MARXISMO NO SÉCULO XXI
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- Amália Botelho Farinha
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1 MARXISMO NO SÉCULO XXI Ramon Casas Vilarino 1 1 Mestre em História e Doutor em Ciência Política, é Professor e Diretor Geral da Faculdade Sumaré.
2 2 Para abordarmos o tema inscrito na Mesa da I Semana Acadêmica de História da Faculdade Sumaré temos de voltar às origens e apontar em linhas gerais em quê consiste o marxismo. Foi em meio às turbulências do início do século XIX que o pensamento de Karl Marx floresceu e depois ganhou impulso revolucionário. Com a Revolução Francesa, cujo processo iniciou-se no século XVIII, juntamente com a Revolução industrial, do mesmo século, a sociedade europeia modificou-se abruptamente e deu-se início ao longo século XIX, que nas palavras de Eric Hobsbawm, durou historicamente de 1789 a Esse século foi paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que se produziu riqueza como nunca antes, também tivemos a maximização da pobreza e da desigualdade. Karl Marx ainda não era vivo quando os trabalhadores se revoltaram contra a situação que lhes era imposta pelas mudanças ocorridas pela conjunção daquelas duas revoluções. Antes, o artesanato permitia ao trabalhador controlar o processo de produção, estabelecer sua jornada de trabalho, ter conhecimento de todas as etapas do que produzia e sem abandonar o ambiente familiar. Com o advento da fábrica, a produção artesanal foi desmantelada e os artesãos aos poucos tangidos para o ambiente fabril, onde encontravam emprego e possibilidade de dar sustento às suas famílias. No campo, os cercamentos e a expulsão dos camponeses forneceu a outra parte de trabalhadores para a indústria, que necessitava cada vez de trabalhadores. Assim, temos que os tempos modernos trouxeram a ascensão de duas novas classes sociais: a burguesia, dona dos meios de produção na sociedade capitalista e os trabalhadores da indústria, que, sendo consequência da Revolução Industrial e não tendo existência prévia, foram forjados nesse processo de desmantelamento do trabalho artesanal e da migração em massa de camponeses para as cidades que se industrializavam. Onde há dominação há resistência. Assim, enquanto a sociedade capitalista amadurecia, estendia as relações capitalistas de produção e de relações sociais, a riqueza foi multiplicada, porém, concentrada em poucas mãos. A situação de um trabalhador de indústria na Inglaterra na primeira metade do século XIX pareceria peça de ficção a um jovem estudante deste século XXI. Para se ter uma ideia, em Liverpool, a expectativa de vida média de um 2 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos o breve século XX ( ). 2ª. edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
3 3 operário era de apenas 17 anos, enquanto que em Manchester, mais industrializada, rica e com mais trabalhadores, esse número caía para 15 anos: A expectativa média de vida, na década de 1840, era duas vezes maior entre os trabalhadores rurais de Wiltshire e Rutland do que entre os trabalhadores de Manchester ou de Liverpool.(...) 3 Dada a miséria que cercava o trabalhador, este se obrigava a levar a mulher e, depois, os filhos, para também trabalharem com ele na fábrica, mulheres e crianças que chegavam a receber um terço do salário dos homens. Os antigos laços familiares foram destruídos pelas longas jornadas de trabalho, pelas péssimas condições de trabalho, pelo pouco tempo que as famílias operárias tinham para se encontrar e pelo cansaço que, em muitos casos, obrigavam os trabalhadores a dormirem ao lado das próprias máquinas. No início de 1848, o eminente pensador político francês Alexis de Tocqueville ergueuse na Câmara dos Deputados para expressar sentimentos que muitos europeus partilhavam: Estamos dormindo sobre um vulcão... Os senhores não percebem que a terra treme mais uma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte. 4 Dessa forma, não foi o marxismo que inaugurou a arregimentação de trabalhadores e a resistência ao capitalismo ou a qualquer forma de opressão e/ou dominação. Antes de Marx, os trabalhadores criaram organizações que depois amadureceram e constituíram o que chamamos de sindicatos, na tentativa de obter junto aos industriais da época condições menos degradantes de trabalho e salários que lhes permitissem comer o suficiente e ter o mínimo para se proteger dos rigorosos invernos europeus. Nesse contexto de lutas sociais, houve destruição de máquinas e fábricas, greves, motins e, antes de Marx, a ideia que a riqueza poderia ser mais bem distribuída entre a sociedade, a começar pelos que a produzem, os trabalhadores. No início do século XIX, houve quem visse nessas ideias e na agitação social, sinal do fim dos tempos, como normalmente ocorre em finais e inícios de séculos. É nesse contexto, também, que surge uma nova ciência com a intenção de entender o que acontecia, fenômeno esse que as ciências da época não conseguiam explicar. Auguste Comte cria a Sociologia no intuito de 3 HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções ( ). 15ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2001, página Idem. A Era do Capital ( ). 8ª. edição. São Paulo: Paz e Terra, 2001, página 27.
