HOMENSCOMUMA MENSAGEM

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1 HOMENSCOMUMA MENSAGEM UMA INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO E SEUS ESCRITORES JOHN STOTT Revisado por Stephen Motyer ap»

2 iggsáâ HOMENS COM UMA MENSAGEM Uma Introdução ao Novo Testamento e seus Escritores JOHN STOTT Revisado por Stephen Motyer "A particularidade de cada autor do Novo Testamento não è de modo algum restrita a um único processo de inspiração. Antes, pelo contrário, o Espírito Santo primeiro preparou, e em seguida usou sua individualidade de formação, experiência, temperamento e personalidade, a fim de transmitir por meio de cada um alguma verdade distinta e apropriada." John Stott O objetivo desta edição completamente revisada da obra clássica do Dr. Stott fo a de torná-la acessível à nova geração, refundindo a linguagem, adaptando-a às versões bíblicas recentes, e acrescentando fotos a cores e mapas informativos.

3 Homens com uma Mensagem

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5 Homens com uma Mensagem Uma Introdução ao Novo Testamento e Seus Escritores por John Stott revisado por Stephen Motyer Editora Cristã Unida Associação Evangélica Menonita Rua Venezuela, Campinas-SP

6 Homens com uma Mensagem: Uma Introdução ao Novo Testamento Traduzido do original em inglês: Men with a Message: An Introduction to the New Testament and Its Writers HarperSanFrancisco Texto Copyright 1951 John Stott 1994 Stephen Motyer e John Stott Esta edição Copyright 1996 Associação Evangélica Menonita Desenhado e criado por Three's Company 12 Flitcroft Street London WC2H 8DJ Co-edição mundial organizada por Angus Hudson Ltd., Mill Hill London NW7 3SA Publicado no Brasil com a devida autorização EDITORA CRISTÃ UNIDA Associação Evangélica Menonita Rua Venezuela, 318 Jardim Nova Europa , Campinas, São Paulo Fone (019) Fax (019) Impresso em Cingapura Tradução: Rubens Castilho

7 Conteúdo Prefácio de John Stott Prefácio de Stephen Motyer Marcos e sua Mensagem Mateus e sua Mensagem Lucas e sua Mensagem João e sua Mensagem Paulo e sua Mensagem A Carta aos Hebreus Tiago e sua Mensagem Pedro e sua Mensagem A Mensagem de Apocalipse / índice

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9 Prefácio de John Stott Foi logo depois de minha posse como reitor de Ali Souls Langham Place, em 1950, que, para minha total surpresa, o bispo William Wand (que havia me ordenado e empossado) convidou-me a escrever para 1954 o que era conhecido como "Livro da Quaresma do Bispo de Londres". Como resultado surgiu Homens com uma Mensagem. Foi na verdade meu primeiro livro, dois anos antes de Fundamentalismo e Evangelismo, e quatro anos antes de Cristianismo Básico e O Que Cristo Pensa da Igreja. No início dos anos 50 eu estava lendo e refletindo bastante sobre a inspiração da Escritura e sobre as relações entre seus autores divino e humanos. Eu estava impressionado mormente pela necessidade de enfatizar que a particularidade de cada autor do Novo Testamento não é de modo algum restrita a um único processo de inspiração. Antes, pelo contrário, conforme escrevi na introdução do livro de 1954, "o Espírito Santo primeiro preparou, e em seguida usou sua individualidade de formação, experiência, temperamento e personalidade, a fim de transmitir por meio de cada um alguma verdade distintiva e apropriada". Desta forma, isto se tornou, e permanece, o tema essencial de Homens com uma Mensagem. Agora, passados quarenta anos, sinto-me gratificado pelo fato de o livro experimentar uma espécie de "ressurreição", através da contribuição de Steve Motyer, que aceitou nobremente meu convite para revisá-lo. Somos agora considerados co-autores, embora, na realidade, o livro seja mais dele do que meu. Sensibiliza-me sua disposição de preservar tanto o título do livro original como alguma de sua essência. Ao mesmo tempo, teve ele total liberdade de reescrever, amenizar, expandir e atualizar o texto. Ele executou sua tarefa com atenção conscienciosa e notável habilidade. Creio firmemente que o conteúdo e a nova apresentação do livro revisado o tornarão bem mais agradável de ser lido do que a pesada e condensada primeira edição! Domingo de Páscoa, 1994

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11 Prefácio de Stephen Motyer Foi um grande privilégio participar desta revisão do livro original de John Stott. Quando de sua publicação, ele era o reitor recentemente nomeado de Ali Souls Langham Place, no centro de Londres, e eu ainda não estava na escola. E um testemunho da qualidade da pregação usufruída pela congregação de Ali Souls naqueles dias que este livro tenha iniciado ali sua vida como uma série de sermões. Em sua primeira versão ele trazia o selo de qualidade do que minha geração mais nova chamava "safra de Stott": baseado num conhecimento abrangente do texto, marcado por um aguçado rigor intelectual e poder de análise, expresso em prosa exata e vigorosa. Ele teve uma longa permanência nas estantes, quer no Reino Unido quer nos Estados Unidos, passando por numerosas impressões durante vários anos e brindando os crentes evangélicos com uma introdução ao Novo Testamento de excelente nível, num tempo em que havia pouca literatura evangélica nas livrarias. Entendo por que um bispo (anônimo) da igreja da Inglaterra tenha alegado que foi aprovado em Novo Testamento em seu exame geral de ordenação apoiado na força de Homens com uma Mensagem! Espero que tudo o que havia de melhor na primeira versão tenha sido mantido nesta segunda. O objetivo da revisão foi tornar seu conteúdo acessível às futuras gerações, utilizando uma linguagem mais leve, associando-a ao conhecimento bíblico recente, e incorporando o texto ao formato da publicação "user-friendly" associado aos produtos de Three's Company. John Stott permitiu-me uma grande liberdade na revisão, mas senti-me muito bem familiarizado com suas ênfases e análises. Mantive basicamente a estrutura dos capítulos originais, suplementando-os com material adicional e reescrevendo-os em estilo menos marcado pelas características formais da prosa dos anos 50. Acrescentei os capítulos de Marcos e Mateus, que haviam sido excluídos da primeira versão e retirei o primeiro capítulo original sobre Jesus, que desde o início pareceu um tanto fora de lugar. O título Homens com uma Mensagem poderia ser levemente desorientador. Isto não significa sugerir que não há diferenças entre os diversos autores do nosso Novo Testamento. Na verdade, um dos principais propósitos deste livro

12 HOMENS COM UMA MENSAGEM é investigar sua variedade. Eles foram indivíduos com diversas formações, personalidades e experiências, e seus escritos refletem tal diversidade. No caso dos Evangelhos, por exemplo, parece que os evangelistas planejaram suplementar um ao outro à luz de seus propósitos e preocupações individuais. Assim, Mateus expandiu muito Marcos, Lucas incluiu novas ênfases no material extraído dos outros dois e acrescentou ainda mais, e João pintou um retrato de Jesus que foi além dos outros três, tanto em conteúdo quanto em profundidade espiritual. E assim por diante, para cada um de nossos "homens". Eles foram todos escolhidos por Deus, moldados pela experiência, e investidos de poder pelo Espírito Santo, primeiro para compreender a revolucionária Boa Nova de Jesus, e depois para comunicá-la e aplicá-la nas várias situações que enfrentaram. Mas, ao mesmo tempo, eles foram Homens com uma Mensagem, e não homens com muitas mensagens. Por meio de sua variedade, eles comunicaram uma mensagem da graça salvífica de Deus em Cristo. O "evangelho" pode ser expresso em diferentes palavras e aplicado a diferentes necessidades, mas incorpora uma mensagem para todos os homens e mulheres em todos os tempos e lugares. Neste livro é a variedade que é principalmente realçada, porém, através dela, a unidade felizmente também emerge: a consciência unificada da necessidade do mundo, alienado de Deus e afligido pelo pecado a crença unificada na iniciativa de Deus, que tem agido para libertar o mundo do mal e reconciliá-lo consigo a focalização unificada desta iniciativa sobre Jesus Cristo, que foi ungido e designado por Deus para ser o Salvador do mundo a crença unificada no envolvimento de Deus, que não apenas age através de Jesus, mas age pessoalmente nele a crença unificada na exaltação de Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou, de modo que podemos compartilhar a vida do próprio Deus. Estes elementos estão todos lá, nos escritos de nossos "homens", expressos diferentemente, mas igualmente fundamentais. Somente num caso alguma coisa está faltando: a pequena epístola de Tiago não contém referência à morte de Cristo como o foco de sua identificação salvífica conosco. Porém esta crença não é incompatível com a "mensagem" de Tiago. Ele a rejeitou? Certamente não. Ele não poderia ter liderado a igreja em Jerusalém por tanto tempo se o tivesse feito. Sua carta tratou de suas preocupações imediatas, e estas foram transmitidas sem qualquer referência à cruz. Na verdade, ele não está só. A epístola de Judas também não faz referência à morte de Cristo. Judas é o único "homem" deixado fora deste livro. Esperamos que ele nos perdoe! Sua epístola é poderosa, singular, desafiadora, tão fascinante como qualquer outra parte do Novo Testamento, mas também curta! Cremos que ele pode compreender por que não lhe estamos dando todo um capítulo num livro que tem somente um capítulo para Paulo e outro para Lucas. Afinal de contas, eles dois são responsáveis por metade do Novo Testamento! John Stott e eu somos também unidos em nossa oração e desejo de que este livro continue a ser um meio de levar os cristãos a um conhecimento e amor mais profundos do Livro que tem significado tanto para nós dois para ele, por quase toda uma existência de serviço e trabalhos escritos que o levaram muito além daqueles dias iniciais em Ali Souls; para mim, por mais de meia existência procurando explanar e ensinar o Novo Testamento com discernimento e entusiasmo.

13 HOMENS COM UMA MENSAGEM 11 Permitamos que Judas tenha, ao menos, a última palavra neste prefácio. Desejamos obedecer ao seu apelo de encorajamento para "batalhar diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos" (3) e com ele cantar "ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém" (25). Queremos expressar nossos agradecimentos em conjunto a Tim Dowley e Peter Wyart, de Three's Company, for sua iniciativa, conselho, habilidade e dedicação, sem o que este livro jamais teria tido uma existência renovada. Dia da Conversão cle Paulo, janeiro de 1994

14 Marcos e sua Mensagem Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me." (Marcos 8.34) O Evangelho de Marcos é destinado aos discípulos. Ele compartilha com os outros evangelistas a preocupação de capacitar seus leitores a compreender a pessoa de "Jesus Cristo, o Filho de Deus" (1.1). Mas ele vai além do que simplesmente apresentar Jesus. Jesus é o personagem principal no drama de Marcos, mas os discípulos vêm logo a seguir. Em toda a história, Marcos se preocupa com o discipulado seus privilégios, obstáculos, perigos, desafios e perplexidades. Esta é a ênfase marcante do Evangelho de Marcos. De forma muito humana e animadora ele revela o quão difícil foi para os primeiros seguidores de Jesus dar os primeiros passos no discipulado, e quão pacientemente Jesus perseverou com eles, apesar de sua compreensão tão limitada e sua obediência tão frágil. Como veremos, esta ênfase provavelmente amadureceu a própria experiência de Marcos como cristão. Uma produção pioneira O Evangelho de Marcos foi provavelmente o primeiro dos quatro a ser escrito, e, assim, tornou-se seu autor um desbravador que preparou o caminho para que os outros seguissem seu modelo. Sua contribuição foi considerável, uma vez que jamais qualquer coisa semelhante tinha sido escrita antes. Em vários aspectos surpreendentes o registro de Marcos a respeito de Jesus difere de outras antigas biografias dos notáveis: Marcos anuncia no início que o personagem de seu relato não é nenhum simples homem, mas sim o "Filho de Deus". Ele classifica seu trabalho sob um nome novo: é um "evangelho" (1.1). Ele nada informa a respeito do nascimento ou infância de seu personagem. Surpreendentemente, ele faz um pequeno registro do ensino de Cristo, embora mencione com freqüência que Ele ensinava (por exemplo, 1.38; 2.2). Ele dedica cerca de um terço de seu livro para narrar a morte de seu personagem. Seu trabalho é estranhamente curto! Não teria ele, na verdade, mais do que estes dezesseis pequenos capítulos para falar sobre esse "Filho de Deus"? Por que ele reserva tanto de seu exíguo espaço concentrando sua atenção não

15 MARCOS E SUA MENSAGEM 13 em seu principal personagem, mas nos discípulos que se reuniam à volta dele? Todas estas características fazem do registro de Marcos sobre Jesus uma obra singular entre as biografias de seu tempo. Os outros evangelistas suprem algumas destas omissões. Tanto Mateus como Lucas de fato reproduzem em seus próprios trabalhos a maior parte do conteúdo do Evangelho de Marcos, combinando-o com elementos adicionais, principalmente histórias do nascimento e informações mais extensas sobre o ensino de Jesus. Por esta razão ambos são consideravelmente mais longos no caso de Lucas, quase duas vezes mais. Contudo, eles não nos ajudam a entender por que Marcos abriu caminho com tal extraordinário trabalho. A resposta a algumas destas perguntas podem estar na experiência do próprio Marcos. Quem era ele? 0 rio Jordão junto ao sul do mar da Galiléia. 0 Evangelho de Marcos inicia com João Batista pregando no deserto e batizando no rio Jordão. A pessoa de Marcos A semelhança dos outros evangelistas, Marcos não estava interessado em divulgar sua própria identidade em seu Evangelho. Ele não menciona a si mesmo pelo nome. Porém outros foram zelosos ao inserir o nome de seu autor, e "Segundo Marcos" foi associado a ele desde os primeiros anos. Se houve dúvida difundida sobre tal atribuição, a tradição encarregou-se de desfazê-la e se fixou numa figura da maior proeminência da igreja apostólica. Assim, pois, podemos estar confiantes de que este livro foi escrito por um "Marcos". Felizmente podemos identificá-lo com facilidade, e o testemunho do Novo Testamento nos possibilita pintar um fascinante retrato dele. 1. Marcos pertencia a uma família fundadora da igreja cristã.

16 14 HOMENS COM UMA MENSAGEM Palavras Latinas em Marcos Uma das características peculiares do Evangelho de Marcos é o uso, sem explanação, de vários termos latinos: Legião (5.9) Centurião (15.39) Pretório (15.16) aqui Marcos acrescenta a palavra latina para explicar a palavra grega "palácio". Executor (6.27) a palavra usada por Marcos aqui é o termo técnico para policial militar. Quadrante (12.42) a moeda que Marcos menciona aqui circulava somente na metade ocidental do Império Romano, área de língua latina. Marcos escreveu em grego, porém trai seu conhecimento do latim. E, assim fazendo, denuncia uma clara evidência de que estava escrevendo para um público da região ocidental, talvez a própria Roma. Indubitavelmente ele é o "João, apelidado Marcos", mencionado em Atos e 25. Ele não é incomum pelo fato de ter dois nomes que refletem sua formação bilíngüe, e, em seu caso, o fato de um deles ser latino (Marcos) pode apontar para conexões da família com as forças romanas na Palestina. A formação latina de Marcos é indicada também pela presença de algumas palavras latinas em seu Evangelho (ver indicações no quadro acima). Em Atos 12 encontramos a igreja reunida na casa de Maria, mãe de Marcos, para orar em favor de Pedro, que estava na prisão. Essa casa era certamente um centro importante na vida da igreja iniciante de Jerusalém, porque Pedro se dirigiu diretamente para lá quando foi miraculosamente libertado, admitindo claramente que a igreja estaria reunida lá. Deve ter sido uma casa espaçosa, e a família de Marcos era suficientemente abastada para permitir-se ter pelo menos uma criada em casa, a excitada Rode, que deixou Pedro do lado de fora da porta. Alguns estudiosos têm especulado se essa casa não conteria o famoso "cenáculo espaçoso", no qual foi servida a Ultima Ceia (Marcos 14.15), e na qual a igreja se reuniu após a ascensão de Jesus (Atos 1.13). 2. Marcos foi testemunha ocular da morte e ressurreição de Jesus. Marcos pode ter viajado para ver e ouvir Jesus em outro lugar, mas, se ele vivia em Jerusalém, deve ter testemunhado os derradeiros acontecimentos do ministério de Jesus. Podemos imaginar o impacto que eles tiveram sobre o jovem Marcos. Ele meditou sobre o significado da morte de Jesus. E quando decidiu escrever seu Evangelho, ela tornou-se o foco de toda a sua história, pressagiada tão cedo quanto Marcos 3.6, predita freqüentemente por Jesus, que viajava para Jerusalém com o fim deliberado de morrer, e interpretada como morte sacrificial, um "resgate por muitos" (10.45). Vamos examinar abaixo o aspecto central desta mensagem. E provável que ele tenha passado por um doloroso desenvolvimento, semelhante ao que Pedro sofreu (ver capítulo 8): começou com a crença tradicional num Messias conquistador e vitorioso, que reestabeleceria os judeus como o povo soberano de Deus, e terminou vendo o Messias como uma figura sofredora que morreu por seu povo para salvá-lo de seus pecados. Este era o "Cristo, Filho de Deus", cuja história era a "boa nova" para todos os que a ouvissem (1.1).

