II VALIDADE DA INSTÂNCIA O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
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- Anderson Castilho Azambuja
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1 * SANEADOR-SENTENÇA O despacho saneador destina-se, além do conhecimento das excepções dilatórias e nulidades processuais, ao conhecimento imediato do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória, nos termos do artigo 595.º, n.º 1, alíneas a) e b) do C.P.Civil, o que faremos de seguida visto que os autos permitem, desde já e sem necessidade de mais considerandos, apreciar a questão. * I RELATÓRIO 1.1 O Banco, S.A. (presentemente., S.A.) intentou a acção executiva para pagamento de quantia certa contra Maria e marido, tendo sido habilitados os sucessores deste último. Veio, nessa sequência, a embargante/executada Helena intentar os presentes embargos contra o embargado Banco, S.A. Para tanto, e em síntese, alega que não está numa situação de incumprimento do contrato, uma vez que as prestações continuam a ser pagas. 1.2 Notificado, veio o embargado pugnar pela improcedência dos embargos, tendo, para tanto, alegado que, por cartas datadas de 4 de Dezembro de 2004, foi denunciado o contrato de crédito e solicitou a sua cobrança judicial face ao reiterado incumprimento por parte da embargante. 1.3 Realizada a audiência prévia, o Tribunal, ex officio, notificou as partes para se pronunciarem quanto à excepção dilatória inominada falta de sujeição dos devedores ao PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro), o que o ambas fizeram, sendo certo que o embargado/exequente requereu o devido prazo para o fazer por escrito, como aconteceu. II VALIDADE DA INSTÂNCIA O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
2 O processo é o próprio. * III FACTOS PROVADOS/ENQUADRAMENTO JURÍDICO Com efeito, estão provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa [nada mais se considerou por ser conclusivo, por ser matéria de direito ou por ser irrelevante]: 1. O exequente é uma instituição de crédito que tem por objecto o exercício da actividade bancária, bem como a prestação de serviços conexos. 2. No exercício da sua actividade bancária, a exequente emprestou aos executados quantias em dinheiro. 3. No dia 14 de Dezembro de 2009, os executados (Maria e José ) e a exequente outorgaram, por escritura pública, o contrato de mútuo com hipoteca e mandato, na qual os executados declararam ter recebido do exequente a quantia de ,00, comprometendo-se a reembolsar tal montante em 204 prestações mensais e sucessivas. 4. Para garantia do cumprimento foi constituída uma hipoteca sobre o prédio urbano, propriedade dos executados, constituído por casa com quintal, destinada a habitação, sito no Bairro., anteriormente conhecido por., freguesia de, concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial. e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo. 5. Os executados deixaram de pagar as prestações na data dos respectivos vencimentos, o que levou o exequente/embargado a denunciar o contrato referido em 3. por cartas datadas de 4 de Dezembro de O exequente intentou a acção executiva em 1 de Abril de Motivação A prova dos factos resulta dos elementos documentais juntos aos autos principais, mormente certidão do contrato de mútuo com hipoteca e mandato de fls. 4 e segs., documento complementar de fls. 7 e segs. e missivas juntas aos presentes autos a fls. 47 a 49, bem como à própria confissão feita no requerimento executivo.
