcio Henrique Gomes de Méllo. Mestre em Biotecnologia pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Bacharel em Química Industrial pela mesma instituição. Docente do curso de Nutrição do Claretiano Centro Universitário. <marciomello@claretiano.edu.br>.
2 68 The excessive sodium present in the feeding of the brazilian population: challenges and strategies to reduce its consumption Naiara Laís Siqueira MONTEVERDE Fabíola Rainato Gabriel de MELO Erika da Silva BRONZI Cyntia Aparecida Montagneri AREVABINI Márcio Henrique Gomes de MÉLLO Abstract: The salt is the oldest food additive in the world and very used in professional, industrial and domestic cookery. The consumption of processed foods with salt addition increased in the Brazilian population, and considering the several health damages caused by excessive sodium intake, the Ministry of Health and ABIA have made agreements for sodium in processed foods. The study purposes to review the role of sodium in food and brazilian food. The methodology used was literature review in a period of 10 years. The obtained results showed a notable reduction of sodium by the food industries. It is concluded that efforts to reduce sodium in processed foods are very important and if associated to a lifestyle change in healthy eating habits it is possible to reduce the prevalence of chronic non-communicable diseases and high morbidity and mortality rates. Keywords: Sodium. Sodium Excess. Salt. Processed Foods. Reduction Strategies.
3 69 1. INTRODUÇÃO O sal é o aditivo alimentar mais antigo e conhecido. Nossos ancestrais nômades tinham uma dieta pobre em sal, pois viviam da caça e coleta de alimentos. A adição de sal nos alimentos deu-se com a introdução da agricultura. Após milhares de anos, os chineses descobriram que o sal podia ser utilizado para a conservação dos alimentos, o que reduziu a necessidade dos povos de migrar para vários lugares, desenvolvendo assim as comunidades. Em consequência disso, o consumo de sal aumentou 400% nesse período, sendo diminuído mais tarde pelo método de refrigeração e novamente elevado, recentemente, pelo alto consumo de alimentos processados com adição de sal (SARNO, 2010). O sal de cozinha (cloreto de sódio), amplamente utilizado na cozinha doméstica, restaurantes e indústrias, é composto por 40% de sódio e 60% de cloreto. Sendo assim, o cloreto de sódio é a principal fonte de sódio consumida na alimentação. A necessidade nutricional diária de sódio pelo organismo humano é de 500 mg (cerca de 1 g de cloreto de sódio), quantidade facilmente obtida por meio de uma alimentação saudável, sem necessidade de se adicionar sal às preparações culinárias. Entretanto, sua utilização facilita a aceitação de muitos alimentos ao conferir sabor salgado, além de controlar a ação do fermento nas massas e proteger os alimentos, retardando o crescimento de micro-organismos patogênicos. Alguns alimentos que contribuem para a ingestão de sal são carnes, aves e peixes processados, embutidos, sopas e temperos prontos com sal, enlatados ou alimentos em salmoura, queijos com sal e pão francês, sendo este último um dos alimentos que mais contribui para a ingestão de sódio na alimentação do brasileiro (PINTO-E-SILVA; YONAMINE; ATZINGEN, 2015). Segundo Taddei et al. (2011), a industrialização trouxe mudanças significativas na economia mundial, no estilo de vida e nos hábitos alimentares da população. O novo padrão dietético compreende alimentos com altos teores de sal, gorduras totais e carboidratos refinados. A mudança da rotina para um trabalho mais sedentário e a falta de tempo para se exercitar e realizar as refeições levaram a um aumento do consumo de produtos industrializados, resultando no aumento de peso e no desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. As três principais fontes do consumo total de sódio são os alimentos processados (75%), o sódio intrínseco aos alimentos (10%) e o sal adicionado às preparações (15%) (CUPPARI, 2005). O sódio é encontrado nos líquidos extracelulares e é o cátion mais importante, atuando em funções fisiológicas do organismo, como manutenção da pressão arterial, contração muscular, equilíbrio de fluidos, equilíbrio acidobásico e transmissão nervosa (SARNO, 2010). Contudo, o consumo excessivo de sódio pode acarretar diversas alterações metabólicas, como doenças renais, acidente vascular cerebral, obesidade, doenças cardiovasculares e alguns tipos de cânceres, como o de estômago (SARNO, 2010). Ademais, o sódio, sendo um fator participante do metabolismo ósseo, está ligado à excreção de cálcio urinário, cujo aumento induz a reabsorção óssea. Uma das consequências desse aumento pode ser a osteoporose, um distúrbio sistêmico do esqueleto que compromete a qualidade