Miguel Poiares Maduro. Ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional. Conferência SEDES
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- Luca de Figueiredo Monsanto
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1 Miguel Poiares Maduro Ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional Conferência SEDES Lisboa, 6 de Março de
2 Portugal vive hoje um momento de viragem. São inequívocos os sinais de retoma económica. O nível da atividade produtiva sobe há três trimestres, o desemprego cai há três trimestres e o emprego aumenta há três trimestres. Mas a viragem em curso não é uma simples e recorrente mudança de sinal no ciclo económico. A viragem em curso corresponde também à superação da mais grave crise da nossa história democrática. Trata-se de uma crise resultante de anos sucessivos de adiamento das reformas necessárias à nossa participação na área do euro. Temos hoje de escolher genuína e consistentemente o que evitámos escolher realmente no passado: permanecer na área do euro e interiorizar, em toda a sua extensão, as implicações dessa escolha. Não é possível viver na área do euro em elevado défice público permanente, e não é possível viver a maior parte do tempo com elevados défices externos, como foi o nosso caso ao longo das primeiras quatro décadas de democracia. O crescimento económico, indispensável ao Estado social, tem de assentar na competitividade e internacionalização da economia. 2
3 Fizemos, nestes três anos de ajustamento, uma longa caminhada neste sentido. Não vos cansarei com números. Sublinharei apenas alguns dados emblemáticos. A dimensão da consolidação orçamental supera os 5% do PIB, se considerarmos a correção do saldo estrutural, ou um valor próximo dos 7% do PIB, se considerarmos a correção do saldo estrutural primário. É inédito na nossa história democrática. Terminámos o ano de 2013 com um excedente da balança corrente de 0,5% do PIB, o primeiro em 44 anos. Em particular, terminámos o ano com um excedente da balança comercial de 1,7% do PIB, algo que não tem paralelo nas nossas séries estatísticas do último meio século. As exportações ultrapassaram 40% do PIB, algo para o qual também não há paralelo nos registos históricos de que dispomos. São mudanças que atestam bem a dimensão e a profundidade das transformações que estão em curso no nosso país, revelando uma flexibilidade e capacidade de adaptação da sociedade portuguesa de que temos de nos orgulhar e que nos devem inspirar. 3
4 Não estamos satisfeitos. Não podemos estar satisfeitos, quando o desemprego, embora a baixar, está ainda no nível em que se encontra. Mas não há razão para pensarmos que não seremos capazes de dar a volta aos problemas, por maiores que eles sejam, como são os que tivemos de enfrentar. Que não haja qualquer dúvida: estamos a dar a volta, e vamos conseguir dar a volta. Já fizemos muito, mas não terminámos as mudanças que temos de fazer, para superarmos duradouramente a quase estagnação em que vivemos desde 2000, e regressarmos à convergência, que por essa altura interrompemos, com as sociedades mais dinâmicas e mais prósperas do nosso espaço de inserção natural, a área do euro. Considero que há três condições fundamentais que devem ser asseguradas para superarmos com êxito uma crise desta gravidade e podermos construir um futuro mais próspero e sustentado: Ninguém pode ficar de fora do esforço necessário. Ninguém pode ser deixado para trás. Ninguém se pode colocar à margem. Em primeiro lugar, numa crise com a natureza daquela que vivemos, ninguém, nenhum sector da sociedade pode ficar de fora do esforço de adaptação a empreender. Todos têm de estar disponíveis, todos têm de contribuir. Mas em primeiro lugar temos de obter o contributo daqueles que mais têm e proteger aqueles que menos têm. 4
5 No domínio da política orçamental, é impossível consolidar do lado da despesa sem atender ao peso das prestações sociais e das despesas com pessoal. Conjuntamente, representam uma parcela da ordem dos 70% da despesa pública total. E esta consolidação é incontornável, não apenas porque ela nos é imposta pelo Tratado de Estabilidade da União Europeia, mas também para conseguirmos assegurar financiamento nos mercados a um custo razoável. Os portugueses sabem que os sacrifícios que têm feito são necessários, mesmo quando obviamente preferiam não ter de os fazer. A estrutura da nossa despesa pública e a gravidade desta crise exige impor sacrifícios mesmo a níveis de rendimentos que sabemos já serem baixos. Mas tivemos sempre a preocupação de proteger os segmentos da população mais vulneráveis. Foi o atual governo que descongelou as pensões mínimas e que as aumentou também. Em 2014, mais de um milhão de pensões, ou seja, cerca de 35% do total foram aumentadas. 87% do universo total de pensões não sofreu cortes. Quando tivemos que reduzir as remunerações das administrações públicas, isentámos os de menores rendimentos e aplicámos uma escala progressiva nas diminuições. 5
