Super-Receita e o Código de Defesa do Contribuinte: prejuízos à Fazenda Pública
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- Ângelo Gesser Quintão
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1 Brasília, 20 de dezembro de Super-Receita e o Código de Defesa do Contribuinte: prejuízos à Fazenda Pública O parecer do senador Rodolpho Tourinho sobre o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 20 de 2006, que dispõe sobre a fusão da Receita Federal com a Secretaria da Receita Previdenciária, criando a Super-Receita acolheu 13 emendas das 17 apresentadas que versam sobre a inclusão de assuntos relacionados ao Código de Defesa do Contribuinte (CDC). Esta Nota Técnica tem por objetivo analisar as principais emendas acolhidas pelo relator que vão prejudicar a fiscalização federal e que trazem prejuízos ao Estado. Proteção à empresa de fachada Emenda 94 A emenda acolhida modifica as atribuições da autoridade fiscal para ressalvar que a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial. Restringir a desconsideração de personalidade jurídica à decisão judicial é totalmente injustificado e injusto, pois tornará excessivamente moroso o procedimento administrativo, podendo resultar em decadência do crédito tributário, ou seja, o Estado perde o direito de constituir e cobrar o tributo. Desconsiderar a personalidade jurídica significa cobrar o tributo do verdadeiro contribuinte e não do preposto. Portanto, vedar o fisco de desconstituir a personalidade jurídica significa dificultar ou até impedir o lançamento do crédito tributário, em face do prazo decadencial. A atribuição do Fisco de desconsiderar a personalidade jurídica é instrumento fundamental de combate à sonegação de tributos e à formação de empresas de fachada, em geral, constituídas com o intuito de acobertar ilícitos. Limitar a atuação do fisco é desconhecer a realidade dos fatos, pois é cada vez mais freqüente a utilização de interpostas pessoas - os "famosos laranjas com o intuito de acobertar a sonegação Neste caso, os sócios de fato não são o de direito. Tais fatos demonstram que a proposta do relator, além de restritiva do ponto de vista operacional, pode ser totalmente inócua para fins de um adequado combate às fraudes. Como exemplo, podemos citar o caso de uma empresa com um elevado passivo tributário que constitui outra empresa de fachada, transferindo para esta a parte ruim da sociedade, blindando seu patrimônio contra o fisco. A proteção do contribuinte contra lançamentos insubsistentes já se encontra garantida na legislação vigente, na medida em que o lançamento do crédito tributário constituído em decorrência da desconsideração da personalidade jurídica é passível de 1
2 diversos recursos em vários graus de jurisdição com suspensão da exigibilidade do referido crédito, tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Portanto, com tal dispositivo o Fisco estará impedido de descaracterizar a personalidade jurídica de empresas laranjas e lançar o crédito tributário na pessoa que se acobertou, ou seja, em nome dos verdadeiros donos do dinheiro. Isso demonstra que o PLC dificulta, ainda mais, o combate às fraudes e à sonegação fiscal, facilitando a vida do sonegador. No tocante às relações trabalhistas, a emenda do relator dificultará também o combate ao trabalho escravo, às cooperativas fraudulentas e à terceirização irregular nas empresas. Como exemplo desta última situação, podemos citar o caso de empresas que demitem funcionários, retirando-lhes a situação de segurado previdenciário, para logo em seguida contratar empresa individual, de propriedade do "antigo empregado", para prestar-lhe o mesmo serviço. Prejuízos à previdência social e ao Tesouro Nacional Artigo 24 A emenda acolhida pelo relator altera o parágrafo único do art. 24 do PLC 20, limitando a dois anos a vedação de compensação das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei 8.212/1991. Após este prazo, o parágrafo permite que as contribuições dos empregadores e empregados para a previdência social sejam passíveis de compensação por outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF). O elevado índice de irregularidade e fraudes (cerca de 80%) nos créditos declarados perante a SRF, para compensação de débitos do contribuinte, revela a fragilidade dessa sistemática, o que coloca em risco a arrecadação da União e compromete o repasse para o Fundo do Regime Geral da Previdência Social, podendo reduzir seriamente os recursos destinados ao pagamento dos benefícios de aposentadorias. O atual sistema de compensação de créditos tributários na Secretaria da Receita Federal é frágil, porque permite a extinção do débito do contribuinte com a simples entrega de declaração de compensação na qual o contribuinte afirma ter crédito com o fisco. A extinção do débito ocorre automaticamente, antes mesmo do reconhecimento do suposto crédito pela SRF. O prazo para a SRF homologar ou não o crédito declarado é de cinco anos. Caso não o faça neste prazo, a União perde o direito de cobrar o débito indevidamente compensado com crédito fraudulento ou inexistente. A drástica mudança nos procedimentos de compensação gerou um grande acúmulo de declarações de compensação a serem apreciadas, sem a necessária contrapartida em termos de quantidade de auditores-fiscais. Por essa razão, até abril de 2005, foram extintos cerca de R$ 55 bilhões de débitos, sem qualquer apreciação da liquidez e certeza dos créditos, em função do prazo prescricional de cinco anos. Entre maio de 2003 e dezembro de 2005, essa nova sistemática também levou a extinção de R$ 71,6 bilhões de débitos tributários, condicionada à posterior apreciação da SRF. Tal cifra equivale a 21% do montante de tributos arrecadados pela SRF no ano de
