Homilia 7º Domingo do Tempo Comum Ano A A Liturgia desse Sétimo Domingo do Tempo Comum nos convidará a Santidade, a perfeição. Sugere que o caminho

Transcrição

1 1 Homilia 7º Domingo do Tempo Comum Ano A A Liturgia desse Sétimo Domingo do Tempo Comum nos convidará a Santidade, a perfeição. Sugere que o caminho cristão é um caminho nunca acabado, que exige de cada homem e mulher, a cada dia, um compromisso sério e radical, realizados através de gestos concretos de amor e de partilha, com a dinâmica do Reino. Ser santo significa ser bom e amar gratuitamente, como o Pai. Somos, assim, convidados a percorrer nosso caminho de olhos postos nesse Deus Santo que nos espera no final da viagem. A fé cristã assenta na sabedoria que vem de Deus e não do mundo. Somos convidados a olhar para os homens nossos irmãos, amando-os como Deus os ama. A primeira leitura tirada é do Livro do Levítico (assim chamado porque trata de questões preferencialmente relacionadas com o culto, que era incumbência dos sacerdotes, considerados membros da tribo de Levi). O texto nos proposto é da quarta parte deste livro, conhecida como a Lei da santidade. A proposta apresentada pelo texto é um apelo veemente à santidade: viver na comunhão com o Deus Santo exige o ser santo, e na perspectiva do autor, a santidade passa também pelo amor ao próximo. O nosso texto começa com o seguinte refrão: Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo (vers. 2). É uma ideia mestra do Levítico. Na teologia de Israel, Iahwéh é o Deus santo, quer dizer, transcendente, incomparável, inefável, inatingível, perfeito. Este Deus santo elegeu Israel, chamou-o,

2 distinguiu-o entre todos os povos da terra, fez com Israel uma aliança. Introduzido na comunhão com Deus, Israel participa da santidade de Deus. É, portanto, um Povo à parte, separado dos outros, cuja vocação consiste na comunhão com o Deus Santo. Essa comunhão ensina a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. O amor a Deus e o amor ao próximo estão interligados. Não guarda ódio contra o irmão, corrigi-lo com lealdade, não vingar-se e nem guardar rancor (lembremos que a lei dada era somente entre os compatriotas, não se referia aos estrangeiros), são as práticas que levava o povo a imitar Deus: ser santo como Deus é Santo. Vivenciando essa prática, consistirá no verdadeiro culto que se pode prestar a Deus. Neste Domingo, continuamos a ler o discurso, tirado do capítulo quinto de S. Mateus que dá continuidade ao Sermão da Montanha, na primeira parte, em que se aborda o tema central da Boa Nova, a caridade para com todos. No último Domingo, ouvimos Jesus dizer que não veio revogar, mas dar pleno cumprimento à lei e às profecias. Jesus explica a novidade da Nova Aliança, do Novo Testamento, cuja base se assenta na caridade para com todos os homens. O preceito de amar o próximo é antigo como o lemos na 1ª leitura. E como comentamos na prática, esse mandamento, limitava-se aos membros do povo bíblico. Jesus alarga o horizonte e pede-nos para amarmos todos os homens, nossos irmãos. Esse amor universal torna-se sinal credível daquele Amor eterno e compassivo de Deus para com toda a humanidade. 2