6 Em geral, onde e quando foi necessária a austeridade, tentámos, no limite do possível, acautelar os segmentos mais vulneráveis da população. E impusemos sacrifícios maiores àqueles que mais têm e a sectores protegidos da economia. Sublinharei apenas alguns exemplos. As renegociações envolvendo as parecerias público-privadas rodoviárias traduzem-se já em poupanças ao longo da vigência dos contratos de 7,5 mil milhões de euros. No sector energético, renegociaram-se contratos envolvendo poupanças no valor de 2,1 mil milhões de euros. No Orçamento do Estado para 2014, incide sobre o sector energético uma contribuição extraordinária, que deverá gerar 150 milhões de euros de receitas adicionais, e aumenta igualmente a contribuição do sector bancário. A segunda condição que temos de satisfazer para assegurar o nosso futuro é que ninguém pode ser deixado para trás. Enfrentamos, aqui, dois desafios estruturais de monta: o da igualdade e o da mobilidade social, intimamente relacionados entre si. 6
7 Portugal era, já antes da crise, um dos países mais desiguais na distribuição de rendimentos na União Europeia. Somos também um daquelas com mais baixa mobilidade social: quem nasce em ambiente menos favorecido tem tendência para aí ficar. Devemos dizer não, um não rotundo a esta situação. Temos de ser um país mais igual e, sobretudo, temos de recusar a desigualdade que se reproduz e perpetua, prendendo os mais vulneráveis à sua condição. Há aqui, nesta luta contra a desigualdade e a sua inércia, também uma dimensão territorial, e uma dimensão geracional e europeia. Nas duas primeiras dimensões, há um problema de sub-representação política, que tende a impedir a superação das desigualdades. Os territórios de mais fraca densidade populacional tendem a ter a sua voz subalternizada porque têm menos peso político, e as gerações futuras não deliberam hoje e, como tal, tendem a não ver os seus interesses futuros atendidos nas decisões políticas tomadas no presente. 7
8 Não nos conformamos com uma suposta inevitabilidade da reprodução das desigualdades, em resultado desse défice de representação. Não podemos deixar de atender, nas reformas a fazer, à justa repartição dos custos e benefícios entre gerações sucessivas, para impedir que se quebrem os laços de solidariedade inter-geracional. E consideramos que a coesão social e o combate à desigualdade têm uma expressão territorial irrecusável. O próximo ciclo de programação de fundos europeus será um instrumento decisivo para a superação das assimetrias regionais, alocando 93% do envelope financeiro às regiões da convergência, isto é, ao Norte, Centro, Alentejo e Açores. Mas não basta atribuir mais dinheiro a esses territórios. É fundamental que ele seja utilizado numa lógica de competitividade e capacitação, e não, de assistencialismo. A superação das assimetrias regionais passa muito pela valorização do território como factor competitivo. E para isto ser possível é necessário juntar conhecimento e território. É fundamental acrescentar valor ao território partindo da capacitação dos atores locais. Ao serviço da coesão territorial estarão igualmente a modernização administrativa e a descentralização. 8
9 A modernização administrativa e a integração de serviços públicos permitem uma maior proximidade do Estado, ainda que com uma presença diferente. A descentralização, com responsabilização, promove um maior conhecimento e diferenciação competitiva dos territórios. Há, na luta pela igualdade de oportunidades, como referi, além das dimensões geracional e territorial, uma dimensão europeia. Portugal não pode, nem ficar para trás, nem ser deixado para trás no ajustamento, que é, em última instância, também um problema coletivo europeu. Um dos efeitos mais nefastos da presente crise traduziu-se na fragmentação financeira. Hoje, as condições de financiamento discriminam negativamente as empresas da periferia da área do euro e comprometem o crescimento nos respetivos países. Está em causa a própria ideia de mercado único. A criação da uma união bancária plena, capaz de romper o círculo vicioso entre dívida soberana e o sistema bancário, será um passo crucial no sentido de colmatar a fragmentação atual. Temos estado sempre na primeira linha da promoção da união bancária na Europa, e continuaremos a fazê-lo com o máximo vigor. 9
