Considerações finais
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- Gustavo Camarinho Assunção
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1 Considerações finais Para chegarmos ao cerne de nosso tema, fizemos um percurso específico por alguns conceitos da psicanálise por acreditar que se não o fizéssemos, não atingiríamos o entendimento necessário do que se apresenta como problemático na relação entre mãe e filha. Desse modo, partirmos do conceito de falo. Este foi estabelecido como o significante ordenador da sexualidade na medida em que permite que o sujeito se situe como homem ou mulher ao final do complexo de Édipo. Isso nos permitiu evitar mal entendidos, em psicanálise (seguindo Freud e Lacan), não é a anatomia ou a biologia que determinam a sexualidade, mas sim a representação que o ser humano fará delas. Ele se constituirá como sujeito ao fim de um longo processo psíquico, situando-se frente ao seu desejo como homem ou mulher. A sexualidade é articulada ao inconsciente e fundamentada pela pulsão. As primeiras marcas recebidas pelo bebê serão cruciais para a orientação de seu desejo e, a partir delas, o sujeito se moverá buscando obter novamente a satisfação experimentada. Além disso, o processo de identificação é constitutivo do sujeito. Faz-se necessário que frente à conclusão do Édipo o sujeito possa se identificar com alguém. As insígnias que formam o Ideal do eu são essenciais para que isso ocorra. Desse modo, vislumbramos os problemas que são enfrentados pelas meninas nesse processo. Tal como o menino, ela encontra junto ao pai algo que lhe de consistência enquanto sujeito, porém essa identificação não resolve seu problema enquanto mulher. Sua mãe também não poderá lhe fornecer um símbolo do sexo feminino, já que este não existe, sendo assim, vemos que o Édipo na menina deixa um resto. Logo, ao entender que o falo e a castração organizam a sexualidade, e no caso da menina, eles não dão conta de significar sua feminilidade, entendemos que a mulher terá em sua sexualidade algo que não é atrelado ao falo e ao desejo. Para abordar o campo que se refere ao além do falo e do desejo, e chegar ao caráter especial que se dá a relação mãe e filha, foi preciso delimitar o campo do gozo.
2 83 O conceito de gozo foi construído a partir de um campo traçado por Freud, mesmo que este nunca o tenha estabelecido como um conceito. Gozo não significa prazer e é exatamente o prazer que irá barrar o gozo. A articulação do gozo com a pulsão de morte, supereu, masoquismo e além do princípio do prazer demonstra seu caráter excessivo, repetitivo e violento, como algo que esmaga o sujeito e o impele a destruição. Ao conceituar o campo do gozo e suas modalidades, Lacan não deixa de marcar sua abrangência clínica e sua complexidade. Estabelecemos as diferenças entre as suas modalidades exatamente para deixar claro o que está em questão na relação entre mãe filha. Se o gozo fálico é o gozo sexual, ligado a palavra, gozo do blábláblá, gozo pontual e limitado, o gozo feminino, do qual supomos que a devastação é consequência, é algo além disso. Contudo, quando dizemos que é algo além, não estamos dizendo que se trata de algo superior. Trata-se de um gozo fora da linguagem, um gozo do corpo e sem limites, sobre o qual a mulher não pode falar, já que não está atrelado ao significante. O ilimitado deste gozo não deve ser tomado como plenitude, o que predomina nesse ilimitado é a angústia. A partir dessa modalidade de gozo, foi possível tratar a devastação. Percebemos que a relação com sua mãe ocupa um papel primordial na vida de uma mulher. Além desta ter sido seu primeiro objeto de amor, o qual ela se vê obrigada a abandonar, é dela que a menina espera uma resposta que lhe aponte a direção no que se refere ao tornar-se uma mulher. Como não consegue uma resposta, ela se vê desapontada. Mas este desapontamento não é causado pelo fato de sua mãe lhe negar tal resposta, mas sim porque não existe resposta a essa pergunta. Freud percebeu e apontou a importância da mãe para uma mulher, o que o levou a destaca o vínculo pré-edipiano no que concerne à sexualidade feminina. Além disso, o desenrolar do Édipo na menina se mostra muito mais complicado do que no caso do menino. A mudança de objeto (ir da mãe em direção ao pai) e de zona erógena (substituindo o clitóris pela vagina) não são bem sucedidas. As meninas não chegam a abandonar completamente nem sua zona erógena inicial, bem como seu primeiro objeto de amor. Sendo assim, parece mais cabível falar de desdobramento, ao invés de substituições.
