Superior Tribunal de Justiça

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1 RECURSO ESPECIAL Nº GO (2014/ ) RELATOR RECORRENTE RECORRIDO ADVOGADO : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS : AGOSTINHO BADARÓ NETO : CLEBER FEITOSA NEVES DECISÃO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS interpõe recurso especial, fundado no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado (fl. 186): APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ARTIGO 7º, INCISO IX, DA LEI 8.137/1996. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. O direito penal não deve se ocupar com aquelas condutas que não causam lesões significativas a bens jurídicos relevantes, ou prejuízos importantes ao titular do bem juridicamente tutelado e à integridade da ordem social, admitindo-se, nesses casos, a aplicação do princípio da insignificância, causa de atipicidade material da conduta. Recurso desprovido. Alega o recorrente violação do art. 7º, IX, da Lei n /90, ao fundamento de que "Não obstante consignar que se trata de produtos cujos valores e quantidades são irrisórios, o fato delituoso em questão merece a intervenção penal, pois conforme reconhecido no acórdão questionado, dentre as mercadorias arroladas, havia itens com prazo de validade vencido há quatro anos e, dentre eles, produtos de natureza alimentícia propensos a agredir a saúde do consumidor diretamente" (fl. 204). Salienta que "aqui se trata de crime em que o bem jurídico tutelado é a saúde pública, tornando irrelevante considerar fossem apenas alguns produtos expostos à venda, com vista a desqualificar a conduta, pois o valor do resultado não se mostra ante desprezível" (fl. 205). Requer, ao final, o provimento do recurso, para que, Documento: Página 1 de 6

2 "afastando o princípio da insignificância, anular a sentença absolutória e remeter os autos ao juízo a quo a fim de que seja proferida sentença condenando o réu nos termos da exordial acusatória. O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls , pelo provimento do recurso. Decido. Consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância deve ser analisado em correlação com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade da conduta, examinada em seu caráter material, observando-se, ainda, a presença dos seguintes vetores: (I) mínima ofensividade da conduta do agente; (II) ausência total de periculosidade social da ação; (III) ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (IV) inexpressividade da lesão jurídica ocasionada (conforme decidido nos autos do HC n /SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, DJU ). Segundo Paulo Queiroz, "por meio do princípio da insignificância (ou bagatela), o juiz, à vista da desproporção entre a ação (crime) e a reação (castigo), fará um juízo (valorativo) acerca da tipicidade material da conduta, recusando curso a comportamentos que, embora formalmente típicos (criminalizados), não o sejam materialmente, dada sua irrelevância." (In: Direito Penal. Introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 30). Aliás, tenho externado, em diversos votos e decisões monocráticas, minha posição favorável à possibilidade de, a despeito da subsunção formal de determinada conduta humana a um tipo penal, concluir-se pela atipicidade material da conduta, por diversos motivos, entre os quais, a ausência de ofensividade penal do comportamento verificado. Isso porque, além da adequação típica formal, deve haver uma atuação seletiva, subsidiária e fragmentária do Direito Penal, conferindo-se, desse modo, maior relevância à proteção de valores tidos como indispensáveis à ordem social, a exemplo da vida, da liberdade, da propriedade, do patrimônio etc., quando efetivamente ofendidos. No caso vertente, há componentes significativos que revelam a reprovabilidade do comportamento do réu, a indicar a necessidade da Documento: Página 2 de 6

3 atividade punitiva estatal. Superior Tribunal de Justiça O delito tipificado no art. 7º, IX, da Lei n /90 visa a tutelar as relações de consumo contra atos abusivos praticados pelos fornecedores de produtos. Assim, a norma estabelece que configura crime contra as relações de consumo "vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo". E para definir "condições impróprias ao consumo", devemos nos socorrer do Código de Defesa do Consumidor, onde consta que são impróprios ao consumo produtos "cujos prazos de validade estejam vencidos" (art. 18, 6º, I). Narra a denúncia que o réu, em 2/8/2007, expôs à venda mercadorias impróprias ao consumo humano (fl. 4): Conforme se apurou, no dia e horário mencionados, fiscais do PROCON/GO compareceram ao local (que é um estabelecimento comercial de propriedade do denunciando). ocasião em que encontraram os seguintes produtos impróprios ao consumo expostos à venda: 02 (duas) unidade de mini cacker Aymore 120g (produto com prazo de validade vencido em 07/06/2007); 26 (vinte e seis) unidade de alho Forte 90g (produto com prazo de validade vencido em 10/06/2007); 02 (duas) unidade de ruibardo Pó Pharmus 5g (produto com prazo de validade vencido em 03/2007); 02 (duas) unidade de corante líquido xadrez 50 ml (produto com prazo de validade vencido 31/03/2003); 06 (seis) unidade de xadrez em pó 500g (produto com prazo de validade vencido em 01/2007); 09 (nove) unidade de lava louça Urça 200 g (produto com prazo de validade vencido em 09/2006); 01 (uma) unidade de cera para pedra Ardosa 850 ml (produto com prazo de validade vendido em 12/2002; 02 (duas) unidade de refrigerante Coca Cola Light 2 lt (produto com prazo de validade vencido em 19/06/2007); 03 (três) unidade de refrigerante Fanta Uva 2 lt (produto com prazo de validade vencido em 17/07/2007); 01 (uma) unidade de refrigerante Grapette Uva 2 lt (produto com prazo de validade vencido em 10/05/2007); 03 (três) Documento: Página 3 de 6