10 Mas não chega. A União Europeia necessita de disciplina orçamental mas também de capacidade orçamental. São os dois lados da mesma moeda: a partilha da responsabilidade e a partilha do risco. Quanto mais credível for Portugal no assumir das suas responsabilidades, maior a nossa autoridade para exigir que a União cumpra as suas. E estas exigem um maior equilíbrio entre todos os Estados Membros no processo de ajustamento da zona euro. A melhor forma de conseguirmos reforçar a capacidade orçamental própria da União passa por uma verdadeira agenda da cidadania europeia, em que, nomeadamente, a solidariedade seja legitimada pela distribuição da riqueza produto do próprio processo de integração económica europeia. Um aumento do orçamento comunitário, ou da zona Euro, deveria fornecer à União os recursos necessários para desempenhar dois papéis fundamentais no contexto da União Monetária. Primeiro, introduzindo políticas dirigidas à superação das assimetrias que afectam o bom funcionamento da União Monetária. Segundo, usando o orçamento para poder enfrentar emergências financeiras, como aquelas que estamos presentemente a viver. 10
11 A solidariedade por via das transferências entre Estados não só é limitada como mina a legitimidade social e democrática da União. Os cidadãos dos Estados Membros, que, num momento particular, são contribuintes líquidos, tenderão a percebê-la como uma transferência injustificada de fundos para cobrir riscos incorridos por outros Estados Membros. A criação de recursos próprios com base na riqueza originada no processo europeu evitaria que esse nexo direto fosse estabelecido. Sinalizaria também aos cidadãos de todos os Estados Membros que a sua solidariedade financeira estaria limitada às suas obrigações para com o orçamento da UE ou do euro, e é o preço a ser pago pelos benefícios resultantes de ser parte da UE. Por fim, a última condição que temos de satisfazer como comunidade política: ninguém se pode pôr à margem destes diferentes desafios que identifiquei. A procura de consensos, entre as organizações sociais e entre as forças partidárias em que está ancorado o nosso sistema político, desempenha um papel crucial na determinação do êxito a que podemos aspirar. 11
12 A dissensão e o pluralismo são dimensões essenciais da democracia. Mas a cooperação também o é. Só com algum consenso é possível garantir a estabilidade de políticas públicas, indispensável ao seu sucesso e à nossa credibilidade internacional. Os países mais prósperos da Europa de que fazemos parte são aqueles que maior consenso reformista foram capazes de imprimir às mudanças necessárias. Recordo-me dos países nórdicos, da Finlândia, da Suécia, da Dinamarca e da Noruega, para nomear exemplos à nossa escala. Todos, sem exceção, passaram por profundas crises nas décadas de 80 e 90 do século passado. Se as economias nórdicas foram um exemplo de resiliência diante da crise internacional, e são um paradigma de inserção bem sucedida na economia global, muito se deve ao modo como superaram em diálogo e consenso as adversidades no passado. Eis uma tradição que temos de construir, se quisermos verdadeiramente prosperar. Hoje, até mesmo o consenso europeu é por vezes posto em causa na refrega política. 12
13 Nada seria mais grave, neste momento, do que suscitarmos dúvidas sobre o nosso grau de compromisso com o projeto europeu e o euro. Portugal apenas pode ter sucesso na Europa e não contra a Europa. E apenas pode aspirar a melhorar o projeto europeu ganhando credibilidade no seu seio. Todos temos de contribuir para isso. Em momentos de profunda crise é natural que a convergência tenha tanto de difícil como de urgente e fundamental. O que interessa não é reconhecer a existência de consenso, mas sim, estar disponíveis para o compromisso mesmo onde esse consenso ainda não exista. Eu tenho a experiência de que, mesmo partindo de fortes divergências, se pode chegar a compromissos que se traduzem em melhores soluções globais. Em Julho do ano passado, foi possível chegar a acordo sobre a Lei das Finanças Locais, e criar a nova Lei de Atribuições e Competências das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, em diálogo com todas as partes interessadas. Foi possível porque pensámos nos problemas que tínhamos de resolver e não no que nos separava para além desses problemas. Penso que a procura de consensos, além de desejável, é possível. 13
14 Portugal vai em breve terminar com êxito o Programa de Assistência Económica e Financeira, que o Governo do Partido Socialista, em nome do Estado português, pediu e o atual governo executou, suavizando em muito as exigências do seu formato inicial. Soubemos estar de acordo, aquando das negociações para o Programa de Assistência. É da maior importância que nos ponhamos de acordo quanto às balizas fundamentais do caminho a prosseguir quando ele terminar. As consequências de não o fazer podem ser extremamente gravosas. Os simples sinais de inviabilidade de consensos alargados em matérias fundamentais podem comprometer o sucesso dos nossos esforços. Os portugueses não perdoariam aqueles que nem sequer estão disponíveis para procurar a convergência. Tenho esperança de que todos estaremos à altura das nossas responsabilidades. Pela nossa parte, tudo faremos para que assim seja. Muito obrigado. 14
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