Os conflitos sobre a ocupação da Terra em Moçambique.

Transcrição

1 Os conflitos sobre a ocupação da Terra em Moçambique. Uacitissa Mandamule Maputo, 06 de Outubro 2016

2 I. CONTETUALIZAÇÃO A terra é o recurso mais importante de qualquer país. É um elemento fundamental para a estabilidade social e para a soberania do país. Nas zonas rurais de Moçambique, vive 75% da população que possui as actividades agrárias como principal fonte de rendimento. A agricultura contribui com cerca 24% do Produto Interno Bruto (PIB) e para o crescimento da economia.

3 A produção agrária e alimentar é essencial para a redução da pobreza, a segurança alimentar da maioria da população (que atinge 1/3 da população), para a redução da má nutrição, para o desenvolvimento físico e cognitivo dos cidadãos. A sua ocupação e utilização, legislação, conflitos, tipo de utilização e planeamento do território, influenciam o tipo de desenvolvimento a longo prazo.

4 II. Causas dos conflitos (1) FORMAS DE ACESSO A TERRA Ocupação Costumeira Ocupação por boa fé DUAT Crescimento demográfico; Expansão das cidades e à procura de terra para habitação que a acompanham; Questões culturais ligadas à herança e à tradição; Fraco conhecimento da legislação de terras; Deficiências na implementação da Lei de Terras e outros instrumentos legais.

5 II. Causas dos conflitos (2) FORMAS DE ACESSO A TERRA Ocupação Costumeira Ocupação por boa fé DUAT O pedido de grandes extensões de terras que não raras vezes envolvem mais do que uma comunidade; Desconhecimento dos limites ou da titularidade original (caso de herdeiros cujos progenitores tinham cedido/recebido a terra por empréstimo; Práticas corruptas por parte de alguns oficiais da administração de terras, com o objectivo defavorecer uma das partes em troca dealgum benefício; Práticas corruptas por parte de alguns líderes comunitários, permitindo a entrada de um investidor sem realizar as consultas comunitárias e ignorando os interesses dos seus liderados.

6 III. Tipos de conflitos Distrito Intrafamiliar Intracomunitário Intercomunitário Extracomunitário (Inv.-com) Invasão comunidades Alto Molócue Gurué Malema Ribaué Monapo Angoche Marracuene

7 IV. Alguns exemplos a) Conflito empresas chazeiras vs comunidades (Gurué) b) Hoyo Hoyo e os conflitos com a comunidade de Ruace c) AgroMoz e os conflitos com a comunidade de Wakhua

8 a) Conflito empresas chazeiras vs comunidades (Gurué) As plantações de chá que cobrem a cintura verde da cidade são parte importante da história do distrito de Gurué; Actualmente, apenas 5 das 12 fábricas que existiam antes do conflito armado continuam em funcionamento; A fraca capacidade financeira para explorar a totalidade das áreas de quem têm DUAT; o envelhecimento das plantas, as calamidades naturais e os custos de produção e transporte para o mercado externo levam a que a área total em produção pelas empresas seja inferior ao total da área física explorada, abrindo espaço para a sua ocupação pela população. As áreas não exploradas das empresas chazeiras que se localizam próximo da cidade são usadas pelos munícipes para a construção de residências e estabelecimentos comerciais, sendo que estas ocupações não são consentidas nem pela empresa, nem pelo município, o que leva ao surgimento de conflitos.

9 b) Hoyo Hoyo e os conflitos com a comunidade de Ruace Projecto lançado em 2009, tendo iniciado a sua primeira campanha em 2012 (soja e milho); Área da antiga Empresa Estatal de Lioma, abandonadas durante a guerra e ocupada pela população local; Comunidades com direito de ocupação por boa-fé; Cumprimento parcial das promessas feitas durante a consulta comunitária (emprego, água, construção de escolas, reabilitação da estrada e melhoria do centro de saúde);

10 Havia perto de 836 camponeses que cultivavam dos hectares que a empresa Hoyo Hoyo pretendia usar (UNAC e GRAIN, 2015); Reassentamentos em área considerada imprópria para o cultivo e compensações monetárias não correspondentes ao valor das benfeitorias nos locais; Conflitos de Terra.

11 c) AgroMoz e os conflitos com a comunidade de Wakhua A empresa ocupou uma área de 3000 hectares em Lioma, numa zona limite entre as províncias da Zambézia e de Nampula tendo provocado a deslocação de cerca de 1000 pessoas; A população da aldeia de Wakhua que reclama ter sido retirada das terras por si ocupadas, por boa-fé, para dar lugar à grande plantação de soja em Informação comunitária e não consulta comunitária. Processo compensatório pouco transparente. Maiores beneficiários foram pessoas ligadas ao sistema do poder a nível da comunidade. Efeitos negativos de âmbito económico e social.

12 V. Efeitos verificados nos diferentes estudos de caso A perda do habitat das famílias e da sua principal fonte de subsistência (a terra); O reduzido acesso a serviços básicos (água, saúde, educação, electricidade e outros); A degradação das condições de vida e maior dependência pelo trabalho assalariado; A redução da fertilidade/qualidade dos solos nas novas áreas; Mudanças na dinâmica de produção (menores áreas cultivadas, menor produtividade); Conflitos, desigualdades sociais e disputas entre estabelecidos e outsiders ; Não-identificação com os locais de reassentamento, choques culturais e mudanças no estilo de vida das comunidades.

13 Considerações finais Existem diferentes interesses políticos, económicos, sociais e culturais à volta da terra que podem condicionar o surgimento de conflitos entre os diferentes utilizadores. Porque a penetração do capital que necessita de grandes extensões de terra está na fase inicial, é possível afirmar que, de um modo geral, actualmente a população da maioria das zonas goza todavia de razoável acesso à terra. No entanto, onde houve penetração do capital existiram conflitos. Mesmo poucos episódios de usurpação são suficientes para criar insegurança de posse ao nível nacional. Os conflitos extracomunitários são os mais comuns e preocupantes, pois envolvem, actores com diferentes posições sociais e/ou económicas.

14 Considerações finais Como razões subjacentes aos conflitos, é ponto comum que o desconhecimento de legislação e as atitudes pouco dignas de alguns titulares estão na origem; A grande maioria dos conflitos tem sido resolvida por meios extrajudiciais, por via da conciliação, encabeçada pelas autoridades distritais ou pelos SPGCs. Tratando-se de conflitos com empresas privadas, a resolução é mais fácil nas comunidades assistidas por organizações da sociedade civil; A divulgação das leis e a efectiva implementação destas pelas autoridades competentes pode ser uma ferramenta útil para a prevenção dos conflitos de terra; Dando-se o caso de conflitos de terras podem surgir muitas vezes situações de migrações forçadas e não assistidas, pelo que o maior prejudicado será o grupo com menos capital financeiro e cultural. Esta situação torna urgente uma acção mais pró-activa do Estado no desenvolvimento de políticas públicas e numa mediação mais presente, capaz de proteger os interesses populacionais.

15 OBRIGADA!