mineral e a resistência ósseas, tornando o indivíduo mais susceptível a fraturas (TADDEI et al., 2011). Valendo-se de várias hipóteses, Cuppari (2005, p. 301) constata que: O excesso de sódio de início eleva a pressão arterial por aumento da volemia e consequente aumento do débito cardíaco. Posteriormente, por mecanismos de autorregulação, há aumento da resistência vascular periférica, mantendo elevados níveis de pressão arterial. Além de seu efeito isolado, a alta ingestão de sal ativa diversos mecanismos pressores, como aumento da vasoconstrição renal e da reatividade vascular aos agentes vasoconstritores e elevação dos inibidores da NA/K ATPase. Há uma estimativa de que 30% da hipertensão arterial provém do consumo excessivo de sal e pode estar associada à Síndrome Metabólica, patogênese complexa relacionada à resistência à insulina, que, por sua vez, tem efeito antinatriurético, ou seja, estimula a reabsorção renal de sódio, além de alterações no metabolismo da glicose, aumento de triglicérides e da pressão arterial, diminuição do HDL e é fator de risco para doenças cardiovasculares (SARNO, 2010).
4 70 A hipertensão arterial é basicamente uma doença assintomática; sua presença causa lesão dos órgãos-alvo: coração, cérebro, vasos, rins e retina. A relação entre o aumento da prevalência de hipertensão e a ingestão de sal é bastante encontrada na literatura. Pode ser de causa primária, que indica níveis elevados de PA de causa desconhecida 95% dos casos se enquadram nessa categoria, ou causa secundária, relacionando-se com causas específicas como gravidez, medicamentos e doenças renais (CUPPARI, 2014). Tendo em vista essas considerações iniciais, o objetivo geral deste trabalho é realizar uma revisão sistêmica da literatura sobre o papel do sódio na alimentação humana e as estratégias para reduzir seu consumo. Os objetivos específicos são: conceituar o sódio, abordar sua função fisiológica e as consequências do consumo excessivo, apontar os alimentos que mais contribuem para o consumo elevado de sódio, descrever estratégias adotadas pelo governo para diminuição desse nutriente em alimentos industrializados, discutir sua eficácia e relacionar a educação nutricional e técnicas dietéticas à efetiva diminuição do consumo pela população brasileira. 2. METODOLOGIA A presente pesquisa se realizou por meio de levantamento bibliográfico, cujo tema é O excesso de sódio presente na alimentação da população brasileira: desafios e estratégias para reduzir o seu consumo. Foi realizada uma seleção de obras, com livros publicados no período de 2005 a 2015, com embasamento científico e relacionadas ao assunto proposto na pesquisa. Também foram selecionados artigos em português em sites científicos como o do BIREME, por meio do acesso às bases da Biblioteca Virtual da Saúde, e nas bases de dados LILACS, SCIELO e Google Acadêmico, respeitando um período retrospectivo de 10 anos. Juntamente, foram selecionadas publicações de cadernos do Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). As palavras-chave utilizadas para encontrar artigos relacionados à pesquisa foram: sódio, consumo excessivo de sódio, hipertensão arterial e acordos para redução de sódio em alimentos industrializados. Toda a pesquisa foi realizada no período de setembro de 2015 a novembro de Foi realizada uma pré-seleção de textos para auxiliar os processos de construção da pesquisa, análise do conteúdo, leitura crítica e revisão bibliográfica, respeitando-se os conceitos e informações dos autores. 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Prevalência da hipertensão arterial sistêmica no Brasil e no mundo A hipertensão arterial sistêmica (HAS) de causa multifatorial é caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial, com PA > 140 x 90 mmhg. Ela é causa direta de cardiopatia hipertensiva e relaciona-se com doenças como aterosclerose, trombose, doenças isquêmicas cardíacas, cerebrovascular, vascular periférica e renal, além de ser fator etiológico de insuficiência cardíaca. Diante dessa multiplicidade de consequências, a HAS está relacionada à origem de muitas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), sendo caracterizada como uma das causas de maior redução da expectativa e qualidade de vida dos indivíduos (BRASIL, 2013). As doenças cardiovasculares no Brasil são responsáveis por aproximadamente 30% da mortalidade em geral, mais de 1 milhão de internações, somando um custo de 650 milhões de dólares ao ano, sendo que 50% das mortes por DCV são causadas por hipertensão arterial sistêmica (CIPULLO et al., 2010). Há uma estimativa de gastos de 906 bilhões de dólares no mundo com doenças cardiovasculares em 2015 e previsão de bilhões de dólares em 2030 (TEIXEIRA et al., 2016).