3 O primeiro exemplo que Jesus cita no Evangelho, refere-se à chamada Lei de talião (vers ), consagrada na conhecida fórmula olho por olho, dente por dente que aparece em vários textos vétero-testamentários. Em si, é uma lei razoável, destinada a evitar as vinganças excessivas, brutais, indiscriminadas. Jesus, no entanto, não se dá por satisfeito com uma lei que apenas limita os excessos na vingança, e propõe uma lógica inteiramente nova. Na sua perspectiva, não chega manter a vingança dentro de fronteiras razoáveis, mas é preciso acabar com a espiral de violência de uma vez por todas; para isso, Jesus propõe que os membros do Reino sejam capazes de interromper o curso da violência, assumindo uma atitude pacífica, de não resistência, de não resposta as provocações. Rejeitando assim toda violência, não pagando na mesma moeda. Para poder tornar clara sua proposta, Jesus aponta alguns exemplos concretos de doação sem medida: Não ofereceis resistência ao malvado! Pelo contrário, se alguém te bater na face direita, oferece também à esquerda (v. 39). Na dinâmica de refrear a maldade, Jesus nos convida à atitude da não resistência diante daqueles que nos fazem mal. Como seguidores de Jesus, o amor deve mover o nosso coração! Ora, o amor só visa ao bem. Portanto, não deve haver espaço para a maldade nos cristãos. Vemos o exemplo do próprio Jesus no alto da cruz, Ele pede ao Pai perdão para todos os seus inimigos. Também o modelo dos primeiros cristãos para nós hoje. Eles não ofereceram 3

4 resistência quando foram perseguidos e mortos por seguir Jesus. Ao contrário, também perdoaram aos seus perseguidores. Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto (v. 40). Nos tempos de Jesus, quando alguém se sentia ofendido, era costume recorrer à justiça para exigir certa paga. Por exemplo, a túnica do ofensor! (devendo devolver a noite devido os rigores da noite, a própria Lei não admitia que fosse retirada, senão por um dia). A postura de Jesus diante desses costumes apresenta-se clara. Nada substitui a pessoa humana! Devemos visar ao bem da pessoa, mesmo que, para isso, devamos abrir mão de nossos pertences. A transparência da postura de Jesus suscita em nós profunda admiração: somente quando a pessoa se sentir amada, somente quando se sentir importante aos olhos do outro, ela abandonará a maldade! A maldade não é própria do ser humano. É impossível nascermos maus, uma vez que Deus, o bem por excelência, nos criou, e nos criou à sua imagem. Mas a maldade pode desenvolver raízes no coração humano. Não somos inocentes! O mal não é inerente a nós, mas podemos dar-lhe hospedagem! Podemos criar condições para que ele se alastre entre nós. Nossos inimigos o são por natureza ou nós os produzimos? Dá a quem te pedir, e não vires às costas a quem te pede emprestado (v. 42). Doação e doar-se, eis os frutos de um coração que quer seguir as pegadas de Jesus, daqueles que querem fazer a experiência de um Pai misericordioso! Para sermos verdadeiramente 4

5 filhos do Pai de Jesus, não há outra via: ser bom como ele é bom! Caminhar por duas milhas aquele que quer forçar-nos a acompanhá-lo por uma (provavelmente, haverá aqui uma referência a uma prática frequente das patrulhas romanas que, desorientadas, requisitavam os habitantes da Palestina para que as guiassem durante algum tempo). No último exemplo apresentado (vers. 42), Jesus recomenda que não se ignore, nem se deixe sem atender aquele que pede dinheiro emprestado Este conjunto de exemplos concretos aponta numa única direção: os membros da comunidade de Jesus devem manifestar a todos um amor sem medida, que vai muito além daquilo que é humanamente exigido. Dessa forma, eles inauguram uma nova era de relações entre os homens. Na segunda parte do Evangelho, Jesus irá se referir ao amor aos inimigos (vers ). Jesus afirma que a Lei antiga recomendava: ama o teu próximo e odeia o teu inimigo No entanto, embora haja na Lei antiga uma referência ao amor ao próximo (cf. Lv 19,18), não se refere, em lado nenhum, o ódio aos inimigos (o verbo odiar pode significar, nas línguas semitas, simplesmente não amar ); no entanto, certos grupos contemporâneos de Jesus defendiam o ódio aos inimigos. Jesus faz uma nova proposta, ampliando o amor, não somente aos compatriotas, mas a todos os homens e de forma ilimitada, inclusive seus inimigos. Para isso, recorre ao modo de agir do Pai misericordioso que faz nascer o seu sol sobre maus e 5

