DESENVOLVIMENTO DE FORMULAÇÕES COSMÉTICAS NO CURSO DE ENGENHARIA QUÍMICA

Transcrição

1 DESENVOLVIMENTO DE FORMULAÇÕES COSMÉTICAS NO CURSO DE ENGENHARIA QUÍMICA B. DUARTE 1, E. P. D. R TRIBOLI 1 e P. A. M. FREITAS 1,* 1 Instituto Mauá de Tecnologia Engenharia Química e Engenharia de Alimentos *pantonio@maua.br RESUMO Esse trabalho consistiu no desenvolvimento de formulações cosméticas feito por uma aluna da 3ª. série do curso de Engenharia Química da Escola de Engenharia Mauá (CEUN-IMT). Essa atividade pertence à categoria de Monitoria de Projeto, atividade extracurricular oferecida pela Escola e pretende desenvolver competências, habilidades e atitudes pertinentes à formação do futuro Engenheiro. Ela se constitui de atividades práticas eletivas e centradas no aluno, propiciando um vínculo mais próximo entre professores e alunos. O objetivo principal é fornecer ao aluno condições para atuar como profissional no preparo, avaliação e desenvolvimento de formulações cosméticas e produtos de higiene pessoal. Os conhecimentos adquiridos no curso constituem etapa fundamental para o conhecimento de diferentes matérias-primas, preparo de formulações cosméticas e desenvolvimento de produtos em escalas laboratorial e piloto. 1. INTRODUÇÃO A indústria de cosméticos envolve a produção de formulações constituídas por substâncias naturais ou sintéticas, de uso externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o objetivo de limpá-los, perfumá-los, corrigir odores corporais, alterar sua aparência e protegê-los ou mantê-los em bom estado (Anvisa, 2004). Por essa definição, é possível perceber que a indústria de cosméticos envolve também a fabricação de produtos de higiene pessoal e perfumaria. Alguns autores utilizam o termo Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Halal, 2011). Em relação ao mercado mundial de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, o Brasil ocupa a terceira posição (Abihpec, 2015). A Figura 1 apresenta um panorama mundial, e o Brasil representa 9,4 % do consumo mundial de produtos cosméticos. Observa-se que os produtos para cabelos se encontram em segundo lugar no ranking dos mais utilizados mundialmente (Euromonitor, 2014). Com base nessas informações escolheu-se o xampu como foco desse trabalho. Os xampus têm a capacidade de remover sujeira, matéria estranha (células mortas descamadas, resíduos de cosméticos aderidos no sebo) e gordura do cabelo e do couro cabeludo. A gordura aparece na forma de sebo, este é secretado pelas glândulas sebáceas localizadas no couro cabeludo e por capilaridade reveste a cutícula do cabelo (camada mais externa do cabelo), prevenindo a perda de água do interior do fio que mantém o cabelo macio e brilhante (Staub et al., 2007). Além disso, o revestimento previne o desenvolvimento de bactérias. Entretanto, o excesso de sebo e o acúmulo de demais sujidades podem dar ao cabelo uma aparência gordurosa, assim, durante a lavagem o xampu irá remover apenas o excesso de sebo e material estranho depositado no cabelo e couro cabeludo (Barbosa e Silva, 1995).

2 Figura 1. Panorama mundial do consumo de produtos cosméticos (Euromonitor, 2014). Além disso, para os consumidores, o xampu deve ter outros atributos, como, apresentar um perfume agradável, ao espalhar fazer mais ou menos espuma, ser mais ou menos espesso, entre outras características. Os consumidores estão cada vez mais informados e exigentes com relação aos produtos que utilizam e, com isso, surgem dúvidas a respeito de sua composição (Barata, 1995). Uma das dúvidas mais frequentes entre os consumidores é com relação a presença de cloreto de sódio, espessante do xampu, porém não há garantias de preservação e durabilidade dos cabelos em casos de serem quimicamente tratados. Os xampus apresentam, de modo geral, os seguintes componentes: tensoativos, estabilizadores de espuma, espessantes, reguladores de ph, fragrâncias, conservantes e aditivos especiais (Draelos, 1999). A presença de tensoativos na formulação do xampu lhe confere a propriedade de remover o excesso de sebo e demais sujidades aderidas no cabelo e couro cabeludo. Este fato é possível devido à estrutura do tensoativo, que possui uma parte hidrofóbica (apolar) com afinidade pela gordura e uma parte hidrofílica (polar) que tem afinidade com a água. Quando se lava o cabelo com xampu e água, formam-se as micelas. A parte interna da micela contém a extremidade apolar, hidrofóbica, consequentemente, nela só se dissolvem materiais oleosos e, a parte externa da micela, que contém a extremidade polar, hidrofílica, interage fortemente com as moléculas de água e, por isso, é facilmente dissolvida pela água, tornando possível, portanto, a remoção de sujeiras e gorduras aprisionadas nas micelas (Bittencourt et al., 1999). Em função desse cenário, surgiu a ideia de desenvolver um xampu livre de cloreto de sódio por uma aluna da 3ª. série do curso da Engenharia Química, da Escola de Engenharia Mauá (EEM- IMT). A aluna atuou no preparo do produto, compilação das informações necessárias para a rotulagem, desenvolvimento em escalas laboratorial e piloto de formulações de xampus e paralelamente realizou os ensaios de controle de qualidade de acordo com as recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), resolução 211/2005.

