RECOMENDAÇÃO N.º 15/2012

Transcrição

1 RECOMENDAÇÃO N.º 15/2012 Ementa: Convênio de Cooperação Interinstitucional. Secretaria Municipal de Saúde de São Miguel do Araguaia/GO. Universidade Técnica Priva Cosmos UNITEPC. Estágio e Internato de estudantes do curso de Medicina de universidade estrangeira junto ao Hospital Municipal Adaílton do Amaral. Legitimidade do Ministério Público. Ilegalidade. Vedação expressa. Resoluções do Conselho Federal de Medicina. Resolução do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás. Inobservância. Responsabilização aos Diretores Técnico e Clínico. Esferas Cível, Criminal e Administrativa. Recomendação para que a Secretaria Municipal de Saúde e Direção do Hospital Municipal Adaílton do Amaral, ambos de São Miguel do Araguaia/GO promovam a suspensão e rescisão do convênio entabulado com dita instituição de ensino estrangeira, bem como se abstenham de participar da execução direta ou indireta, de convênios ou quaisquer outros termos obrigacionais, para a realização de estágios ou internatos, destinados a alunos oriundos de faculdades/cursos de Medicina de outros países, junto à instituições de saúde privadas, filantrópicas ou públicas desta urbe. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio da Promotora de Justiça oficiante na 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de São Miguel do Araguaia/GO, que ao final subscreve, com espeque no artigo 129, III e IX da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alínea a, da Lei Federal n.º 8.625/93 e Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás Lei Complementar n.º 25/98, a par de cumprimentá-los, resolve expedir a presente RECOMENDAÇÃO, fazendo-a nos seguintes termos, considerando que:

2 Compete ao Ministério Público, por determinação constitucional, zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição da República, promovendo as medidas necessárias à sua garantia, nos termos do art. 129, II, da Constituição Federal de 1988; É atribuição do Ministério Público Estadual promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, bem como expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (art. 129, inciso III, da Constituição Federal e art. 6º, incisos VII, alínea b, primeira parte e XX, da Lei Complementar nº 75/93); A saúde é direito fundamental, e matéria da mais alta relevância, em especial, nas situações de urgência e de emergência, sendo que o Hospital Municipal Adaílton do Amaral em São Miguel do Araguaia/GO é o único hospital público, não sendo nenhuma veleidade afirmar que é a única porta de entrada para os menos favorecidos, que não possuem condição de arcar com os gastos de um hospital particular, bem como referido estabelecimento de saúde é o estágio inicial do atendimento do Sistema Único de Saúde SUS, da rede de atenção à saúde, sem o qual a doença pode agravar-se; Os riscos a que são submetidos os pacientes expostos a alunos de universidades estrangeiras, em estágios e internatos mantidos por convênios estabelecidos com entidades que prestam serviços de saúde, haja vista que é desconhecida a qualificação acadêmica de ditos estudantes;

3 A Lei Federal n.º 8.080/90 regula que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, assim como é dever do Estado garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação; Chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça através da certidão exarada pelo serventuário do Ministério Público a notícia de que o Hospital Público de São Miguel do Araguaia/GO firmou convênio com uma instituição de ensino estrangeira, com o propósito de realizar estágios e internatos de alunos do curso de Medicina junto ao referido estabelecimento de assistência médica; Diante disso, fora requisitado à Secretaria Municipal de Saúde de São Miguel do Araguaia/GO, informações sobre a realização de convênios destinados a alunos do curso de Medicina oriundos de universidades de outros países, bem como requisitou-se ainda ao Diretor do Hospital Municipal Adaílton do Amaral cópia do citado convênio entabulado com instituição estrangeira; Verificou-se que, de fato, o Hospital Adaílton do Amaral, representado por seu diretor, Sr. Edson Vicente da Silva, firmou com a Universidade Técnica Privada Cosmos UNITEPC, com sede na cidade de Cochabamba na República da Bolívia, CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO INTERINSTITUCIONAL objetivando reforçar a formação acadêmica dos estudantes de dita faculdade boliviana, devendo ser feita de maneira integral mediante participação direta no manejo prático dos serviços de saúde, através do programa de Internatos rotatórios;

4 Referido convênio prevê ainda que o próprio corpo clínico do Hospital Municipal Adaílton do Amaral será responsável pela formação teórica e prática dos estagiários; Nos termos da Resolução n.º 04/2001, do Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Superior, a qual traça as Diretrizes Curriculares Nacionais de Graduação em Medicina, a formação do médico incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, em regime de internato, em serviços próprios ou conveniados, sob supervisão direta dos docentes da própria Escola/Faculdade em que o estagiário esteja devidamente matriculado; Só podem atuar como preceptores de acadêmicos de Medicina que realizam estágio curricular em regime de internatos, os médicos que são docentes da instituição de ensino à qual o estudante é vinculado; O teor do Boletim CREMEGO n.º 256, onde o Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás, Dr. Salomão Rodrigues Filho, orienta aos médicos goianos que a supervisão de estágios em unidades de saúde conveniada junto à instituição de ensino não pode ser feita por médicos que não fazem parte do corpo docente da Faculdade; A realização de estágios curricular de treinamento em serviço deve observar impreterivelmente as normas do Ministério da Educação, em especial a Resolução n.º 04/2001, do Conselho Nacional de Educação/CES, que estabelece as diretrizes curriculares dos cursos de Medicina brasileiros;