5 A HAS tem alta prevalência e baixas taxas de controle e é considerada um grave problema de saúde pública global. Sua prevalência no Brasil tem uma média de 32% em adultos, 50% em indivíduos com 60 a 69 anos e 75% em indivíduos com mais de 70 anos. A prevalência média de HAS autorreferida na população brasileira acima de 18 anos é de 22,7%; sendo 25,4% em mulheres e 19,5% em homens, segundo a VIGITEL (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico). A frequência de HAS tornou-se maior com a idade, atingindo mais as mulheres, sendo 50% na faixa etária de 55 anos ou mais de idade. Estudos estimam que a prevalência de HAS no mundo seja de 1 bilhão de indivíduos, com consequência de aproximadamente 7,1 milhões de mortes ao ano (BRA- SIL, 2013). Já em crianças e adolescentes, a prevalência de hipertensão arterial tem variações de 2% a 13% ao redor do mundo, e no Brasil alguns estudos epidemiológicos apontam taxas entre 6% e 8%, sendo mais frequente em adolescentes fumantes, em obesos e/ou indivíduos com circunferência da cintura acima dos valores recomendados para a idade (FONSECA; KIRSTEN, 2010). Alguns estudos apontam que a hipertensão arterial autorreferida é maior em residentes da área urbana. A região brasileira que apresentou maior prevalência foi a região Sudeste, o que pode estar relacionado ao maior acesso da população dessa região aos serviços de saúde e, consequentemente, à maior disponibilidade do diagnóstico médico (ANDRADE et. al., 2015). Os fatores que mais contribuem para o aumento da prevalência de HAS são: crescimento e envelhecimento da população e fatores comportamentais de risco, como tabagismo, ingestão de bebidas alcoólicas, dieta inadequada, estresse, sedentarismo e consumo excessivo de sal (TEIXEIRA et al., 2016). Definição de critérios para a redução de sódio em alimentos industrializados Considerando o aumento da incidência e a prevalecente causa de morbidade e mortalidade das quatro principais DCNT (doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas), a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou um plano de ação global, de 2013 a 2020, focado em ações para promover alimentação e estilo de vida saudáveis, incluindo redução de 30% do consumo de sódio pela população, estagnação do crescimento da obesidade e da diabetes e atenuação da prevalência de hipertensão arterial. Em reconhecimento do crescimento dessas doenças crônicas no Brasil, sua consequência para o Sistema Único de Saúde (SUS) e o aumento do consumo de alimentos industrializados pela população brasileira, o governo notou a necessidade de promover ações para reduzir a quantidade de sódio dos alimentos processados e ultraprocessados por meio de acordos voluntários entre o governo e as indústrias, além de estratégias como aumento da oferta de alimentos saudáveis, informação e rotulagem ao consumidor, educação e sensibilização da população, indústria e profissionais da saúde (IDEC, 2014). A grande referência para a decisão de iniciar os acordos de redução de sódio em alimentos industrializados entre o governo e a ABIA (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos) foi a Pesquisa de Orçamento Familiar POF , realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que coletou dados de domicílios em plano amostral de aquisições de alimentos e bebidas realizadas pelas famílias em um período de sete dias consecutivos (SARNO et al., 2013). Por meio dos dados obtidos, os alimentos foram divididos em 98 grupos diferentes e convertidos em energia (kcal) e gramas de sódio, de forma a permitir o cálculo da disponibilidade diária de energia e sódio por pessoa/domicílio, sendo a quantidade de sódio ajustada para o valor energético diário para a população brasileira de kcal, considerando então a disponibilidade domiciliar de sódio e não o seu consumo efetivo (SARNO et al., 2013). O resultado da disponibilidade de sódio nos domicílios brasileiros foi de 4,7 g/pessoa/dia, excedendo mais que o dobro da recomendação da OMS, de 2 g/dia. A disponibilidade foi maior que 4 g em todas as regiões, sendo maior nos domicílios rurais. Apesar de todos os grupos de renda excederem a recomendação máxima do consumo de sódio, verificou-se que essa disponibilidade diminui conforme 71
