o MOSAICO DE FORMIGAS NOS CACAUAIS BAHIANOS: IMPLICAÇÕES PARA O MANEJO DE PRAGAS E CONSERVAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA
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- Luiz Guilherme Camelo Domingos
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1 o MOSAICO DE FORMIGAS NOS CACAUAIS BAHIANOS: IMPLICAÇÕES PARA O MANEJO DE PRAGAS E CONSERVAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA Harold G. FOWLER' Jacques H. c, DELABIE" Maria Alice de MEDEIROS' RESUMO o mosaico de formigas nas copas dos cacaueiros no sul de Bahia tem uma alta potencial idade de manejo para reduzir perdas às pragas fitófagas. Das espécies dominantes, com possibilidade de manejo, destaca a formiga Azteca chartífex spírítí, que apresenta um melhor desempenho que as outras formigas dominantes, Wasmannía auropunctatae Ectatomma tuberculatum. Além disso, A. chartífex é o mais constante temporalmente, o que favorece o seu uso em programas de controle integrado de pragas. Se elementos nativos da fauna podem reduzir danos pela sua predação das pragas, o cacau pode ser produzido com menos custos, favorecendo a continuação da cultura, e eliminando as pressões para a substituição do cacau para outras atividades agropecuárias. Como o cacau é plantado no sombreamento da mata nativa, essas práticas podem ajudar preservar a mata atlântica e conseqüentemente manter a biodiversidade no sul da Bahia. ABSTRACT The ant mosaic of coco a plantations of southern Bahiá has an elevated potential for managementto reduze losses to phytophagous pests. Of the dominant species with possibilities of management,azteca chartífex spírítíapparently is more favored with respect to other dominants, Wasmannía auropunctata and Ectatomma tuberculatum. Additionally, A. charlifex was the most temporarly constant, a fact that also favores its use in integrated pest control programs. If native faunal elements can reduze losses through pest predation, cocoa can be produzed more cheaply, favoring its continuation, and reduzing pressures for its substitution with other agricultural or animal husbandry activities. As coco a is planted under shade of the native forest, these practices can aid in maintaining the Atlantic coastal forest and consequently maintain the biodiversity of southern Bahia. (*) Departamento de Ecologia - Instituto de Biociências - Universidade Estadual Paulista Rio Claro, SP (**) CEPEC-CEPLAC Itabuna, BA - H. G. Fowler Autor correspondente - Fax: (0195) Rev. Bioikos, PUC-Campinas, 12 (I): 63-68, 1998
2 64 H. G. FOWLER et a!. INTRODUÇÃO Estudos recentes apontam a mata atlântica do sul da Bahia como a área de maior diversidade de espécies vegetais na América do Sul (OLIVEIRA, 1996), muito além de estimativas similares para a mata amazônica. Localizada entre a linha da costa e o meridiano 41 30'W, e os paralelos e 18 00S, a região cacaueiro encampa km2. Muitos conservacionistas acreditam que onde existe maior diversidade vegetal, também ocorre maior diversidade animal, ou seja as diversidades vegetais e animais são acopladas. De fato, a região do sul da Bahia é uma das áreas mais ricas de espécies endêmicas, seja de plantas ou animais (JACKSON, 1978; BROWN & AB'SABER, 1979; MORI et ai., 1983; OLIVEIRA, 1996). Essas espécies somente ocorrem em áreas reduzidas, e muitos conservacionistas acreditam que essas áreas devem ser prioritárias para esforços de preservação para manter a biodiversidade. Além disso, a maior área de mata atlântica existente no Brasil fica nesta região. Uma das razões para esse fenômeno é a cultura de cacau. O cacau é geramente cultivado com o sombreamento da mata existente, e por isso talvez seja uma das técnicas menos agressivas ao meio ambiente. O cacau Theobroma cacau L. é uma espécie nativa das florestas amazônicas ou da América Central, sendo introduzido no sul da Bahia a partir do século XVIII. Tradicionalmente, a lavoura cacaueira é implantada sob o sistema de cabruca, no qual parte das árvores nativas da mata atlântica são conservadas como sombreiros. Este sistema ajuda a conservar parte da flora e fauna nativa, causando um impacto menor sobre