17 -, Palestina no "empo do Novo Testamento 5-70 d.c. 10 _L 20 Quilômetros Divisas políticas 6-34 d.c. Mar Mediterrâneo squelom Gaza Jope Azoto Ptolemaida Tiro \ sr PROVÍNCIA DA SÍRIA Monte p Sepora fy Tiberíades" Carmelo Nazaré % % Grande Planície Cesaréia de Filipe Lago Semeconita TETRARQUIA Î 5 r~vi- i-ii inr DE FILIPE - r ^ Çorazim Cafarnaum. «Betsaida Genezaré ' Nairn Monte Gilboa ye> e ' o/ d Galiléia 0?Gergesa.Hipo V Sifópolis Salim Sebaste SAMARIA Monte Ebal Neápolis *A Sicar Monte Gerízim Tiná Siló Lida Efraim Baixo Alto o Retel Bete-horom Bete-horom Alexândrio 5 o 6 Emaús Anatote Jericó Jerusalem A» tcrom Betfagé. Monte Esco P Betânia Qu m rã A PROVÍNCIA B ié ROMANA DA I u n,né A Herodio JUDEIA Manre Mar è Morto P Hebrom En-gedi o yp Jarmuque Gadara \ Abila DECAPOLIS Pela. Ribeiro Quente : f~... Rio Jaboque PEREIA -V Filadélfia Medeba Maqueronte RiO or^ Gerasa Berseba IDUME1A Masada O REINO DE NABATÉIA L

18 18 HOMENS COM UMA MENSAGEM 3. Marcos teve falhas em seu próprio discipulado. Isto é muito importante para a nossa compreensão da forma pela qual a experiência de Marcos o preparou para escrever seu Evangelho. Paulo e Barnabé estavam presentes na casa de Marcos, participando da célebre reunião de oração, quando Pedro foi libertado da prisão. Barnabé era, na realidade, primo de Marcos (Colossenses 4.10); e quando retornaram a Antioquia, Barnabé e Paulo levaram Marcos com eles (Atos 12.25). Logo depois disso, o Espírito Santo induziu a igreja em Antioquia a enviar Paulo e Barnabé para uma viagem missionária (Atos 13.2). Eles levaram consigo Marcos para auxiliálos (13.5), enquanto pregavam o evangelho em Chipre, e depois cruzaram o mar em direção a Panfília, na província romana da Galácia. Neste ponto, entretanto, Marcos resolveu não continuar, deixando Paulo e Barnabé e retornando a Jerusalém (Atos 13.13). Isso deixou Paulo profundamente contrariado, pois mais tarde ele se recusou a levar Marcos com ele novamente, pois "não achava justo levarem aquele que se afastara desde a Panfília, não os acompanhando no trabalho" (Atos 15.38). A palavra "afastara" aqui lembra a que foi usada na parábola do semeador referindo-se à semente que caiu sobre a pedra: "A que caiu sobre a pedra são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes não têm raiz, crêem apenas por algum tempo, e na hora da provação se desviam" (Lucas 8.13). Era o que Paulo pensava a respeito de Marcos. Quando enfrentou o teste, ele se desviou e mostrou ser um discípulo sem raízes, relutante em obedecer ao chamado do Espírito. Não sabemos por que Marcos os abandonou. A Panfília era uma área que ficava quase ao nível do mar e era infestada pela febre; além disso, eles estavam enfrentando uma viagem difícil até a Pisídia. Marcos tinha acabado de testemunhar um confronto emocionalmente extenuante com Elimas, o mágico, em Pafos (Atos ). E talvez ele tivesse tido algum pressentimento do que iriam encontrar pela frente. Se tivesse continuado a viagem com Paulo e Barnabé, ele enfrentaria perseguição física em Listra, onde Paulo foi apedrejado ao ponto de quase morrer (Atos 14.19). Parece que o esgotamento e o perigo foram demais para que ele pudesse suportar, e então ele fugiu para sua casa em Jerusalém. Podemos supor que, além de jovem, ele era um tanto tímido ou estava saudoso do lar. A história tem seu modo de repetir-se. Seria o próprio Marcos o jovem mencionado em Marcos 14.51,52? A tradição vem de longa data sustentando que era ele. Se assim for, não será difícil imaginar o senso de deficiência que Marcos deve ter experimentado em Panfília, quando se viu, pela segunda vez, incapaz de suportar o desafio do discipulado. Mas podemos ver também como, através desta experiência, ele se qualificou para dar ao seu Evangelho a mensagem inconfundível de ânimo a todos quantos consideram difícil o discipulado. Examinaremos abaixo o ensino de Marcos sobre o discipulado, mas convém antes assinalar duas de suas características, porque elas se ajustam muito claramente à própria experiência de Marcos: a. Marcos destaca com exclusividade o medo sentido pelos discípulos ao seguirem Jesus. Mateus e Lucas amenizam sua linguagem, ou mesmo omitemna completamente, em três episódios em que Marcos menciona esse medo. Em Marcos 4.40,41ele nos diz que os discípulos estão "possuídos de grande temor" (uma expressão muito forte) quando vêem Jesus acalmar a tempestade

19 MARCOS E SUA MENSAGEM 17 Era Marcos o discípulo desnudo? Tradicionalmente, Marcos tem sido identificado com o mesmo jovem que ele menciona em Marcos 14.51,52, o qual segue Jesus até o Getsêmani usando somente um lençol, e em seguida foge desnudo quando a guarda do Sinédrio tenta prendê-lo juntamente com Jesus. Três fatores depõem em favor desta identificação (embora nenhum deles seja conclusivo): Este foi um dos muito poucos incidentes que Mateus e Lucas preferiram não usar em seus Evangelhos, ainda que soubessem que Marcos tinha suas próprias razões para incluí-lo. Se a Ultima Ceia tinha sido realizada na casa de Marcos, podemos muito bem imaginar que Marcos quis sair com Jesus e seus discípulos. Talvez ele estivesse já deitado quando ouviu a surpreendente notícia de que Jesus estava saindo, e não permanecido lá como se esperava, e por isso vestiu-se depressa. O jovem que seguiu Jesus era claramente rico, porque usava um lençol "de linho": geralmente, tais peças eram de algodão. O terror do jovem é realçado tanto por fugir desnudo como por sua disposição de desfazer-se de uma vestimenta tão valiosa. Não podemos saber com certeza. Mas, se esta tradição é correta, podemos ver ainda com maior clareza por que Marcos mostra tanta compaixão por discípulos fracos e indecisos. e muito humanamente torna claro que não são somente as ondas que aterrorizam os discípulos: mais do que isto, é a demonstração da absoluta grandeza e poder de Jesus. De modo similar, em ele registra que os discípulos estão "admirados" e "apreensivos", quando acompanham Jesus até Jerusalém, mesmo antes de Jesus ter-lhes enfatizado mais de uma vez seu próximo sofrimento e morte (10.33,34). E, o mais extraordinário de tudo, ele termina seu Evangelho com uma nota de espanto e medo, quando conta a reação das mulheres diante do anúncio da ressurreição. Elas foram instruídas a transmitir a mensagem de que o Jesus ressurreto encontraria seus discípulos na Galiléia. Porém, em vez disto, "saindo elas, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e de assombro; e de medo nada disseram a ninguém" (16.8). Desde os primeiros anos, os copistas acharam que este era um final bastante inadequado para o Evangelho e apresentaram alternativas. E certamente possível que o final original de Marcos tenha sido perdido na transmissão. Entretanto, fica claro pelos antigos manuscritos gregos de Marcos que nenhuma das alternativas apresentadas é original. E, na realidade, o final grego harmoniza com todo o retrato da fraqueza humana dos seguidores de Jesus, com a qual ele deveria terminar seu Evangelho de forma singular. b. Marcos ressalta de forma singular a disposição de Jesus de confiar em discípulos que estão ainda muito inseguros em sua fé. Em Marcos Jesus envia os Doze revestidos de autoridade para pregar e curar em seu nome. Lemos que "eles pregavam ao povo que se arrependesse; expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo" (6.12,13), e depois "voltaram os apóstolos à presença de Jesus e lhe relataram tudo quanto haviam feito e ensinado". (6.30). A primeira vista estes discípulos parecem gigantes espirituais, mas a história continua em seguida para pintar suas verdadeiras cores: seus corações estão endurecidos (6.52), seu entendimento está obtuso (7.18), e sua memória está obliterada (8.2-5; compare com ), de sorte que Jesus tem de contender com eles: "Ainda não considerastes nem

20 20 HOMENS COM UMA MENSAGEM compreendestes? tendes o coração endurecido? tendo olhos, não vedes? e, tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais...?" (8.17,18). E mesmo quando os discípulos finalmente reconhecem que Jesus é "o Cristo" (8.29), eles demonstram apenas um tímido começo. Eles precisam aprender árduas lições sobre oração (9.28,29; ), sobre humildade ( ), sobre sacrifício próprio ( ), e sobre status (9.38,39; ). E Marcos dá pouca indicação de progresso. Pedro, Tiago e João caem de sono em vez de orar no Getsêmani ( ), e quando Jesus é preso todos o deixam e fogem (14.50). O único discípulo que volta atrás e segue Jesus, em seguida nega-o ostensivamente (14.71). Por trás disto tudo podemos ver a experiência do próprio Marcos. Também ele tinha experimentado os impulsos conflitivos que retrata nos primeiros discípulos de Jesus. Por um lado eles se sentem fortemente atraídos a Jesus ( ), testemunham diretamente seus extraordinários poderes (6.13), identificam-no como "o Cristo" (8.29), deixam tudo para segui-lo (10.28), e se sentem prontos a morrer por Ele (14.31). Mas, por outro lado, são constantemente confundidos e surpreendidos por Jesus, a tal ponto que Marcos faz pouca distinção entre eles e os fariseus no que respeita à compreensão das palavras do Mestre ( ). Como vimos, eles são freqüentemente muito medrosos, e por fim fracassam completamente. Assim, pois, Marcos fala compassivamente a todos quantos sentem extrema dificuldade de seguir este Cristo. Mas, está ele finalmente desesperançado quanto à possibilidade de verdadeiro e vitorioso discipulado? É vital que passemos à quarta característica da pessoa de Marcos, a qual lança mais luz sobre seu Evangelho: 4. Marcos torna-se companheiro tanto de Pedro como de Paulo. Fracasso não foi o fim da história de Marcos. Não sabemos quanto tempo ele ficou em Jerusalém depois de seu retorno. Mas, após o Concílio apostólico registrado em Atos 15, encontramo-lo de volta a Antioquia novamente com Barnabé e Paulo. Paulo recusou a companhia de Marcos em sua visita de retorno às mesmas igrejas. Porém, à custa de sua parceria com Paulo, Barnabé afavelmente ajudou Marcos a retomar seu trabalho missionário, levando-o novamente a Chipre, a cena de seu fracasso (Atos 15.38,39). Não tivemos mais novas notícias de Marcos até que o encontramos em quatro das últimas epístolas do Novo Testamento. Na época em que foram escritas as cartas aos Colossenses e a Filemom (cerca de dez ou doze anos mais tarde). Marcos está com Paulo, que o chama de "cooperador" (Filemon 24; compare com Colossenses 4.10). E então Marcos recebe uma calorosa recomendação na última carta de Paulo, escrita provavelmente pouco antes de sua morte. Paulo diz a Timóteo: "Toma contigo a Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério" (2 Timóteo 4.11). Evidentemente, a ruptura com Paulo tinha sido completamente curada! Marcos aparece, finalmente, em 1 Pedro 5.13, quando Pedro o chama amorosamente de "meu filho", ao fazer suas saudações juntamente com Marcos, que está com ele, aos cristãos localizados "no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia", a quem a carta é dirigida (1 Pedro 1.1). Todas estas cartas foram provavelmente escritas de Roma, onde claramente Marcos ministrava tanto para Pedro como para Paulo, tendo sido um companheiro confiável e muito amado de ambos. Claramente também ele era

21 MARCOS E SUA MENSAGEM 19 Parte do Fórum, Roma, com o Coliseu destacando-se no horizonte. Marcos devotou tempo ministrando em Roma, e seu Evangelho foi escrito para um público ocidental, possivelmente romano. nesse tempo conhecido das igrejas na Galácia e na Ásia Menor, a mesma área da qual ele havia fugido quando sua fé arrefecera. Portanto, o cuidado de Barnabé para com seu primo tinha sido amplamente justificado. Marcos havia enfrentado e dominado seus medos, tornando-se totalmente "útil" no serviço cristão. E não somente Marcos. Pedro também tinha saído do malogro para ser a "Rocha" sobre a qual a igreja estava sendo construída. Marcos destaca o fracasso de Pedro mais do que dos outros discípulos. "Ainda que todos se escandalizem, eu jamais!... Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei" (14.29,31). Então, com chocante compaixão e ironia, Marcos narra a história de cada uma das negações preditas por Jesus ( ). As negações tornam-se mais enfáticas até que ele "começou a praguejar e a jurar: 'Não conheço esse homem de quem falais!' " (14.71). Talvez a amizade entre Pedro e Marcos foi alicerçada em sua mútua experiência de queda e restauração. E bem possível que o próprio Evangelho de Marcos tenha nascido dessa experiência comum. Em data remota acreditouse que Marcos baseou seu Evangelho na pregação de Pedro. A posição mais antiga desta versão veio de Papias, bispo de Hierápolis por volta de 130 d.c. Ele foi apoiado no fim do segundo século por Irineu (bispo de Lyon, c d.c.), que acrescentou a idéia de que Marcos teria registrado toda a pregação de Pedro em Roma, após a morte deste último. Depois, Clemente de Alexandria (c. 200 d.c.) contribuiu com a sugestão de que Marcos foi pressionado a fazer isso pelo povo que ouviu a pregação de Pedro. Não sabemos a exata seqüência dos acontecimentos, porém podemos afirmar com certeza que: Marcos dedicou tempo ministrando com Pedro em Roma; Pedro é destacado mais do que qualquer outro discípulo no Evangelho de Marcos; Seu Evangelho foi escrito para um público ocidental, talvez romano (ver o

22 20 HOMENS COM UMA MENSAGEM Pedro em Marcos Pedro é citado pelo nome não menos do que vinte e três vezes no Evangelho de Marcos. Os personagens mais próximos, por freqüência de menção, são Tiago e João (nove vezes); portanto, Pedro é de longe o mais proeminente dos discípulos em Marcos. Isto pode bem refletir a própria pregação de Pedro, que forneceu a base do Evangelho de Marcos. E esta hipótese é fortalecida quando examinamos essas vinte e três referências, porquanto não menos do que treze se relacionam com quatro incidentes que escassamente mostram Pedro sob um foco predominante! 1. Pedro procura repreender Jesus por predizer sua morte e recebe uma resposta cáustica: "Arreda! Satanás, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens" (8.33). 2. Pedro diz sem pensar um contra-senso a respeito de construir tendas, porque estava aterrorizado ante a visão de Jesus com Moisés e Elias na transfiguração (9.5,6). 3. Pedro, com Tiago e João, dorme três vezes no jardim do Getsêmani, em vez de orar com Jesus. Somente Marcos registra sua reação quando acordados pela segunda vez: "E não sabiam o que lhe responder" (14.40). No entanto, eles novamente se entregam ao sono! 4. E acima de tudo Pedro nega Jesus, a última vez com imprecações (14.71), muito embora tenha anteriormente, na mesma noite, protestado sua eterna lealdade a Ele. Assim, de forma comovente, Marcos nos dá algum discernimento sobre o testemunho de Pedro a Jesus. Seu Evangelho mostra realmente um estreito paralelo com o resumo do ministério de Jesus que o próprio Pedro apresentou a Cornélio em seu sermão de Atos : * A história tem início na Galiléia "depois do batismo que João pregou", e em seguida afirma "como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele" (Atos 10.37,38). * A história atinge seu clímax "na terra dos judeus e em Jerusalém" com a morte e ressurreição de Jesus (Atos 10.39,40). * Pedro põe ênfase sobre seu papel como "testemunha" (Atos 10.39,41), do mesmo modo como, no Evangelho de Marcos, o encontramos no centro de toda a ação. * Pedro também ressalta o cumprimento anunciado pelos profetas sobre Jesus (Atos 10.43), uma ênfase que encontramos também em Marcos (1.2,2; 1.11; 11.9,10; 12.10,11; 12.36; 14.27). Mas no Evangelho há esta nota adicional, não refletida no breve sermão a Cornélio. Quando pregou, Pedro deve ter usado seu próprio exemplo para advertir seus ouvintes: Não façam o que eu fiz! quadro "Palavras Latinas em Marcos"); Seu Evangelho teria sido especialmente adequado e encorajador para os cristãos que enfrentavam o desafio da perseguição. Estas observações levaram o estudioso norte-americano William Lane a admitir seriamente a tradição de que Marcos baseou seu Evangelho sobre a essência da pregação de Pedro, e a sugerir que Marcos o escreveu especialmente para a igreja em Roma, quando ela foi vitimada pela perseguição sob Nero em 65 d.c., durante a qual muito provavelmente o próprio Pedro foi martirizado. Se Marcos baseou seu Evangelho na pregação de Pedro, então algumas de suas surpreendentes características são explicadas. Sua extensão: Marcos simplesmente utilizou o material que tinha ouvido Pedro empregar. Ele não procurou fazer uma pesquisa complementar, como fez Lucas. Seu começo: Pedro nitidamente não usou em seu ministério histórias sobre o nascimento de Jesus e sua infância. Quando ele resume o ministério de Jesus para Cornélio, ele fala do seu começo "desde a Galiléia, depois do batismo que João pregou" (Atos 10.37). Seu nome: o nome que Marcos escolheu para seu livro, "evangelho", reflete sua origem na pregação da "boa nova de Jesus Cristo", pela qual Pedro e os outros apóstolos foram conhecidos. Seu enfoque: por trás da ênfase de Marcos sobre a morte de Jesus, podemos ouvir Pedro tentanto persuadir os judeus de que Jesus era realmente "o Cristo,

23 MARCOS E SUA MENSAGEM 21 o Filho de Deus", muito embora tenha sofrido uma morte criminal. Sua morte cumpriu a Escritura! Marcos, o escritor Podemos falar mais sobre Marcos simplesmente com base em seu trabalho escrito. Aqui também ele expõe as qualidades e dons pessoais que o qualificam para a tarefa de ser o primeiro escritor do evangelho. Três coisas em particular se sobressaem. 1. Marcos era um estilista bem dotado. Ele escreve num estilo vívido, direto e vigoroso. Apequena palavra grega euthus é uma de suas favoritas, usada quarenta e uma vezes. Traduzida para "imediatamente", "prontamente", "sem demora" e equivalentes, esta palavra acrescenta um sentido de compasso e movimento. Marcos sublinha isto utilizando sentenças curtas e vocabulário vívido e forte. A história segue um ritmo acelerado de incidente a incidente. Marcos tem um dom especial para o detalhe visual que transmite vida à cena. Com freqüência ele introduz um detalhe que Mateus e Lucas omitem. Por exemplo, ele é o único a mencionar que Jesus tomou uma criança em seus braços e disse: "Qualquer que receber uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim me recebe" (Marcos 9.36,37). Somente ele registra que o jovem homem rico "correu" até Jesus e ajoelhou-se diante dele antes de perguntar: "Que farei para herdar a vida eterna? (10.17). E unicamente ele conta como "Jesus, fitando-o, o amou" (10.21), e como o homem "retirou-se triste" (10.22). Os exemplos podem multiplicar-se. Este amor com detalhe plástico geralmente significa que as histórias de Marcos são mais recheadas do que suas equivalentes em Mateus e Lucas. Como exemplo podemos comparar o inventário de palavras contidas nas duas histórias da filha de Jairo e da mulher com hemorragia: Marcos faz a narrativa com 416 palavras, Lucas utiliza 331 palavras, Mateus maneja ambas com somente 162 palavras, Alguns dos pormenores que Marcos introduz emprestam um "toque humano" a estas histórias: Jairo não apenas "suplica" a Jesus que vá, mas o faz "insistentemente" (literalmente, "dizendo-lhe muitas coisas"). A mulher "muito padecera à mão de vários médicos", mas, em vez de ser curada, ficava cada vez "pior" (5.26). Quando ela tocou a veste de Jesus, Ele percebeu "imediatamente que dele saíra poder", e então virou-se "no meio da multidão", e "olhava ao redor para ver aquela que fizera isto" (5.30,32). Quando Jesus chegou à casa de Jairo, viu "os que choravam e os que pranteavam muito" (5.38). Jesus então "tomou o pai e a mãe da criança... [com Ele]", e "entrou onde ela estava" (5.40). Em seguida, Marcos acrescenta um traço de rara sensibilidade, o que, aliás, ele faz também em três outras ocasiões: mantém a palavra original da voz de comando de Jesus em aramaico, Talitha koum!, "Menina, eu te mando, levantate!" (5.41). Outra técnica empregada pelo estilista Marcos para fazer que sua narrativa se

