Modificações de Longo Período da Linha de Costa das Barreiras Costeiras do Rio Grande do Sul
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1 ISSN Novembro Nº Porto Alegre Modificações de Longo Período da Linha de Costa das Barreiras Costeiras do Rio Grande do Sul S. R. Dillenburg 1 ; L. J. Tomazelli 1 ; L. R. Martins 1 & E. G. Barboza 1 1 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica CECO/IG/UFRGS. RESUMO Barreiras transgressivas e regressivas coexistem na costa do Rio Grande do Sul. Estas barreiras foram formadas nos últimos 7 ka, através da alternância de condições de balanço positivo e negativo de sedimentos ao longo da costa, os quais se relacionam, respectivamente, com embaiamentos costeiros (barreiras regressivas) e projeções costeiras (barreiras transgressivas). ABSTRACT Transgressive and regressive barriers coexist at the coast of Rio Grande do Sul. These barriers were formed in the last 7 ka under alternate conditions of positive and negative balances on the sediment budget along the coast, which in turn were respectively related to gentle coastal embayments (where regressive barriers occur) and to gentle coastal projections (dominated by transgressive barriers). Palavras chave: evolução costeira, estratigrafia, balanço de sedimentos, Holoceno.
2 10 Modificações de Longo Período da Linha de Costa das Barreiras Costeiras do Rio Grande do Sul INTRODUÇÃO O Rio Grande do Sul possui uma linha de costa com 620 km de extensão e cuja continuidade é interrompida apenas pelos canais de conexão das lagunas dos Patos e Tramandaí com o oceano Atlântico. Em toda a sua extensão ocorrem sistemas de barreiras costeiras formados durante o Holoceno. Apesar de uma aparente homogeneidade de seus depósitos costeiros, a costa do Rio Grande do Sul apresenta um variado espectro de barreiras costeiras, sendo temporalmente coexistentes barreiras de naturezas transgressiva e regressiva. Nos últimos 10 anos, estas barreiras foram estudadas com base em dados de testemunhos de sondagem rasos (5 m) e de furos de sondagem (25 m) com amostragem a cada 1 m. A análise de fácies e datações por Carbono-14 têm sido a base das interpretações sobre a formação e evolução destas barreiras (e.g. DILLENBURG et al., 2000; TRAVESSAS, 2003 e DILLENBURG et al., 2004a). Dentre estes trabalhos, apenas o de DILLENBURG et al. (2000) discute as características de todas as barreiras holocênicas do Rio Grande do Sul. Porém, este trabalho é anterior à fase de execução, nas barreiras, de 23 furos de sondagem profundos, iniciada em Os trabalhos de TRAVESSAS (2003) e DILLENBURG et al. (2004a) foram embasados em dados de parte destes furos de sondagem e tratam de situações locais das barreiras. A COSTA DO RIO GRANDE DO SUL O Rio Grande do Sul é um exemplo clássico de costa dominada por ondas, com grande disponibilidade de areia e que, portanto, tem nas barreiras costeiras o seu mais importante elemento deposicional. Sua linha de costa é suavemente ondulada na forma de reentrâncias (embaiamentos) e saliências (projeções), e apresenta uma orientação geral NE-SW (Fig. 1). As ondas provenientes de SW, S e SE são dominantes, com uma altura significativa de 1,5 m, determinando uma resultante de deriva litorânea de SW para NE. A variação média da maré é de apenas 0,50 m (regime de micromaré). A maré meteorológica pode se expressar com sobre-elevações do nível do mar de até 1,3 m (BARLETTA & CALLIARI, 2001). A história de comportamento do nível do mar relacionado à Transgressão Marinha Pós-glacial (TMP), no Rio Grande do Sul, se inicia em 17,5 ka AP quando o nível do mar situava-se a cerca de m abaixo do nível atual (MARTINS et al., 1967; URIEN et al., 1981 e CORRÊA, 1995). Desde então o nível do mar subiu rapidamente até cerca de 6,5 ka AP, a uma taxa média de 1,2 cm/ano. Entre 5 6 ka, o nível do mar alcançou sua altitude máxima na costa sul e leste brasileira, e desde então mostrou um tendência geral de rebaixamento até o presente (MARTIN et al., 1979 e ANGULO & LESSA, 1997). No Rio Grande do Sul, se estima que o nível do mar atingiu altitudes máximas entre 2 e 4 m (DILLENBURG et al., 2000 e 2005a). A FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS BARREIRAS HOLOCÊNICAS NO RIO GRANDE DO SUL As barreiras costeiras do litoral norte