5 O estágio de estudantes de Medicina é regulamentado pelas Resoluções n.º 663/75 e 1650/02, ambas do Conselho Federal de Medicina, as quais determinam que os médicos mantenham permanente supervisão dos procedimentos realizados por estudantes de medicina, no trato com os doentes, fazendo conhecidas as implicações éticas dos diferentes procedimentos e das diferentes situações encontradas; Apenas Hospitais Universitários podem receber estudantes de Medicina oriundos de faculdades/cursos estrangeiros, para a realização de estágios ou internatos, quando celebrarem acordo oficial com a universidade estrangeira. Isto significa que, nenhum hospital ou clínica, público ou privado, pode celebrar convênio com faculdades de medicina estrangeiras, ou receber alunos destas instituições para estágios ou internatos, à exceção dos hospitais universitários, nos termos do artigo 1º, da Resolução n.º 1.650/2002, do Conselho Federal de Medicina e artigo 1º, da Resolução n.º 068/2002, do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás; A existência de estágios em regime de internatos e a participação de médicos nesses treinamentos em descumprimento ao disposto na norma alhures destacada caracterizam infração e tanto o profissional quanto o diretor técnico da unidade de assistência de saúde podem ser responsabilizados pela falha; No Brasil inexiste legislação específica para a regulamentação do internato de estudantes de Medicina oriundos de universidades estrangeiras, sendo certo que a Resolução n.º 9/83, do Conselho Federal de Educação, disciplina apenas o internato dos cursos de Medicina no Brasil; Ante a ausência de legislação específica, o Conselho Federal

6 de Medicina editou a Resolução n.º 1.650/2002, e ao estabelecer normas de comportamento a serem adotadas pelos estabelecimentos de assistência médica, em relação a estudantes de Medicina oriundos de universidades estrangeiras, VEDOU terminantemente aos membros dos Corpos Clínicos das instituições de saúde privadas, filantrópicas ou públicas a participação da execução, direta ou indireta, de convênios ou quaisquer outros termos obrigacionais, para a realização de estágios ou internatos, destinados a alunos pertencentes à instituições de ensino de outros países; De igual maneira, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás CREMEGO, em atenção ao que foi sedimentado em instância superior, também editou a Resolução n.º 068/2002, estabelecendo que: Art. 1º Fica vetada a assinatura de CONVÊNIOS para a realização de estágios ou internatos a alunos oriundos de Faculdades de Medicina de outros Países, junto a instituições de saúde privadas, filantrópicas ou públicas no Estado de Goiás. - grifei. A inobservância das respectivas resoluções podem acarretar aos Diretores Técnico e Clínico desta instituição responsabilização nas esferas cível, criminal e principalmente administrativa, nos termos do artigo 2º, da Resolução n.º 1.650/2002, do CFM e artigo 2º, da Resolução n.º 068/2002, do CREMEGO; Tão importante quanto o combate repressivo à ilegalidade e o desrespeito às regras que incidem sobre a administração pública e por consequência o patrimônio público e social dos cidadãos é a adoção de medidas do cunho preventivo, buscando-se o implemento das medidas administrativas que corrijam e/ou evitem os atos

7 acimas descritos ou qualquer outra forma de ilicitude; Considerando tudo isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio da Promotora de Justiça que esta subscreve, com alicerce no art. 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/93, RECOMENDA: Ao Hospital Municipal Adaílton do Amaral, na pessoa do Senhor Diretor, Edson Vicente da Silva, e a Secretaria Municipal de Saúde de São Miguel do Araguaia/GO, representada pela Senhora Secretária, Leda Glafira Carneiro Borges, que: 1 Promovam a imediata SUSPENSÃO na execução do Convênio de Cooperação Interinstitucional entabulado com a Universidade Técnica Privada Cosmos UNITEPC, que visa ofertar aos acadêmicos do curso de medicina de dita instituição de ensino boliviana, estágios ou internatos, a serem desempenhados junto ao único hospital público desta urbe, determinando, por conseguinte, que os eventuais estagiários ou internos que já estejam na unidade de assistência de saúde cessem suas atividades e deixem imediatamente o nosocômio; 2 Promovam a rescisão do Convênio de Cooperação Interinstitucional celebrado com a Universidade Técnica Privada Cosmos UNITEPC, eis que firmado de maneira errônea, equivocada e em total discordância com as disposições legais, especialmente no que pertine as diretrizes traçadas pelo Ministério da Educação, Resoluções do Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás CREMEGO;

8 3 Abstenham-se de celebrar ou participar da execução, direta ou indireta, de convênios ou quaisquer outros termos obrigacionais, cujo objeto permita a realização de estágios ou internatos, destinados a alunos oriundos de faculdades/cursos de Medicina de outros países, junto à instituições de saúde privadas, filantrópicas ou públicas de São Miguel do Araguaia/GO; 4 Encaminhem-se cópia desta Recomendação a todos os membros do corpo técnico e clínico do Hospital Municipal Adaílton do Amaral, para conhecimento e visando primordialmente inibir esse tipo de prática, cientificando-lhes das cominações legais em caso de descumprimento. Por fim, o Ministério Público, REQUISITA informações sobre o cumprimento desta recomendação, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas. O descumprimento desta autorizará o Ministério Público a adotar as providências judiciais e extrajudiciais cabíveis. São Miguel do Araguaia/GO, 10 de setembro de Cristina Emília França Malta Promotora de Justiça