6 72 aumenta a renda. A contribuição do sal de mesa e condimentos à base de sal diminuíram de 76,2% para 74,4%, enquanto os alimentos processados com adição de sal e pratos prontos aumentou de 17,2% para 20,5% em relação à POF Além disso, a POF colaborou para definir as categorias de alimentos que mais contribuem para a ingestão de sódio na população brasileira (SARNO et al., 2013). Os alimentos estão representados na tabela a seguir: Tabela 1. Categorias e subcategorias prioritárias nos acordos. CATEGORIA DO ALIMENTO Massas instantâneas Pão de forma industrializado Bisnaguinha industrializada Pão francês Bolos e misturas para bolo Snacks Margarina Maionese Biscoitos Caldos e temperos Cereais matinais Laticínios Produtos cárneos Refeições prontas Fonte: IDEC (2014, p. 14). SUBCATEGORIA Bolo pronto sem recheio Bolo pronto recheado Rocambole Mistura para bolo aerado Bolo cremoso Salgadinho de milho Batata frita e batata-palha Biscoito doce Biscoito salgado Biscoito doce recheado Caldos líquidos e em gel Caldos em pó e em cubos Temperos em pasta Temperos para arroz Demais temperos Queijo muçarela Requeijão Hambúrguer Linguiça cozida (conservada em temperatura ambiente) Linguiça cozida (conservada em refrigeração) Linguiça frescal Mortadela (conservada em refrigeração) Mortadela (conservada em temperatura ambiente) Salsicha Presuntaria Empanados Sopas Sopas individuais/instantâneas
7 O processo de definição dos critérios para as metas de redução de sódio em alimentos industrializados A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem efetiva participação nos acordos voluntários para a redução de sódio em alimentos industrializados, pois realiza a análise do teor de sódio dos alimentos e monitoramento. O primeiro relatório da ANVISA foi o Informe Técnico 42/2010, baseado nas análises laboratoriais realizadas no ano de Esse documento foi fundamental para direcionar as negociações dos acordos voluntários, uma vez que apresentou grande variedade nos teores máximo e mínimo de sódio em produtos alimentícios da mesma categoria (IDEC, 2014). A título de exemplo, em relação a hambúrgueres de carne bovina, de aves e misto, foram analisados 25 produtos diferentes, considerando-se uma amostra de 80 g: a quantidade de sódio variou de 290 mg a 825 mg por porção, com uma média de 567 mg sódio/porção; já em relação ao macarrão instantâneo (80 g) acrescido de tempero (5 g), foram analisados 12 produtos diferentes, considerando-se uma porção de 85 g: o valor mínimo de sódio por porção foi de mg e o máximo foi de 4010 mg, uma média de mg de sódio/porção, sendo que o valor máximo (4 010 mg) representa 167% de sódio/dia em apenas uma porção do alimento (ANVISA, 2010). O primeiro acordo em 2007 não dispunha dessas análises, dificultando a definição de critérios de negociação junto às empresas. Nesse momento, o critério estabelecido foi o de que as metas de valor máximo de sódio em alimentos processados deveriam ter, sempre que possível, valores iguais aos das referências internacionais de redução ou menores do que eles, porém a escassez dessas referências inviabilizou a tentativa. Mediante isso, a indústria brasileira se posicionou quanto a reduzir o teor de sódio do macarrão instantâneo, estabelecendo uma alteração de mg/100 g de porção para 1920, 70 mg/100 g até 2012, cerca de 30% de redução (IDEC, 2014). O acordo realizado em 2011 trouxe critérios claros e refinados, baseados nos resultados das análises da ANVISA, enfocando a redução de sódio das médias ajustadas, isto é, nenhum produto poderia ter dentro de quatro anos um teor de sódio superior à média de então. Exemplificando, os hambúrgueres não poderiam apresentar média maior que 567 mg na porção. Outra parte do critério estabelecido diz que pelo menos 50% dos produtos de uma mesma categoria devem sofrer alteração. A meta geral consiste em uma redução pela população brasileira para menos de 5 g de sal/pessoa/dia até 2020 (IDEC, 2014). O Informe 54/2013 da ANVISA não foi válido, visto que analisou os alimentos durante o ano de 2012, e o acordo foi de que as empresas tinham até o dia 31 de dezembro do mesmo ano para se adequar às metas. Todavia observou-se que o pão de forma industrializada