Climatologia de Eventos de Chuva Pós-frontal no Município do Rio de Janeiro Suzanna M. B de O. Martins ; Claudine Dereczynski

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1 Climatologia de Eventos de Chuva Pós-frontal no Município do Rio de Janeiro Suzanna M. B de O. Martins ; Claudine Dereczynski Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) Instituto de Geociências Departamento de Meteorologia RESUMO As mudanças de tempo que ocorrem no Rio de Janeiro são associadas em maior frequência com a passagem, formação ou intensificação de frentes frias. Em geral, após a passagem de tais sistemas, as chuvas cessam e a nebulosidade é reduzida devido ao aumento da pressão atmosférica e da redução da temperatura do ar característicos da massa de ar mais fria e mais seca que se encontra na retaguarda do sistema frontal. Contudo, em certas situações pósfrontais verifica-se a ocorrência de chuvas de origem estratiforme, apesar do posicionamento do sistema frontal ao norte da região em estudo, muitas vezes já localizado no Nordeste do Brasil. Este fenômeno é conhecido na região como precipitação devido ao efeito de circulação marítima, onde a presença de nuvens estratiformes não associadas ao SF continuam gerando chuvas leves a moderadas. Estudos de casos de chuva (tipo B) e não-chuva (tipo A) pós-frontais no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2007 foram realizados com o objetivo de conhecer os principais mecanismos físicos responsáveis pelo evento. Para a realização do trabalho foram utilizados dados da Reanálise ERA-INTERIM, imagens de satélite do INPE e dados observacionais de precipitação do Sistema Alerta Rio. As conclusões indicam que os casos tipo A são mais frequentes do que casos do tipo B. Os casos tipo B ocorrem principalmente no inverno devido a alta migratória da retaguarda da frente fria nesta estação do ano estar mais intensa do que no restante do ano, promovendo ventos de quadrante sul moderados e intensificando o movimento ascendente nos baixos níveis no litoral do Rio de Janeiro. Nos casos tipo A os ventos são de quadrante norte e leste associados ao anticiclone, que se posiciona sobre o Atlântico, a leste da região em estudo. A umidade específica e a temperatura do ar no caso B são menores do que nos casos tipo A, já que a massa de ar associada à alta migratória encontra-se mais seca e mais fria do que a massa de ar sobre o Oceano Atlântico. Palavras-chave: chuva pós-frontal, Rio de Janeiro, circulação marítima Abstract Case Studies of Post-frontal Precipitation in Rio de Janeiro

2 The changes in weather that occur in Rio de Janeiro are associated more frequently with cold fronts. In Rio de Janeiro city, during some post-frontal conditions, stratiform rain occurs, even if the cold front is located very far, at Northeast Brazil. This phenomenon is known as rain caused by marine circulation, where stratiforms clouds, not associated with the cold front, are responsible for light rains. Post-frontal case studies without (Type A) and with (Type B) rain occurred in the period January 2000 to December 2007 were investigated aiming to depict the main physical mechanisms responsible for the event. ERA-INTERIM Reanalysis, satellite images from INPE and observed precipitation from Alerta Rio were used in this study. The conclusions show that Type A cases are more frequent than Type B cases. Type B cases occur mainly in winter due to the migratory anticyclone position (south of Rio de Janeiro region), generating strong south winds with intensification of upward motion at low levels. In Type A cases, the wind blow from East and North, associated to the anticyclone located in Atlantic Ocean, east of Rio de Janeiro. The specific humidity and temperature are lower in Type B cases than in Type A cases, because the air mass associated with the migratory high is colder and drier than the air mass over the Atlantic Ocean. Keywords: post-cold front precipitation, Rio de Janeiro, seawind circulation 1. Introdução As chuvas que ocorrem na Região Sudeste do Brasil estão associadas principalmente à passagem de sistemas frontais (SFs) (Satyamurti et al., 1998). Uma climatologia dos eventos de chuvas intensas (total pluviométrico diário igual ou superior a 30 mm) para a cidade do Rio de janeiro no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2006 indica que 77% dos 160 casos analisados foram provocados por sistemas frontais (Dereczynski et al., 2009). Em geral, após a passagem dos SFs a atuação da alta migratória na região, com temperaturas mais amenas, reduzido teor de umidade e maiores valores de pressão atmosférica, promove condições de céu claro ou com poucas nuvens, boa visibilidade e ventos calmos. Contudo, em determinadas ocasiões, após a passagem dos SFs, continua a chover fraco a moderado mesmo quando tal sistema encontra-se bastante deslocado para norte, atingindo o norte do Espírito Santo ou sul da Bahia. Este fenômeno é conhecido na região como precipitação devido ao efeito de circulação marítima, que promove a convergência e movimento ascendente no interior do continente, gerando nuvens estratiformes e chuvas leves a moderadas. O objetivo deste trabalho é, a partir de estudos de casos de frentes frias pelo Rio de Janeiro, identificar um padrão sinótico característico para situações pós frontais com e sem precipitação na área em estudo. 2. Material e Métodos