4 4 compreender o século XIX, a sociedade convulsionada que a ele se apresentava e tudo isso na tentativa de evitar sua dissolução. Assim, a Sociologia surge como uma ciência em essência conservadora, não obstante a ideia bastante comum que seus estudantes são comprometidos com a mudança radical do mundo. Isso veio depois. E, aqui, entra Karl Marx. Foi em 1848, ainda na primeira metade do século XIX, que o jovem autor publicou um pequeno, porém notável texto, com o intuito de explicar aos trabalhadores em que consistia a opção comunista. Escrito no final do ano anterior e publicado no momento em que a Europa novamente se levantava em ares revolucionários, Karl Marx e Friedrich Engels este último filho de dono de fábrica explicaram em poucas páginas o que ocorrera na Europa nos últimos anos, lançando teses que até hoje se tornaram fios condutores de reflexões acerca da sociedade contemporânea e da História. Por exemplo: do ponto de vista teórico-metodológico, trouxeram a tese que a História é movimentada pelas lutas de classes, seria o seu motor. No conflito entre as classes sociais fundamentais de toda sociedade é que as mudanças que estudamos nos livros ocorrem. Outra tese: a burguesia é uma classe revolucionária por essência, não obstante evitar que os trabalhadores façam o mesmo, ou seja, revolucionem a sociedade. Outra: o Estado, ao contrário do que aparenta, não representa a universalidade da sociedade, mas trata-se de uma instituição de classe exprimindo a vontade daquela que detém o poder. Mais uma: a concentração de capital tende a lançar no proletariado massas cada vez maiores de pequenos burgueses, ou seja, de pequenos proprietários. Ainda: pela sua natureza, o capitalismo é levado a expandir-se através do progressivo desenvolvimento das forças produtivas e consequente necessidade de um maior mercado e de mais fontes de matérias-primas. Em outras palavras, os autores estão adiantando o que no final do século XX denominou-se globalização. Mais uma? Uma contradição típica sobretudo dos países mais industrializados é que o poder aquisitivo não consegue expandir-se de modo suficiente para absorver a crescente produção da indústria capitalista. Por fim, para abreviar tantas teses, Marx e Engels afirmam que o capitalismo tende a conviver com crises e quanto mais o sistema se expande, maiores também são as crises. 5 Convido o leitor a observar com atenção por cinco minutos o noticiário e, numa visão mais panorâmica, perceberá algumas dessas teses em voga. Por isso, também, independente da filiação ideológica e/ou partidária, economistas e estudiosos debruçam-se sobre 5 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Várias edições.
5 5 essa e outras obras de Karl Marx a fim de entender e responder melhor às crises econômicas contemporâneas. Aqui, atingimos em cheio o tema deste texto, sugerido pela Comissão Organizadora da I Semana Acadêmica de História da Faculdade Sumaré. A exemplo de outros autores e teorias, Marx e o marxismo tiveram a morte anunciada algumas vezes, as últimas após o final da Guerra Fria, quando, inclusive, tivemos o anúncio do fim da história. Contudo, como talvez os historiadores queiram lembrar aos especuladores metafísicos do Fim da História, haverá um futuro. A única generalização cem por cento segura sobre a história é aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá história. 6 O marxismo insiste e parece ressuscitar de tempos em tempos, e, ao contrário do que muitos imaginam, não somente por movimentos sociais e partidos de esquerda. Em 2008, para explicar a crise que estourou nos países desenvolvidos, começando pelos Estados Unidos da América, estudiosos renomados e de perfis sobejamente conhecidos como conservadores citaram nominalmente Marx e suas obras em jornais e canais de televisão para oferecer explicações àquela que é considerada a maior crise do sistema capitalista desde a Grande Depressão, em Dessa forma, se Marx e o marxismo são buscados para compreender nossa época, no âmbito acadêmico ele não poderia ficar ausente. Mesmo em instituições de ensino mais conservadoras e tradicionais, o marxismo se faz presente, pela simples razão que a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional estabelecem que o ensino deve ser ministrado com base na pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas. Devemos, portanto, deixar o maniqueísmo de lado e, como educadores, conviver com as diferentes abordagens científicas acerca da realidade; aprender a dialogar com pesquisadores que buscam explicações para o nosso mundo e, no limite, para transformá-lo. Pensando nas teses que foram elencadas acima, podemos concluir que enquanto houver capitalismo, qualquer tipo de exploração política, econômica, social etc. -, haverá espaço para reflexões de corte marxista. Nesse sentido, o século XXI se nos apresenta um mundo novo em muitos aspectos - tecnologia, relações familiares e de trabalho, ascensão e queda de potências, empresas e produtos, etc., porém, há uma base sobre a qual ainda repousamos e que continua nos dando matéria-prima para reflexão e movimento intelectual. 6 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit, 1996, página 16.
6 6 Se a Sociologia de Comte foi declaradamente conservadora, o pensamento de Marx foi ostensivamente revolucionário. Assim, seja para entender o mundo, seja para transformá-lo ou sejam ambas as coisas -, o marxismo continua como plataforma teórica e metodológica fundamental para os nossos dias. Abdicar dele significaria empobrecer a análise histórica, como o mesmo ocorreria se o fizéssemos com os positivistas ou com os que seguem a Escola dos Annales e, dentro destes, com as correntes que caracterizam cada um desses grupos e que dão a riqueza que toda instituição universitária deve ter. Deixemos as raízes históricas e humanas serem plurais, como lhes é próprio, pois o singular nos empobrece. Sejamos radicais, mas no sentido que Marx deu ao termo: ser radical é ir à raiz das coisas, e, para o homem, a raiz é o próprio homem. BIBLIOGRAFIA HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções ( ). 15ª edição. São Paulo: Paz e Terra, A Era do Capital ( ). 8ª. edição. São Paulo: Paz e Terra, 2001., Eric. Era dos Extremos o breve século XX ( ). 2ª. edição. São Paulo: Companhia das Letras, MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Várias edições.
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