já havia se adequado à meta (o teor máximo encontrado foi de 614 mg de sódio/100 g, sendo o máximo permitido 645 mg/100 g), enquanto o macarrão instantâneo não atingiu a meta proposta (teor máximo encontrado de sódio mg/100 g, sendo o máximo permitido 1 920,70 mg/100 g sódio (IDEC, 2014). Já o Informe Técnico 69/2015 da ANVISA revisou especificações de alimentos acordadas entre o Ministério da Saúde e as associações. A título de exemplo, temos o pão francês, considerado um dos alimentos que mais contribuem para a ingestão de sódio na população brasileira, que não atingiu a meta estipulada até dezembro de 2012; ela definia uma média de 616 mg de sódio por 100 g de porção, porém a média encontrada foi de 736 mg/100 g, sendo que, dos 39 produtos analisados, apenas 5 apresentaram teores inferiores ao teor máximo. Já em relação ao macarrão instantâneo, observou-se que, dos 29 produtos analisados, a média encontrada foi de mg /100 g, porém dez marcas não atingiram a meta, apresentando média superior a 1920,70 mg/100 g (ANVISA, 2015). A ABIA (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação) possui um grande número de empresas associadas, o que favorece as negociações com o governo, pois ela se tornou a interlocutora das empresas nos acordos. Outro papel importante da ABIA é a articulação com outras associações industriais, como a Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias (ABIMA), a Associação Brasileira de Trigo (ABITRIGO) e a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP). É importante ressaltar que o tamanho das empresas influi diretamente nesse processo dos acordos, uma vez que a falta de tecnologia e a falta de oportunidade de aprender novas técnicas com o mercado exterior tornam as pequenas empresas temerosas quanto ao alcance das metas. Já as grandes 73
8 74 empresas demonstram resistência, por disporem de técnicos qualificados que defendem seus interesses. O manejo para enfrentar essa situação é o diálogo entre as partes, com a argumentação de que é mais fácil trabalhar com os acordos do que com a imposição de uma lei (IDEC, 2014). Terapia nutricional e mudança de estilo de vida no controle e prevenção da hipertensão arterial Segundo a Sociedade Brasileira de Hipertensão (2010), o padrão dietético da Dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) tem um impacto importante na redução da pressão arterial, pois é rica em frutas, hortaliças, alimentos integrais (pão, cereais, massas integrais ou de trigo integral), oleaginosas (castanhas, amêndoas, amendoim e nozes), sementes e grãos, laticínios desnatados ou semidesnatados, além de preferir carnes magras e peixes, óleos ricos em gordura insaturada (azeite, soja, milho e canola) e evitar adição de sal, molhos prontos, produtos industrializados, doces e bebidas açucaradas. O controle do peso corporal também colabora para melhores níveis de pressão arterial. As metas antropométricas a serem alcançadas são o Índice de Massa Corporal (IMC) menor que 25 kg/m² em adultos, circunferência abdominal < 102 cm para homens e < 88 cm para mulheres. Estudos populacionais indicam que a obesidade é um fator de risco importante para a hipertensão, e a redução de peso é a maneira não farmacológica mais efetiva para controlá-la; nota-se que pequenas reduções no peso promovem diminuições significativas na pressão e no risco cardiovascular, por causa da melhora no perfil lipídico, da tolerância à glicose e de uma melhor resposta à terapia medicamentosa anti-hipertensiva. É fundamental que a redução de peso siga uma prescrição dietética individualizada, identificando-se e respeitando-se hábitos alimentares, condições socioeconômicas e estilo de vida, e que traga benefícios permanentes (CUPPARI, 2014). O consumo de álcool excessivo eleva a pressão arterial e, para indivíduos hipertensos, deve ser desencorajado. É aconselhável que o consumo de álcool não ultrapasse 30 ml/dia de etanol para homens, correspondentes a 100 ml de bebidas destiladas, 300 ml de vinho ou 700 ml de cerveja; para as mulheres, é recomendado um limite máximo de 15 ml/dia de etanol. Além disso, o abandono do tabagismo traz inúmeros benefícios além do controle da pressão arterial, como diminuição do risco de câncer, de doenças pulmonares, doenças coronarianas, acidente vascular encefálico e morte súbita (CUPPARI, 2014). A atividade física regular auxilia na perda de peso corporal, no controle do estresse e no tratamento das dislipidemias, além de diminuir a resistência à insulina e reduzir os níveis de pressão arterial (CUPPARI, 2014). Para a manutenção de uma boa saúde cardiovascular e qualidade de vida, é recomendável realizar, pelo menos cinco vezes na semana, 30 minutos de atividade moderada de forma contínua. 