24 24 HOMENS COM UMA MENSAGEM torne dinâmica é a chamada "presente histórico". Este consiste do uso repentino tempo presente do verbo numa história passada. Na história de Jairo e sua filha, isto ocorre quando Jairo aparece: ele "chega" e, vendo-o, "prostra-se a seus pés... e lhe suplica". De igual modo, Marcos usa o tempo presente no clímax da história. Quando Jesus chega à casa de Jairo, ele "vê o alvoroço", "fala" aos pranteadores, "entra" com pais, e "diz" à menina.... No seu conjunto, Marcos é um notável estilista. 2. Marcos foi um convincente contador de história. Esta é uma qualidade complementar numa escala mais ampla. Da mesma forma que Marcos conta suas histórias individuais com grande vivacidade e força, ele compõe todo o seu Evangelho com igual habilidade. Papias, escritor cristão dos tempos primitivos, certamente entendeu isto erroneamente. Na passagem em que ele testifica que Marcos baseou seu Evangelho na pregação de Pedro, Papias também diz que Marcos "anotou cuidadosamente tudo quanto recordava das coisas ditas ou realizadas pelo Senhor, porém não em ordem cronológica". Esta falta de "ordem" ele atribui a Pedro, que "não articulou um relato criterioso das revelações do Senhor". Portanto, Marcos copiou Pedro simplesmente com o propósito de não deixar que faltasse alguma coisa. O Evangelho de Marcos, entretanto, é qualquer coisa menos um amontoado de reminiscências desconexas. Em anos recentes os estudiosos têm apreciado a história de Marcos mais claramente do que nunca. Ela é graciosamente composta, e suas riquezas ainda estão sendo exploradas. Por meio dessa composição bem cuidada. Marcos confere energia à mensagem que procura comunicar. Apenas umas poucas características podem ser aqui mencionadas: a. Estrutura global. Depois da introdução em , o Evangelho fica dividido em duas partes, com formando a "dobradiça" bem no meio. A confissão de Pedro de ser Jesus o "Cristo" é o clímax da narrativa até aqui. Mas ela introduz uma dramática mudança: "Então começou ele a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado... [e] fosse morto (8.31). Esta nota do sofrimento vindouro tinha sido antes parte da história, porém não predita por Jesus. Agora a cruz começa a avultar, como se verá abaixo. Num ou noutro lado desta "dobradiça", cada metade se distribui em três seções. Na primeira metade, cada uma dessas seções começa com uma história sobre os discípulos ( , , ), e termina com um pequeno resumo incidente que encapsula a mensagem daquela seção: : grandes multidões são atraídas a Jesus, que realiza curas e as ensina. Os demônios sabem quem Ele é (compare com 1.1) : contrastando com , a cidade do lar de Jesus o rejeita, e Ele não faz nenhuma cura ali. O tom de conflito e oposição atravessa toda esta seção : esta cura em dois estágios (somente em Marcos) ilustra o que deve acontecer aos discípulos. Em toda esta seção eles têm-se esforçado para entender Jesus. Eles vêem o que Ele faz, mas não compreendem, como o homem que vê as pessoas que parecem árvores que caminham (8.24). Jesus restaura sua compreensão, e imediatamente segue-se a confissão de Pedro: "Tu és o Cristo" (8.29). A segunda metade do Evangelho distribui-se, de igual modo, em três seções: (terminando com a cura de um homem cego, como na seção

25 MARCOS E SUA MENSAGEM 23 precedente da primeira metade); (enfocando a oposição e o conflito, como na seção do meio da primeira metade); e (que conta a história da morte de Jesus, atingindo o clímax com a confissão do centurião, que nos leva diretamente de volta ao começo, 1.1,11). b. Repetição e reminiscência. Freqüentemente Marcos faz com que a narrativa se repita, e essas repetições são vitais à sua mensagem. Numa escala ampla, observamos as três ocasiões vitais em que Jesus é identificado como "o Filho de Deus", em conexão com uma palavra vinda diretamente do próprio céu: em 1.10,11 no seu batismo, em 9.7 na transfiguração, e em pelo centurião em seguida ao episódio do véu do santuário "rasgarse em duas partes de alto a baixo" (aqui o véu é "rasgado" como os céus "rasgaram-se" em 1.10 Marcos usa a mesma palavra). O testemunho divino é seguido pelo testemunho humano: os leitores somarão suas vozes à do centurião? Numa escala menor, há as repetidas e miraculosas multiplicações dos pães ( ; ), repetidas curas de cegueira ( ; ; ), e repetidos exorcismos (todos muito diferentes: ; ; ; ). Em todos estes casos os exemplos posteriores nos lembram os primeiros, e as diferenças enfatizam as diversas facetas do ministério de Jesus, ou os diferentes desafios enfrentados pelos discípulos, ou pelos leitores de Marcos. Numa escala menor ainda, Marcos cria conexões sutis entre histórias que realçam aspectos de sua mensagem. Ele cria, por exemplo, uma comparação surpreendente entre o pobre menino possuído do demônio, no capítulo 9, e o outro jovem (rico, religioso, bem educado) que Jesus encontra no capítulo 10. Ambos foram alguma coisa "desde a infância" um foi possuído do demônio, o outro foi obediente aos mandamentos (9.21; 10.20). Ambos, porém, são igualmente escravizados, um pelo mau espírito, o outro por sua riqueza; ambos podem ser libertados somente pelo poder direto de Deus (9.29; 10.27); em ambos os casos os discípulos reconheceram sua própria incapacidade de fazer alguma coisa (9.28; 10.26). Mas um é libertado, o outro não. E o que faz a diferença entre eles é a fé e a oração do pai: "Eu creio, ajuda-me na minha falta de fé" (9.24). c. Justaposições criativas. A conexão entre estes dois "meninos" em capítulos adjacentes é também uma ilustração da "justaposição criativa". Marcos combina histórias, ou as apresenta lado a lado, sem fazer qualquer comentário explícito, mas permitindo que sejam interpretadas conjuntamente. Um exemplo é a combinação da purificação do templo e da maldição da figueira estéril em Marcos faz a narrativa juntando as histórias e entrelaçando-as uma técnica que ele emprega também em e Cada história completa a mensagem da outra. A "figueira" foi uma das várias árvores usadas com freqüência como imagem para Israel. A inspeção do templo em é seguida pelo exame da figueira em e por sua maldição como sendo estéril. Então, a maldição é seguida pelo que usualmente chamamos de "purificação" do templo, embora ela seja mais um ato de julgamento. Aquele a quem pertence a "casa" (11.17) examinou-a e a encontrou faltosa. No dia seguinte os discípulos notam que a figueira está seca. Um sinal agourento! E então Jesus lhes oferece um novo e radical ensino sobre a oração, que deixa totalmente de lado o templo, a "casa de oração para todas as nações"

26 26 HOMENS COM UMA MENSAGEM ( ). Não ficamos absolutamente surpresos quando, mais tarde naquele dia, Jesus prediz a total destruição do templo (13.2). Nenhuma das partes desta narrativa combinada teria o mesmo significado, se uma das partes não estivesse ali inserida. Exemplos desta técnica podem ser multiplicadas em outras partes do Evangelho de Marcos. 3. Marcos era um porta-voz persuasivo. O propósito de todo este escrito meticuloso era persuadir. Quem Marcos teria em mente? Os estudiosos não são concordantes. E possível que Marcos tivesse vários propósitos, tanto evangelísticos como pastorais. Sua meta global não é difícil de definir: ele desejava persuadir seus leitores a crer no "evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus" (1.1), e segui-lo. Ele, na verdade, deu a seu livro o título: "Princípio do evangelho de Jesus Cristo" (1.1). As opiniões diferem sobre o significado da palavra "princípio" aqui. Refere-se ela apenas à sua introdução (1.1-15), ou a todo o livro? Uma vez que esta é a frase de abertura, parece mais provável que Marcos esteja se referindo a todo o livro como "o princípio do evangelho". Portanto, ele considera que seus leitores já estão cientes da pregação do "evangelho" e da comunidade de crentes que já o aceitaram. Ele deseja dizer-lhes como tudo isto começou. Há outras indicações de que ele sabe que não está contando toda a história do "evangelho", e admite o conhecimento da história posterior entre seus leitores: A promessa de João Batista em 1.8 de que Jesus batizaria com o Espírito Santo não se cumpre dentro de seu Evangelho. De modo semelhante, a promessa de Jesus de transformar seus discípulos em "pescadores de homens" (1.17) não é cumprida em seu Evangelho. Tampouco o é sua promessa em de encontrá-los na Galiléia após a ressurreição (a menos que isto indique que o original de Marcos tivesse incluído a ressurreição). Ele enfatiza a centralidade vital da pregação e ensino no ministério de Jesus Cristo ("Para isso é que eu vim", 1.38), porém registra pouco mais do que resumos de seu conteúdo. Isto sugere que tanto ele como seus leitores sabiam que esses registros do ensino de Jesus estavam disponíveis em algum outro lugar. A apresentação dos discípulos realça a fraqueza destes, sua falta de compreensão, medo e infidelidade em tal extensão que parte de sua mensagem parece ser: pense apenas no que Jesus seria capaz de fazer mais tarde com este material humano tão pouco promissor, depois que o Espírito foi derramado! Esses discípulos particularmente Pedro tornaram-se grandes líderes da igreja. O próprio Marcos ministrou ao lado deles, e sabia por sua própria experiência que "para Deus ttido é possível" (10.27). A falha não é a última palavra. Este sentido de história contínua é claramente discernível bem no final, com o registro do medo e desobediência em Poderia "a boa nova" terminar desta forma? Tanto Marcos como seus leitores sabem que não. Longe disso! A estratégia de Marcos, pois, é mostrar "o princípio", as fundações, de sorte que os leitores possam compreender por que a mensagem de Jesus Cristo é a "boa nova", e que ela, em essência, significa segui-lo. Voltamos finalmente a um breve resumo de sua mensagem. A mensagem de Marcos

27 MARCOS E SUA MENSAGEM 25 Costa do mar da Galiléia. Depois da prisão de João Batista, Jesus foi para a Galiléia, e boa parte de seu ministério concentrou-se no lago e na cidade de Cafarnaum. Há muitos aspectos na mensagem de um livro tão brilhante. Contudo, podemos resumir seus principais elementos como segue: 1. O Reino de Deus Marcos resume a pregação de Deus como uma mensagem sobre o Reino de Deus: "Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: 'O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho.'" (Marcos 1.14,15). Aqui "evangelho" corresponde a "boa nova". Assim, Marcos liga o "evangelho" com a mensagem sobre a proximidade do Reino de Deus, anunciado por Jesus. Vamos considerar o significado de "Reino de Deus" no capítulo sobre Mateus, porque Mateus faz dele uma característica mais proeminente do ensino de Jesus do que Marcos. Enquanto Mateus se refere ao "Reino do céu" cinqüenta vezes, Marcos o menciona somente quinze vezes. "O Reino de Deus" projetava-se como um futuro brilhante para os judeus (compare com Marcos 15.43). Quando o Reino viesse, ele significaria o esmagamento dos inimigos de Deus e a confirmação de Israel como povo de Deus. Contra este pano de fundo, podemos resumir a mensagem de Marcos como segue: O Reino está perto, prestes a chegar (1.15)! Ele está perto porque Jesus veio (11.10; compare com ). O processo que ensejará seu pleno aparecimento já foi iniciado (4.26,30). Contra toda a expectativa presente, é difícil entrar no Reino (10.24). Esta entrada não é certamente automática. Uma ação drástica pode ser necessária (9.47). Na realidade, a entrada está aberta somente àqueles que deixaram tudo e seguiram Jesus (10.15,21). 2. A morte de Jesus Como observamos acima, a ênfase de Marcos sobre a morte de Jesus é uma das

28 28 HOMENS COM UMA MENSAGEM mais admiráveis características de seu Evangelho pioneiro. O que ele ensina a respeito dela? O Evangelho inicia com um conflito. O conflito entre Jesus e o sistema religioso vigente é apontado logo cedo, como em Marcos 1.22: "Maravilhavamse da sua doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas." Torna-se imediatamente claro que este tom de autoridade será olhado como blasfemo pelos fariseus (2.6,7). E quando Jesus alega sua independência e autoridade de associar-se com os "pecadores" ( ), e de reordenar as regras prescritas para o jejum ( ), a observância do sábado ( ), e a cura (3.1-5), o resultado é imediato e execrável: "Retirando-se os fariseus, conspiravam logo com os herodianos, contra ele, em como lhe tirariam a vida" (3.6). Ante a menção de colaboração entre fariseus e herodianos neste plano (os quais viviam geralmente brigando entre si), Marcos salienta a força da oposição a Jesus. O conflito é mais adiante realçado pelo incidente em , onde os "professores da lei" acusam Jesus de estar possuído do demônio, e Ele, em contrapartida, acusa-os de blasfemar contra o Espírito Santo. Com efeito, eles o estavam acusando de ser um falso profeta, para quem a penalidade era a morte (Deuteronômio ), ao passo que Ele os acusava de rebelião arrogante contra o Senhor, como aquela dos filhos de Eli, para a qual nenhuma expiação era possível (1 Samuel 2.25; 3.13,14). Indagamo-nos por quanto tempo uma resolução final pode ser retardada. Não obstante, de fato nenhuma tentativa houve para matar Jesus, uma vez que Ele estava na Galiléia. Marcos faz-nos saber que a oposição a Jesus vem de Jerusalém (3.22), e nos relembra isto novamente no capítulo 7, quando "os fariseus e alguns escribas, vindos de Jerusalém" (7.1) acusam Jesus de ensinar a impureza, e Ele replica que eles ensinam a desobediência (7.5-9). Com este conflito tramado nos bastidores, não nos surpreende a reação dos discípulos quando Jesus decide viajar a Jerusalém: eles "se admiravam e o seguiam tomados de apreensões" (10.32). Por esse tempo, contudo, surgem dois desdobramentos adicionais. Primeiramente, a oposição a Jesus se estende. Sua família pensa que Ele está louco (3.21). Os gerasenos pedem que Jesus se afaste deles (5.17). Sua própria cidade ficou escandalizada com seus atos (6.3). Até os discípulos estavam arriscados a ser contaminados com o "fermento dos fariseus" (8.15), e Pedro tenta fazer o trabalho de Satanás contra Jesus (8.33). A desgraça é que esta é uma "geração adúltera e pecadora" (8.38), e todos os que a ela pertencem inclusive os discípulos de Jesus se oporão a Ele finalmente. O segundo desdobramento ocorre repentina e inesperadamente quando Pedro, falando por todos os discípulos, declara que Jesus é "o Cristo" (8.29). Jesus imediatamente anuncia sua morte próxima: "Então começou ele a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que depois de três dias ressuscitasse" (8.31). Assim, o que os fariseus e herodianos estão tramando por suas próprias razões deve acontecer, porque "está escrito do Filho do homem que ele deva padecer muito e ser aviltado" (Almeida, ed. 1948). A ação transfere-se assim para Jerusalém com um espantoso sentido de inevitabilidade. Por razões inteiramente humanas e políticas, as autoridades querem matar Jesus, enquanto Ele caminha determinado em direção à sua

29 MARCOS E SUA MENSAGEM 27 armadilha por razões inteiramente celestiais e escriturísticas. Ele reitera a predição de seu sofrimento, morte e ressurreição iminentes em três momentos seguidos antes de chegar finalmente a Jerusalém (9.31; ; 10.45). O último destes pronunciamentos é particularmente significativo: "Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será servo de todos. Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" ( ). Somente aqui Marcos nos oferece a compreensão das Escrituras, nas quais estava escrito que o Cristo devia morrer. Nesta afirmação Jesus recorre à expressão de Isaías 53, e claramente se identifica como o "servo do Senhor", que carrega os pecados do povo de Deus enquanto é "desprezado e rejeitado" e conduzido a uma morte violenta (53.3ss). Definitivamente, o conflito com as autoridades alcança uma nova intensidade quando Jesus começa a ministrar em Jerusalém (capítulos lie 12). Mas a história tem uma nova e dramática reviravolta quando Jesus repentinamente anuncia que sua morte não será causada apenas pela oposição das autoridades religiosas: um dos Doze vai traí-lo. A identidade do traidor não é revelada, e todos os discípulos professam total lealdade. Contudo, no final, não há muita diferença entre Judas, que o abandonou e aliou-se à oposição, e os demais, que o abandonaram e fugiram. E assim, no final das contas, não há muita diferença entre os discípulos que consentem em sua morte, e seus francos opositores que a engendram. A questão é que todos, quer discípulos ou inimigos, estão igualmente necessitados de que alguém morra por eles, que dê "sua vida em resgate de muitos" para o perdão dos pecados. Para Marcos é primacialmente sua morte que valida a alegação de que Jesus é "o Cristo, o Filho de Deus" (1.1). Logo após sua morte, o centurião postado junto à cruz se convence da verdade: "Verdadeiramente este homem era Filho de Deus" (15.39). 3. O custo do discipulado Já tivemos a oportunidade de considerar o interesse de Marcos nas dificuldades e desafios do discipulado, bem como sua simpatia ante as fraquezas dos primeiros apóstolos. Esta simpatia, porém, não o leva a diminuir a exigência imposta aos discípulos de Jesus. Isto pode ter sido uma tentação para ele, naqueles dias iniciais quando ele fugiu da Panfília e voltou a Jerusalém. A fé cristã exige realmente tal sacrifício? Mas, ao tempo em que escreveu seu Evangelho, Marcos teve de enfrentar e superar seu medo; e, talvez como resultado de sua batalha, ele apresenta mais agudamente do que outros evangelistas o alto custo requerido dos seguidores de Jesus: "Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: 'Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser, pois, salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho, salvá-la-á'" (8.34,35). Jesus faz esta convocação logo depois de anunciar sua própria morte pela primeira vez. Seus discípulos devem seguir o mesmo caminho, levando sua cruz, prontos para perder suas vidas por Ele e pelo evangelho. O título da autobiografia de Frank Chikane, o Secretário Geral da Concílio Africano de Igrejas, será também o lema de suas vidas: Minha Vida Não Me Pertence! O significado desta auto-renúncia é explanado mais claramente em Marcos