6 bons e faz cair à chuva sobre justos e injustos (v. 45). Assim como o Pai, devem ser seus filhos. Como o Pai ama gratuitamente bons e maus, seus filhos devem amar até mesmo os inimigos. A vocação do ser humano consiste em amar. Criados por um Deus Amor à sua imagem e semelhança, nós nos realizamos como humanos quando amamos a todos com o amor gratuito de Deus, sem procurar retribuição. Somente aquele que ama gratuitamente, tal como Deus, poderá amar os seus inimigos. Quem ama somente aqueles que o ama não ama o outro, mas a si mesmo. Seu amor move-se pelo interesse. O que mais lhe interessa é a si mesmo. No amar os nossos inimigos, Jesus nos convida a ir além. Ir além redunda em pôr o nosso amor em movimento. Não basta amar quem nos ama. Para imitar o Pai misericordioso, devemos amar gratuitamente. O amor ao inimigo é a expressão maior da gratuidade do amor. O amor gratuito nos descentraliza, pois nos move a buscar o bem do outro! E nos centraliza em Deus, pois visamos ao bem do outro! Amando gratuitamente, imitaremos o Pai bom. Por fim o Evangelho termina: Sede, portanto, perfeitos, como o vosso Pai Celeste é perfeito (v. 48). Imitar o Pai em seu jeito de amar gratuito deve ser a meta de todo cristão. O Sermão da Montanha que abre o capítulo 5 do Evangelho de São Mateus culmina neste versículo 48. O programa do cristão que Jesus apresenta ao longo desse capítulo tem uma meta precisa: seus seguidores devem ser perfeitos como o Pai. Ser perfeito como o Pai, corresponde ao sede 6

7 misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Jesus nos alerta sobre a santidade: ao ser misericordioso, seremos perfeitos como o Pai. Não há outra via. Aqueles que são misericordiosos praticam a Palavra normativa do Pai. Os perfeitos como o Pai, ou seja, os misericordiosos são Bem-aventurados. Os verdadeiros discípulos de Jesus. Por isso, na 2ª leitura, Paulo ensina: Tudo é vosso: vós sois de Cristo e Cristo é de Deus. Por Jesus Cristo todos somos chamados à unidade. A unidade da Igreja é fruto do Espirito Santo que habita em nós e realiza a maravilhosa comunhão dos fiéis. Somos Templo de Deus. Paulo considera que a comunidade é o verdadeiro Templo da nova Aliança, isto é, o lugar onde Deus reside, onde ele se manifesta aos homens e onde Ele oferece a salvação. Por isso, Paulo exorta a comunidade de Coríntios a deixarem, definitivamente, a sabedoria do mundo e a pautarem a sua existência pela sabedoria de Deus, que é amor até o extremo, que é dom da vida, que é cruz. E ainda Paulo volta a recordar a Sabedoria de Deus parece ser loucura dos olhos do mundo, mas é nessa loucura que reside o segredo da vida em plenitude. Queridos irmãos e irmãs, diversas vezes quando atendo uma confissão ou algum aconselhamento espiritual, escuto as pessoas falarem de mágoas, rancores, desejo de vingança contra alguém que lhes fez algum mal, recordo a elas, essa passagem em que Jesus nos pede amor aos inimigos. E escuto a pergunta: Padre, como amar alguém que nos fez mal, que nos prejudicou? Quando não queremos pagar o mal com o 7

8 mal, quando não desejamos vingança, quando nos lembramos das pessoas que algo de ruim nos fizeram e rezamos por elas pedindo sua conversão, isso é amar nossos inimigos. Podemos não gostar de alguém, mas devemos ama-los, com desejos não de maldade, mas sim de bondade. Somos Templos de Deus, Deus habita em nós, se formos misericordiosos e bondosos, se buscarmos o bem para com todos sem discriminação, preconceitos, e termos sempre a consciência de que somos de Cristo, estaremos na via de sermos santos como nosso Pai é Santo, pois estaremos vivenciando a cada dia, cada momento a prática de Deus. Amém 8