4. RESULTADOS As negociações entre o governo e associações representativas do setor produtivo foram muito importantes, pois garantiram maior impacto em termos de mercado sem expor marcas e produtos, e sim categorias, além de definir critérios transparentes para o estabelecimento das metas de redução de sódio e da criação de um sistema de monitoração e avaliação anual dos alimentos pactuados e comparar os resultados com as metas estabelecidas por categoria (NILSON; JAIME; RESENDE, 2012). O acordo entre o Ministério da Saúde e a ABIA possibilitou a retirada de toneladas de sódio dos produtos alimentícios desde o primeiro acordo em 2011, e a meta é de que até 2020 as indústrias promovam a retirada voluntária de toneladas de sal dos alimentos. As categorias de alimentos que apresentaram queda nessas três fases do acordo foram os temperos, com queda de 16,35%, margarina, com 7,12%, cereais matinais (5,2%), caldos e cubos em pó (4,9%), temperos em pasta (1,77%) e tempero para arroz (6,03%); por outro lado, caldos líquidos e em gel apresentaram aumento de 8,84% na concentração de sódio (BRASIL, 2016).
9 Segundo a Sociedade Brasileira de Hipertensão (2010, p. 19), a adoção de determinadas medidas para melhorar a qualidade da alimentação e o estilo de vida reduzem a pressão arterial; elas estão apresentadas na tabela a seguir: Tabela 2. Algumas modificações de estilo de vida e redução aproximada da pressão arterial sistólica. 75 MODIFICAÇÃO Controle de peso Padrão alimentar RECOMENDAÇÃO Manter o peso na faixa normal (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m²). Consumir dieta rica em frutas e vegetais e alimentos com baixa densidade calórica e baixo teor de gorduras saturadas e totais. Adotar Dieta DASH. REDUÇÃO APROXIMADA NA PAS 5 a 20 mmhg para cada 10 kg reduzidos 8 a 14 mmhg Redução do consumo de sal Reduzir a ingestão de sódio para não mais que 2 g (5 g de sal/dia) = no máximo 3 colheres de café rasas de sal = 3 g + 2 g sal dos próprios alimentos. 2 a 8 mmhg Moderação no consumo de álcool Limitar o consumo a 30 g/ dia de etanol para homens e 15 g/dia de etanol para mulheres. 2 a 4 mmhg Exercícios físicos Habituar-se à prática regular de atividade física aeróbica, como caminhar, pelo menos, 30 minutos por dia 3 vezes/ semana, para prevenção, e diariamente, para tratamento. 4 a 9 mmhg Fonte: Sociedade Brasileira de Hipertensão (2010, p. 19). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do presente estudo, foi possível identificar que os acordos realizados entre o Ministério da Saúde e a ABIA têm grande importância na diminuição do sódio em alimentos processados e ultraprocessados, porém a sua eficácia não seria possível sem as pesquisas que auxiliaram na divisão das categorias de alimentos mais consumidos pela população brasileira e o monitoramento anual da ANVISA que divulga os resultados das análises e avalia se as metas são cumpridas ou não. Entretanto, para que haja efetiva prevenção e controle das doenças crônicas não transmissíveis relacionadas ao consumo excessivo de sódio, será necessário um trabalho de educação nutricional com a população em geral, visando a estimular escolhas alimentares saudáveis e a capacitar os indivíduos para realizarem leitura dos rótulos de alimentos e identificarem os que possuem menor teor de sódio/porção. Vale ressaltar que a percepção do indivíduo quanto à adição de sal às preparações, bem como o incentivo à prática de cozinhar e à preferência por ervas aromáticas no preparo das refeições, além de efetivar mudanças no estilo de vida, como abandono do tabagismo, moderação no consumo de álcool e prática regular de exercícios físicos, contribui positivamente para o estilo de vida saudável dos indivíduos.