30 30 HOMENS COM UMA MENSAGEM 10.17ss. O jovem rico é desafiado: "Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; então vem, e segue-me" (10.21). Ele, porém, relutou. Pedro afirma: "Eis que nós tudo deixamos e te seguimos" (10.28), e então ouve a promessa de Jesus de que "ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, [e] com [eles] perseguições; e no mundo por vir a vida eterna" (10.29,30). Os discípulos viviam numa cultura em que as raízes do lar e da família eram muito importantes. Na verdade, os judeus acreditavam que a terra de sua família fora dada a eles por Deus, e assim, basicamente, não deveria ser doada ou vendida. Apesar disso, Jesus os convida a dar as costas a tudo por sua causa. É verdade que Ele promete que eles receberão outro tanto de volta. Porém o que eles receberão não é o mesmo que eles abandonam. Eles abandonam suas famílias humanas, e recebem a família de Deus (3.34,35). E também sofrerão "perseguições", porque estarão desafiando uma "geração adúltera e pecadora", e isto lhes acrescenta mais do que as coisas a que renunciam. Nem todo cristão é instado a deixar lar e família por causa de Jesus. Porém Marcos foi. Ele teve de deixar a segurança e riqueza do lar de sua família em Jerusalém e viajar, primeiro com Barnabé a Chipre, e depois disso não sabemos aonde, exceto que incluía a Ásia Menor, e terminou em Roma com Pedro e Paulo. Ele se tornou um "pescador de homens" ao lado eles, estendendo as mãos, como seu Senhor, aos necessitados e perdidos, esquecido de si mesmo, renunciando a todas as coisas para que possa receber muito mais. E ele também atrai pessoas a Cristo, através de seu soberbo Evangelho, que fala tão vividamente hoje como falou a Mateus e Lucas quando eles estavam buscando inspiração para seu próprio trabalho. Leitura adicional Menos exigente: Donald English, The Message of Mark. The Mystery of Faith (série The Bible Speaks Today) (Leicester: IVP, 1992) R. T. France, Divine Government. God's Kingship in the Gospel of Mark (Londres: SPCK, 1990) Mais exigente, obras eruditas: Ernest Best, Mark. The Gospel as Story (Edimburgo: T. & T. Clark, 1983) Adela Yarbro Collins, The Beginning of the Gospel. Probings of Mark in Context (Minneapolis: Fortress, 1992) Morna D. Hooker, The Message of Mark (Londres: Epworth Press, 1983) Jack D. Kingsbury, Conflict in Mark. Jesus, Authorities, Disciples (Minneapolis: Fortress, 1989)

31 Mateus e sua Mensagem Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo. (Mateus 4.23) Se o de Marcos é o Evangelho de Cristo, o Servo Sofredor, e o de Lucas o Evangelho de Cristo, o Salvador universal, o de Mateus é o Evangelho de Cristo, o Rei que governa. O "Reino do céu" é o grande tema do Evangelho de Mateus, mas para Mateus sua importância repousa na identidade de Jesus. Jesus é o Rei, que, por seu nascimento, por seu batismo, pela escolha e ensino dos discípulos, por suas obras de poder e misericórdia, e supremamente por sua morte e ressurreição, fez do Reino do céu tanto uma experiência presente para ser desfrutada como uma esperança futura para ser esperada. (Mateus segue o costume judaico de referir-se ao "Reino do céu" e não ao "Reino de Deus".) Durante séculos os cristão acreditaram que o Evangelho de Mateus tinha sido o primeiro a ser escrito, e, por conseguinte, o mais importante dos quatro. Porém nos últimos 150 anos este ponto de vista tem sido amplamente abandonado, e muitos estudiosos não todos hoje consideram o de Marcos como o primeiro Evangelho escrito. O argumento que provocou esta mudança de perspectiva pode ser facilmente exposto. Dos 662 versículos de Marcos, cerca de 600 aparecem também em Mateus. Faz pouco sentido imaginar que Marcos copiou 600 versos de Mateus, acrescentando apenas alguns outros poucos, publicando-o como um Evangelho separado. E mais plausível admitir que Mateus usou Marcos como base de uma produção de maior vulto. Seguindo basicamente o modelo de Marcos, Mateus suplementa-o com material adicional que torna seu Evangelho quase duas vezes mais extenso que o de Marcos (1069 versículos no total). Em virtude do seu íntimo relacionamento com Marcos, pode-se identificar alguns dos temas mais sensíveis ao coração de Mateus, que certamente dedicou especial atenção ao material escolhido, sobre o qual acrescenta seu relato. Quem era Mateus? Como Marcos, ele mantém silêncio sobre sua própria identidade. Ele era claramente um professor talentoso, que almejou comunicar o ensino de Jesus e incentivar a obediência a ele. Isto, porém, significava concentrar sua atenção em Jesus e evitá-la para si mesmo. Sobre isto ele registra as próprias palavras

32 30 HOMENS COM UMA MENSAGEM de Jesus: "Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo. Porém o maior dentre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado" ( ). Este foi o modelo adotado por Mateus, pois não há nenhuma indicação de autoria dentro do seu Evangelho. Desde o início, contudo, o título "Segundo Mateus" foi vinculado ao seu Evangelho por outros. E precisamente porque Mateus é uma figura tão obscura entre os apóstolos, é difícil saber por que seu nome foi usado, a menos que houvesse alguma sólida razão para a tradição. O primeiro testemunho escrito vem de Papias, bispo de Hierápolis, cuja "Explanação das Palavras do Senhor" foi publicada por volta de 130 d.c. Por muito tempo ele confundiu os estudiosos com seu comentário: "Mateus organizou [ou 'colecionou'] as palavras do Senhor em dialeto [ou 'estilo'] hebraico, e cada qual as interpretou da melhor maneira que pôde." De fato, parece improvável que o Evangelho de Mateus tenha sido originalmente escrito em hebraico; ele não contém nenhuma das marcas típicas que possam sugerir isto. Entretanto, apesar do testemunho confuso de Papias, ele firmemente considera Mateus o autor deste Evangelho. Alguns estudiosos, contudo, rejeitaram este antigo testemunho, principalmente em razão de Mateus, que foi um dos apóstolos, dificilmente ter de depender tão amplamente do Evangelho de Marcos, que não era apóstolo. Esta objeção, porém, a. não leva em conta a extensa capacidade literária de Marcos ao criar aforma do Evangelho, b. não admite a real possibilidade de que Mateus quis endossar o trabalho de Marcos, que foi baseado na pregação de Pedro, e c. subestimar em que extensão o Evangelho de Mateus é muito diferente do de Marcos. Ele não é de modo algum apenas uma expansão ou suplemento do Evangelho de Marcos, mas conta a história no feitio bem distinto de Mateus. O que sabemos sobre Mateus? Podemos traçar quaisquer aspectos sob os quais ele foi preparado por Deus para ser o autor deste Evangelho? Dispomos de pouco conhecimento seguro a respeito dele, mas podemos reunir mais do que parece à primeira vista quando lemos seu Evangelho à luz do que sabemos. 1. Mateus era judeu. "Mateus" é um nome hebraico. Vários de seus companheiros apóstolos tinham tanto nome hebraico como grego, significando suas duplas raízes culturais. Porém o outro nome de Mateus também era hebraico. Ele é chamado "Levi" por Marcos e Lucas em suas narrativas da escolha dos apóstolos por Jesus (Marcos 2.14; Lucas ). Seu profundo interesse pelo Velho Testamento é evidente em seu Evangelho, como podemos constatar. Um dos seus propósitos ao escrever foi indubitavelmente persuadir seus compatriotas judeus a crerem que Jesus é "o Cristo, o Filho do Deus vivo" (16.16). Mas antes em sua vida Mateus foi um judeu incomum. Porque 2. Mateus era um cobrador de impostos. Isto é revelado numa passagem em que ele figura em seu Evangelho. "Partindo Jesus dali, viu um homem, chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: 'Segue-me!' Ele se levantou e o seguiu" (Mateus 9.9). Por meio de Marcos e Lucas ficamos sabendo que foi Mateus quem ofereceu um banquete, no qual

33 MATEUS E SUA MENSAGEM 31 Acréscimos de Mateus ao Evangelho de Marcos Mateus parece ter suplementado Marcos deliberadamente nos seguintes principais episódios: * Enquanto Marcos se refere de passagem ao ambiente da família de Jesus (6.3), Mateus começa a história com o nascimento de Jesus, dedicando dois capítulos inteiros ao evento. * Enquanto Marcos se refere muito brevemente e misteriosamente às tentações de Jesus (1.12,13), Mateus narra toda a história (4.1-11). * Marcos menciona freqüentemente que Jesus ensinava as multidões reunidas em torno dele (ex.: 1.21; 2.13; 4.1; 6.6; 6.34), porém registra surpreendentemente pouca coisa do conteúdo de seu ensino. Mateus supre esta falta incluindo cinco grandes sermões de Jesus, possivelmente coleções dos ditos de Jesus cuidadosamente compilados ou por Mateus ou numa data anterior: , o "Sermão do Monte" , instruções para a missão dos Doze , parábolas do Reino , instruções sobre a vida da igreja , o julgamento futuro e a salvação * A narrativa de Marcos sobre a ressurreição é muito breve e não inclui nenhuma aparição de Jesus ressurreto. Mateus continua a história até ao ponto em que os discípulos encontram Jesus na Galiléia (predito em Marcos 14.28, mas não registrado ali), e envia-os à sua futura missão (Mateus ). Além disso, há numerosos pequenos acréscimos, alguns dos quais comentaremos no curso deste capítulo. Nem todos os estudiosos aceitam que Mateus deliberadamente suplementou Marcos. Recentemente, um estudioso evangélico, John Wenham, publicou uma pesada defesa do ponto de vista de que Mateus escreveu antes de Marcos (veja "Leitura adicional" no final deste capítulo). Jesus e seus discípulos encontraram "muitos publicanos e pecadores" (9.10) antes companheiros de Mateus. Ele chama a si mesmo "Mateus, o publicano" na lista dos apóstolos, em Mateus O que significava ser um cobrador de impostos naquele tempo? O Império Romano tinha elaborado sistemas de cobrança de impostos, que variavam de um lugar para outro. Naqueles dias vários sistemas operavam na Palestina; a Judéia, ao sul, era diretamente governada por Roma, e isso significava que o governador romano e seus servidores civis eram responsáveis pela coleta de todos os impostos principais. Dois destes se destacavam, o imposto por cabeça arrecadado de todos os adultos e o imposto sobre a terra. Entretanto, os direitos para coletar alguns impostos menores taxas aduaneiras devidas nos portos e nas principais estradas eram arrematados pelos maiores licitantes. Zaqueu havia adquirido o direito de coletar esses impostos em Jericó (Lucas ). Ele era chamado "maioral dos publicanos" e "rico" (19.2). Podemos imaginar que ele comandava uma organização de bom porte para cobrir toda a área de Jericó, por onde passavam muitas mercadorias. A Galiléia, ao norte, era governada por Herodes Antipas, sob a autoridade direta de Roma. Aqui, Herodes era responsável pela cobrança dos impostos e pela remessa anual a Roma de uma soma global fixa. Não sabemos se ele cobrava os mesmos tipos de impostos dos romanos da Judéia, mas é claro que usava uma grande força de trabalho para efetuar a coleta. "Muitos" publicanos se reuniram na casa de Mateus para encontrar-se com Jesus, e podemos imaginar que somente os da vizinhança imediata de Cafarnaum teriam comparecido. Não sabemos se Herodes empregou todos os seus cobradores de impostos diretamente como servidores civis, ou se, como os romanos, leiloou os direitos para a cobrança. Uma rápida referência de Mateus "aos que serviam" Herodes, em 14.2 (somente em Mateus), pode sugerir que ele tenha sido diretamente empregado pelo rei: teria ele ouvido de um de seus antigos colegas o que Herodes estava dizendo a respeito de Jesus?

34 34 HOMENS COM UMA MENSAGEM Mas, quer como empregados ou como avulsos, os cobradores de impostos eram sumamente impopulares e vistos como traidores da causa judaica. Muitos deles usavam sua posição para levantar dinheiro extra para si mesmos (naturalmente, era este um dos principais motivos para comprar os direitos de cobrança). Porém, mesmo que não o fizessem, eram vistos como colaboradores dos romanos que ocupavam o poder, ou de Herodes, que somente governava com permissão de Roma e não era judeu. Os judeus somente assumiriam tal emprego se amassem mais o dinheiro do que sua herança nacional como judeus. Os rabinos ensinavam que era perfeitamente admissível enganar um cobrador de impostos. Eles colocavam a "cobrança de impostos" ao lado da prostituição entre as ocupações que nenhum judeu cumpridor da lei podia aceitar uma vez que isso significava o mesmo que tratar com gentios e trabalhar aos sábados mantendo-se totalmente separado da ganância e da injustiça. Assim, pois, os publicanos formavam uma classe à parte, banida, afastada da sociedade judaica. Sua presença nas sinagogas seria inaceitável. Assim, em sua maioria, os publicanos, por estas várias razões, tinham pouco interesse na Lei e na adoração do Deus de Israel. Eles punham seus corações nas riquezas terrenas, não nas espirituais. De tudo isto podemos formar um quadro muito claro de Mateus antes de seu encontro com Jesus. Mas a habitual negligência dos cobradores de impostos de tradição judaica dificilmente se enquadra no Evangelho de Mateus, que é abundante em citações do Velho Testamento e repeito pela Lei. Como Mateus conseguiu desenvolver isto? 3. Mateus experimentou uma conversão revolucionária. O encontro de Mateus com Jesus transformou sua vida. Em alguns casos, seus companheiros de apostolado continuaram praticando suas profissões depois de se tornarem discípulos de Jesus. Pedro manteve sua casa em Cafarnaum, e provavelmente continuou em seu negócio de pescaria (compare com João 21.3). Porém Mateus deixou definitivamente seu emprego de cobrador de impostos. Concluímos isto com base em dois pontos de evidência. Primeiro, com ele no grupo dos doze apóstolos estava "Simão o Zelote" (Mateus 10.4) um exmembro do movimento revolucionário que se opunha à submissão a Roma com violência. Antes de se encontrarem com Jesus, Simão teria visto Mateus com profundo ódio como um colaborador traiçoeiro. Mateus intencionalmente menciona tanto sua profissão como a de Simão em sua lista de apóstolos, em , com o propósito de sublinhar a reconciliação de ambos. Eles não poderiam estar juntos no apostolado, se os dois não tivessem abandonado suas vidas anteriores para seguir Jesus. Segundo, unicamente Mateus se refere ao ensino direto de Jesus sobre o pagamento de imposto ( ). Apenas ele registra este incidente, em que Jesus paga o imposto para o templo (um encargo de todos os judeus adultos para manter o templo e seus serviços), mandando Pedro procurar uma moeda na boca de um peixe. A interpretação desta passagem é controvertida, porém o mais provável é que Jesus está declarando a isenção fundamental, tanto dele próprio como de seus seguidores, em relação a quaisquer impostos obrigatórios. Eles são os filhos de Deus, que é o Rei de toda a terra. Por isso, eles estão "livres" de tal sujeição. Não obstante, Deus provê o meio para o pagamento de tais impostos, apenas para evitar um insulto desnecessário à sociedade.

35 MATEUS E SUA MENSAGEM 33 Podemos suspeitar que Mateus incluiu esta história porque ela significava muito para ele. Ele foi libertado da imposição de todo aquele sistema na realidade, libertado de servir a Mamom, o deus do dinheiro (6.24). Vamos considerar a seguir como a conversão de Mateus pode tê-lo afetado, bem como ao Evangelho que ele escreveu. Mas vale a pena perguntar também a respeito dessa conversão em si: Por que ele estava tão disposto a abandonar seu negócio naquele dia, quando ouviu apenas duas palavras de Jesus: "Segueme"? A resposta pode estar em outra figura que desempenha um papel preponderante em seu Evangelho: Mateus, como Pedro, vivia em Cafarnaum. Excavações realizadas na cidade descobriram o lugar que foi conhecido nos tempos antigos como a casa de Pedro, onde Jesus deve ter estado (Mateus 8.14). 4. E provável que Mateus tenha sido profundamente influenciado por João Batista. Esta possibilidade é especulativa, mas a evidência aponta nesta direção. Somente Mateus inclui em seu Evangelho a parábola dos dois filhos, em Nela, o primeiro filho, que se recusa a trabalhar na vinha de seu pai, mas depois se arrepende e vai, é identificado como "publicanos e meretrizes", que aceitaram a pregação de João Batista. Eles estão agora "entrando no reino de Deus à frente dos" líderes religiosos, que "não se arrependeram nem creram" em João." A vinha" no Velho Testamento é uma figura de Israel, o povo de Deus (p.ex.: Isaías 5.1-7). Reflete isto a própria experiência de Mateus? Estava ele entre os cobradores de impostos que, conforme Lucas, se apresentaram para ser batizados por João? Quando eles perguntaram a João como deveriam mostrar seu arrependimento, ele lhes disse: "Não cobreis mais do que o estipulado" (Lucas 3.13). O arrependimento para Mateus podia ter sido mais profundo do que apenas cortar o que cobrava a mais. Esta era talvez o ponto em que ele se tornou mais sério com respeito à Lei, convencido por João de sua desconsideração por ela, pronto para estudá-la e obedecer a ela de uma nova forma na realidade, pronto