o ciclo climático e hidrológico. Por escapar de seus inimigos naturais da amazônia, a cultura de cacau fez a região cacaueira crescer econômicamente. Porém, os dias de ouro do cacau já passaram. Com uma produção crescente de cacau nos trópicos do Mundo Velho, com uma queda subseqüente do preço do cacau nacional, a cultura de cacau está ameaçando por razões econômicas. Além disso, as doenças do cacau na região amazônica também já chegaram à Bahia, reduzindo tanto a produção como a qualidade das frutas. Por isso, o governo também reduziu apoio técnico e crediário para a lavoura cacaueira, forçando os fazendeiros a procurar alternativas de mercados e produtos. Essa situação leva a substituição de cacau por pastagens e a criação de gado bovino, o desmatamento para comercializar madeiras de lei, ou a troca do cacau para outros cultivos. A mudança nos sistemas de produção resulta em que a mata atlântica nativa da Bahia rapidamente se perde. Com a perda da cobertura vegetal, também desaparecem os animais. Uma maneira de tentar frear a conversão da região cacaueira em uma produtora de carne é reduzir os custos de produção, e melhorar a qualidade do cacau. Na maioria dos sistemas agrícolas, as pragas e doenças vegetais precisam ser controladas para obter esse resultado. Geralmente esse controle é feito com defesas químicas. Porém, se os custos de controle são tão grandes ou maiores que o preço do mercado do produto, não existe como economicamente aumentar a produção e melhorar a qualidade do produto. Porém, como o cacau é um arbusto e dá fruto anualmente dentro de um sistema ecológico estável, há possibilidade de manipular elementos da fauna, como as formigas, para reduzir os custos de controle de pragas e doenças. Mas, manipular quais espécies? Devido à grande abundância das formigas nos ecossistemas tropicais (FOWLER & DELABIE, 1995; DELABIE & FOWLER, 1995), todos os insetos estão obrigatoriamente em contato com eles. Assim, a distribuição de pragas e doenças de plantas se relaciona com a distribuição de formigas (MEDEIROS et ai., 1993, 1996b, 1996d; FOWLER et ai., 1997). As formigas podem influenciar negativamente populações de artrópodes em seu papel de predadores, assim como podem ter influência positiva sobre determinadas espécies, em seu papel de mutualistas, como por exemplo quando cuidam de homópteros (FOWLER et ai., 1991). Práticas podem ser desenvolvidas na tentativa de modificar um mosaico, tanto para limitar uma praga quanto para encorajar um inimigo natural (FOWLER et ai., 1991). Entender essas relações pode ser vantajoso no manejo integrado de pragas e doenças. A distribuição de espécies de formigas arborícolas tropicais se apresenta num mosaico de territórios, chamado de mosaico de formigas (FOWLER et ai., 1991; MEDEIROS et ai., 1996c; CORDEIRO et ai., 1997). O mosaico de formigas existe porque as formigas determinam uma hierarquia de dominância entre si, segundo suas aptidões em colonizar territórios (MEDEIROS et ai., 1996c). As espécies mais agressivas ativamente excluem outras espécies dominantes e controlam grandes áreas continuas das copas do cacau. O mosaico de formigas é um conjunto de áreas territoriais de espécies dominantes sem haver sobreposição territorial entre elas. Assim, o mosaico é determinado pela competição intra- e interespecífica por espaço, locais de nidificação e recursos (FOWLER et ai., 1991). Rev. Bioikos, PUC-Campinas, 12 (I): 63-68, 1998
3 o MOSAICO DE FORMIGAS NOS CACAUAIS BAHIANOS: IMPLICAÇÕES... 6S As espécies de formigas arborícolas que distribuem-se em mosaico podem ser divididas em espécies dominantes, não-dominantes e subordinadas (MEDEIROS etal., 1995a). As espécies subordinadas são as que ocorrem junto com as dominantes, mas são competidoras inferiores. Espécies dominantes são numericamente superiores e excluem outras espécies dominantes de seu território,e que exercem influência sobre a comunidade de formigas, ocupando uma posição de liderança em hierarquias competitivas e que devem ser capazes de substituir ou limitar a ocorrência de outras espécies. Além disso, predominância em comunidades não implica