3 Inicialmente foi feito um levantamento de todos os casos de passagens de SFs pelo Estado do Rio de Janeiro no período de 2000 a 2007, a partir do Boletim Climanálise do CPTEC. Os casos obtidos foram analisados a partir de imagens dos satélites GOES-10 e GOES- 12 (canal infravermelho) e classificados em 3 categorias: casos do tipo A, B e E. Os casos do tipo A são aqueles em que o SF se desloca para norte e a precipitação cessa logo após sua passagem; Nos casos do tipo B o SF se desloca para norte, e após a ocorrência da chuva frontal, verifica-se a ocorrência de chuva estratiforme, mesmo sem a presença do SF e de sua nebulosidade convectiva, que muitas vezes já se encontra no sul da Região Nordeste. Casos em que o SF se desloca de forma lenta, configurando a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) ou casos em que a banda de nebulosidade frontal se desloca pelo oceano, sem penetrar no continente; e ainda casos em que o SF se dissipa sobre o Rio de Janeiro e não se pode definir a situação de passagem da frente, foram denominados casos tipo E, nos quais não se podia classificar o evento como A ou B. Foram utilizados para caracterização dos casos tipo A e B dados observacionais de precipitação acumulados a cada 15 minutos nos 32 postos pluviométricos do Sistema Alerta Rio. Após a separação dos casos nos tipos A, B e E, foram elaborados compostos a partir de dados da Reanálise do European Centre for Medium Range Weather Forecasts (ECMWF) denominada ERA/INTERIM (Dee et al., 2011). 3. Resultados e Discussão Os resultados relativos à climatologia da passagem de frentes frias pelo Rio de Janeiro indicam que de um total de 347 eventos, apenas 150 puderam ser classificados como tipo A e B, sendo os demais (197) classificados como tipo E. A análise da Figura 1 mostra que os eventos do Tipo A (91 casos) são mais comuns do que os do Tipo B (59 casos). No verão ocorrem menos casos de ambos os tipos. Isto pode estar relacionado ao fato de que nesta estação vários casos de passagens de SFs foram desconsiderados, já que em muitos deles permanecem por longo tempo atuando no Rio de Janeiro, caracterizando-se como ZCAS em algumas situações. O inverno é a estação do ano em que ocorre a maior parte dos casos do Tipo B, seguido do outono e primavera. A causa para a ocorrência preferencial de eventos do Tipo B no inverno está provavelmente relacionada à posição e intensidade do anticiclone migratório, da retaguarda do sistema frontal, como será discutido a seguir. A análise dos compostos preparados com as saídas da Reanálise ERA-INTERIM para os casos tipo A (91 eventos) e tipo B (59 eventos) indicam, como apresentado na Figura 2, que o anticiclone da retaguarda do SF encontra-se configurado ao sul do Estado do Rio de Janeiro nos casos tipo B e sobre a região estudada nos casos tipo A, com valores mais (menos) elevados nos casos tipo B (tipo A) e ventos fortes e moderados de sul (fracos e de quadrante leste) nos casos tipo B (tipo A). Tais ventos fortes de sul dos casos tipo B, provenientes da alta migratória, geram uma forte convergência no litoral (entre -0,8 e -0,6 x 10-6 s -1 ), enquanto nos casos tipo A

4 a convergência é mais fraca (entre -0,2 e -0,1 x 10-6 s -1 ). Em ambos os casos tal convergência ocorre na região de um leve cavado nos centros da alta pressão migratória. O movimento vertical (Omega) é ascendente em ambos os casos, porém mais intenso (entre -10,0 e -5,0 x 10-2 Pa.s -1 ) nos casos tipo B do que nos casos tipo A (em torno de -2,5 x 10-2 Pa.s -1 ). A umidade específica varia entre 11 e 12 g/kg em ambos os casos e a temperatura é menor nos casos tipo B do que nos casos tipo A, coerente com advecção de ar frio trazida pelos intensos ventos de sul. 4. Conclusões Neste trabalho foi elaborada uma climatologia sinótica de casos pós-frontais, não associados (casos tipo A) e associados (casos tipo B) à precipitação sobre o Rio de Janeiro. A partir dos resultados de tal climatologia foi observado que os eventos do tipo A (91 casos) são mais comuns do que os do tipo B (59 casos). O inverno é a estação do ano em que ocorre a maior parte dos casos do tipo B, seguido do outono e primavera, o que pode estar relacionado à posição do anticiclone migratório ao sul da região em estudo, associado com ventos moderados e fortes de sul. As análises indicaram que a precipitação pós frontal, que ocorre no Rio de Janeiro quando o SF já se encontra bem afastado da região, está associada à chegada de ventos de sul que aumentam a convergência na costa, gerando movimento ascendente e promovendo o levantamento da umidade da camada inferior da atmosfera. Este ar relativamente frio e úmido é forçado a ascender e se condensa, formando nuvens estratiformes que precipitam de forma contínua sobre a cidade. Futuramente estes casos serão estudados em maior detalhe utilizando-se o modelo regional Eta, com resolução horizontal de 5 km, pretendendo-se analisar também a previsibilidade do evento. 5. Agradecimentos: A Autora agradece ao CNPq pelo suporte financeiro à primeira autora, através da Bolsa de Iniciação Científica da UFRJ. 6. Bibliografia CPTEC/INPE: Climanálise Boletim de Monitoramento e Análise Climática, 2005, 2006 e Todos os meses. MCT/INPE/CPTEC. Cachoeira Paulista, SP. Dee, D. P. et al., 2011: The ERA-Interim Reanalysis: Configuration and Performance of the Data Assimilation System. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society. Q. J. R. Meteorol. Soc., v. 137, p ;

5 DERECZYNSKI, C. P.; OLIVEIRA, J. S.; MACHADO, C. O. Climatologia da precipitaçãono município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 24, n.1, p , SATYAMURTY, P., C. A. NOBRE e P. L. da SILVA DIAS, 1998: Meteorology of the Southern Hemisphere: Chapter 3C, South America. In Meteorological Monographs. Vol. 27, No Figura 1 Distribuição sazonal dos eventos tipo A e tipo B. (a) (b) Figura 2 Campos médios de pressão ao NMM (a cada 2 hpa), ventos e divergência do vento (sombreado) para os compostos dos casos tipo A (a) e tipo B (b).