4 unidade de refrigerante Guaraná Kuat 2 lt (produto com prazo de validade vencida em 07/06/2007); 02 (duas) unidade de refrigerante Sprite 2 lt (produto com prazo de validade vencido em 23/03/2007) e 18,140 kg de frango 15 anos resfriado Super Frango (produto com prazo de validade vencido em 17/04/2007). Dentre os produtos postos à venda com o prazo de validade vencido, verifico a existência de produtos de gênero alimentar. A venda de produtos alimentícios fora do prazo de validade ofende normas que tutelam a saúde pública, o que, por certo, afasta a mínima ofensividade da conduta, pois expõem a um significativo risco de lesão a saúde do consumidor. Este Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância quando a conduta descrita ofender a saúde pública: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REQUISITO: MÍNIMA OFENSIVIDADE. NATUREZA DO BEM JURÍDICO SAÚDE PÚBLICA. 1. Os requisitos para aplicação do princípio da insignificância são: mínima ofensividade da conduta do agente, reduzida periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. O contrabando de cigarros ofende a saúde pública, bem que, por sua natureza, não admite gradação na aferição da violação. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp /PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 23/04/2015) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. CIGARRO. 1. ALEGADA VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CABIMENTO. 2. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ART. 557, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, C.C. O ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. 3. SUSTENTAÇÃO ORAL EM AGRAVO REGIMENTAL. VEDAÇÃO DO ART. 159 DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE. 4. INAPLICABILIDADE DO Documento: Página 4 de 6

5 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE CONTRABANDO DE CIGARROS. 6. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A alegada violação a dispositivos da Constituição Federal não deve ser conhecida por esta Corte, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 2. A prolação de decisão monocrática pelo Ministro Relator está autorizada pelo art. 557 do Código de Processo Civil, c.c. o art. 3º do Código de Processo Penal, não devendo prosperar a tese de nulidade por cerceamento de defesa ou ofensa ao princípio da colegialidade. Ademais, os temas sempre poderão ser levados ao colegiado com a interposição do agravo regimental. 3. O pedido de sustentação oral deve ser indeferido, tendo em vista a vedação contida no art. 159 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. 4. Conforme o entendimento pacífico deste Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes do advento da Lei n , de 26/06/2014, que deu nova redação aos arts. 334 e 334-A do Código Penal, o cigarro é mercadoria de proibição relativa, cuja introdução ou exportação clandestina, em desconformidade com as normas de regência, tipifica o crime de contrabando. Assim, não se aplica o princípio da insignificância, tendo em vista os interesses juridicamente tutelados, como a saúde e segurança públicas. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp /MS, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 19/11/2014) RECURSO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Independentemente da quantidade de drogas apreendidas, não se aplica o princípio da insignificância aos delitos de porte de substância entorpecente para consumo próprio e de tráfico de drogas, sob pena de se ter a própria revogação, contra legem, da norma penal incriminadora. Precedentes. Documento: Página 5 de 6

6 2. O objeto jurídico tutelado pela norma do artigo 28 da Lei n /2006 é a saúde pública, e não apenas a do usuário, visto que sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de entorpecentes. 3. Para a caracterização do delito descrito no artigo 28 da Lei n /2006, não se faz necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio nefasto, pondo em risco a saúde pública e sendo fator decisivo na difusão dos tóxicos. 4. A reduzida quantidade de drogas integra a própria essência do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, visto que, do contrário, poder-se-ia estar diante da hipótese do delito de tráfico de drogas, previsto no artigo 33 da Lei n / Recurso em habeas corpus não provido. (RHC /MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 17/11/2014) À vista do exposto, com fundamento no artigo 557, 1º, do Código de Processo Civil c/c o artigo 3º do Código de Processo Penal, dou provimento ao recurso especial para afastar a incidência do princípio da insignificância e determinar o prosseguimento do feito. Publique-se e intimem-se. Brasília (DF), 29 de abril de Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Documento: Página 6 de 6