36 36 HOMENS COM UMA MENSAGEM para entrar na vinha, arrependido de sua desobediência. Ele teria ainda ouvido o testemunho de João sobre Jesus: "Aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar" (Mateus 3.11), e teria sido encaminhado por ele. Mateus ouviu Jesus pregar quando Ele "percorria toda a Galiléia" (4.23) repetindo a mensagem de João: "Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus" (4.17; compare com 3.2). Gradualmente ele foi sendo preparado para alcançar um degrau posterior, de João Batista a Jesus. Assim, parece provável que a conversão de Mateus passou por dois estágios, primeiro o da Lei, induzido por João Batista, e depois o de Cristo, movido pela convocação de duas palavras. De repente Mateus se decidiu a abandonar tudo e seguir Jesus. Em poucas semanas ele se viu incluído numa missão com seus companheiros discípulos, avisado de que não fizesse nenhuma provisão para a viagem, nenhuma proteção contra o perigo, nem prévio arranjo para hospedagem (Mateus ). Mateus enfatiza muito mais do que Marcos e Lucas o autosacrifício e desamparo que Jesus exigiu de seus discípulos naquela missão. Isto deve ter sido extremamente difícil para Mateus e deve ter evidenciado para ele a enorme mudança que teve lugar em sua vida. Da riqueza para a pobreza deliberada, da autodeterminação para o discipulado, da segurança para a vida perigosa da fé, e, acima de tudo, do eu para Cristo esta foi a conversão de Mateus. Podemos nós perceber outros aspectos sob os quais esta conversão influenciou tanto Mateus como seu Evangelho? O novo Mateus Três características importantes do Evangelho de Mateus podem ser delineadas a partir da sua experiência de conversão. 1. Ele aprendeu o que é misericórdia e perdão. Estas duas virtudes são temas importantes de seu Evangelho. Mateus usa o termo "dívidas", e não "pecados" na versão da Oração do Senhor que registra: "Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores" (Mateus 6.12; compare com Lucas 11.4). Como cobrador de impostos, ele nunca perdoara dívidas e como poderia? Mas chegou a reconhecer a enorme dívida não paga que tinha para com Deus, a dívida do amor e da obediência. Apenas Mateus registra a parábola do credor incompassivo (Mateus ). Em sua vida pregressa ele deve ter exercido com freqüência o papel do servo: "Agarrando-o, o sufocava, dizendo: 'Paga-me o que me deves'" (18.28). Mateus talvez nunca tenha agido tão violentamente, mas devia estar acostumado a pressionar as pessoas a pagarem, mesmo quando elas não tinham condições de fazê-lo. Agora, entretanto, ele aprendeu a lição dessa parábola. De muito maior importância é a dívida para com Deus, e nós devemos mais, muito além do que jamais poderíamos pagar. Se aceitamos o perdão que Ele nos oferece como dádiva, podemos recusar-nos a perdoar os outros? De igual modo, somente Mateus registra a parábola dos trabalhadores na vinha ( ). Indubitavelmente, ele deve ter ouvido muitas vezes tais queixas de parcialidade, e talvez ele próprio tenha tratado pessoas injustamente. Agora, porém, o paradoxo o impressiona profundamente: injustamente, com

37 MATEUS E SUA MENSAGEM 35 parcialidade, ele recebeu a benevolência de Deus, que não exige injustamente, mas injustamente concede muito mais do que merecemos (20.15). Deve ter havido uma profusão de perdões dados e recebidos entre os apóstolos quando juntamente se instalaram em sua nova vida como discípulos de Jesus. Mateus veio de Cafarnaum, como Pedro e André, e Tiago e João. Ele era o "seu" cobrador de impostos ou, de qualquer forma, conhecido deles como tal. Pode ter havido velhas discussões por acertar, pecados a confessar, injustiças a reparar. Certamente Mateus e Simão o Zelote tinham muito de que se arrepender mutuamente. Um versículo parece ter significado muito para Mateus em conexão com tudo isto. Duas vezes ele registra a citação feita por Jesus de Oséias 6.6: "Misericórdia quero, e não sacrifício." Nenhum dos outros evangelistas menciona o uso que Jesus fez deste versículo. Na primeira ocasião, Mateus relata como Jesus citou este versículo em sua própria casa, durante o banquete que ofereceu aos seus antigos colegas cobradores, logo depois de ter-se tornado discípulo. Alguns fariseus locais expressaram claramente sua desaprovação ao evento perguntando a outros discípulos de Jesus: "Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores?" (9.11). Mateus descobriu que os fariseus não gostavam de Jesus tanto quanto não gostavam dele. A réplica de Jesus penetrou claramente em sua memória: "Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: 'Misericórdia quero, e não sacrifício'; pois não vim chamar justos, e sim pecadores [ao arrependimento]" (9.12,13). Ele tinha recebido esta misericórdia de Jesus não apenas porque Jesus estava desejoso de associar-se com ele, mas muito mais porque, por meio de Jesus, ele ficou sabendo que sua enorme e inestimável dívida tinha sido paga. Os anos que ele viveu em desobediência e ganância tinham sido perdoados. Mateus registra o uso posterior de Oséias 6.6 por Jesus, quando Ele estava sendo criticado pelos fariseus por permitir que seus discípulos colhessem espigas de milho no sábado (12.1,2). Após relacionar alguns exemplos similares de quebra do sábado (12.3-6), Jesus conclui: "Se vós soubésseis o que significa: 'Misericórdia quero, e não sacrifício', não teríeis condenado a inocentes. Porque o Filho do homem é senhor do sábado" (12.7,8). A misericórdia que Mateus tinha com freqüência negado como cobrador de impostos ocupa agora o centro do palco em sua vida. Mas posteriormente ele aprendeu que Jesus é aquele que decide o que é misericórdia e como ela será mostrada na realidade, como textos como Oséias 6.6 devem ser interpretados. Jesus o "Filho do homem" é o Senhor que decide tais coisas. Jesus, como o intérprete da Escritura, é o tema central no Evangelho de Mateus, como veremos. 2. Ele desenvolveu uma nova visão do Rei. Não sabemos se Mateus, o cobrador de impostos, tinha sido alguma vez um "herodiano" entusiasta "herodiano" era o nome dado ao partido monarquista que apoiava a dinastia de Herodes (compare com Mateus 22.16; Marcos 3.6). Mas, se ele chegou a ser, sua conversão assinalou uma dramática mudança também aqui. Mateus, o evangelista, não tinha a mínima confiança em autoridade política. Na verdade, era bem o contrário. Ele registra o dissabor de Jesus a respeito de Israel mais enfaticamente do que os outros evangelistas: "Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor" (9.36). O governo de Herodes deixou o povo

38 38 HOMENS COM UMA MENSAGEM efetivamente desamparado, aflito e perdido. Mas Deus agiu para salvar seu povo. Mateus apresenta Jesus, em contraste com Herodes, como o verdadeiro Rei de Israel. Logo no início, ele dá a Herodes seu título completo, "rei Herodes", quando ele introduz "o recém-nascido Rei dos judeus" (2.1,2). Herodes percebe a ameaça à sua posição e faz o máximo que pode para matar esse Rei rival ( ). Mas fracassa e fracassa também em adiar sua própria e próxima morte, que Mateus registra talvez com uma ponta de sarcasmo (2.19). Os estudiosos têm comentado fartamente a proeminência do tema da realeza em Mateus. Sua importância é assinalada logo no primeiro versículo de Mateus, que dá seu próprio título ao Evangelho: "Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão" (1.1). Davi e Abraão são destacados como principais ancestrais de Jesus. A genealogia que se segue em Mateus é então cuidadosamente construída para colocar ênfase sobre Jesus como o Rei prometido: "De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze; desde Davi até ao desterro para a Babilônia, catorze; e desde o desterro da Babilônia até Cristo, catorze" (1.17). Jesus é "o Filho de Davi" que revive a linha de reis quebrada 600 anos antes, quando os babilônios devastaram Jerusalém. Ele cumpre todas as promessas feitas por meio dos profetas de que um grande "Davi" viria para governar não apenas Israel, mas o mundo inteiro. Depois disto, "Filho de Davi" tornou-se o nome padrão usado pelos rabinos para referir-se ao Messias (compare com Mateus 22.42). Este é também um dos títulos favoritos de Mateus para Jesus. Ele registra seu uso em dez ocasiões (ao passo que Marcos e Lucas apenas somam sete entre si). Ele tem uma ligação reiterada com atos de misericórdia para com os enfermos e pobres (veja os exemplos no quadro a seguir), pois este era um dos papéis principais do rei no Velho Testamento: cabia-lhe defender o fraco e o desamparado. Portanto, o que o "rei" Herodes deixou de fazer, Jesus cumpre perfeitamente. Herodes, de fato, nunca reivindicou ser "filho de Davi". Ele não podia fazê-lo, porque era um idumeu, não um judeu, devendo seu trono inteiramente aos romanos, e por esta razão muitos judeus contestavam seu título e rejeitavam seu governo. Mateus deixou de prestar serviços a um embusteiro falso e inútil para servir ao verdadeiro Rei de Israel. Este "verdadeiro Rei de Israel" governou muito além do minúsculo reino de Herodes. Era parte da expectativa do Velho Testamento que o "Davi" que viria seria um Rei universal. Aqui o cenário do cobrador de impostos pode até haver ajudado um pouco, pois ele teria roçado os ombros com muitos não-judeus, e pode, portanto, ter sido mais fácil para ele do que para os outros aceitar que os gentios seriam levados a desfrutar o governo deste Rei. Repassaremos o tema da "Realeza" em Mateus com mais pormenores mais adiante, quando voltarmos às principais características de sua mensagem. 3. Ele descobriu um novo dom de ensinar. Como vimos acima, é altamente improvável que Mateus, o cobrador de impostos, tivesse tido qualquer oportunidade de estudar a Lei em qualquer profundidade, quanto mais ensiná-la. E, no entanto, seu Evangelho é nitidamente o produto de alguém tanto afeiçoado à Lei como dotado para o ensino. Devemos concluir, pois, que Mateus descobriu um dom do qual não tinha estado consciente

39 MATEUS E SUA MENSAGEM 37 "Filho de Davi" Entre os profetas do Velho Testamento a expectativa se desenvolveu gradualmente no sentido de que Deus traria um poderoso "Davi", cujo governo seria muito maior do que o de qualquer "filho de Davi" precedente. Esta profecia é encontrada mesmo quando ainda havia descendentes de Davi reinando em Jerusalém (Isaías ; 16.5; Oséias 3.5), porém desenvolvida naturalmente com mais vigor quando a linhagem davídica foi encerrada em 587 a.c. pelos babilônios: veja Jeremias 23.5; 30.9; ; Ezequiel 34.23,24; 37.24,25; Zacarias O Salmo 2 expressa a visão que sustenta estas profecias. Ali o Rei é chamado "o ungido" de Deus isto é, seu "Cristo". E o Rei fala: "Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: 'Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.' Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerás, e as despedaçarás como um vaso de oleiro" (Salmo 2.7-9). Este salmo é citado com freqüência para referir-se a Jesus no Novo Testamento, e Mateus o reflete na chamada Grande Comissão, com a qual seu Evangelho termina: "Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: 'Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações...'" (28.18,19). Jesus é chamado "Filho de Davi" em dez ocasiões no Evangelho de Mateus (1.1,20; 9.27; 12.23; 15.22; 20.30,31; 21.9,15; 22.42). Em nove delas, o nome é associado ao ministério de Jesus na cura e na atenção aos rejeitados, geralmente usadas num apelo a Ele: * 9.27, os dois homens cegos: "Tem compaixão de nós, Filho de Davi!" * 15.22, a mulher cananéia: "Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoninhada." * 20.30, dois outros homens cegos: "Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de nós!" um apelo que repetiram quando "a multidão" tentava silenciá-los (20.31). O cenário disto é o entendimento que havia da realeza no Velho Testamento, a qual fez do socorro aos fracos um dos papéis principais do Rei. Por exemplo: * Concede ao Rei, ó Deus, os teus juízos, e a tua justiça ao Filho do Rei. Julgue ele com justiça o teu povo, e os teus aflitos com eqüidade... Julgue ele os aflitos do povo, salve os fdhos dos necessitados, e esmague o opressor" (Salmo ). quando sua vida estava voltada à busca do dinheiro. Qual é a evidência para a capacidade de ensinar de Mateus? Podemos indicar quatro características do seu Evangelho: a. Sua narrativa estruturada. Notamos já a ênfase dada por Mateus ao ensino de Jesus, que é apresentado em cinco grandes sermões. Estes tendem a tratar de diferentes temas (veja as características no quadro da página 31). Mateus ou outros podem tê-los compilado colocando juntos ditos a respeito de temas correlatos, ou podem eles ter-se baseado em falas apresentadas realmente por Jesus. Como um publicano altamente instruído, Mateus podia ter tomado notas à medida que escutava Jesus. De qualquer modo, podemos facilmente imaginar a utilidade de tais compilações como meio de ensinar aos neoconversos os fundamentos da vida e da fé cristãs. b. Seu uso do Velho Testamento. Mateus trai a inclinação do professor ao evidenciar a conexão entre profecias e seu cumprimento em Jesus. Em não menos do que onze ocasiões ele associa um evento a uma profecia com uma afirmação como: "Isto aconteceu para se cumprir o que foi dito por interm é dio

40 40 HOMENS COM UMA MENSAGEM do profeta..." (21.4). Se a sugestão acima é correta de que ele primeiro descobriu a Lei por meio de João Batista, e depois o Evangelho por meio de Jesus então ela nos ajudaria a compreender sua nova e invulgar perspectiva a respeito da Lei. Ele a interpreta de uma forma ímpar, olhando-a através das lentes da fé e do discipulado cristãos. Novamente, examinaremos isto com mais detalhes abaixo. c. Sua preocupação acerca dos fariseus. Este é o correlativo do último ponto. Mais do que qualquer outro escritor do Evangelho, Mateus é crítico em relação aos fariseus e seu ensino. "Hostil" é a palavra usada por muitos estudiosos ao considerar passagens como Mateus 23.27,28: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos, e de toda imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade." Os outros escritores do Evangelho hesitaram em incluir a série de "Ais" dirigidos aos fariseus, como ocorre nesta passagem ( ). Porém Mateus não hesita. Entretanto, ele não inclui tais expressões para hostilizá-los, e sim pela preocupação diante do efeito terrível do ensino farisaico. "Na cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem. Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens, entretanto eles mesmos nem com o dedo querem movê-los" (23.2-4). "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois, vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando" (23.13). Os fariseus eram os legítimos mestres, mas sua mensagem era inanimada e aborrecível a todos os que a seguiam. Mateus aspirava substituir o ensino deles pelo seu. d. Seu estilo narrativo. Embora o Evangelho de Mateus seja muito mais longo que o de Marcos, ele geralmente conta as mesmas histórias com muito maior brevidade. Enquanto Marcos inclui muitos detalhes pessoais, Mateus limita a narrativa apenas aos pontos essenciais, porém em seguida freqüentemente expande o "ensino" extraído da história. Por exemplo, Marcos conta a história do menino possuído do demônio em 286 palavras, até o ponto em que os discípulos perguntam a Jesus: "Por que não pudemos nós expulsá-lo?" (Marcos ). Aresposta de Jesus a esta pergunta em Marcos é simplesmente: "Esta casta não pode sair senão por meio de oração" (9.29). Mateus, ao contrário, usa somente 117 palavras para contar a história até o mesmo ponto ( ), porém então registra a resposta de Jesus com bem mais amplitude: "Por causa da pequenez da vossa fé. Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível" (17.20). Em todos estes aspectos Mateus expressa sua paixão pelo ensino e discipulado. Ele estava trabalhando para obedecer ao mandamento de Jesus, que ele mesmo registra, de "fazer discípulos de todas as nações" (28.19). Talvez ele pensasse de si mesmo como sendo o "escriba [professor da lei] versado no reino dos

41 MATEUS E SUA MENSAGEM 39 céus", em (novamente, esta pequena parábola aparece somente em Mateus). Ele é "semelhante a um pai de família que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas". Mateus recorre aos tesouros do Velho Testamento para expor a fascinante riqueza de Jesus, que é a "pérola de grande valor" pela qual ele "vendeu tudo o que possuía" (13.45,46). A mensagem de Mateus Qual era, pois, a mensagem que ardia no coração de Mateus quando ele escreveu seu Evangelho? a mensagem que sua experiência com Jesus o havia preparado para proclamar? Podemos resumi-la em cinco tópicos: 1. Jesus é o cumprimento do Velho Testamento. Esta característica da apresentação de Jesus por Mateus está na base de todas as outras. Por todo o seu Evangelho, o que Deus está fazendo em e através de Jesus é explanado e interpretado com referência às Escrituras. Mateus pressupõe que seus leitores estão familiarizados com o Velho Testamento e capacitados a tirar conclusões das citações com as quais ele tempera a história. Por exemplo, Mateus segue Marcos ao relatar as curas realizadas por Jesus ao entardecer (Marcos ), porém então introduz uma citação: "Chegada a tarde, trouxeram-lhe muitos endemoninhados; e ele meramente com a palavra expeliu os espíritos, e curou todos os que estavam doentes; para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: 'Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças" (Mateus 8.16,17). Espera-se que os leitores de Mateus conheçam onde em Isaías está contida esta citação. E parte da descrição do "Servo do Senhor" em Isaías 53, o qual toma sobre si não somente as enfermidades do povo de Deus, mas também seus pecados, e que morre em favor dele. Por meio desta breve citação Mateus diz a seus leitores que Jesus é a figura predita por Isaías uma importante e dramática proclamação. Em , Mateus cita extensamente parte de um dos "Cânticos do Servo", em Isaías (Isaías ), aplicando-a novamente a Jesus. Mateus é a mais importante passagem nesta conexão. "Não penseis que vim revogar a lei ou os.profetas: não vim para revogar, vim para cumprir", diz Jesus (5.17). Por seu comportamento e ensino muitos pensavam que Jesus estava opondo sua autoridade à do Velho Testamento. Mateus deseja pôr as coisas no devido lugar. Jesus não queria remover da Lei sequer um jota ou um til "até que tudo se cumpra" (5.18). Mas isto não quer dizer que as formas correntes de interpretação da Lei sejam aceitas. Longe disso. Já vimos a atitude altamente crítica de Mateus para com os fariseus, os guardiães contemporâneos da ortodoxia judaica. No restante do capítulo 5, Mateus registra a reinterpretação da Lei em seis áreas. Em alguns casos a reinterpretação é de uma abrangência tão ampla que é quase como se a própria Lei, e não apenas a aplicação dela pelos fariseus, está sendo posta de lado. Tal é o tom de autoridade com a qual Jesus ensina. A autoridade de Jesus equipara-se à da Lei, mas não a substitui. Contudo, por causa de sua autoridade como Rei e Filho de Deus, a Lei é reformada e redirecionada, de modo que, em lugar de enfatizar a diferença entre Israel e as nações gentílicas, ela é vista agora para incentivar o amor pelos inimigos ( ) e como uma demolição da barreira entre judeus e gentios (veja aqui especialmente ).

