PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Jundiaí, em que são apelantes AURÉLIO HÉRCULES e VIVIANE ANGÉLICA DA SILVA, são apelados ANTONIO VICENSIO e MARIA VIEIRA VICENSIO. ACORDAM, em 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ÁLVARO TORRES JÚNIOR (Presidente) e REBELLO PINHO. São Paulo, 19 de maio de Maria Lúcia Pizzotti RELATOR Assinatura Eletrônica

2 PODER JUDICIÁRIO 2 APELANTE: AURÉLIO HÉRCULES E OUTRO APELADO: ANTONIO VICENSIO E OUTRO COMARCA: JUNDIAÍ MAGISTRADO PROLATOR DA DECISÃO: DR. MIGUEL FERRARI JUNIOR (cra) EMENTA REINTEGRAÇÃO DE POSSE IMÓVEIS CONTÍGUOS CONSTRUÇÃO DE MURO DIVISÓRIO INVASÃO DE MENOS DE UM VIGÉSIMO INDENIZAÇÃO PEDIDO BOA-FÉ 1 O juiz, ainda que inexistente reconvenção, não está obrigado a deferir o pedido de demolição de um muro que invadira, quando da construção, pequena nesga de terreno vizinho, fração mínima do imóvel. Podendo transformar esse pedido de demolição em justa indenização, compondo o interesse de todas as partes, parece inadequado fazer-se aplicação rígida da defesa possessória; 2 É inviável o acolhimento do pedido de reintegração de posse e demolição de muro divisório dos terrenos se houve invasão de parte inferior a um vigésimo da metragem do imóvel invadido, havendo boa-fé por parte do invasor, que construiu o muro sob a linha onde se encontrava anterior cerca divisória. Aplicação do art do CC perfeitamente possível, condenando-se o invasor ao pagamento da indenização respectiva, referente à área invadida e ora adquirida. RECURSO PROVIDO EM PARTE. Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. decisão de fls. 249/253, cujo relatório se adota, que julgou IMPROCEDENTE o pedido inicial formulado na ação de reintegração de posse, condenando os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.500,00. Entendeu, o magistrado a quo, que a invasão perpetrada pelos réus é incontroversa, mesmo porque o trabalho pericial realizado nos autos revelou que parte da construção erigida pelos demandados invadiu parte do terreno dos autores. Disse que por mais que as obras tenham sido realizadas com autorização da prefeitura local e com equívoco com relação à medição dos terrenos, tais fatos tem apenas o condão de caracterizar a natureza jurídica da posse, mas não legitima a situação de fato. Afirmou ter incidência no caso o art do Código Civil, afirmando que a invasão pela construção não ultrapassa a vigésima parte da área total do terreno, de sorte que deverá haver indenização pelo invasor e não reintegração. Ressaltou ser inegável a boa-fé dos réus no que tange à construção em solo alheio, não havendo desvalorização do solo remanescente.

3 PODER JUDICIÁRIO 3 Irresignados, apelaram os demandantes. Aduziram, em suma, que não há qualquer confusão entre os limites dos terrenos, encontrando-se estes regularmente definidos e demarcados na escritura, sendo que o réu, ao realizar a construção, ultrapassou o limite entre as áreas, não havendo o que se falar em posse de boa-fé. Ressaltaram que em momento algum foi formulado pedido para reconhecimento de propriedade no local de construção do muro, não podendo ser reconhecido qualquer direito em favor dos réus nesse sentido, por não ser objeto da demanda. Afirmaram que os terrenos invadidos não podem ser considerados como um só para fins de contagem do percentual invadido, sendo constatada a invasão de área maior do que um vigésimo. Argumentaram, no mais, pela reforma da r. decisão, dando-se provimento ao recurso interposto. Processado o apelo com o recolhimento do preparo respectivo, restou ele respondido, sendo os autos posteriormente remetidos a este Tribunal. É a síntese do necessário. Por meio desta demanda pretendem os autores a reintegração de posse de bem imóvel invadido parcialmente pelo réu em razão de realização de construção. O pleito foi integralmente rechaçado pelo magistrado a quo, insurgindo-se os demandantes contra tal decisão por meio deste recurso de apelação. Pelo que se denota dos autos autores e réus são proprietários de terrenos contíguos, vizinhos, afirmando os requerentes, na petição inicial, que os requeridos realizaram construção invadindo parte de seu terreno. Referida construção, em verdade, é um muro que divide as duas propriedades. De acordo com o trabalho pericial realizado, o imóvel dos autores é ocupado por uma construção utilizada como churrascaria, sendo que a parcela do imóvel que não possui construção e que faz divisa com o imóvel dos réus é utilizada como estacionamento, como fica bastante claro na fotografia de fls Flagrante, portanto, que todos os lotes que compõem a área total de propriedade dos requerentes são utilizados como se fossem um terreno só, todos destinados à churrascaria e o respectivo estacionamento. Inegável que o imóvel dos apelantes foi invadido em pequena parcela pelo muro construído pelos recorridos. Mas também é inegável a boa-fé dos réus, que construíram o muro justamente no local onde antes estava instalada uma cerca de divisão