3 1.1 O sal O sal, cloreto de sódio (NaCl) é o agente espessante mais utilizado no ajuste da viscosidade na formulação do xampu favorecendo o aumento da viscosidade do produto por meio da interação com agentes tensoativos empregados (Couto et al., 2007). Muitos consumidores valorizam o fato de o produto apresentar elevada viscosidade para a decisão de compra. Entretanto, a presença do cloreto de sódio na formulação do xampu tem causado polêmica, pois, geralmente, consumidores, profissionais da área capilar e propagandas de xampus sem sal (no sentido de informar que o produto não contém, especificamente, o sal cloreto de sódio), consideram esse componente uma influência negativa aos aspectos sensoriais do cabelo. Solomon (2008) descreve que não há influência do xampu com sal e sem sal nas propriedades sensoriais de cabelos naturais ou quimicamente modificados. Atualmente, no mercado existe uma variedade de produtos capilares rotulados como xampu sem sal, quando na verdade não existe xampu sem sal, ou seja, mesmo os produtos sem adição de sal (NaCl) contém em sua formulação outros sais, como o lauril éter sulfato de sódio, um sal, que é um dos tensoativos comumente utilizados na fabricação do xampu. Somando-se a esse equívoco há a divulgação por parte das indústrias cosméticas que induzem o consumo do produto ideal para cabelos quimicamente modificados, o xampu sem sal, ainda, associam o uso deste com a durabilidade dos tratamentos químicos capilares (Couto et al., 2007). 2. MATERIAIS E EQUIPAMENTOS Inicialmente fez-se uma pesquisa de mercado com o objetivo de avaliar as matériasprimas utilizadas para a fabricação de xampu para cabelos normais, contidas nos rótulos dos produtos das marcas Palmolive e Garnier Fructis. Nesse cenário, algumas similaridades nas formulações foram observadas e a proposta foi desenvolver um xampu livre de cloreto de sódio com a adição do espessante Cocoamidopropilbetaína. A seguir, elaborou-se uma formulação para o início do trabalho, de acordo com a Tabela 1. As matérias-primas utilizadas foram de procedência da Lubrizol. Os equipamentos utilizados no estudo foram centrífuga Fanem /206- R, balança marca Marte e modelo AS 5500 C, potenciômetro Micronal B474, viscosímetro Brookfield DV III e estufa Quimis. Para a fabricação em escala piloto utilizou-se os reatores da marca Rinaldi e capacidade 25 L, Figura METODOLOGIA Em escala laboratorial, misturou-se a água, os extratos glicólicos de aveia e papaia e o EDTA em béquer de capacidade 500 ml. Esses componentes foram homogeneizados sob agitação moderada em temperatura ambiente. Em seguida, foram adicionados os reagentes lauril éter sulfato de sódio e cocoamidopropilbetaína, sob agitação constante evitando a formação de espuma (fase 1). Em um outro béquer dissolver o metilparabeno, propilparabeno, vitamina E na essência e incorporar dietanolamida de ácido graxo de coco 90 (fase 2).