42 42 HOMENS COM UMA MENSAGEM A quem Mateus destina esta apresentação? Muitos estudiosos crêem que ele tinha em mente os cristãos, talvez especialmente os judeus-cristãos que precisavam ser convencidos de que sua fé cristã não estava em conflito com sua herança judaica. Porém parece provável que Mateus também queria convencer os judeus descrentes, e que isso era parte de sua estratégia para mostrar que Jesus cumpre perfeitamente as expectativas do Velho Testamento. Que Mateus tinha em mente os judeus é sugerido pelas passagens e , nas quais Mateus se empenha em explicar a origem e falsidade da explanação judaica corrente sobre a ressurreição. Descobrimos do cristão apologista Justino Mártir, do segundo século, que escreveu por volta do ano 135 d.c., que os judeus ainda estavam dizendo que os discípulos tinham roubado o corpo de Jesus do túmulo. Se Mateus queria retrucar esta falsa acusação, então parece provável que outras características do seu Evangelho, e em particular seu tratamento do Velho Testamento, teriam também o objetivo de convencer os judeus cépticos. Descobriremos mais sobre o tratamento da Lei por Mateus à medida que delinearmos outros de seus temas centrais: 2. Jesus é o Rei! "Daí por diante passou Jesus a pregar e a dizer: ' Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus'" (4.17). De longa data se reconhece que "o reino dos céus" é um tema crucial em Mateus. Ele é importante para todos os evangelistas, mas acima de tudo para Mateus. Ele usa a expressão cinqüenta vezes, em comparação com quinze de Marcos e trinta e oito de Lucas. Quando colocamos ao lado desta estatística a proeminência do título real "Filho de Davi" (veja acima), vemos claramente quão importante para Mateus é a apresentação de Jesus como Rei. Uma breve consideração sobre o cenário do Velho Testamento é aqui necessária. Deus é freqüentemente retratado como "Rei" no Velho Testamento, e seu "Reino" é um tema poderoso na teologia do Velho Testamento. As palavras grega e hebraica geralmente traduzidas por "reino" têm ambas um interessante significado duplo, que é muito importante para a compreensão tanto do Velho Testamento como da proclamação de Jesus. Elas significam tanto "domínio" (região ou território dominado por um soberano) como "governo" (guia, controlador, legislador), senhorio e atividade própria do rei. No Velho Testamento isto significa que a. Deus é descrito reinando sobre o mundo inteiro (p.ex. Salmos 47; ; 99.1); b. Israel é imaginado como o domínio especial de Deus, o lugar onde seu reinado se expressa mais claramente (p.ex. 1 Samuel 8.7; 12.12; Salmo 48.1,2); c. espera-se o dia em que todas as nações se submeterão ao governo de Deus, isto é, quando seu domínio se estenderá para cobrir toda a terra, do mesmo modo que agora Ele reina especialmente sobre Israel. Este Reino vindouro também marcará a libertação final do próprio Israel (p.ex. Salmo ; Isaías ; Zacarias ). Este Reino de Deus esperado é marcado por quatro características no Velho Testamento: justiça (p.ex. Jeremias 23.5,6), paz (p.ex. Ezequiel ), estabilidade (p.ex. Isaías 9.7), e universalidade (p.ex. Zacarias 9.10). No tempo de Jesus a expectativa desse futuro "Reino de Deus" era forte, mas as opiniões variavam a respeito de como ele viria. Alguns o entenderam politicamente, e visualizaram o dia em que Israel ficaria livre de todos os seus

43 MATEUS E SUA MENSAGEM 41 inimigos e seria vingado aos olhos do mundo. Alguns pensavam mesmo que poderiam apressar a vinda do Rei pegando em armas contra os romanos. Outros, porém, o entenderam espiritualmente, e anteviram um tempo em que Deus finalmente salvaria Israel do pecado e traria as nações gentias a conhecê-lo também. Por isso, quando Jesus anunciou que "está próximo o reino dos céus" (4.17), as pessoas reagiram com ansiedade. Mas precisavam aprender o que Jesus entendia por Reino: político ou espiritual? Mateus, de igual modo, precisava revelar a natureza desse Reino claramente aos seus leitores. Ele diz quatro coisas sobre ele: a. Ele focaliza a renovação espiritual de Israel. Mateus mostra Jesus ministrando quase exclusivamente para Israel. "Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel", diz Ele (15.24; compare com 10.5,6). De modo semelhante, Jesus envia seus discípulos com as palavras: "Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; mas, de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel; e, à medida que seguirdes, pregai que está próximo o reino dos céus" (10.5-7). Mas Ele depois reconhece que, na verdade, eles irão "à presença de governadores e de reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios" (10.18). O evangelho que dá vida, endereçado justamente a Israel, vai propagarse. Por isso Mateus dá relevo ao episódio do centurião, que tem fé maior do que qualquer outro em Israel (8.10), pressagiando os "muitos" que "virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora..." (8.11,12). Israel deveria estar lá, porém não respondeu com a fé necessária. Por isso os gentios serão introduzidos nele para participarem com Abraão do banquete do Reino. Quando os convidados se recusam a vir, os criados são enviados para arrebanhar "todos os que encontraram, maus e bons; e a sala do banquete ficou repleta de convidados" (22.10). E isto exatamente o que Jesus faz depois, no final do Evangelho ( ). b. Ele focaliza o círculo do próprio Jesus. Porque Jesus é o Rei, o Reino isto é, o governo que Ele exerce chega com Ele. Mateus associa o Reino intimamente com o ministério de cura de Jesus: "E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades" (9.35). Seus milagres apontam para o poder do Reino, presente nele: "Se, porém, eu expulso os demônios, pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (12.28). Cabe a João narrar os milagres de Jesus como "sinais", isto é, ações especiais que incorporam uma mensagem e são assim parte de sua pregação e ensino. Mas eles têm esta qualidade também em Mateus. Eles indicam especificamente Jesus como aquele que cumpre a profecia de Isaías: "Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças" (8.17). Isto, portanto, faz os milagres de Jesus peculiarmente seus, e não necessariamente algo a ser esperado onde quer que o Reino seja proclamado. c. Os seguidores de Jesus entram já no Reino. Quando as pessoas andam sob o comando deste Rei, elas entram no Reino. João Batista inaugurou o processo:

44 44 HOMENS COM UMA MENSAGEM "Desde os dias de João Batista até agora o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele" (11.12). Por "esforço" aqui Jesus provavelmente expressa a entusiástica acolhida de muitos ao seu ministério. Seguindo-o, as pessoas estão "se agarrando" ao Reino dos céus literalmente "tomando-o de assalto", como os fregueses que descobrem a maior liquidação do ano. Uma vez dentro, mesmo o menor do Reino dos céus é maior do que João Batista (11.11). O jovem rico já não está tão certo. Ele deseja a "vida eterna" (esta é uma expressão equivalente a "Reino de Deus"), mas não pode satisfazer à condição: "Vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem, e segue-me" (19.21). Seguir a Jesus é conseguir o que ele perdeu: entrar "no reino dos céus" (19.23). Um novo estilo de vida é exigido desses seguidores de Jesus a saber, aquele que aponta para a realidade do Reino dentro deles. É por isso que os Doze, quando enviados a proclamar o Reino, ouvem: "De graça recebestes, de graça dai. Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos; nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão: porque digno é o trabalhador do seu alimento" ( ). Deus supre tudo quanto eles necessitam para seu sustento e proteção, bem como tudo o que eles devem oferecer. Eles são em si mesmos sermões vivos, evidência da realidade do Reino que proclamam. Mateus esforça-se por esclarecer este novo estilo de vida para seus leitores, registrando extensamente o ensino de Jesus. d. Ele ainda está por "vir". Lucas, na realidade, enfatiza mais do que Mateus a presença do Reino. A ênfase distintiva de Mateus incide sobre o Reino que ainda virá. Jesus, como "o Filho do homem", virá novamente com grande poder e em juízo, e isto acontecerá logo. "Em verdade vos digo que alguns aqui se encontram que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino" (16.28). Esta "vinda do Filho do homem" compõe o assunto dos capítulos 24 e 25. A interpretação destes capítulos é muito discutida, especialmente a do capítulo 24, mas quase todos concordam que dois tipos de "vinda" estão associados e tratados juntos nestes capítulos: Por um lado, há uma vinda em juízo, que significará o cumprimento da predição de Jesus de que o templo será destruído: "Não ficará aqui pedra sobre pedra, que não seja derrubada" (24.2). Esta é provavelmente a "vinda do Filho do homem" que deve ter lugar dentro de uma geração (24.34). Por outro lado, há posteriormente uma vinda em glória (25.31), que anunciará o juízo final do mundo e a salvação do povo de Deus. "O Rei" (25.34) isto é, Jesus julgará as nações reunidas diante dele, introduzindo "os justos" na vida eterna, e os "malditos" no castigo eterno (25.46). 3. Jesus é o Filho de Deus! Um dos principais escritores contemporâneos sobre Mateus, Professor Jack Kingsbury, argumenta que "o Filho de Deus" é, na mente de Mateus, o título mais importante dado a Jesus. Se ele é mais importante do que outros títulos é uma questão aberta à discussão, mas seu valor não pode ser suspeitado. Ele é empregado efetivamente em catorze ocasiões em Mateus. E é quase sempre usado por outros a respeito de Jesus: Pelo Diabo ou demônios: 4.3,6; 8.29

45 MATEUS E SUA MENSAGEM 43 Pelos inimigos de Jesus, em acusação ou zombaria: 26.63; 27.40,43 Por Mateus, os discípulos ou outros em confissão de fé: 2.15; 14.33; 16.16; Pelo próprio Deus: 3.17; 17.5; Em apenas duas ocasiões Jesus refere-se a si mesmo como "Filho": 24.36; Como título ele tem três correlações: Jesus ordenou aos Doze que não se provessem "de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão", quando os enviou a pregar o Reino. Este par de sandálias de couro que data do primeiro século de nossa era foi encontrado durante excavações arqueológicas em Masada. a. Ele se correlaciona com Israel. No Velho. Testamento, todo o país é tido como "filho de Deus" (p.ex. Êxodo 4.22). Mateus cita tal passagem aplicandoa a Jesus. Oséias 11.1, citado em 2.15, referia-se originalmente ao êxodo: "Do Egito chamei o meu filho." Alguns estudiosos acusam Mateus neste caso de uso indevido de texto, como se o evangelista tivesse pouca preocupação pelo significado original. Mas nada pode estar acima da verdade. Em todos estes capítulos de abertura do Evangelho, Mateus tenta mostrar como Jesus caminha nos calçados de Israel e repete as experiências de Israel. Ele deixa o Egito, é salvo das mãos de um rei hostil que tenta exterminá-lo, passa pela água, é testado e tentado no deserto, e finalmente chega à montanha onde a palavra de Deus é ouvida (5.1). Há diferenças certamente. Enquanto Israel falhou no teste do deserto (compare com Deuteronômio 8.5), este Filho de Deus passa pela prova vitoriosamente. E enquanto Israel ouve a palavra de Deus no Monte Sinai, este Filho de Deus fala a palavra. Mas os paralelos são claros. Jesus assume o papel de Israel com o propósito de re-formar o povo de Deus em torno dele. Um dia seus apóstolos se assentarão sobre tronos ao seu lado, julgando as tribos de Israel (Mateus 19.28).

46 46 HOMENS COM UMA MENSAGEM b. Ele se correlaciona com a realeza. O título "Filho de Deus" era também utilizado pelo rei no Velho Testamento (compare com 2 Samuel 7.14; Salmo 2.7). Sobre este pano de fundo da história, a aplicação deste título para Jesus deve associá-lo a outros temas "reais" em Mateus especialmente "Reino" e "Filho de Davi". c. Ele se correlaciona com a deidade. Como no Evangelho de João, o título "Filho de Deus" indica um relacionamento da mais profunda intimidade com Deus. Em nove ocasiões Jesus se refere a "meu Pai celestial" ou "meu Pai que está no céu", e numa famosa passagem (somente em Mateus) está especificado o que este relacionamento significa: "Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" ( ). Jesus desfruta uma relação peculiar de conhecimento, devotamente e atividade mútua com Deus seu Pai. Mas, ao mesmo tempo que é peculiar, é também compartilhado. Em não menos do que onze ocasiões Jesus se refere a "vosso Pai celestial" ou "vosso Pai que está no céu", ao dirigir-se aos seus discípulos. Mateus exulta com a nova intimidade com Deus que, ao seguir Jesus, lhe foi concedida. Deus era não mais o juiz a ser temido, mas um Pai em quem se confiava. 4. Jesus é o mestre, o Cristo! Mateus associa estes dois títulos em Jesus como um mestre é singularmente importante para ele, como já vimos. E, ajuntando os assuntos tratados nos cinco grandes sermões de Jesus, Mateus procurou claramente prover uma apresentação aprimorada da fé e do discipulado cristãos. Por exemplo, somente ele apresenta o ensino sobre o espinhoso tema da disciplina na igreja ( ). Na verdade, somente Mateus registra o uso feito por Jesus do termo "igreja" (16.18; 18.17). Com base em Mateus e Marcos podemos ter a impressão de que Jesus jamais tencionou fundar a igreja, porém Mateus não permite isto. Indubitavelmente, ele tinha em mente a necessidade da igreja em seu próprio tempo ao selecionar e ordenar seu material. 5. Jesus é o Salvador, o Filho do Homem! Como os demais evangelistas, Mateus coloca grande ênfase no sofrimento e morte de Jesus. Ele não chega apenas a reinterpretar o Velho Testamento e apresentar um novo ensino de Deus muito longe disto. Mateus inclui o dito tão importante para Marcos: "Quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (20.27,28). Ele também interpreta a morte de Jesus antecipadamente ao registrar suas palavras na última ceia: "Isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados" (26.28). Por meio de sua morte, Jesus forja toda uma nova aliança entre Deus e seu povo, tirando os pecados deste exatamente como o anjo prometera a José: "E lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles" (1.21). Esta ênfase associa-se ao tema peculiar que mencionamos acima, o da

47 MATEUS E SUA MENSAGEM 45 misericórdia para com o fraco. O Evangelho de Mateus é muito terno: Somente ele registra as grandes palavras de Jesus: "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" ( ). Normalmente ele encurta as histórias extraídas de Marcos. Mas, no caso da história do homem com a mão ressequida, ele a expande com outro dito famoso: "Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado esta cair numa cova, não fará todo o esforço, tirando-a dali? Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha?" (12.11,12). E como remate ele traz o último bloco de ensinos a um grande clímax com a parábola das ovelhas e dos bodes (de novo, somente registrado por Mateus). O Filho do homem, o Rei diante de quem as nações do mundo são divididas e por quem seu destino é decidido, tornou-se faminto e sedento, forasteiro e nu, enfermo e rejeitado, e divide todas estas experiências com seus "irmãos". Ele não desconhece o sofrimento de nenhum discípulo, porque Ele mesmo também o conhece e suporta. O Evangelho de Mateus é certamente o do Rei que governa, como indicamos no início deste capítulo. Mas este Rei é diferente dos outros. Ele não governa com autoridade distante nem vive em esplendor pessoal. Ele se assenta num trono e julga as nações (25.3lss), mas somente porque "tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças" (8.17, citando Isaías 53.4). Ele governa como um servo, não com poder mas com compaixão, não com autoproteção mas com total abnegação. Este é o coração pulsante da mensagem do Evangelho de Mateus mensagem que o arrastou da vida de ganância e egoísmo para a vida e serviço deste Rei. Leitura adicional Menos exigente: Richard A. Edwards, Matthew's Story of Jesus (Filadélfia: Fortress Press, 1985) J. R. W. Stott, The Message of the Sermon on the Mount. Christian Counter-Culture (Leicester: IVP, 1978) Mais exigente, obras eruditas: R. T. France, Matthew, Evangelist and Teacher (Exeter: Paternoster, 1989) David E. Garland, Reading Matthew. A Literary and Theological Commentary on the First Gospel (Londres: SPCK, 1993) Jack Dean Kingsbury, Matthew as Story (Filadélfia: Fortress Press. 1988) Paul S. Minear, Matthew. The Teacher's Gospel (Londres: Darton, Longman & Todd, 1984) John W. Wenham, Redating Matthew, Mark anel Luke. A Fresh Assault on the Synoptic Problem (Londres: Hodder & Stoughton, 1991)

48 Lucas e sua Mensagem E lhes disse: "Assim está escrito que o Cristo havia de padecer, e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas." (Lucas ) O Evangelho de Lucas é, em muitos aspectos, o mais diferenciado dos três Evangelhos sinópticos, e, considerando que Lucas é também o autor do livro de Atos dos Apóstolos, a contribuição literária dele ao Novo Testamento é maior do que a de qualquer outro escritor (mais de um quarto do todo). O Evangelho e Atos juntos constituem uma obra única em dois volumes, cujo tema dominante é a universalidade do Reino de Deus. Assim, Lucas esboça a história da vinda do Reino desde seu começo com João Batista até sua proclamação em Roma, o coração do império. Pondo os olhos no recém-nascido Jesus, Simeão louva a Deus: "Porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios..." (Lucas ). Lucas conta a história da irradiação desta luz até, dois volumes depois, concluir sua obra com as palavras de Paulo: "Tomai, pois, conhecimento de que esta salvação de Deus foi enviada aos gentios. E eles a ouvirão" (Atos 28.28). Lucas, o homem Lucas era pessoalmente bem equipado para contar esta história. Podemos resumir o que sabemos sobre ele como segue: 1. Lucas era um gentio. Na realidade, ele era o único gentio entre os escritores do Novo Testamento. "Lucas" é um nome latino (uma forma reduzida do nome "Lucius"). Diversos fatores que se seguiram indicam as origens gentílicas de Lucas: a. Quando Paulo envia saudações aos cristãos de Colossos, ele menciona três dos seus companheiros pelo nome como "os únicos judeus [da circuncisão] entre meus companheiros para o reino de Deus". Depois ele envia saudações de três outros, que eram presumivelmente não-judeus. Entre eles, "saúda-vos Lucas, o médico amado" (Colossenses ).