4 PODER JUDICIÁRIO 4 dos terrenos, como bem anotou o sr. Perito às fls Vale lembrar que a má-fé não se presume. E de acordo com a perícia realizada, o muro, apesar de invadir parte do terreno dos apelantes, referida invasão é mínima, e como bem observou o magistrado a quo, não ultrapassa um vigésimo da dimensão total do local. E nem se alegue que os lotes devem ser considerados separadamente, pois como já observado alhures, o conjunto de lotes de propriedade dos requerentes são todos utilizados com uma só finalidade, qual seja, o funcionamento de uma churrascaria e o respectivo estacionamento, de modo que a fração mencionada deve ser considerada com relação à metragem total, e não com relação a cada lote separadamente. Aplicável, assim, o disposto no art do Código Civil em vigor, dispõe que Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente.. Ainda que não tenha havido reconvenção ou pedido de indenização em razão da perda sofrida, o fato é que o muro já foi construído, encontrando-se a construção perfeita e acabada, mostrando-se até mesmo antiga, sendo certo que na parte atinente ao terreno dos réus houve uma série de outras construções e benfeitorias ao lado do muro, como reservatório de água e equipamentos para incêndio (fls. 148/149), de modo que o desfazimento do muro, a esta altura, implicaria em verdadeiro prejuízo para os réus, em valor maior do que a perda que sofreram os apelantes. Veja-se, ademais, que o percentual de terreno invadido é utilizado como estacionamento de uma churrascaria, de modo que não grande impacto com esta pequena redução do valor do terreno. Nesse sentido vale ressaltar julgamento proferido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº MG, apreciando caso de demolição, em ação de reintegração de posse:

5 PODER JUDICIÁRIO 5 Reintegração de posse. Demolição. Indenização. Pedido do réu. 1. A inexistência de pedido expresso do réu não impede ao juiz de deferir indenização, em lugar da demolição do prédio. 2. A invasão de área mínima de terreno, com a construção concluída de valioso prédio, resolve-se com a indenização e não com a demolição. Voto vencido. Recurso conhecido e provido. O relator foi o eminente Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR. Do voto de Sua Excelência, constou que: Tenho que o juiz, ainda que inexistente reconvenção, e mesmo que revel o demandado, não estava obrigado a deferir o pedido de demolição de um valioso prédio que invadira na sua construção pequena nesga de terreno vizinho, fração mínima do imóvel. Podendo transformar esse pedido de demolição em justa indenização, compondo o interesse de todas as partes, parece inadequado fazer-se aplicação rígida da defesa possessória.. Desse modo, é o caso de julgar procedente, em parte, a ação, com conversão da reintegração de posse e demolição das construções feitas na área invadida em indenização, condenando os réus ao pagamento aos autores de indenização de R$26.086,50, com incidência de correção monetária a partir de novembro de 2007, data base em que apurado o valor da área invadida pelo perito (fls. 229) e de juros de mora a partir da citação, na taxa legal de 1% ao mês. Destarte, DÁ-SE PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, julgando PROCEDENTE, EM PARTE, o pedido inicial, convertendo a reintegração de c.c. demolitória em indenização, condenando os réus ao pagamento, em favor dos autores, de indenização no valor de R$ ,50, com incidência de correção monetária a partir de novembro de 2007, data base em que apurado o valor da área invadida pelo perito (fls. 229) e de juros de mora a partir da citação, na taxa legal de 1% ao mês. Em razão da sucumbência mínima dos autores, condeno os réus ao pagamento das custas e despesas processuais, inclusive salários do perito, em reembolso, e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação. Maria Lúcia Pizzotti Relatora