influência, ou seja, uma espécie altamente abundante pode não ser uma espécie funcionalmente dominante. O mosaico de formigas não apresenta espaços vazios, pois seus componentes promovem um preenchimento rápido de qualquer lacuna, de forma que cada componente, inclusive outros insetos, estão sempre sobre pressão (MEDEIROS et ai., 1996c). Para entender o que ocorre nos cacau ais do sul da Sahia, foram realizados estudos intensivos da distribuição das espécies nos cacaueiros, e sua relação com insetos fltófagos. MATERIAL E MÉTODOS Numa área no centro de pesquisas de cacau, CEPEC, no município de Itabuna, SA, realizamos um mapeamento das espécies de formigas presentes em cada árvore, usando a técnica de observação direita e coleta durante 10 min em cada árvore (MEDEIROSet ai., 1995a). As espécies dominantes, previamente definidas (MEDEIROS et ai., 1995a,b) foram mapeadas para detectar padrões de sobreposição territorial. Para avaliar a permanência das espécies, foi realizado um mapeamento após de um ano que foi comparado com o mapeamento anterior. RESULTADOS E DISCUSSÃO o mapeamento das espécies de formigas arborícolas (Fig. 1) documenta a presença de 40 espécies de formigas arborícolas. Mas, somente três espécies podem ser consideradas como candidatos de dominantes no mosaico: Azteca chartifex spiriti (Forel)( a caçarema), Wamannia auropunctata (Roger) (a pixixica), e Ectatomma tuberculatum (sem nome comum). Com o critério de abundância, qualquer dessas três espécies pode ser considerada para programas de manipulação populacional em programas de controle integrado de pragas. A caçarema, mais frequente nos cacauais, ativamente excluiu as outras duas espécies freqüentes de seu território (Fig.1). Porém, não existiu Uma exclusão territorial das outras duas espécies entre si, mas com a caçarema existiu (Fig. 1) (MEDEI ROS et ai., 1995a, b; FOWLER et ai., 1997). Mas, porque? Primeiro, o tamanho das formigas varia bastante. A pixixicasomente tem 1,5 mm de comprimento corporal, e E. tuberculatumtem quase 8 mm. Isso sugere que a pixixica é pequena demais para incomodar a E. tuberculatum, que é grande demais para interferir com a pixixica (FOWLER et ai., 1997). A caçarem a tem um tamanho corporal intermediário (4 mm), que a coloca em confronto direito com as espécies menor e maior (Fig. 1). Segundo, a caçarema é a única das três a nidificar exclusivamente nas árvores (MEDEIROS et ai., 1995a). A pixixica nidifica oportunisticamente em qualquer lugar, tanto no solo como na vegetação. E. tuberculatumsomente nidifica no solo, mas procura alimento nas árvores. Por ter um ninho arbóreo de carton, com vários ninhos secundários espalhados no território da colônia, a caçarema rapidamente pode defender o território, ou os cacaueiros, da intrusão de outras formigas dominantes. Terceiro, a pixixica é uma espécie unicolonial e poligínica (com centenas de rainhas) (SOUZA, 1996). Devido a essa organização social, não existe colônias distintas, e a espécie vira oportunista (SOUZA, 1996). As colônias das outras duas espécies têm somente uma rainha, e ativamente defendem o seu território de colônias da mesma espécie. Essas três razões, porém, não são suficientes para recomendar maiores estudos sobre qualquer dessas espécies (MEDEIROS et ai., 1995a). Para usar uma espécie de formiga para controlar pragas, precisamos saber se a espécie fica por um tempo grande, ou rapidamente desaparece. Encontramos que somente a caçarema expandiu seu território as custas das outras duas espécies (Fig. 2). A espécie que mais perdeu foi a pixixica, o qual já foi esperado, baseado na biologia descrita anteriormente (SOUZA, 1996). A estabilidade e abundância da formiga caçarema nos cacauei ros (MEDEI ROS et ai., 1995a), e sua associação negativa com as pragas insetos do Rev. Bioikos, PUC-Campinas, 12 (I): 63-68, 1998