49 MATEUS E SUA MENSAGEM 47 b. Sempre que cita o Velho Testamento, Lucas usa a versão grega e não traduz diretamente do hebraico. Ele se refere quatro vezes à língua hebraica em passos que deixam a impressão de que ele não a falava (Atos 1.19; 21.40; 22.2; 26.14). c. Há uma tradição da primeira igreja de que ele veio de Antioquia da Síria, uma das maiores cidades do Império Romano. Não podemos estar certos da verdade disto, mas ele certamente mostra interesse pelo nascimento e crescimento da igreja de Antioquia (Atos ), e não nos deixa esquecer que ela era a igreja-lar do apóstolo Paulo (Atos ; ). d. Sua obra em dois volumes é a única no Novo Testamento dedicada a um protetor, Teófilo (Lucas 1.3; Atos 1.1). Esta era uma prática comum no mundo greco-romano, e foi também adotada por alguns escritores judeus, como o historiador Josefo, que queria atrair o leitor gentílico para sua história do povo judeu. Mas a dedicação de Josefo de sua obra a seu benfeitor Epafrodito é densa e afetada em comparação com a simples e natural referência de Lucas a seu protetor. Os estudiosos costumavam especular sobre a identidade de Teófilo. Se, como pensavam, ele era um rico aristocrata romano, então o próprio Lucas deve ter participado de tais círculos talvez na comunidade romana exilada em Antioquia. Mas o nome "Teófilo" significa "o que ama Deus", sendo um provável pseudônimo, talvez dirigido a quaisquer pessoas que, como Cornélio (Atos 10.1,2), eram gentios devotos e tementes a Deus, que buscavam genuinamente a verdade. Lucas sabia como dirigir-se a essas pessoas, e como convencê-las da "certeza" da verdade sobre Jesus (Lucas 1.4). 2. Lucas tinha educação superior. Ele precisaria ter, como médico que era. Um dos mais antigos estudiosos supõe que Lucas recebeu seu treinamento médico em Tarso, a cidade natal de Paulo, que era um grande centro de ensino. Na época a medicina era um ramo especial da filosofia, sendo claras a cultura e a educação de Lucas em seus escritos. Por exemplo, ele dispunha de um rico vocabulário. O Evangelho e Atos têm cerca de 800 palavras que não ocorrem em qualquer outra parte do Novo Testamento. Seu grego é bom: em estilo semelhante ao da carta aos Hebreus, o mais elegante do Novo Testamento. E é também flexível: Lucas demonstra considerável talento literário, por exemplo, pela forma como é capaz de escrever seu prefácio em esmerado grego clássico (Lucas 1.1-4), e logo a seguir mudar para um estilo diferente, moldado naquele do Velho Testamento grego, para as histórias do nascimento e infância de Jesus. Desta maneira, ele comunica um sentido de tempo e lugar aos seus leitores gentios, juntamente com os fatos e as verdades. Avançando além do estilo do grego de Lucas, os estudiosos têm recentemente devotado muita atenção à habilidade literária com que ele compõe a história. Ele chama sua obra modestamente de "uma exposição em ordem" (Lucas 1.3), e a "ordem" está aparente na bela forma com que a história se desenrola. Por exemplo, a importância da morte e ressurreição de Jesus é sublinhada no Evangelho por repetidas referências à jornada de Jesus a Jerusalém, iniciando em 9.51: "Ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou no semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém..." Depois deste ponto, mesmo as inocentes referências à caminhada de Jesus pela estrada

50 50 HOMENS COM UMA MENSAGEM (p.ex. 9.57; 10.38; 11.53) assumem uma notável força dramática. Lucas era certamente um consumado artista literário. 3. Lucas era um historiador. De acordo com 1.3, sua "exposição em ordem" baseia-se numa pesquisa meticulosa: "...depois de acurada investigação de tudo desde sua origem..." Assim, seu talento literário caminhou de mãos dadas com uma preocupação pela exatidão e, portanto, confiabilidade. Esta exatidão foi defendida fortemente nos anos iniciais deste século por meio de pesquisas de William Ramsay, que, quando estudante, adotou o ponto de vista, naquele tempo amplamente sustentado por estudiosos, de que o Evangelho de Lucas foi escrito no segundo século desta era por um autor que inventou francamente muito do seu material. Mas os estudos pioneiros de Ramsay das regiões e cidades cobertas por Paulo em sua primeira e segunda viagens missionárias (Atos 13-18) mudaram completamente seu modo de pensar. Lucas havia mostrado precisão meticulosa em questões de geografia e administração civil na realidade, em cada detalhe em que ele podia ser avaliado. Em seu livro The Bearing ofrecent Discovery on the Trustworthiness ofthe New Testament (O Significado da Recente Descoberta sobre a Fidelidade do Novo Testamento), publicado em 1915, Ramsay concluiu: "Você pode espremer as palavras de Lucas a um grau acima de qualquer outro historiador, e elas resistem ao exame mais severo e ao tratamento mais rígido." Ele admite que essa precisão demonstrável influencia nossa atitude em relação a toda a obra de Lucas: "Há uma certa pressuposição de que um escritor que prova ser exato e correto num assunto mostra as mesmas qualidades em outros. Nenhum escritor é correto por mero acaso, ou preciso esporadicamente. Ele é exato em virtude de um certo hábito da mente." Lucas claramente possuía este tipo de mente. Muitos outros estudiosos atuais estão aptos a aceitar este julgamento. 4. Lucas foi um viajante. A palavra que ele usa para definir sua "investigação" em Lucas 1.3 presume que ele viajou para poder executá-la. Os chamados "textos nós" (we-sections) em Atos indicam que ele viajou com o apóstolo Paulo em pelo menos três ocasiões. (Os "textos nós" são trechos da história em que o pronome "eles" é substituído por "nós", indicando a presença de Lucas. Veja o quadro com este título.) A experiência de Lucas como viajante é seguramente confirmada por seu notável cuidado ao usar os termos técnicos da navegação em seu dramático relato do naufrágio em Atos 27. Sua precisão a este respeito foi notada em 1848 por James Smith, um escocês Membro da Real Sociedade. Em The Voyage and Shipwreck ofst Paul (A Viagem e o Naufrágio de São Paulo), Smith, escrevendo como velejador e historiador, confirmou as referências detalhadas de Lucas quanto aos ventos, geografia e construção naval. Este interesse por viagens reflete-se na própria história. Tanto o Evangelho como Atos baseiam-se em viagens: primeiro a de Jesus a Jerusalém, como vimos acima; em seguida a de Paulo (ou mais precisamente do Evangelho) até Roma. Em ambas o relato estende-se por vários capítulos e envolve muitas circunstâncias, incluindo mudanças de rumo. Mas, em ambos os casos, o objetivo é alcançado, porque é do plano de Deus que o seja.

51 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 49 üs "textos nós" em Atos Í.Atos Lucas revela que estava com Paulo em sua famosa viagem à Europa, viajando com ele de Trôade a Filipos, onde testemunhou os eventos da prisão e dramática libertação de Paulo. No entanto, parece que ele ficou para trás em Filipos, quando Paulo foi embora. 2. Atos Esta parte começa onde terminou a última, em Filipos, podendo-se deduzir que Lucas acompanhou Paulo no último trajeto de sua terceira viagem missionária, encerrando com a detenção e prisão em Jerusalém. 3. Atos Após dois anos de prisão em Cesaréia, Paulo fez uma longa e acidentada viagem a Roma, acompanhado de Lucas, entre outros. Em Roma Lucas permaneceu ao lado de Paulo, como este testifica em 2 Timóteo 4.1: "Somente Lucas está comigo." Isto sugere que Lucas pode também ter estado com Paulo durante sua prisão em Cesaréia,,e isto, por sua vez, induz à especulação de que durante esse período Lucas empreendeu a "investigação" que lhe propiciou o material para o seu Evangelho e os primeiros capítulos de Atos. Tal é o homem que o Espírito Santo estava preparando para contribuir com mais da quarta parte de todo o Novo Testamento. Ele era um homem do mundo do extenso mundo greco-romano de sua época. Sua formação gentílica, sua experiência profissional, seus dotes literários e historiográficos, suas viagens e sua ligação com Paulo, tudo cooperou para fazer dele o homem para a tarefa. Seu amor natural pelos aflitos levou-o a dedicar-se à medicina. Sua vasta experiência capacitou-o a ver o evangelho em seu ambiente secular. A influência de Paulo deve ter ocupado sua mente com a mensagem da gratuidade da salvação oferecida a todos, sem restrição de raça ou privilégio. Lucas foi o homem escolhido e preparado pelo Espírito Santo para salientar a universalidade do evangelho. Vamos agora examinar alguns dos temas e interesses de Lucas, antes de tratarmos especificamente de seus dois volumes. Os temas especiais de Lucas Ao inspecionar esses temas, notamos como o tema da relevância universal do evangelho permeia todos eles. 1. O Espírito Santo Em anos recentes os estudiosos têm sublinhado a importância deste tema para Lucas. Os outros Evangelhos não deixam de tratá-lo, mas desde o início Lucas assinala seu interesse especial em dar ênfase à ação do Espírito no evento da concepção de Jesus (1.35), e sua inspiração a Isabel (1.41), Zacarias (1.67), e Simeão ( ) para proferirem palavras proféticas sobre o nascimento de Jesus. Todos os Evangelhos relatam a descida do Espírito sobre Jesus no seu batismo, mas Lucas acrescenta duas referências posteriores ao Espírito dando poder a Jesus no início de seu ministério (4.1,14), coroando a seguir estes fatos ao registrar a dramática alegação de Jesus de que Isaías 61.1 estava sendo cumprido nele: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu..." (Lucas 4.18). Um de seus destaques distintivos ao retratar nosso Senhor é, pois, que seu

52 52 HOMENS COM UMA MENSAGEM ministério é realizado sob o poder do Espírito Santo. E esta é também a mensagem de Lucas sobre a igreja. Assim como seu Evangelho inicia com a descida do Espírito sobre Jesus em seu batismo, também Atos inicia com um derramamento paralelo do Espírito sobre a igreja, no Pentecoste. Lucas conta então a história da difusão do evangelho com repetidas referências ao Espírito Santo (cinqüenta e nove ao todo), que inspira a pregação (Atos 4.8), infunde ousadia (4.31), dirige a iniciativa missionária (13.2-4), concede discernimento sobrenatural ( ), orienta decisões (15.28; 16.6,7; 20.22), desvenda o futuro (20.23; 21.11), e dá ânimo (9.31) e alegria (13.52) àigreja. Vários estudiosos têm comentado que o livro Atos dos Apóstolos pode ser melhor denominado Atos do Espírito Santo. Contudo, isto não seria estritamente exato. De modo digno de nota, Lucas considera o Espírito como o dom, não de Deus, mas de Cristo: em seu sermão do Pentecoste Pedro diz a respeito de Jesus: "Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis" (2.33). Isto conforma-se ao relato de Lucas a Teófilo no começo de Atos: "Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar, até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas" (Atos 1.1). Isto implica que Atos continua a narrativa dos feitos e ensinos de Jesus. Portanto, quando Lucas fala do Espírito Santo orientando e concedendo poder à igreja, equivocamo-nos, a menos que associemos a atividade do Espírito à do Cristo ascenso ao céu. Ele é "o Espírito de Jesus" (Atos 16.7), atuando em favor do Senhor da igreja. O Espírito Santo é concedido indiscriminadamente a todos os que crêem. A profecia cumprida no Pentecoste "derramarei o meu Espírito sobre toda a carne" (Joel 2.28) tinha sido renovada e repetida quando se iniciou o ministério de Jesus: "E toda a carne verá a salvação de Deus" (Lucas 3.6). Estas referências à inclusão de "toda a carne" [toda a humanidade] no oferecimento da salvação encontra-se como sinaleiros no início de cada um dos volumes de Lucas. A crença do judeu contemporâneo era que o dom do Espírito Santo era raro e específico. Assim, tanto para os judeus como para os gentios, o derramamento universal do Espírito foi uma notícia dramática e maravilhosa, com efeito, uma reviravolta na história, algo nunca visto desde o início do mundo. Lucas trata deste ponto inteligentemente pela longa genealogia no início de seu Evangelho ( ): a ancestralidade de Jesus é traçada não apenas desde Abraão, o pai da família judaica (como no Evangelho de Mateus), mas desde Adão, o fundador da raça humana. 2. Preocupação com as pessoas marginalizadas Lucas gosta de mostrar o cuidado de Jesus para com vários grupos e tipos de pessoas que viviam à margem da sociedade, ou eram olhadas como sem importância ou mesmo impuras. O amor de Deus abrange tais pessoas através do evangelho. Podemos destacar quatro desses grupos: a. Mulheres. As mulheres tinham um baixo status social no Império Romano, e no pensamento judaico daqueles tempos elas eram igualmente destituídas de dignidade. Uma das ações de graças rabínicas de cada dia era: "Bendito sejas, ó Senhor Deus, que não me fizeste um escravo, um gentio ou uma mulher." Os escribas e fariseus evitavam falar com uma mulher em público, e muitos deles

53 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 51 O Espírito Santo em Atos "Depois dessas coisas, Paulo resolveu passar pelas regiões da Macedónia e Acaia e ir até Jerusalém. Ele dizia: 'Depois de visitar Jerusalém, eu preciso ir a Roma.'" (BLH) Este versículo aparentemente inócuo é importante para Lucas. Do mesmo modo que Lucas 9.51 marca o ponto em que se inicia a longa viagem de Jesus a Jerusalém, assim este versículo marca o início da longa jornada de Paulo, primeiro, como seu Senhor, a Jerusalém, e depois a Roma. "Resolveu" seria mais literalmente traduzido "determinado no espírito", ou "determinado no Espírito", sendo esta última provavelmente a correta. Num ponto decisivo crucial de seu ministério, quando Paulo realiza em Efeso um trabalho tão bem-sucedido, o Espírito o impele a fixar suas vistas num alvo ainda maior. Mas surge em seguida uma contrariedade, quando irrompe uma violenta oposição: parte da mensagem de Lucas mostra que, mesmo quando guiada pelo Espírito, a vida da igreja parece caótica, e surgem contratempos, porque "através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus"(14.22). sustentavam que as mulheres eram incapazes de estudar as Escrituras corretamente. A atitude cristã era muito diferente. Em sua carta aos gálatas, Paulo já havia feito a notável afirmação: "Não pode haver... nem homem nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3.28). Lucas pode ter sido influenciado por Paulo, mas suas opiniões eram indubitavelmente formadas por seu conhecimento da atitude de Jesus. Lucas é o Evangelho das mulheres, e mais claramente do que os outros Evangelhos ele mostra a atitude aberta e cordial de Jesus para com as mulheres, e o lugar que Ele permitiu que elas ocupassem em seu ministério. Lucas tem sua própria posição pelo destaque que dá às mulheres nas histórias do nascimento de Jesus. E ele que conta, com tão delicada reserva, a história miraculosa da concepção e nascimento de Jesus. Maria, mãe de Jesus, e Isabel, mãe de João Batista, eram parentas, e a história deve ter tido origem diretamente, ou indiretamente, da própria Maria. Intencionalmente, o Espírito Santo faz sua reaparição na cena humana inspirando uma mulher a profetizar (1.41,42). b. Os doentes. A obra de cura de Jesus era uma característica de tal modo predominante em seu ministério que todos os evangelistas dão-lhe grande realce, porém Lucas mais do que os outros. Seus interesses profissionais como médico podem refletir-se aqui. E evidente que este homem benévolo sentiu a compaixão de Jesus para com a humanidade sofredora. Os milagres de cura registrados por Lucas incluem: o filho da viúva de Naim ( ) A mulher encurvada curada na sinagoga no sábado ( ) o homem hidrópico (14.1-4) os dez leprosos ( ) a restauração da orelha de Malco, cortada pela espada de Pedro (22.50,51). Em Atos o ministério de cura de Jesus continua, conduzido agora pelas mãos dos apóstolos: Pedro e João curam o aleijado na porta Formosa do templo, "em nome de Jesus Cristo, o Nazareno" ( ). Filipe cura muitos sofredores em Samaria, levando grande alegria à cidade (8.4-8). Pedro cura Enéias em Lida com as palavras de confiança: "Enéias, Jesus Cristo te cura! Levanta-te, e arruma o teu leito ( ), e em seguida ressuscita

54 52 HOMENS COM UMA MENSAGEM As Mulheres em Lucas e Atos As mulheres desempenham um papel relevante na história, como indicam as referências abaixo. Os demais evangelistas contam as histórias da mulher com o fluxo de sangue, da filha de Jairo, da sogra doente de Pedro e da mulher de Betânia, que unge Jesus, mas somente Lucas fala das seguintes: profetisa Ana ( ) viúva de Naim ( ) mulher pecadora ( ) mulheres que ministram (8.2,3) um extraordinário testemunho de violação por Jesus das normas então vigentes Marta e Maria ( ) mulher prisioneira de Satanás por dezoito anos ( ) filhas de Jerusalém que choraram ( ). Encontramos em Atos uma ênfase semelhante: Várias vezes Lucas sublinha a presença de mulheres entre os novos crentes (1.14; 5.14; 8.3; 17.4,12,34). Ele pinta um quadro afetuoso de Dorcas (Tabita), que Pedro devolveu à vida em Jope ( ). Ele inclui a terna referência a Rode, a criada, e sua grande excitação (12.13,14). A primeira conversão em Filipos foi de Lídia, uma mulher do comércio: Lucas informa que Paulo e seus acompanhantes (todos judeus) realmente se hospedaram em sua casa ( ). Priscila é geralmente mencionada antes de seu marido, Áquila, e aparentemente exerceu um papel preponderante na expansão do conhecimento de Apolo do "caminho de Deus" (18.18,19,26). Lucas menciona o detalhe casual de que Filipe tinha quatro fdhas que profetizavam (21.9). Dorcas (Tabita) em Jope ( ). Tão ativa era a cura pela graça do Senhor que se registrou que ela operava através da sombra de Pedro em Jerusalém (5.15,16), e pela apresentação de lenços e aventais a Paulo em Efeso (19.11,12). Além disso, uma série de curas individuais são atribuídas a Paulo: Em Listra ele cura um pobre aleijado de nascença ( ). Em Filipos ele liberta uma menina escrava da possessão do demônio ( ). Em Trôade ele restaura à vida Eutico, vítima de uma queda durante um dos sermões do próprio Paulo ( )! Em Malta ele restaura a saúde do pai de Públio, e em seguida também de outras pessoas doentes. Para Lucas tais curas são claramente parte da proclamação do evangelho. Mas é interessante notar o papel que elas desempenham na história. Elas muitas vezes servem simplesmente para reunir uma multidão, a qual em seguida ouve a pregação do evangelho. Isto reflete a citação-"manifesto" de Isaías 61.1,2, com a qual o ministério de Jesus inicia em Lucas, onde "evangelizar aos pobres" coloca-se ao lado de "proclamar... restauração da vista aos cegos" (Lucas 4.18). Os milagres de cura não são um fim em si mesmos, mas servem ao grande propósito de possibilitar que o evangelho seja ouvido e crido. c. Os impuros. Lucas vê com grande prazer o ministério de Jesus ao romper a barreira que havia em relação àqueles considerados "pecadores" ou "impuros". De modo geral, os judeus mantinham essas pessoas a certa distância com receio de contrair sua "impureza" ritual. Mas Jesus aproximou-se deles com perdão e aceitação. Os que sofriam de lepra eram um caso relevante. Lucas demonstra uma simpatia peculiar por eles. Até os rabinos costumavam afastá-los atirando-lhes pedras, mas Jesus estendeu sua mão tocou o leproso que veio a Ele (Lucas 5.13). Em vez de contrair dele a impureza, Jesus foi capaz de dizer-lhe com autoridade: "Fica limpo!"