3 * Da excepção dilatória inominada A questão a tratar prende-se com a aplicabilidade do regime previsto e aprovado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro (PARI/PERSI), ao caso dos autos. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (cfr. artigo 686º do Código Civil). A hipoteca é um direito real de garantia, uma garantia da obrigação, podendo o credor hipotecário fazer-se pagar através da venda judicial dos bens que lhe estão hipotecados. Da caracterização da hipoteca como direito real decorre para o credor hipotecário o direito de sequela do bem que lhe está hipotecado, bem como o direito de ser pago com preferência em relação a outros credores, que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo, pelo produto da venda desse bem. Assim, sendo um direito real de garantia, assegura ao titular do direito de garantia um poder directo e imediato sobre a coisa, podendo defendê-lo erga omnes. O seu titular pode reclamar o valor pecuniário que pode obter com a realização da garantia, não as utilidades do próprio bem. As quantias mutuadas e garantidas pela hipoteca não foram pagas na totalidade. Por fim, a hipoteca apenas se extingue: (i) pela extinção da obrigação que lhe serve de garantia; (ii) pela prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo de aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação; (iii) pelo perecimento da coisa hipotecada; (iv) pela renúncia do credor (cfr. artigo 730.º Código Civil). Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras. Como se lê no preâmbulo do diploma, a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de
4 crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril. Quanto ao PERSI, lê-se ainda no referido preâmbulo que define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor. O artigo 1.º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito contando-se, entre estes, a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte. O artigo 2.º, n.º 1, alínea b), inclui os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel como uns dos instrumentos aos quais se aplicam as disposições do diploma. E o artigo 3.º, alíneas a) e c) define o cliente bancário como o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito, e o contrato de crédito como o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma. Centrando a discussão no essencial, diremos que a preocupação do legislador, ao remeter para a Lei da Defesa do Consumidor a definição de cliente bancário e definindo-a em termos de consumidor ( considera-se
5 consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios artigo 2.º, n.º 1, da LDC), centrou-se em (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação. Prosseguindo o enquadramento da questão, o citado Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, no artigo 18º, sob a epígrafe garantias do cliente bancário, dispõe que: 1 No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual. 2 Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode: a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito; b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito. 3 Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual. 4 Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos
6 previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior. Aqui chegados, cumpre saber se, em concreto, e tendo em conta a factualidade provada, o banco exequente violou as obrigações definidas pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. Vejamos, então. De acordo com o artigo 40.º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, o regime por este aprovado entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de Portanto, quando os executados deixaram de pagar as prestações a que se obrigaram, em 4 de Dezembro 2012 (em momento anterior a esta concreta data da denúncia do contrato), o regime ainda não estava em vigor. No entanto, quando a acção executiva deu entrada em juízo, em 1 de Abril de 2014, o regime já estava em vigor há mais de um ano. Ciente das situações pendentes, certamente quantificadas em grande número, o legislador não as deixou em aberto e regulou-as no artigo 39.º, sob a epígrafe aplicação no tempo, que assim reza: 1 São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do artigo 14.º. 3 Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações
7 decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no nº 1 do artigo 14º. Deste modo, os mutuários (executados) do contrato referido foram integrados no PERSI ope legis cfr. artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, no dia 1 de Janeiro de 2013, uma vez que se encontravam em mora há mais de 30 dias (tanto mais que o exequente denunciou o contrato por missiva datada de 4 de Dezembro de 2012). A partir dessa data incumbia ao banco exequente cumprir as obrigações que para si decorrem da aplicação do presente diploma. Repare-se que essas obrigações não nascem apenas com a específica solicitação do devedor, prevista no n.º 2, do artigo 14.º, uma vez que esta norma ressalva o disposto no n.º 1, do mesmo artigo, que estatui a integração obrigatória do devedor no PERSI, e que, por iguais razões, deve interpretar-se como estendendo a ressalva ao disposto no n.º 1, do artigo 39.º, do mesmo diploma, que estatui a integração automática do devedor no PERSI. No nosso caso, o banco exequente não cumpriu as obrigações que para si decorrem do diploma em causa, não tendo dado sequência à integração automática dos mutuários (executados) no PERSI, não se mostrando, por isso, o procedimento concluído. Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários é a proibição de intentar acções judiciais, que impende sobre o banco exequente, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto- Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro que no caso ocorre porque o banco não extinguiu o procedimento. Deste modo, estamos perante uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que impede o prosseguimento dos autos de execução para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição dos executados da instância executiva (e não do pedido executivo) cfr. artigos 278.º, n.º 1, alínea c), 551.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 731º, todos do C.P.Civil.
8 IV DISPOSITIVO Face ao exposto, julgo os presentes embargos procedentes por provados e, em consequência, absolvo os executados Maria, Pedro, Paulo, Rui, Helena e Ana. da instância executiva. Valor: ,20 (trinta e quatro mil e cinquenta e dois euros e vinte cêntimos). Custas a cargo do exequente/embargado (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil). Registe e notifique. Dê conhecimento à Sr.ª Agente de Execução. Ponta Delgada, 13/01/2016 O Juiz de Direito Bruno Bom Ferreira
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