4 Tabela 1. Formulação proposta de xampu para cabelos normais, sem cloreto de sódio. Matéria-prima Denominação INCI Função Composição (%) Água Water Veículo q.s.p.100 Lauril éter sulfato de sódio Cocoamidopropilbetaína Dietanolamida de ácido graxo de Coco 90 Sodium Laureth-2 Sulfate Tensoativo aniônico 25 Cocamidopropyl Betaine Cocamide DEA Poder espumante e espessante Espessante, estabilizante de espuma e sobrengordurante Ácido cítrico Citric Acid Regulador de ph q.s. Vitamina E Tocopheryl Acetate Protege as estruturas celulares e remineralizante 4,0 2,0 0,10 Mistura de tensoativos aniônicos, não-iônicos e ésteres glicólicos Sodium Laureth Sulfate (and) Glycol Distearate (and) Cocamide DEA Agente perolizante 10 Cloreto de dialildimetilamônio e acrilamida. Polyquaternium-7 Estabilizante de espuma 0,50 D-Pantenol Panthenol Revitalizante e umectante 0,50 Metilparabeno Metylparaben Conservante 0,10 Propilparabeno Propylparaben Conservante 0,10 Essência - Conferir cheiro q.s. EDTA Disodium EDTA Quelante 0,10 Extrato glicólico de aveia Extrato glicólico de papaia Oat (Avena Sativa) Seed Extract Papaya (Carica papaya) Extract Emoliente, hidratante, remineralizante e restaurador 5,0 Hidratante e remineralizante 5,0 Em seguida, foi vertida a fase 2 sobre a fase 1, com agitação moderada até a obtenção de um sistema límpido. A fase 3 foi preparada pela mistura de tensoativos aniônicos, nãoiônicos e ésteres glicólicos e cloreto de dialildimetilamônio e acrilamida. Adicionou-se a fase 3 sobre a fase (1+2). O ph da formulação foi ajustado com ácido cítrico. Em escala piloto, fezse o scale-up para a produção de 8 L do produto e utilizou-se os reatores de capacidade de 25 L, Figura 2.

5 Figura 2. Reatores de batelada, laboratório J-108 (EEM-IMT). 3.1 CONTROLE DE QUALIDADE Foram realizados ensaios do produto para avaliar alguns parâmetros do controle de qualidade segundo a legislação vigente (ANVISA, RDC 211/05). Foi utilizada uma amostra de xampu para cabelos normais padrão para efeito de comparação. Os ensaios estão descritos a seguir: a) medida de ph, b) propriedades organolépticas: aspecto, cor, odor e tato, c) determinação da densidade, d) viscosidade, e) centrífuga e f) estresse térmico em estufa, freezer e geladeira. Os procedimentos podem ser encontrados no Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos (ANVISA, 2004). A Figura 3 apresenta alguns equipamentos utilizados para o controle de qualidade. Potenciômetro Centrífuga Viscosímetro Ensaio de placa Figura 3. Equipamentos utilizados no controle de qualidade. 4. RESULTADOS Os resultados estão descritos a seguir.

6 4.1 Produto obtido O produto proposto xampu para cabelos normais sem a adição de sal foi obtido conforme observado na Figura 4. Figura 4. Xampu para cabelos normais sem a adição de sal. 4.2 Rotulagem De acordo com a norma de rotulagem obrigatória da ANVISA (RDC 211/05), o rótulo do produto deve conter os seguintes itens, especificando se esses devem constar na embalagem primária (que contém o produto) ou na secundária (que contém a embalagem primária), conforme Tabela 2. A aluna desenvolveu um rótulo preliminar levando em considerações as informações da RDC 211/05), Figura 5. Precauções: somente para uso externo. mantenha fora do alcance das crianças. Não use se a pele estiver lesada ou irritada. em caso de irritação, suspenda imediatamente o uso. Mantenha sob temperatura ambiente e ao abrigo de intempéries e de umidade. Produzido nos laboratórios da Escola de Engenharia Mauá. Amostra sem valor comercial. Químico responsável: CRQ nº ª Região Composição: ácido cítrico, água deionizada, cocoamidopropil betaína, corante, dietanolamida de ácido graxo de coco 90, cloreto de sódio, extrato de camomila, EDTA, fragrância, lauril éter sulfato de sódio, metilparabeno Conteúdo 100g Válido até JUL 2016 Figura 5. Rótulo do xampu para cabelos normais sem a adição de sal.

