Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul
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- Marisa Assunção Eger
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1 Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul COMPARANDO O EXOTISMO: UMA LEITURA DE O GUARANI E A CARNE Fernanda de Paula Alves de OLIVEIRA (G-UEL) ABSTRACT: O guarani and A Carne, respectively woritten by José de Alencar and Júlio Ribeiro approached nature in distinct ways. For Alencar, space was related to nationality with characters who were perceived as sources of heroism. For Ribeiro the awesome, landscape produces exotic effect joining man and animal. KEYWORDS: nature; exotic; animal; man; landscape. Introdução Romantismo e naturalismo foram dois momentos preponderantes da nossa literatura brasileira e cada um ao seu modo. A proposta desse trabalho é relacionar os livros citados, comparar o papel da natureza para eles e principalmente analisar a obra naturalista, destacando os perfis humanos e a influência da natureza na composição deste. 1. O guarani e A carne: o papel da natureza No romance A carne o envolvimento entre a natureza e as sensações da personagem são bastante reconhecíveis na realização da trama. Uma exalação capitosa subia da terra, casava-se estranhamente à essência sutil que se desprendia das orquídeas fragrantes: era um misto de perfume suavíssimo e de cheiro áspero de raízes de seiva, que relaxava os nervos, que adormecia o cérebro. Lenita hauriu a sorvos largos esse ambiente embriagador, deixou-se vencer dos amavios da floresta. 1 Como se percebe, a natureza em A carne desempenha a ligação entre o homem e a terra. A heroína embriaga-se em contato com a terra. Aspira às delícias naturais e com o desenrolar da trama discurso passa para a focalização do comportamento sexual com influência da natureza à vivência erótica da heroína. Em O guarani, a natureza serve como pano de fundo para a descrição do cenário. Ela compõe o quadro das idéias de O guarani, mas não influência as personagens, pelo contrário, Peri é um homem da terra, no entanto, suas ações não são desencadeadas pela natureza e sim, por ele ser um forte e bravo guerreiro. Na verdade, a natureza nesse romance romântico é a visão do paraíso, como assinala Holanda (1994: 16) diferenciando-se do romance naturalista, em que a natureza além de influenciar a ação das personagens, torna-se personagem, tendo em vista as descrições dela: as flores, as folhas, os perfumes, o ar. A natureza anima -se, ou seja, personifica-se. 2. A influência da natureza No romance naturalista A carne o papel da natureza para a composição das personagens é imprescindível. Várias passagens do romance evidenciam isso, como a cena do banho de Lenita: 1. RIBEIRO, Júlio. A carne. São Paulo. Martin Claret, 2001,p.25
2 Lenita contemplava-se com amor-próprio satisfeito, embevecida, louca de sua carne. Olhou-se, olhou-se para o lago, olhou para a selva, como reunindo tudo para formar um quadro, uma síntese. 2 Observa-se em Lenita a tópica de Narciso, ela contempla -se numa espécie de versão plástica do mito e exercita o erotismo de forma reflexiva. Uma espécie de desvendamento da beleza do corpo, um momento de auto conhecimento. É possível também ver sob outro enfoque a cena do banho; de certa forma, o banho representa a pureza contrastando com a libido, porque Lenita deseja, entretanto, ainda inconscientemente estão embutidos os pudores da sociedade burguesa. Esses pudores serão vencidos em contrato com a natureza. Despir-se é entrar em contato com a natureza, é a reintegração homem- natureza, representado por essa cena o fetiche da sedução e o auto voyerismo. Dessa maneira, o envolvimento entre a natureza e as sensações de Lenita na estrutura do romance, atribuem elementos eróticos à natureza sendo o prenuncio do envolvimento com a personagem masculina que entrará na narrativa. A passagem do tempo refletida na natureza com a transformação da fauna e da flora indica a chegada de um novo período a natureza mudara de toilette, e entrara no período dos amores. Por meio do novo recurso da antropomorfização conferida às flores, a chegada a esse novo período identifica-se com o processo da fecundação 3 Esse é um dos exemplos presentes nesta narrativa, pois a natureza implica fundamentalmente no enredo da obra. Explicita-se que a própria natureza tem valor erótico e sexualizase juntamente com as sensações da heroína. N O guarani, a natureza tem papel divergente e serve somente como palco para as ações das personagens e de certa forma, assemelha-se com A carne, nas descrições feitas por Barbosa nas cartas à Lenita. Apesar de o naturalismo ser uma escola posterior ao romantismo, não herdou essa caracterização da natureza como cor local, porque no romance naturalista o homem está ligado à natureza, ou seja, a teoria de Taine se evidencia: o meio, a raça e o momento histórico influenciam o indivíduo. É importante notar a transformação de Lenita. Enquanto vivia com o pai era o exemplo da burguesa ilustrada e não manifestava-se nela os ardores da carne, o desejo surge quando ela vai para a fazenda (contato com a natureza) e se sente fragilizada percebendo ser também como um animal e, por esse motivo se transforma em contato com a natureza. Fica evidente que na obra naturalista exposto, a natureza compõe a trama e não é somente mera descrição local do romance. 2. Desejo e sonho Para Bulhões (2003:120), a histeria- ninfomania é a materialização do caráter maligno do desejo insatisfeito associado à imaginação. No romance A carne, a heroína estimula a sensualidade através do sonho, como a cena do Gladiador de Borghese. Este é um exemplo do caráter maligno de desejo, pois Lenita deseja um corpo escultural para saciar seus desejos. Não obstante, esse estado onírico perturba a personagem levando-a a querer cada vez mais o desejo sexual. A narrativa toma o universo fabuloso, pois a personagem projeta através do sonho seu desejo. Formam-se quadros onde a personagem se compõe fascinada pela imaginação; seu desejo concretiza-se primeiro no universo onírico. 2. Idem, p.26 3.BULHÕES, Marcelo. Leituras do desejo: o erotismo no romance naturalista brasileiro. São Paulo, EDUSP, 2003, p.65.