3 84 Ao tentar responder como a menina se separaria da mãe, Freud diz que o Penisneid, ou inveja do pênis tem papel crucial. Ao entender que a mãe foi a responsável por tê-la trazido ao mundo mal aparelhada e, portanto, em desvantagem, a filha não é capaz de perdoá-la. Inicia-se assim, todo um processo de reivindicação acompanhado de muitas queixas que tem como alvo a mãe. Ao se decepcionar profundamente com a mãe, a menina se voltaria ao pai em busca de poder simbolizar sua falta. No entanto, ele também não poderá fornecer-lhe tal símbolo. Mas, como a menina não tem angústia de castração, falta-lhe um motivo para que ela destrua o complexo de Édipo. A descoberta fundamental de Freud está no fato de que não há um símbolo específico que defina o feminino. Lacan, com sua célebre citação de que o Édipo faz na mulher peixe na água e que a menina espera mais substância da mãe do que seu pai, aponta o mesmo problema. A mulher demanda da mãe um significante que lhe dê algum sentido para seu ser enquanto mulher de forma mais veemente do que o faz junto a seu pai. Este é um ponto determinante na devastação. No entanto, para que seja possível para a menina construir uma feminilidade que lhe seja sua, particular, é capital que deixe de querer receber a essência de sua feminilidade de sua mãe. Também se mostra mais difícil no caso da mulher aceitar a falta no Outro materno. Sendo assim, entendemos que é tão problemático separar-se da mãe, pois a filha busca algo que compense sua dupla falta, como sujeito e como mulher. Lacan marca que a maioria das relações das mulheres com suas mães revelam um aprisionamento de devastação exatamente para mostrar como é difícil que a filha de fato abandone essa demanda. Lacan buscou o termo devastação retomando o que Freud havia chamado de catástrofe. A devastação caracterizaria uma relação passional em que a separação é sempre adiada. Miller é preciso ao dizer que na devastação está em jogo depredação sem limites, tudo bem completo. Trata-se de uma dor que não conhece limites. Ao apontar o ilimitado da devastação, voltamos ao campo do gozo feminino ou Outro gozo. O gozo feminino, conceituado por Lacan no Seminário: Mais, ainda, é um gozo do corpo, sobre o qual a mulher nada pode dizer, a única coisa que ela sabe é que o experimenta. Talvez ela possa dizer uma palavra sobre ele porque talvez desconheça o que lhe faz nãotoda.
4 85 Ao tomarmos a devastação como uma consequência do gozo feminino, contudo, não estamos dizendo que as reivindicações fálicas ligadas à inveja do pênis não façam parte da devastação. Concluímos que a devastação tem uma face de reivindicação fálica, que se liga ao desejo da mãe, e uma face em que vemos o não todo fálico, um modo de gozar, que se articula à dificuldade de simbolizar o gozo feminino. Sua origem estaria ponto em que a filha espera uma identificação feminina que se revela impossível. Para o sujeito feminino, é sempre penoso desvincular-se dos impasses do gozo. O livro de Marguerite Duras, tomado como exemplo, mostra de forma precisa os efeitos da devastação sobre o corpo. Na ausência do olhar de seu noivo, a personagem Lol V. Stein perde sua consistência, se perdendo completamente. Lol busca uma saída quanto ao que deve fazer com o próprio corpo. O arrebatamento liga-se ao perder-se de si mesmo. Se para Lacan a relação com a mãe é devastadora para a maioria das mulheres, é possível presumir que existem exceções. É verdade que uma mãe pode ser para a filha uma devastação, entretanto ela também pode ser outra coisa. Pode ser a possibilidade desta filha constituir-se como uma mulher. Cada uma inventando sua própria versão da feminilidade. O acolhimento e o olhar da mãe são imprescindíveis para filha. Sem eles também se torna muito difícil para a filha se constituir como mulher. Foi este o caso ilustrado com o filme Sonata de Outono. A filha não é notada pela mãe, não encontrando lugar em seu desejo. Desse modo, permanece buscando tal lugar, ao mesmo tempo em que precisa lidar com o ódio que sente por ela, fruto de seu ressentimento por nunca ter se sentido amada pela mãe. Inúmeras vezes, a personagem narra que não lhe era possível achar palavras para poder falar com sua mãe. Podemos assumir que estamos diante de uma manifestação do gozo feminino, o qual a mulher experimenta, mas nada pode dizer sobre ele. Sendo assim, vemos que separar-se da mãe é uma tarefa imprescindível para que toda criança possa conquistar o estatuto de sujeito. É preciso deixar claro um ponto. Durante nosso trabalho, focamos no processo da filha se separar da mãe, o que não significa de forma alguma, que esse processo dependa só dela. Ao contrário, para que a filha possa se separar de sua mãe é preciso a segunda
5 86 consentir que a filha-menina se vá para que a filha-mulher possa surgir. Este foi o problema apresentado no filme A Professora de Piano. Constitui-se um problema sério, devastador, quando a mãe não permite que sua filha siga o caminho em direção de sua própria feminilidade, diferente da de sua mãe. Ao articular nosso trabalho a prática clínica, entendemos que se o analista sabe que o suplemento inconsciente pedido pela mulher é impossível de ser fornecido e que o inconsciente não pode dizer tudo, será possível considerar um não interpretável a ser mantido. Cabe ao analista fazer da falta de significante atuar como uma saída, e não como algo que irá paralisar a análise. Serge André pontua que ao invés de procurar uma palavra que tampone o furo deixado no inconsciente, o analista deveria responder com uma palavra vazia. A questão da feminilidade, como Lacan apontou de forma precisa, só pode ser resolvida por cada mulher em sua elaboração singular. Ao se separar de fato de sua mãe a mulher não só vê diante de si a possibilidade para criar sua versão particular da feminilidade como também abre para si a possibilidade de amar.
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