4 66 H. G. FOWLER et ai. cacau (MEDEIROS et ai., 1997b, 1997c) indicamo candidato mais forte para manipulação em programas de controleintegradode pragas docacau (MEDEIROS et ai., 1997a). Alémdisso, a caçarema não ferroa,não como as outras duas. Os ninhos de carton arbóreos podem ser facilmente retiradas e colocados em outros locais, facilitando a sua manipulação. O uso da fauna nativa de formigas para controlar pragas de cacau pode reduzir os custos de controle qufmico e melhorar a qualidade do fruto, sem depender de investimentos grandes (FOWLER et ai., 1991). Além disso, pequenas melhoras e economias podem reverter o quadro de produção na região cacaueira, retardando a conversão da mata atlântica nativa em pastagem. Se as matas nativas desaparecem, as formigas arborfcolas que podem prestar um serviço à agricultura do homem também desaparecem. Nestes casos, nunca podem ser recuperadas as condições naturais, e as culturas perenes futuras nessa área podem nunca dar retorno sem o uso excessivo de inseticidas. A troca de cacau por pastagens provocará grandes problemas sociais, já que a mão de obra necessária para cuidar de gado é muito inferior que para produzir e coletar cacau. As pessoas que vivem nesta região também dependem da mata para sobreviver, utilizando um grande ne mero de espécies vegetais para comida e remédios, e animais para sua alimentação. Além disso, a troca de cacau para pastagem resultará numa perda não recuperável de elementos da biodiversidade animal e vegetal, condenando futuras gerações a não ter acesso aos produtos naturais escondidos nas espécies existentes, que podem ajudar salvar vidas humanas ou melhorar a qualidade de vida (GENTRY, 1984). Será que esforços para o uso inteligente do meio ambiente, incluindo o uso de formigas para o controle de pragas, não podem ser prioritários para deter as mudanças degradatórias numa determinada região? Azteca chortifex Ectotommo tuberculatum WQsmannia aurodunctoto Figura 1 - O mosai,co de formigas num cacaual de 537 árvores no sul da Bahia. O tamanho da formiga é proporclon~1 ao desen,ho. Somente A. chartifex tem territórios que não se sobrepõe com as outras duas espécies de formigas. As marcas na margem da figura correspondem as fileiras de cacaueiros. Rev. Bioikos, PUC-Campinas,12 (I): 63-68,1998
5 o MOSAICO DE FORMIGAS NOS CACAU AIS BAHIANOS: IMPLICAÇÕES O c Ọ 60 U - '- 40.Cacaueiros ltz'j Permanência oçupadol., _ O a.. O '-Q. C U. c C "C :J A E w Figura 2 - Mudanças na ocupação de cacaueiros por espécies dominantes do mosaico de formigas ao longo de um ano. Cacaueiros ocupados são o ganho ou perda proporcional de árvores de ano um para ano dois. Permanência é a proporção de árvores ocupados no ano um que ainda foram ocupados pela mesma espécie no ano dois. A =Azteca chartifex, E =Ectatomma tuberculatum, W = Wasmannia auropunctata. AGRADECIMENTOS Essa pesquisa foi financiada pela CNPq (Processo /94-1). Agradecemos a ajuda e estimulo proporcionado pelas colegas, Marta Smith, Raquel Oliveira, Ana Lúcia Souza, e os comentários de Luiz Carlos Forti e Sofia Campiolo. BIBLIOGRAFIA BROWN, K. S., JR. & AB'SABER, A. N.lce-age forest refuges and evolution in the Neotropics: correlation of paleoclimatological, geomorphological and pedological data with modern biological endemism. Zoo Intertropica, 1: 11-13,1979. CORDEIRO, R. M. F. & FOWLER, H. G. Brachymyrmexsp. (Hymenoptera: Formicidae): a successional dominant or tourist in the cocoa canopy ant mosaic? Científica (no-prelo), DELABIE, J. H. C. & FOWLER, H. G.. Soil and litter cryptic ant assemblages of Bahian cocoa plantations. Pedobiologia, 39: (1995). FOWLER, H. G. & DELABIE, J. H. C. Resource partitioning among epigaeic and hypogaeic ants (Hymenoptera: Formicidae) of Brazilian cocoa plantations. Eco!' Aust., 5: ,1995. FOWLER., H. G., FORTI, L. C., BRANDÃO, C. R. F., DELABIE, J. H. C. & VASCONCELOS, H. L. Ecologia nutricional de formigas. In: Ecologia nutricional de insetos (A. R. Panizzi. ai & J. R. P. Parra, eds.) Manole, São Paulo, 1991, p FOWLER, H. G., MEDEIROS, M. A. DE & DELABIE, J. H. C. The cocoa canopy dominant Ectatomma tuberculalum (Hymenoptera: Formicidae) and its relation with phytophagous insect pests. Científica (no prelo), GENTRY, A. H. Como usar a biodiversidade sem deteriorar a floresta? Ciênc. Hoje, 17(98): 54-59,1984. Rev. Bioikos, PUC-Campinas, 12 (1): 63-68, 1998
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