10 76 Conclui-se que, para a redução do sódio em alimentos industrializados como uma medida marcante e respeitável, faz-se necessária a união de esforços governamentais, dos consumidores e das indústrias para a legalização no controle dos alimentos; porém, se houver um conjunto de mudanças associados a hábitos de vida mais saudáveis da população, será possível obter-se resultados positivos na diminuição da incidência de DCNT, tão alarmante no mundo de hoje. REFERÊNCIAS ANDRADE, S. S. D. A. et al. Prevalência de hipertensão arterial autorreferida na população brasileira: análise da Pesquisa Nacional de Saúde, Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 24, n. 2, p , Disponível em: < iec.pa.gov.br/pdf/ess/v24n2/v24n2a12.pdf>. Acesso em: 20 out ANVISA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Teor de sódio nos alimentos processados, informe técnico n. 69/ Disponível em: < +n%c2%ba+69+de+2015/85d1d8f aee-e992abd29b3e>. Acesso em: 25 out Perfil nutricional dos alimentos processados, informe técnico n. 42/ Disponível em: < org.br/eficiente/repositorio/noticias/260.pdf >. Acesso em: 10 out BRASIL. Ministério da Saúde. Redução de sódio nos alimentos processados Disponível em: < saude.gov.br/images/pdf/2016/junho/29/apresentacao-coletiva-do-sodio-jun2016.pdf>. Acesso em: 30 out Secretaria de Atenção Básica à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: hipertensão arterial sistêmica. Brasília: Ministério da Saúde, (Cadernos de Atenção Básica, n. 37). CIPULLO, J. C. et al. Prevalência e fatores de risco para hipertensão em uma população urbana brasileira. Arq. Bras. Cardiol., v. 94, n. 4, p , Disponível em: < Acesso em: 23 out CUPPARI, L. Nutrição clínica no adulto. 3. ed. Barueri: Manole, Nutrição clínica no adulto. 2. ed. Barueri: Manole, FONSECA, L. S.; KIRSTEN, V. R. Fatores de risco para elevação da pressão arterial em adolescentes. Medicina, Ribeirão Preto, v. 43, n. 4, p , Disponível em: < risco%20para%20a%20eleva%e7%e3o%20da%20press%e3o%20arterial%20em%20adolescentes.pdf>. Acesso em: 23 out IDEC INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Redução de sódio em alimentos: uma análise dos acordos no Brasil. São Paulo: Idec, (Cadernos IDEC, série Alimentos, v. 1). Disponível em: < uploads/publicacoes/publicacoes/caderno-idec-sodio-alimentos.pdf>. Acesso em: 25 jul NILSON, E. A. F.; JAIME, P. C.; RESENDE, D. O. Iniciativas desenvolvidas no Brasil para a redução do teor de sódio em alimentos processados. Rev. Panam. Salud. Publica, v. 34, n. 4, p , Disponível em: < pdf/rpsp/v32n4/07.pdf>. Acesso em: 15 set PINTO-E-SILVA, M. E. M.; YONAMINE, G. H.; ATZINGEN, M. C. B. C. Técnica dietética aplicada à dietoterapia. Barueri: Manole, SARNO, F. Estimativas de consumo de sódio no Brasil, revisão dos benefícios relacionados à limitação do consumo deste nutriente na Síndrome Metabólica e avaliação de impacto de intervenção no local de trabalho f. Tese (Doutorado em Ciências) Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, Disponível em: < Acesso em: 15 ago SARNO, F. et al. Estimativa de consumo de sódio pela população brasileira, Rev. Saúde Pública, v. 47, n. 3, p , Disponível em: < Acesso em: 3 out SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Arq. Bras. Cardiol., v. 95, n. 1, supl. 1, p. 1-51, Disponível em: < associados.pdf>. Acesso em: 30 set TADDEI, J. A. A. C. et al. Nutrição em saúde pública. Rio de Janeiro: Rubio, TEIXEIRA, J. F. et al. Conhecimento e atitudes sobre alimentos ricos em sódio por pacientes hipertensos. Cardiol., v. 106, n. 5, p , Disponível em: < Acesso em: 18 out
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