3 Em O guarani, a passagem mais evidente do desejo ocorre quando se atribuem os sentimentos de Loredano, Álvaro e Peri por Cecília: Assim o amor se transforma tão completamente nessas organizações. Que apresentava três sentimentos bem distintos: um era uam loucura, o outro uma paixão, o outro uma religião. Loredano desejava; Álvaro amava; Peri adorava. 4 Observa-se somente em Loredano o impulso sexual: era a paixão do amor; a febre que lhe requeimava o sangue quando via aquela menina inocente e cândida. 5 O fato de requeimar o sangue alude ao impulso sexual; Loredano deseja avidamente Cecília e por isso, as descrições quanto a essa sensação vivida por esta personagem ocorrem dessa maneira. Quanto ao universo onírico, é preciso deter-se a Cecília que sonhava com seu cavaleiro: Ela sonhava que uma das nuvens brancas que passavam pelo céu anilado, roçando a ponta dos rochedos, se abria de repente; e um homem vinha cair a seus pés tímido e suplicante (...) abria os olhos; mas voltava-os com desgosto, porque, em vez do lindo cavaleiro que ela sonhara, via a seus pés um selvagem. 6 No sonho de Cecília, evidencia-se o desejo da mulher romântica: o cavaleiro idealizado, no entanto, quem está aos pés de Cecília é seu herói, um selvagem, o índio Peri. Na verdade, toda a idealização do sonho dela é para Peri; ele é um cavaleiro da selva, pois defende sua princesa dos perigos que a cercam. Nota-se dois pólos diferenciados entre os sonhos das personagens femininas aqui expostas, Lenita e Cecília. Na primeira, o sonho é algo erótico, ligado ao sexo, ao desejo. Já na Segunda, o sonho está ligado ao amor idealizado. A partir disso, fica claro os pontos divergentes entre essas personagens: Lenita é ligada a natureza física, a pulsão sexual e o desejo, enquanto Cecília se enquadra na natureza anímica, de sentimentos sublimes e puros, como o amor. 4. A Carne Publicado em 1888, o romance possui traços acentuados do naturalismo, o que provocou na época muitas críticas, como a do Pe. Senna Freitas. A partir desse romance é possível perceber as crenças e concepções típicas do século XIX, verificando a materialização do estético e do simbólico. A carne apresenta clichê romântico como desfecho de Barbosa, enlaçados com clichês naturalistas. Nas atitudes das personagens, há uma ruptura na tradicional caracterização do masculino (elemento passivo) e do feminino (elemento ativo). Mesmo na iniciação sexual as atitudes são desencadeadas por Lenita. O foco narrativo incide a personagem feminina. Antes de sua iniciação sexual, Lenita precede o ato através da visão da estátua de Agasis, o gladiador de Borghese. A imagem do gladiador revela na heroína o primeiro momento do desejo e lance erótico, assim como a cena do banho. Essas duas passagens do romance revelam a plasticidade como elemento que adentra a narrativa para a exposição do erótico. 4. ALENCAR, José. O guarani. São Paulo, Martin Claret, 2003, p idem, p idem, p. 31.