3 Esses números revelam que a SRF não tem estrutura para o sistema de compensação adotado em 2003, e tal sistemática deve dificultar o repasse de verbas previdenciárias, caso seja aprovado o dispositivo em questão. É preciso lembrar que o patrimônio da União não se confunde com o dos trabalhadores, portanto, eventuais créditos tributários oponíveis à Fazenda Nacional não podem compensar créditos previdenciários pertencentes ao trabalhador. Estímulo ao recurso protelatório Emenda 105 A emenda estabelece prazo máximo de 360 dias, prorrogável por mais 180 dias, para que seja proferida decisão administrativa às petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte, sob pena de nulidade do lançamento de ofício. A interrupção para diligências tem prazo máximo de 120 dias. Caso essa regra fosse aplicada hoje, quase todos os autos de infração para julgamento estariam extintos, sobretudo, os autos de infração decorrentes de matérias de maior complexidade, especialmente aqueles que demandem a obtenção de informações de outros países. O prazo estabelecido não considera na sua contagem os procedimentos protelatórios dos contribuintes, assim como, os aspectos relativos ao porte da empresa, à quantidade de períodos a serem fiscalizados e a complexidades dos fatos a serem verificados. O estabelecimento desses prazos pode inviabilizar a realização de diligências fiscais necessárias para a formação da convicção do julgador. A quantidade de Auditores-Fiscais da Receita Federal é limitada e para cumprimento do prazo estabelecido nesta emenda seria necessário a União prover a SRF de um número bem maior de Auditores. Como se sabe, a contestação administrativa é de iniciativa do contribuinte, e não pode haver restrição a esse direito. Todavia, o exercício desse direito não pode implicar prejuízo a nenhuma das partes, Fisco ou contribuinte. A nulidade do lançamento após 360 dias sem o seu julgamento, poderia levar o contribuinte a apresentar defesa com caráter meramente protelatório, o que abarrotaria as Delegacias de Julgamento e os Conselhos de Contribuintes, dificultando a apreciação de créditos legítimos por falta de tempo. Dificulta o combate à sonegação Emenda 108 A emenda estabelece prazo máximo de 180 dias para os procedimentos de fiscalização, prorrogável até o máximo de 12 meses. Para cada prorrogação de 30 dias, o contribuinte terá 5 dias adicionais no prazo para apresentação de sua impugnação/defesa. Esse prazo pode até ser exeqüível em casos de fiscalizações mais simples, porém pode inviabilizar ações fiscais de grande complexidade, especialmente aquelas que demandam muitas informações, algumas até do exterior, que demoram a ser obtidas ou disponibilizadas. Essa emenda dificulta o combate à sonegação, principalmente a fiscalização de grandes grupos empresariais, de transações internacionais, de operações que envolvem 3
4 paraísos fiscais e supostos planejamentos tributários. O estabelecimento do prazo beneficiará a sonegação, muitas vezes, encoberta em sofisticadas e complexas operações realizadas por meio do sistema financeiro. O processo de abertura econômica em curso na economia brasileira torna as operações econômicas cada vez mais complexas. Por conseguinte, as atividades de fiscalização também ficam mais complexas, exigindo verificações de transações financeiras e comerciais realizadas com empresas sediadas em outros países. Tais ações fiscais exigem tarefas adicionais, cruzamento de informações e documentos do exterior, cujo prazo de entrega não depende do Fisco. Além disso, o prazo exíguo poderá levar o Estado a fiscalizar apenas as empresas de médio e pequeno porte, contrariando a lógica da justiça tributária. Essa medida pode levar também o contribuinte a protelar a entrega de documentos e respostas solicitadas pela fiscalização, inviabilizando o trabalho fiscal no prazo legal. Nos casos de preços transferência, por exemplo, a fiscalização leva em média dois anos para ser executada. O mesmo acontece quando se verifica a incompatibilidade entre a renda declarada e a movimentação financeira, pois exige o cruzamento de dados da CPMF -Contribuição Provisória sobre Movimentação- com aqueles declarados no Imposto de Renda, o rastreamento de cheques e numerosas diligências para se descobrir o verdadeiro dono do recurso financeiro movimentado. Notificação do devedor antes da inscrição em dívida ativa ou no Cadin Emenda 110 A emenda acolhida pelo relator estabelece a exigência de notificação do devedor antes da inscrição em dívida ativa ou para incluí-los no Cadastro de Inadimplentes (Cadin). Esse procedimento protela a cobrança dos débitos tributários ao estabelecer nova fase para inscrição em dívida ativa, aumentando a morosidade na execução judicial dos tributos confessados e não pagos. A Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) preenchida pelo contribuinte é uma confissão de dívida ou de crédito junto ao fisco. Caso o contribuinte não pague administrativamente seus débitos, a Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN) faz a inscrição em dívida ativa, iniciando o processo de execução judicial. A necessidade de notificação significa procastinar o processo de execução de uma dívida já reconhecida pelo inadimplente. Trata-se de um procedimento exorbitante e que onera sem necessidade a administração fiscal. Proibição da União de interpor recursos contra as decisões dos Conselhos de Contribuintes - Emenda 118 A emenda acatada veda à União interpor recursos administrativos ao Ministro da Fazenda contra as decisões de mérito dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais, bem como pleitear a anulação judicial de tais decisões. Esse procedimento estabelece um tratamento diferenciado entre o contribuinte e a Fazenda Pública, ao vedar à União o direito de interpor recurso administrativo e judicial. Ademais, pode ser facilmente alegada a inconstitucionalidade do dispositivo, 4
5 face ao que estabelece o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O Conselho de Contribuintes é um órgão paritário, composto por representantes do contribuinte e da União, por isso suas decisões não representam a vontade única da União, o que torna necessário o recurso para restabelecer a igualdade de tratamento. Documento elaborado pelo UNAFISCO SINDICAL Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal Depto. de Estudos Técnicos. É permitida a reprodução deste texto e dos dados neles contidos, desde que citada a fonte. 5
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