*** Isso posto, passemos ao livro em epígrafe. A professora Constança César, da Pontifícia
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- Diego Bicalho Freire
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1 CESAR, Constança Marcondes (organizadora) A hermenêutica francesa Paul Ricoeur. Porto Alegre: EDIPUCRS (Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), 2002, 152 p. Os leitores não ignoram que a hermenêutica foi, no passado, a teoria e o método de interpretação da Bíblia (e de outros textos considerados difíceis ). Dilthey ( ) ampliou o alcance do termo, para abranger interpretação de atos e produtos humanos, inclusive a história e a vida. Heidegger ( ) ofereceu caracterização do ser humano, lembrando que ele próprio entende e interpreta. Por influência desses dois pensadores, a hermenêutica passou a ocupar posto de relevo na filosofia da Europa Continental. Paul Ricoeur, nascido em 1913, é um dos pensadores franceses importantes do final do século XX. Ao lado do alemão Hans-Georg Gadamer (nascido em 1900), é escritor que acentua o papel da interpretação na vida humana. Valendo-se de noções da psicanálise e do estruturalismo, Ricoeur desenvolveu uma teoria hermenêutica em que a metáfora e a narrativa são vistas como formas de criação de significados novos na linguagem. Isso posto, passemos ao livro em epígrafe. A professora Constança César, da Pontifícia
2 22 HEGENBERG, Leonidas: Resenhas Universidade de Campinas (PUC - São Paulo, Brasil), reuniu, aqui, onze ensaios a respeito de Ricoeur. Três são dela mesma; outro, ela assina em colaboração com Solange Vergnières (do Conselho Nacional de Pesquisas da França). Três são de Jeffrey A. Barash (Universidade de Picardie-Amiens). Dois são de Daniel Desroches (Universidade de Laval). Temos, enfim, um ensaio de Sonia Vasquez Garrido (PUC - Chile- Villarrica) e outro de Danilo Di Manno de Almeida. (Universidade Metodista - não se indica de onde). A organizadora escreve, ainda, uma breve apresentação, lembrando que alguns artigos haviam sido divulgados na revista Reflexão, distribuída pela PUC de Campinas, e foram vertidos para o Português, a fim de integrarem a presente obra. Não escondo o fato de que minha consulta aos trabalhos de pensadores franceses e alemães não se realiza com a freqüência desejável. Na verdade, tenho o hábito de examinar livros desse gênero apenas quando tratam de assuntos próximos das pesquisas em torno da filosofia analítica, típicas dos países anglofônicos. Os esforços de Constança que merece todo meu respeito, na condição de estudiosa de muitos méritos -- levam-me a dar atenção a suas produções, mesmo que fujam de minhas preferências. Infelizmente, esta resenha não pode ter caráter laudatório, em vista dos vários aspectos negativos que
3 HEGENBERG, Leonidas: Resenhas 23 encontro em cultores da hermenêutica e analistas de Ricoeur. Na primeira página do primeiro artigo, Desroches afirma que é preciso segurar o círculo hemenêutico pelas duas extremidades (!?). o Autor não sabe, evidentemente, o que é um círculo. Pior: achei difícil entender o que escreveu. Tive a impressão de ouvir a décima aula de um curso (de 25 aulas, digamos), tendo, é claro, perdido as nove anteriores... [Noto que se indicam inexistentes Figura 1 ; (p. 12) e, depois, Figuras 2, 3 e 4 reforçando a idéia de que aqui está uma aula dada em frente de um quadro negro.] Passei os olhos pelo segundo capítulo. Diante de frases como... da alienação de um si autônomo por si mesmo... (p 32) e de um primeiro passo que não pode ser seguido por nenhum outro... (id.), resolvi ignorar os trechos escritos pelo sr. Desroches. Afinal, por que primeiro se não pode haver segundo? O trabalho de Constança, a respeito da ontologia hermenêutica (p ), ao que parece, foi elaborado sem necessárias revisões. A autora mostra especial simpatia pelos ordinais e numerais. Assim, fala de primeiro momento (p. 43); três dimensões do símbolo (44); segundo momento (45); segunda etapa (46); três momentos da mimesis (48); terceira
4 24 HEGENBERG, Leonidas: Resenhas aporia (50); terceiro sentido da hermenêutica (51); três direções da investigação (51); primeiro desdobramento da problemática -- sem que haja um segundo (53); primeira pedra do edifício ético-moral (53) sem mencionar uma segunda; primeiro nível (53) da investigação, de novo olvidando o segundo. Fala, ainda de três mediadores (55) entre metafísica e moral e de três sentidos (55) da palavra hermenêutica felizmente apresentados em seguida. Em tese, a simpatia pelos numerais e ordinais nada tem de reprovável. O que faltou foi mais clara alusão os sucessores, obrigando o leitor a rever o texto, em busca dos itens que seguem os citados. O artigo O problema da tolerância em Paulo Ricoeur, entretanto, é acessível e apresenta alguns pontos interessantes. Pareceu-me simpática a idéia de Constança comparando a tolerância ao respeito ao ser humano, em sua dignidade e em suas crenças, assim como à condição de desenvolvimento e de felicidade. Sem indicar fontes consultadas, Constança faz alusão a muitos autores (Mayor, Droit, Cristi,, Youman,...) que, imagino eu, os leitores entre os quais me incluo não têm obrigação de conhecer. Estarei enganado? Pode ser. Nesse caso, que a professora perdoe minha ignorância. A filosofia moral de Paulo Ricoeur, do sr. Barash, é trabalho que pode ser colocado a meio
5 HEGENBERG, Leonidas: Resenhas 25 caminho, entre os trechos ilegíveis de Desroches e as cartesianas idéias claras e distintas de Constança. De um lado, encontro afirmações estranhas ; de outro, observações interessantes. Na primeira linha do artigo, o Autor afirma que Ricoeur tem um alcance angular para a filosofia.... Fiquei imaginando, sem êxito, o que poderia ser esse alcance. Logo a seguir, diz que Ricoeur reporta os atos voluntários ao horizonte involuntário constituído pelo corpo.... Confesso que não percebi qual o significado a atribuir ao termo horizonte involuntário, associado ao corpo (humano). Na mesma p. 82, o autor fala de uma relação primordial entre reflexividade e corporeidade. Não está claro o que significa reflexividade. Seriam os atos voluntários submetidos a uma reflexão? O trecho que encabeça a p. 83 também é obscuro. Que entender por infinitude das coisas singulares que a palavra [ discordância? ou infinitude? ou desproporção?] recobre. Em que sentido os termos (quaisquer termos, afinal) podem ser objeto de um desejo de infinito, pela vontade? No lado positivo, é boa a lembrança (p. 87) de que a identidade (da carteira de identidade não da matemática ou da lógica) se desdobra em (1) disposições que caracterizam uma pessoa e (2) fidelidade a um só eu que se mantém no tempo. Res, nov 2003
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