CISC CENTRO INTERDISCIPLINAR DE SEMIÓTICA DA CULTURA E DA MÍDIA O PECADO DOS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE INFORMAÇÃO

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1 CISC CENTRO INTERDISCIPLINAR DE SEMIÓTICA DA CULTURA E DA MÍDIA O PECADO DOS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE INFORMAÇÃO Marina Quevedo

2 A comunicação sempre foi a ligação mais forte entre os indivíduos. É um atributo libertário e empreendedor, que pode fazer do homem um ser mais completo. Quando nos comunicamos trocamos idéias; conceitos; experiências; prazeres. Informamos sobre nós mesmos e sobre o que nos cerca. Fazemos notícia aquilo que experimentamos. E com essa troca de informações, formamos nosso intelecto, crescemos enquanto indivíduos, crescem nosso repertório e argumentos. Os veículos de comunicação surgiram para tornar esse mecanismo mais eficiente, levar a povos diferentes fatos distantes; fazer com que a humanidade pudesse se aproximar mais, deixando-a mais participativa e solidária. Nunca deveria ser seu papel, o dos veículos de comunicação, orquestrar ou determinar o que é informação. Somente dar passagem, ou criar condições para dar passagem ao fluxo informativo da humanidade, para o bem da humanidade. Assim deveria ser, e assim não é. A notícia e a informação tornaram-se material de trabalho ou mercadoria negociável para os grandes grupos de mídia. Perdeu-se, no transcurso do tempo, o papel de informar. Algo muito diferente disso encastelou-se na grande imprensa: o monopólio da informação. Esse é o objetivo, não informar. Nos EUA assombrosas megaempresas da comunicação, formando conglomerados, pilotadas por homens que viraram os magnatas da mídia, têm surgido ou se fortalecido nos últimos dez anos. Como explicar o fenômeno Rupert Murdoch, que controla um império formado por uma centena de jornais e diversas emissoras de rádio e TV na Austrália; um terço da tiragem dos jornais britânicos The Sun, The Times, News of the World e Sunday Times; 40% do capital da British Sky Broadcasting (rede de televisão por satélite e a cabo); o primeiro grupo de televisão digital por satélite na Grã- Bretanha, e ainda outras "quinquilharias" informacionais mundo afora? O que isso significa? 2

3 O que vivemos, cotidianamente, em termos de informação internacional? Um grande quebra-cabeças, montado dia-a-dia, que nos leva a entender cada vez melhor nosso papel social no mundo? Ou um outro, que, ao contrário, vai sendo desmontado, com o objetivo de nos desqualificar e confundir enquanto analistas da imensa quantidade de informação que recebemos? Os sistemas internacionais de notícias adotam critérios sociais para seu trabalho ou, em vez disso, preparam os cidadãos a serem autômatos, aos quais tão somente se delegam poderes em sistemas binários: sim e não? As agências internacionais de notícias e os conglomerados de mídia em nada têm contribuído com a apuração humanística do homem, ao contrário, têm se tornado verdadeiros ralos da formação do indivíduo. Parece haver fundamento na crítica que diversos setores independentes da sociedade fazem a esses monopólios, quanto à lisura do trabalho que desenvolvem, acusando-os de estarem à disposição, tão somente, de transitórios interesses políticos e econômicos. Para o jornalismo do Terceiro Mundo essa discussão já esteve em pauta, quando o Relatório MacBride, em meados da década de 80, criou as bases para a Nova Ordem Mundial da Comunicação e Informação, a Nomic. Atada aos sabores do noticiário imposto pelas agências internacionais, a imprensa local pretendeu, naquele tempo, com a Nomic, ganhar espaço e furar o bloqueio às notícias do cone sul no hemisfério norte, o que ainda hoje não logrou. Essa estrada sem ida embala o ideário internacional de que não temos sequer uma indústria desenvolvida, quanto mais uma respeitável base intelectual. Talvez pensando assim, entendam-se, os sistemas internacionais de notícias, no direito e dever de mostrar apenas uma versão dos fatos: a que eles julgam a melhor para nós. A grande mídia internacional parece ter se fundado na crença de que uma imensa massa de manobra está à espera de 3

4 idéias nos países do Terceiro Mundo, e para suas populações editam e ditam aquilo que devem consumir como informação. 4

5 Imagens da (des)informação "A mídia é um espelho de imagens distorcidas", disse o jornalista e escritor espanhol Manuel Vazquez Montalban em seu Testemunho, durante o 2 Fórum Social Mundial, fevereiro/março de 2002, em Porto Alegre. As agências de notícias mostram-nos, na televisão, rádio, jornais e revistas, não aquilo que o fato desvenda ou revela, mas o que a imagem do fato pode esconder. Tanto faz se a imagem é mostrada ou não, pois a verdade está onde não se vê. A preocupação reside em "selar" a informação, garantindo que a mesma matriz seja utilizada em todas as partes do mundo, como se especificidades culturais locais fossem coisas do passado, aterradas pela mundialização. Rebocada pela globalização da informação, cada vez mais a imprensa local dá passagem ao fluxo informativo dos conglomerados de mídia, que disputam o espaço em nossos periódicos com as agências internacionais, haja vista a reprodução que se faz de edições estrangeiras em forma de cadernos dentro dos grande jornais brasileiros. É a imagem da notícia, criada pelos sistemas internacionais de comunicação, que vende o produto informação. É a imagem de uma crença na eficiência da produção de notícias com um único "selo", que serve ao propósito de TVs, jornais, revistas e rádios. Mas não ao do indivíduo. O debate deve ser aberto, principalmente dentro das Universidades, com os estudantes de jornalismo. Levá-los a refletir sobre essas questões, pode contribuir para a formação de profissionais socialmente mais atuantes, por se tornarem mais críticos. Os critérios para a formação dos futuros jornalistas, que contempla os procedimentos tidos como corretos ou padrões dentro da grande imprensa, (textos informativos, imparcialidade e checagem constante das 5

6 fontes) deve incluir um olhar mais agudo com relação às imagens criadas pela grande imprensa, nacional e internacional. Senão, corremos o risco de formar grandes técnicos da palavra, sem a capacidade de interpretá-las. Ou profissionais imbuídos da crença que seu papel é servir àqueles magnatas da mídia, e não ao primeiro e mais importante papel do jornalista: informar o fato ao seu público da melhor forma possível. Marina Quevedo é jornalista e professora de Jornalismo na Universidade Mackzenzie. Texto originalmente publicado no site em 17 de maio de