e litoral médio do Rio Grande do Sul são relativamente bem conhecidas no que se refere à estratigrafia e evolução durante o Holoceno. Juntas, estas barreiras correspondem a uma extensão de 400 km de linha de costa, situada entre o canal da laguna dos Patos (município de São José do Norte) e o rio Mampituba (município de Torres). Nesta extensão costeira, ocorrem barreiras de naturezas: regressiva (Tramandaí a Torres) e transgressiva (Tramandaí a São José do Norte). São tipos antagônicos de barreiras que coexistem temporalmente em função de uma situação de balanço de sedimentos positivo e negativo, respectivamente, prevalecente em uma escala de longo período (séculos e milênios) na costa do Rio Grande do Sul (DILLENBURG et al., 2004b). O mecanismo de formação destas barreiras não é conhecido. São consagrados na literatura, como os mais prováveis processos ou mecanismos de formação das barreiras: a acresção lateral de pontais arenosos, a emergência de barras ou bancos da zona de arrebentação e a submergência costeira (SCHWARTZ, 1971 e REINSON, 1992). Porém, independentemente de qual tenha sido o mecanismo, está muito claro no Rio Grande do Sul que a atual posição geográfica de suas barreiras costeiras é o resultado da migração, no
3 S. R. Dillenburg et al. 11 Figura 1. Localização e contexto geológico da costa do Rio Grande do Sul (modificado de TOMAZELLI et al., 2000). sentido do continente, de barreiras préexistentes, tal qual descrito para várias regiões costeiras do mundo inteiro (e.g. FIELD & DUANE, 1976 e OERTEL et al., 1992). A estratigrafia e datações de carbono 14 da barreira holocênica em Tramandaí (Fig. 2A) mostram que os depósitos sedimentares de fundo lagunar (lamas lagunares) sobrepostos por depósitos da fase transgressiva da barreira (leques de sobrelavagem/deltas de maré enchente) começaram a ser formados, sob condições de intensa salinidade no interior da laguna (MEDEANIC & DILLENBURG, 2003) há cerca de 10 ka, em razão da pré-existência de uma barreira, a este tempo, necessariamente situada a alguns quilômetros mar adentro, ou seja, a sudeste de sua atual posição. Esta barreira migrou no sentido do continente, por sobre os depósitos lagunares, em resposta à elevação do nível do mar que se estendeu até aproximadamente 5-6 ka (TRAVESSAS, 2003).
4 12 Modificações de Longo Período da Linha de Costa das Barreiras Costeiras do Rio Grande do Sul Figura 2. Seções geológicas da barreira holocênica nas localidades de Tramandaí (2A), Jardim do Éden (2B) e Bujuru (2C) (modificado de TRAVESSAS, 2003 e DILLENBURG et al., 2004a). Os registros estratigráficos em Jardim do Éden e Bujuru igualmente resultaram da migração de uma barreira, no sentido do continente (Fig. 2B e C). A região de Tramandaí representa o local de transição entre uma barreira regressiva, ao norte, e transgressiva ao sul. A barreira regressiva iniciou a sua progradação em 7 ka, ainda sob uma condição de mar em elevação, em
5 S. R. Dillenburg et al. 13 decorrência de um expressivo balanço positivo de sedimentos (DILLENBURG et al., 2005a). Sua maior largura (4,7 km) ocorre em Curumim, balneário localizado exatamente na porção central de um suave embaiamento da linha de costa existente entre os municípios de Torres e Tramandaí. Sua fase de regressão forçada, iniciou-se em 5-6 ka, e aparentemente perdura até os tempos atuais. A taxa de progradação média desta barreira, entre 7 ka e o presente, foi de 0,67 m/ano. As barreiras transgressivas, ao sul de Tramandaí, foram formadas pela migração, no sentido do continente, de barreiras préexistentes. A estratigrafia e idades de Carbono- 14 destas barreiras mostram a presença de depósitos de lama lagunar atualmente aflorantes nas zonas de estirâncio e pós-praia do sistema praial atual. Suas idades correspondem a 5,7 ka (idade de amostra coletada a 2 m de profundidade no depósito lagunar aflorante em Jardim do Éden), e 3,5 ka (idade de amostra coletada no topo do depósito lagunar aflorante em Bujuru). Está claro, portanto, que os depósitos lagunares aflorantes no sistema praial emerso de Jardim do Éden e Bujuru foram formados, ao tempo de suas respectivas idades, quando barreiras costeiras existiam a sudeste da atual linha de costa (mar adentro). É importante destacar que o caráter transgressivo