4 A crítica ao casamento foi um dos motivos do romance não ser bem visto na época de sua publicação. A crítica contundente fora para a sociedade burguesa à investida contra a organização social. Lenita vê o casamento como mera convenção da hipocrisia social, no entanto recorre a esta convenção no seu desfecho. No capítulo XIV está um dos principais motivos do enredo: A palavra amor é um eufemismo para abrandar um pouco a verdade ferina da palavra cio. 7 Segundo a definição de Barbosa sobre o amor e comparando os três primeiros capítulos da obra, verifica-se que o comportamento das personagens, assim como as demais obras naturalistas, são relacionadas à carne, ao desejo animalesco do homem, por isso o abrandamento para a palavra cio. O amor é a natureza. E as figuras do perfume deste romance são elementos ligados à natureza e a própria natureza humana. Dessa maneira, o sexo é a extensão do amor e o desejo humano é incontrolável como dos animais. Comparando com os três primeiros capítulos desta obra, observa-se que o capítulo I é ligado a mente, a ciência, a ilustração de Lenita, o que não é comum para uma mulher do século XIX, mostrando um primeiro conceito ro mpido por ela. No segundo capítulo, as necessidades da carne com o aparecimento da menstruação; analogamente ao desejo humano, o cio. E o capítulo III, a cena já exposta neste artigo sobre o gladiador de Borghese. Paixões e volúpias proibidas são temas do livro. Divórcio, gravidez e desejo sexual substituem a nobreza e dignidade no espírito do herói romântico que vivia longe dos desejos da carne. O romance naturalista aqui tratado expõe a sociedade da época, a influência da natureza e o instinto do homem. Na verdade, A carne trabalhou com o universo do desejo e o universo onírico configurando muitas vezes uma alegoria dos desejos mascarados para a sociedade burguesa da época. 5. O exotismo Em O guarani, como já exposto, o exotismo está ligado a exuberante beleza da natureza na descrição do cenário. Neste romance, o cenário é descrito de forma sublime, onde a terra aproxima-se do Paraíso. É uma terra rica, que possui de certa forma a pureza, pois o que está sendo descrito é o Brasil do século XVII, por isso, o exotismo é a beleza da terra e suas maravilhas, aludindo à idéia do Paraíso. Neste romance não há nenhuma mudança na quebra de expectativa do leitor para a natureza exótica. No romance A carne, a natureza exótica trabalha com o fabuloso nas descrições. Personifica a natureza induz a ação das personagens. Isto ocorre, para que haja a transfiguração do símbolo para o real; Lenita primeirmente sonha com algo que deseja para realizá -lo posteriormente. As questões essenciais de preocupação estética estão relacionadas com o exótico; o próprio naturalismo insere esta temática, pois ação do homem é influenciada pelo meio. Lenita ao entrar em contato com a natureza começa a mudar alguns dos seus comportamentos: febres e desejos são constantes. É possível perceber a relação entre a mulher e a terra, o mito de Deméter; através desse mito explica-se a relação que Lenita faz quando conscientiza-se das mudanças de seu corpo a menstruação e a questão da fecundação: E Lenita sentia-se outra, feminilizava-se. Não tinha mais gostos viris de outros tempos, perdera a sede de ciência; entre os livros que trouxera procurava os mais sentimentais. Releu Paulo e Virgínia, o livro quarto da Eneida, o sétimo do Telêmaco. A fome picaresca de Lazarilho de Tormes fê -la chorar. 7. idem 1, p. 109.
5 (...) Por vezes lembrou-lhe que, se casasse, teria filhos, criancinhas que dependessem dela de seus carinhos, de sua solicitude, de seu leite. E achava possível o casamento. 8 Nota-se primeiramente o conceito e uma realidade da época; as mulheres não tinham acesso a educação como os homens, Lenita perdera os gostos viris ao ficar na fazenda, onde ela tinha contato com a natureza. O fato de feminilizar-se está ligado ao instinto feminino, às mulheres são mais sentimentais, por isso, o gosto por livros desse tipo, além da idéia do mito de Deméter, pois, se a mulher tem uma relação maior com a terra, logo as sensações são mais constantes e significativas nela. Outro fator é o instinto materno, a heroína lembrou-se que se casasse teria filhos. O que é uma conseqüência, através da cópula obtêm-se a prole, como nos animais, novamente aproxima -se homem animal para explicar os motivos da heroína para algumas atitudes. Também é possível relacionar com o desfecho dessa personagem, que apesar de achar que o casamento é mera convenção, recorre a este. É possível traçar a seguinte formulação: Lenita vai em direção aos instintos e, primeiramente, acontece o ato sexual, depois como conseqüência deste, ela engravida, então surge o instinto materno fazendo com que ela precise recorrer aos moldes da sociedade burguesa para ser aceita novamente, pois irá embora da fazenda. O exótico neste romance é a influência da natureza na heroína é através desse universo exótico e juntamente com as figuras do perfume, a pulsão sexual manifesta-se na heroína. Esta é uma estratégia para a incitação d desejo que neste romance reside na atração visual. O próprio corpo de Lenita integra esse panorama, é a suposta imagem da Vênus de Milo aproximando-a da plasticidade da estátua do gladiador. Contrapondo com o cenário de O guarani, A carne possui um cenário mais rico, pois em primeiro plano está o simbólico, depois o animado, visual e sedutor. Assim a natureza exótica desnuda as formas de sedução e desejo no romance naturalista. 8. idem 1, p. 20. RESUMO: O guarani e A carne respectivamente da autoria de José de Alencar e Júlio Ribeiro tematizaram a natureza de forma distinta. Para o primeiro, o espaço conferia a nacionalidade, com personagens dotadas de fonte de heroísmo. Para o segundo, a paisagem também exuberante produz efeito exótico aproximando o homem do animal. PALAVRAS-CHAVE: natureza; exótico; animal; homem; paisagem. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: ALENCAR, José. O guarani. São Paulo, Martin Claret, BULHÕES, Marcelo. A carne. São Paulo, EDUSP, CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira II. Belo Horizonte, Itatiaia, COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil VII. Rio de Janeiro, Sul América. HOLANDA, Sérg io Buarque de. no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo, Brasiliense, LUCAS, Fábio. Do barroco ao moderno. São Paulo, Ática, 1989.
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