RECORRIBILIDADE DO CITE- SE E CONFUSÃO ENTRE CABIMENTO E INTERESSE RECURSAL
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- Wilson Mota Veiga
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1 RECORRIBILIDADE DO CITE- SE E CONFUSÃO ENTRE CABIMENTO E INTERESSE RECURSAL Em tempo recente se estabeleceu entre os membros do grupo que se convencionou chamar de Escola processual do twitter interessante discussão a respeito da recorribilidade do pronunciamento judicial que determina a citação do réu. Como entendo ser um tema cuja complexidade supera, e muito, os estritos limites dos 140 caracteres, me animei a escrever algo, ainda que breve, sobre o tema. Tenho uma firme convicção de que atualmente há uma indevida e indesejável confusão entre dois pressupostos de admissibilidade recursal: cabimento e interesse recursal. Embora a doutrina seja tranquila ao apontar como pressupostos não só diferentes, mas também autônomos, nem sempre essa distinção e autonomia são valorizados na praxe forense e no ambiente doutrinário. E por vezes também se confunde admissibilidade com o mérito recursal, mas esse é tema para outra reflexão. A discussão a respeito da recorribilidade do cite- se é um bom exemplo, apesar de não ser o único. Cumprir registrar, antes de ingressar propriamente no tema, que compartilho do entendimento doutrinário que não distingue o despacho do despacho de mero expediente, tomando as expressões como sinônimas (Candido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. II. n. 653, p. 510; Nelson Nery Jr., Princípios fundamentais teoria geral dos recursos, n. 3.3, p. 208). Entendo que o eventual prejuízo decorrente de tal pronunciamento seja absolutamente irrelevante para fins de determinar sua recorribilidade. Para tanto, a única preocupação deve ser a respeito do cabimento recursal, o que exige tão somente a identificação da natureza do pronunciamento citatório, que será determinado no caso concreto por seu conteúdo.
2 Segundo o art. 162, 2º do CPC, decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente, enquanto o mesmo artigo, em seu 3º, conceitua o despacho de forma residual: não sendo sentença nem decisão interlocutória será despacho. Na doutrina, a distinção mais comum toma como base o conteúdo decisório do pronunciamento: existente no primeiro e inexistente ou insignificante no segundo. Nesse sentido Candido Rangel Dinamarco, quando afirma que a comparação entre as três espécies de provimentos jurisdicionais revela inicialmente que a decisão interlocutória e o despacho se diferenciam pelo conteúdo decisório, que aquela tem e este, não; (...) (Instituições de direito processual civil, vol. II. n. 654, p. 512). Na doutrina a lição é corrente (Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, vol. 1, p. 252; Luiz Fux, Curso de direito processual civil, n. 4.1, p. 322; Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil comentado, p. 195). A tradicional distinção tem como critério o conteúdo do pronunciamento judicial, mais precisamente a existência ou não de caráter decisório. Um eventual prejuízo a ser gerado pelo pronunciamento nada tem a ver com seu conteúdo, mas sim com seu efeito, ou seja, com o que se projeta para fora do pronunciamento. Dessa maneira, se o pronunciamento não tem carga decisória é um despacho, independentemente de causar ou não gravame à parte. A distinção, entretanto, não é tão reconhecida como deveria ser, como se pode confirmar das seguintes lições doutrinárias: Para tanto, devem- se considerar despachos de mero expediente (ou apenas despachos) os que visem unicamente à realização do impulso oficial, sem causa nenhum dano ao direito ou interesse das partes. (...) Configurarão, na realidade, não despachos, mas verdadeiras decisões interlocutórias (Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, vol. I, n. 218, p. 244).