7 Tabela 2 - Informações para rotulagem (ANVISA, 2005). Item Nome do produto e grupo/tipo a que pertence no caso de não estar implícito no nome Marca Número de registro do produto Lote ou Partida Prazo de Validade Conteúdo País de origem Fabricante/Importador/Titular Domicílio do Fabricante/Importador/Titular Modo de Uso (se for o caso) Advertências e Restrições de Uso (se for o caso) Rotulagem Específica (conforme anexo V desta resolução) Ingredientes/Composição Embalagem Primária e Primária e Primária Primária ou Primária e Primária e 4.2 Teste de estabilidade preliminar (TEP) Os resultados dos ensaios de estabilidade preliminar (TEP) estão descritos na Tabela 3. O ensaio estresse térmico não apresentou separação, em ambas as amostras, e estão de acordo com a legislação. Tabela 3 - Resultados obtidos da estabilidade do produto obtido e amostra comercial. Ensaios da TEP Amostra 1 Amostra 2 Amostra comercial ph 6,75 ± 0,01 6,91 ± 0,02 7,01 ± 0,01 Viscosidade (mpa s, 20 o C) Centrífuga Não houve separação Não houve separação Não houve separação Densidade (g/ml, 20 o C) 1,01 ± 0,03 1,09 ± 0,01 1,02 ± 0,01 Propriedades organoléptica Cor Branco Branco Branco Tato Característico Característico Característico Cheiro Característico Característico Característico Aspecto Líquido viscoso Líquido viscoso Líquido viscoso

8 5. CONCLUSÕES Foi possível observar que a estudante modificou suas percepções sobre o planejamento experimental, o contato com os fornecedores das matérias-primas, a influência do ph do xampu nos cabelos, e especificamente à presença de sal (cloreto de sódio) na formulação. Assim, desmistificaram-se muitas propagandas equivocadas que são exaustivamente disseminadas pela mídia e por profissionais da beleza acerca do xampu sem sal. No decorrer da pesquisa foi possível perceber o interesse da aluna em relação ao tema, certamente pelo fato de problematizar questões pertinentes e presentes na sua vivência, que por sua vez está relacionada às opções de vida e consumo. Os resultados evidenciam que com a soma dos conhecimentos adquiridos durante a graduação constituiu uma etapa fundamental para o entendimento de diferentes matérias-primas, preparação de formulações cosméticas para os cuidados da pele e cabelos, além do desenvolvimento de produtos em escala laboratorial e piloto. Por fim, a contribuição desta proposta destacou-se por buscar no cotidiano da estudante um tema que possa mediar o processo de construção do conhecimento científico pela aluna com a orientação do professor, visto que o conhecimento químico não se encontra distanciado do cotidiano, este é intrínseco às ações cotidianas. Entende-se que a aluna estará mais bem preparada para o mercado de trabalho, pois executou algumas atividades, tais como, pesquisa bibliográfica, estudo do cabelo (características, propriedades e detalhamento), legislação e controle de qualidade, elaborou um pré-projeto escrito, preparou o xampu em escalas laboratorial e piloto, elaborou um rótulo e definiu a embalagem do produto final, fez contato com fornecedores de matéria-prima e produto final e por fim entregou um relatório completo incluindo o detalhamento preliminar financeiro. Esse trabalho, terá continuidade e já se iniciou o estudo da TEA-Teste de estabilidade Avançada e posteriormente o estudo da vida de prateleira. 6. REFERÊNCIAS ABIHPEC, ANVISA, Acesso em janeiro de AQUINO G.B. de et al., Estudo de Funções Orgânicas com Xampus como Tema Gerador. In: 34ª. Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, 2010, BARATA E.A.F., A cosmetologia: Princípios básicos. São Paulo: Tecnopress Editora e Publicidade, BARBOSA A.B. e SILVA, R. R. da, Xampus. Química Nova na Escola, São Paulo, 2, 3-6, BITTENCOURT A.M.B., COSTA V. G.; BIZZO H. R., Avaliação da qualidade de detergentes a partir do volume de espuma formado. Química Nova na Escola, São Paulo, 9, COUTO, W.F. de et al., Avaliação de parâmetros físico-químicos em formulações de sabonetes líquidos com diferentes concentrações salinas Disponível em <

9 Acesso em 18 janeiro de DRAELOS, Z.D., Cosméticos em Dermatologia. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Revinter, EUROMONITOR, HALAL, J., Tricologia e a Química cosmética capilar. 5. ed. Trad. Ez2translate. São Paulo: Cengage Learning, SOLOMON, M.R., O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 7. ed. Porto Alegre: Bookman, STAUB I., CRUZ A.S., PINTO T. DE J.A., SCHAPOVAL E.E.S., BERGOLD A.M., Determinação da segurança biológica do xampu de cetoconazol: teste de irritação ocular e avaliação do potencial de citotoxicidade in vitro, Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, 43(2), abr./jun., AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) e ao Departamento da Engenharia Química e de Alimentos (EQA) pelo apoio no desenvolvimento deste trabalho.