destas barreiras não resulta da migração da barreira induzida por uma elevação do nível do mar, pois sob esta condição os depósitos lagunares podem aflorar na face litorânea (shoreface) ou mesmo na plataforma continental, mas não nas zonas de estirâncio ou pós-praia (DILLENBURG et al., 2004b). Estas barreiras se deslocaram (e ainda se deslocam) no sentido do continente em razão de um processo erosivo da linha de costa, decorrente de um balanço negativo de sedimentos, que se iniciou em um tempo situado entre 5 6 ka (DILLENBURG et al., 2000; DILLENBURG et al., 2004b e DILLENBURG et al., 2005b). REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ÂNGULO, R. J. & LESSA, G. C The Brazilian sea level curves: a critical review with emphasis on the curves from Paranaguá and Cananéia regions. Marine Geology, 140, p BARLETTA, R. C. & CALLIARI, L. J Determinação da intensidade das tempestades que atuam no litoral do Rio Grande do Sul, Brasil. Pesquisas em Geociências 28(2), p CORRÊA, I. C. S Les variations du niveau de la mer durant les derniers ans BP: l exemple de la plate-forme continentale du Rio Grande do Sul-Brésil. Marine Geology, 130, p DILLENBURG, S. R.; ROY, P.S.; COWELL, P. J. & TOMAZELLI, L. J Influence of antecedent topography on coastal evolution as tested by shoreface translation- barrier model (STM). Journal of Coastal Research, 16(1): DILLENBURG, S. R.; TOMAZELLI, L. J. & BARBOZA, E. G. 2004a. Barrier evolution and placer formation at Bujuru southern Brazil. Marine Geology, 203, p DILLENBURG, S. R.; ESTEVES, L. S. & TOMAZELLI, L. J. 2004b. A critical evaluation of coastal erosion in Rio Grande do Sul, Southern Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 76(3): DILLENBURG, S. R.; TOMAZELLI, L. J.; HESP, P. A.; BARBOZA, E. G.; CLEROT, L. C. P. & SILVA, D. B. 2005a. Stratigraphy and evolution of a prograded transgressive dunefield barrier in southern Brazil. Journal of Coastal Research SI 39 (no prelo). DILLENBURG, S. R.; MARTINHO, C. T.; TOMAZELLI, L. J.; DORNELES, L. O. & SILVA, D. B. 2005b. Gradientes de altura de ondas ao longo da costa do Rio Grande do Sul. In: X Congresso da ABEQUA, Guarapari, ES. CD-ROM de resumos expandidos, resumo 84. FIELD, M. E. & DUANE, D. B Post- Pleistocene History of the United States Inner Continental Shelf: Significance to Origin of Barrier Islands. Geological Society of America Bulletin, 87, p MARTIN, L.; SUGUIO, K. & FLEXOR, J. M Le Quaternaire marin du littoral brésilien entre Cananéia (SP) et Barra de Guaratiba (RJ). Proceedings of the International Symposium on coastal evolution in the Quaternary. São Paulo, Brasil, p MARTINS, L. R.; URIEN, C. M. & EICHLER, B. B Distribuição dos Sedimentos
6 14 Modificações de Longo Período da Linha de Costa das Barreiras Costeiras do Rio Grande do Sul Modernos da Plataforma Continental Sulbrasileira e Uruguaia. Congresso Brasileiro de Geologia, 21º, Curitiba, Anais..., p MEDEANIC, S. & DILLENBURG, S. R The early Holocene palaeoenvironment history of the Tramandaí Lagoon (RS- Brazil). V REQUI/I CQPLI Lisboa, Portugal. Actas... p OERTEL, G. F.; KRAFT, J. C.; KEARNEY, M. S. & WOO, H.J A Rational Theory for Barrier-Lagoon Development. In: Fletcher III, C.H. and Wehmiller, J.F. (eds). Quaternary Coasts of the United States: Marine and Lacustrine Systems. Tulsa, SEPM (Society for Sedimentary Geology), p , (Special Publication, 48). REINSON, G. E Transgressive Barrier Island and Estuarine Systems. In: Walker R.G. and James N.P. (eds) Facies Models - Response to Sea Level Change. Geological Association of Canada, Stittsville. p SCHWARTZ, M. L The Multiple Causality of Barrier Islands. Journal of Geology, 79, p TOMAZELLI, L. J.; DILLENBURG, S. R. & VILLWOCK, J. A Late Quaternary geological history of Rio Grande do Sul coastal plain, southern Brazil. Revista Brasileira de Geociências, 30, p TRAVESSAS, F. A Estratigrafia e evolução no Holoceno Superior da barreira costeira entre Tramandaí e Cidreira (RS). Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. 38p. URIEN, C. M.; MARTINS, L. R. & MARTINS, I. R Evolução Geológica do Quaternário do Litoral Atlântico Uruguaio, Plataforma Continental e Regiões Vizinhas. Notas Técnicas 3, CECO/IG/UFRGS, Porto Alegre, 43p.
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