3 Todo despacho é de mero expediente. São atos do juiz destinados a dar andamento ao processo, não possuindo nenhum conteúdo decisório. Se contiver nele embutido um tema decisório capaz de causar gravame ou prejuízo à parte ou ao interessado, não será despacho mas sim decisão interlocutória (Nelson Nery Jr., Princípios fundamentais teoria geral dos recursos, n. 3.3, p. 208). Os despachos não comportam recurso, porque seu conteúdo decisório se afigura tão ralo que nenhum gravame provoca às partes. Por sua natureza são insuscetíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros; do contrário, deixariam de ser despachos (Manual dos recursos, n. 19, p. 141). A confusão também pode ser sentida em decisões do Superior Tribunal de Justiça: A diferenciação entre decisão interlocutória e despacho está na existência, ou não, de conteúdo decisório e de gravame (STJ, 2ª Turma, REsp /MT, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15/03/2012, DJe 22/03/2012). E a confusão entre conteúdo e efeito do pronunciamento judicial não se dá exclusivamente na hipótese ora analisada. Nesse sentido os julgamentos que entendem ser irrecorrível o pronunciamento que determina a emenda da petição inicial em razão de sua natureza de despacho e contraditoriamente admitem excepcionalmente o agravo de instrumento caso a decisão (...) (mas não era despacho?!) (...) agravada subverte ou não a legislação processual em vigor de maneira a causar gravame à parte (STJ, 2ª Turma, REsp /MG, rel. Min. Castro Meira, j. 25/10/2011, DJe 10/11/2011) Padece do mesmo vício de premissa a discussão a respeito da recorribilidade do cite- se quando se parte para a exemplificação de situações de excepcional dano grave ao réu gerado pelo pronunciamento para se defender, ainda que excepcionalmente, a recorribilidade. Não existe recorribilidade ordinária ou
4 excepcional: ou o cite- se é um despacho, sempre irrecorrível, ou uma decisão interlocutória, sempre recorrível. Não discuto ser saudável a indicação dessas situações excepcionais, para dar um verniz prático para a discussão doutrinária, até porque não sendo cabível o recurso ou não havendo interesse recursal o destino do recurso será o mesmo: a inadmissibilidade. Ainda assim insisto que não se deve confundir o conteúdo (decisório ou não) com o efeito (prejudicial ou não). Por essa razão não vejo razão para tratar o cite- se do processo/fase de conhecimento de forma diferente do cite- se do processo de execução. Costuma- se afirmar que nesse segundo caso a liberação de atos executivos constrição de bens e restrição de direitos legitima a interposição do recurso de agravo de instrumento pelo executado. Acredito que tal circunstância seja realmente importante para a aferição do interesse recursal no caso concreto, mas é irrelevante para a aferição da recorribilidade do pronunciamento (cabimento). Definido ser tão somente o conteúdo do pronunciamento judicial determinante para sua recorribilidade, finalmente cabe responder a pergunta que deu origem ao despretensioso texto: o cite- se tem natureza de despacho ou de decisão interlocutória? Apesar da polêmica doutrinária a respeito do tema, entendo ser nítido o caráter decisório do pronunciamento, até porque se o juiz poderia ter adotado outra postura diante da petição inicial determinar a emenda, julgamento liminar de improcedência, indeferimento da petição inicial decidiu pela citação do réu. Nesses termos as lições de José Carlos Barbosa Moreira: A despeito da denominação tradicional, encampada pelo Código, (v. art. 285, verbo despachará ), o despacho liminar mal se harmoniza, por sua natureza, com o conceito de mero despacho. A lei claramente lhe dá conteúdo decisório,
5 determinando ou permitindo que nele sejam resolvida várias questões. O deferimento do pedido de citação do réu pressupõe, com efeito, que o órgão judicial haja apreciado (e resolvido no sentido afirmativo) todas as questões acima enumeradas (...). Não se trata de puro ato de impulso oficial. (...) Quando o juiz defere a petição inicial (despacho liminar de conteúdo positivo), estará, pois, praticando ato que mais se aproxima de uma decisão interlocutória, que estará, pois, praticando ato que mais se aproxima de uma decisão interlocutória que de mero despacho (O novo processo civil brasileiro, p. 24. No mesmo sentido Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil comentado, p. 525). Entendo, portanto, que sendo o cite- se uma decisão interlocutória, será cabível contra ele o recurso de agravo de instrumento, considerando que o agravo retido seria inútil nesse caso. A admissibilidade de tal recurso, entretanto, dependerá da existência do interesse recursal, o que exigirá análise específica do caso concreto, concluindo- se que o recurso seja o meio mais adequado para o réu se insurgir contra sua citação. Compreendo a apreensão que tal entendimento gera quanto à resistência doutrinária na admissão da decisão tácita, em especial quando analisada à luz da exigência constitucional da motivação das decisões (art. 93, IX, da CF). Se toda decisão deve ser motivada, a decisão tácita já nasceria com vício insanável, posto ser impossível se imaginar uma fundamentação expressa se a própria decisão é tácita... Enfrentei esse tema em minha tese de mestrado em 2002 e desde então a questão da decisão implícita me perturba. E depois de muito estudar e pensar sobre o tema modifiquei minha opinião original, de que não seria possível a existência de decisão implícita em nosso sistema (Preclusões para o juiz, , pp ). Atualmente entendo que toda decisão expressa que não seja no sentido de extinguir o processo sem a resolução do mérito também é uma decisão tácita de que não há
6 razões naquele momento para que ocorra tal extinção (José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, pp ). Se os pressupostos processuais e as condições da ação são matérias de ordem pública, devendo ser conhecidas de oficio pelo juiz, a cada pronunciamento judicial decisório o não - que dá andamento ao processo, o juízo estará tacitamente reconhecendo preenchidos os requisitos formais para a continuidade procedimental. Da mesma forma ocorre com matérias que, apesar de não serem de ordem pública, devem ser conhecidas de ofício pelo juiz. A cada pronunciamento do juiz numa ação de cobrança que não tenha como conteúdo a prescrição estará sendo implicitamente decidido que, ao menos naquele momento, ao juízo parece não haver tal prescrição. Conclusivamente, para aqueles que entendem ser o pronunciamento que determina a citação um despacho, surge interessante questão na hipótese de tal pronunciamento gerar grave lesão ao réu. Como não admito que o efeito do pronunciamento determine sua recorribilidade, entendo que nesse caso o réu deverá se insurgir contra o despacho por meio de correição parcial ou mesmo mandado de segurança, mas nunca por meio der agravo de instrumento.
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