55 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 53 Somente Lucas menciona que esse homem estava "coberto de lepra" (5.12). Além disso, somente ele registra a cura dos dez homens com lepra ( ), um dos quais é um samaritano e, portanto, duplamente impuro. Na realidade, os samaritanos constituem outro caso de preocupação de Lucas nesta categoria. Ele registra com exclusividade a parábola do Bom Samaritano ( ). O ponto central desta parábola não é tão-somente a lição fundamental de que devemos socorrer os necessitados: muito mais que isto, ela ensina uma dramática lição sobre a pureza e a impureza. O sacerdote e o levita não tocam a vítima do assalto, por receio de contaminar-se com a impureza de um cadáver. Porque não se preocupa com tais questões rituais, somente o samaritano é capaz de cumprir a lei do amor que promete vida eterna. Somente Lucas registra a reação benevolente do perdão de Jesus ante a habitual hostilidade dos samaritanos (Lucas ), e em Atos Lucas ressalta o avanço do evangelho em Samaria, onde os apóstolos impõem as mãos sobre os "impuros" porém crentes samaritanos, e o Espírito Santo é derramado sobre eles (Atos ). "Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: 'Este recebe pecadores e come com eles'" (Lucas 15.1,2). Assim começa o famoso capítulo que inclui as três parábolas dos "perdidos", dois dos quais (a dracma [moeda] e o filho) são relatados unicamente por Lucas. Por meio destas três histórias Jesus declara que o próprio Deus busca o perdido, representado pela multidão de destituídos que o cercam. A comparação que Lucas faz entre Deus e um pastor, na parábola da ovelha perdida, é sem dúvida dramática, pois os pastores eram vistos com muita desconfiança pelos severos fariseus e professores da lei, que murmuravam a respeito da atitude de Jesus aqui. Em razão de seu modo de vida nômade e pela inevitabilidade de trabalhar aos sábados para cuidar dos rebanhos, os pastores eram classificados como "pecadores" sem esperança. Lucas, porém, já fizera o coro celestial cantar a primeira notícia do nascimento do Salvador a um grupo de pastores rejeitados (Lucas ): "Hoje vos nasceu na cidade de Davi o Salvador, que é Cristo, o Senhor..." Assim, Jesus agora revela que o ponto central de seu ministério é atrair tais pessoas de volta a Deus com arrependimento e fé. Embora muitos de tais "pecadores" sejam pobres, estão ombro a ombra naquela multidão com os abastados "cobradores de impostos". Apesar de toda sua riqueza, tais pessoas são também rejeitadas. São funcionários da alfândega, direta ou indiretamente empregados pelos odiados romanos, vistos também por muitos como "impuros", por causa de seu contato com os gentios, e temidos por todos porque tiram proveito de qualquer dinheiro extra que possam extorquir de suas infelizes vítimas. Porém Deus os ama esta é a mensagem de Lucas. João Batista prega a eles (3.12,13). Jesus chama um deles para juntar-se a seus discípulos (5.27,28). E quando criticado por comer com esses novos discípulos, Levi e uma multidão de seus companheiros de profissão, Jesus responde com sua famosa sentença: "Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento" (5.31,32). E Lucas escreve com exclusividade a história de outro cobrador de impostos, o pequeno Zaqueu, que recebe Jesus em seu lar e em seu coração, e dá ensejo à afirmação de Jesus: "Hoje houve salvação nesta casa, pois que também este é

56 56 HOMENS COM UMA MENSAGEM filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido" (19.9,10). De igual modo Lucas é o único a registrar a parábola do fariseu e o cobrador de impostos que vão ao templo orar ( ). A conclusão de que o cobrador de impostos e não o fariseu "desceu justificado para sua casa" deve ter chocado os ouvintes de Jesus no seu íntimo. São estes pecadores indesejáveis os convidados ao Reino, exatamente como o homem que oferece um grande banquete manda que seu servo traga "os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos" para a festa da qual os convidados ingratos estão excluídos ( ). Duas outras histórias, ambas encontradas somente em Lucas, ilustram sua constante preocupação com a graça de Deus aos pecadores. A primeira é a história da prostituta que vem silenciosamente por trás de Jesus quando Ele se reclina sobre a mesa na casa de Simão, o fariseu. A lavagem dos pés que seu hóspede não lhe havia provido, ela lhe propicia com suas lágrimas. Ela também unge os pés de Jesus com ungüento e os cobre com seus beijos. Ele não afasta seus pés. Ela foi perdoada. Por isso, em retribuição, ela o ama muito, ao contrário de Simão ( ). O outro incidente ocorre bem no fim. Mateus e Marcos dão-nos apenas a informação de que dois criminosos são crucificados com Jesus, um em cada lado de Jesus, e que ambos se juntam ao coro dos impropérios que os escribas e anciãos vociferam contra Ele. Mas Lucas acrescenta a conversação que então se estabelece entre um deles e o Salvador. Em meio aos insultos, o criminoso tem um vislumbre de fé no reinado de Jesus, e então recebe a promessa: "Hoje estarás comigo no paraíso" ( ). d. Os ricos e os pobres. Lucas mostra uma preocupação imparcial para com as pessoas em ambos os poios da escala econômica. De fato, a questão do dinheiro e os problemas que ele causa para o discipulado representam um interesse relevante em ambos os seus volumes. Alguns dos discípulos de Jesus eram ricos (por exemplo, Zaqueu e José de Arimatéia), como foram alguns dos que corresponderam ao apelo missionário de Paulo (por exemplo, Lídia), mas eram em sua maioria pobres. Jesus cumpre a profecia que lê na sinagoga de Nazaré: Ele prega a boa nova aos pobres (Lucas 4.18; 7.22), e promete-lhes o Reino de Deus (6.20). Ele diz a seus discípulos que é preciso renunciar a tudo para ser seu discípulo (14.33). E em Atos vemos isto posto em prática, quando muitos dos primeiros crentes entregam seus recursos para a formação de um fundo que atenda às necessidades dos pobres entre eles (Atos 2.44,45; 4.34,35). Do mesmo modo que Mateus e Marcos, Lucas acreditou que era muito difícil, se não impossível, que uma pessoa rica entrasse no Reino de Deus (Mateus 19.24; Marcos 10.25; Lucas 18.25). Mas ele desenvolve este tema do perigo das riquezas mais do que os outros evangelistas veja os detalhes no quadro a seguir. 3. Oração O interesse incomum de Lucas pela oração é uma característica fascinante de ambos os seus volumes. Indubitavelmente ele mesmo era um homem de profunda oração, e isto é refletido em suas repetidas referências a ela ora como uma característica da vida de Jesus, ora como um fator vital para a missão e o crescimento da igreja nascente.

57 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 55 Lucas as riquezas e a pobreza O interesse de Lucas evidencia-se no início pelas palavras de Maria no cântico que somente ele registra: "[Ele] contemplou a humildade da sua serva... Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos" (1.48,53). Maria é uma pessoa pobre: ela pode trazer somente "um par de rolas ou dois pombinhos" para sua purificação, porque suas posses não lhe permitem oferecer um cordeiro ( ; Levítico ). Em razão de sua pobreza, o próprio Salvador é então deitado numa manjedoura e visitado por pastores. A medida que o evangelho continua, Lucas tem material em comum com os outros evangelistas sobre este assunto por exemplo, o ensino de Jesus sobre a provisão paterna de nossas necessidades diárias (Mateus ; Lucas ), e a advertência de Jesus sobre a fatuidade das riquezas na parábola do semeador (Mateus 13.22; Marcos 4.19; Lucas 8.14). Contudo, Lucas também inclui muito material que se encontra exclusivamente em seu Evangelho: Ele inclui as instruções práticas de João Batista aos cobradores de impostos e soldados arrependidos: "Não cobreis mais do que o estipulado... não deis denúncia falsa, e contentaivos com o vosso soldo" (3.13,14). Enquanto em Mateus Jesus exclama: "Bemaventurados os humildes de espírito" (Mateus 5.3), Lucas apresenta uma dimensão terrena desta declaração: "Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus" (6.20). Em seguida ele contrabalança esta promessa de bemaventurança aos pobres com uma série de ais contra os ricos ( ). Ele registra a dependência de Jesus da assistência que recebe de certas mulheres ricas (8.2,3). Lucas inclui as palavras de Jesus: "Vendei os vossos bens e dai esmola" (12.33) uma exortação central aos discípulos em Lucas (compare com 11.41; 19.8). O homem rico que oferece um banquete deve convidar não seus amigos ricos, vizinhos e parentes, mas "os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos" na realidade, todos aqueles que não têm condições de retribuir-lhe ( ). Somente Lucas inclui três parábolas dedicadas a este tema: O rico tolo ( ), o administrador infiel ( ), e o rico e Lázaro ( ). Apenas Lucas registra esta inflexível afirmação de Jesus: "Todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo" (14.33). Passando para Atos, observamos como o interesse de Lucas por este assunto contínua: Os primeiros crentes estão dispostos a abrir mão de seu direito a suas propriedades particulares, e entregálas para o bem comum. Lucas realça dramaticamente a cilada da riqueza quando relata a triste história de Ananias e Safira (Atos ): eles falharam em não atender à austera advertência de Jesus: "Não podeis servir a Deus e às riquezas" (Lucas 16.13). Lucas acentua o cuidado que a igreja nascente tem ao assegurar que a distribuição de alimentos aos pobres seja conduzida adequadamente (Atos 6.1-7). São "as orações e esmolas" de Cornélio que fazem Deus "lembrar-se" dele e enviar Pedro para anunciarlhe o evangelho (Atos 10.4). Lucas evidencia a saúde espiritual da igreja em Antioquia em sua iniciativa de enviar socorro para aliviar a fome na Judéia (Atos ). Ele assinala a afirmação de Jesus: "Mais bemaventurado é dar que receber" (Atos 20.35). Portanto, no seu conjunto isto tudo constitui um substancial interesse na obra de Lucas, à medida que ele nos adverte do poder do dinheiro para ludibriar, e nos incita a usar o que conseguimos com sacrifício para "ganhar amigos" para o Reino de Deus (Lucas 16.9). Lucas adverte das ciladas das riquezas. Este conjunto de siclos de prata foi encontrado dentro do lampião de barro acima deles. Datam de d.c.

58 56 HOMENS COM UMA MENSAGEM 0 monte Hermom, no extremo norte de Israel, é um dos lugares sugeridos em que se deu a Transfiguração de Jesus. No Evangelho há nada menos do que onze pontos aos quais Lucas acrescenta uma referência à oração nas histórias que ele apresenta em paralelo com Mateus e Marcos: 3.21: Jesus está orando quando o Espírito desce sobre Ele em seu batismo. 5.16: Jesus retira-se ao deserto para orar. 6.12: Jesus ora durante toda a noite antes de escolher os doze apóstolos. 9.18: Jesus ora a sós antes de fazer a primeira predição de sua morte e ressurreição próximas. 9.28,29: Jesus sobe ao monte da Transfiguração a fim de orar, e está realmente orando quando se transfigura. 11.1: é a visão de Jesus orando que leva os discípulos a pedir-lhe: "Senhor, ensina-nos a orar", o que deu como resultado a Oração do Senhor : ao predizer que Pedro o trairia, Jesus, apesar disso, assegura a Pedro: "Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça." 22.40: no jardim do Getsêmani Jesus insta com seus discípulos a orar "para que não entreis em tentação" ,45: Lucas acrescenta o detalhe de que Jesus, "estando em agonia, orava mais intensamente", e em seguida, "levantando-se da oração", foi ter com seus discípulos : Apenas Lucas faz constar a oração de Jesus na cruz: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." 23.46: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" está somente em Lucas. Somos capazes de perscrutar a mente de Lucas quando nos detemos a observar esta notável seqüência de referências. Ele apresenta Jesus como alguém

59 s Exemplos de "E necessário..." em Lucas e Atos Lucas 4.43: Jesus disse: "É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado." Lucas 9.22: Jesus disse: "E necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e no terceiro dia ressuscite." Compare com 17.25; 24.7; Atos 17.3 V Lucas 13.33: "E necessário [adaptado], contudo, caminhar hoje, amanhã e depois, porque não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém." Lucas 22.37: Pois vos digo que é necessário [adaptado] que se cumpra em mim o que está escrito: 'Ele foi contado com os malfeitores.' Porque o que a mim se refere está sendo cumprido." LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 57 Atos 3.21: "Ao qual [Jesus] é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos profetas desde a antiguidade." Atos 9.6,16: "Mas levanta-te, e entra na cidade, onde te dirão o que te é necessário [adaptado] fazer.... pois eu lhe mostrarei quanto lhe é necessário [adaptado] sofrer pelo meu nome." Atos 14.22: "Mostrando que, através de muitas tribulações, nos é necessário [adaptado] entrar no reino de Deus." Atos 19.21: Paulo decidiu ir a Jerusalém, passando por Macedónia e Acaia. "Depois de haver estado ali", disse ele, "é necessário [adaptado] ver também Roma." Nestes exemplos da versão Almeida (ERA), a tradução foi ligeiramente alterada para tornar a presença da expressão mais clara, (n.t.) constantemente em oração, e cujo ministério foi todo moldado e orientado por uma profunda consciência da íntima comunhão com Deus, seu Pai. Esta ênfase continua por todo o segundo volume de Lucas. A oração é um dos quatro pilares da vida da igreja (Atos 2.42), a fonte de poder e ousadia quando em face da oposição ( ). Coisas maravilhosas acontecem no contexto da oração (não necessariamente na resposta a ela: 3.1; 10.30; 12.5; 16.25). Em vários momentos cruciais uma orientação específica é dada por meio da oração (9.11; ; 13.2,3), e a oração marca eventos significativos na vida da igreja (14.23; 21.5), notadamente curas (9.40; 28.8). Para Lucas, uma igreja que não ora não é uma igreja verdadeira. 4. O plano e vontade de Deus Outra característica vital da mensagem de Lucas é sua profunda convicção de que a história que ele está contando não apenas "aconteceu". Ela é realmente a história de como o plano de Deus se desenvolveu na terra. Esse cumprimento do plano de Deus não exclui evidentemente a responsabilidade do homem. O próprio Jesus ora: "Não se faça a minha vontade, e sim a tua", e então recebe força adicional para fazer a vontade de Deus (22.42,43). De modo semelhante, Paulo tem de comprometer-se com determinação a fazer a vontade de Deus quando também ele está a ponto de morrer em Jerusalém, e outros tentam persuadi-lo a não ir até lá (Atos ). O plano de Deus também é combatido por aqueles que resistem a Ele. Mas, apesar de toda a oposição e através de todas as complexidades da atitude humana, a vontade de Deus é feita. Este tema em Lucas foi estudado recentemente por John Squires, em seu livro The Plan ofgod in Luke-Acts (O Plano de Deus em Lucas-Atos).. Squires observa cinco modos pelo quais Lucas sublinha este tema: a. Deus está no comando da história. Desde a criação (Lucas 3.38) até ao juízo final (Atos 17.31), Ele está no comando. Esta constatação é feita sutilmente em Lucas 2.1, em que a mente do imperador romano é induzida a promulgar um

60 58 HOMENS COM UMA MENSAGEM 0 Evangelho de Lucas inicia com o nascimento e a preparação, situando o nascimento de Jesus em Belém, a cidade de Davi. Nesta vista tomada da velha estrada para Belém que atravessa um pomar de oliveiras, pode-se ver ao fundo a fortaleza de Herodes o Grande, em Heródio. decreto que traz uma jovem camponesa de Nazaré a Belém, de sorte que seu bebê, o filho de Davi, nasça na cidade de Davi. b. Deus está no cornando da igreja. Ele dirige tanto o Senhor Jesus como a igreja, na direção que seu ministério deve tomar. Lucas de modo natural insinua isto por seu repetido uso de uma pequena palavra grega freqüentemente traduzida "é necessário..." Ele usa esta expressão em nada menos do que quarenta e duas ocasiões em seus dois volumes. Se perguntarmos: "Por que é "necessário"?, a resposta geralmente é: porque foi isto que Deus planejou. c. Deus intervém diretamente para dirigir acontecimentos. Isto ocorre em várias ocasiões, especialmente em Atos: por exemplo, em três ocasiões um anjo aparece a Paulo, cada vez dando-lhe orientação a respeito do próximo estágio de sua missão (Atos 16.9,10; 23.11; 27.23,24). As curas são também a direta ação de Deus, possibilitando a difusão do evangelho. d. A Escritura foi cumprida, supremamente em Jesus, mas também na vida da igreja. Lucas constantemente traz o cumprimento de profecias à nossa atenção, e isto salienta a realização do plano de Deus. Ele faz isto de modo convincente no episódio da manifestação de Jesus no caminho de Emaús (Lucas ). Uma revelação pessoal de si mesmo teria eliminado a agonia dos dois discípulos, mas Jesus deliberadamente adia sua identificação até que tenha mostrado a ambos que tanto a morte como a ressurreição de Cristo foram preditas pela Escritura ( ,46,47). e. Deus predeterminou certos acontecimentos vitais. Estes se realizam, a despeito

61 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 59 da oposição. Pedro, em seu sermão do Penlecoste, acusa seus ouvintes de terem matado Jesus brutalmente, mas acrescenta o comentário: "...sendo este [Jesus] entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus" (Atos 2.23). Semelhantemente, em sua oração quando enfrentavam a primeira perseguição, os crentes de Jerusalém vêem o plano de Deus por trás da crucificação: "...para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram" (Atos 4.28). E difícil definir o relacionamento entre esta soberania de Deus e a responsabilidade dos agentes humanos envolvidos tanto os que se opõem ao plano como os que obedecem a ele. Tudo o que podemos dizer é que Lucas não vê qualquer conflito entre as duas idéias. O resultado é uma poderosa confiança: sejam quais forem os problemas que possam atormentar a igreja, por mais traiçoeiros que os acontecimentos possam parecer, por mais poderosos que os inimigos do evangelho possam ser. Deus levará adiante o cumprimento de seu plano. Assim, através de muitos percalços, o evangelho alcança Roma. o centro do império, e a história termina ali com uma pública proclamação (Atos 28.30,31). Os estudiosos ficam desconcertados sobre o final de Atos. Parece que ele termina abruptamente, e nunca ficamos sabendo o resultado da apelação ao imperador que levou Paulo a Roma. Pode ser que o julgamento ainda não tivesse sido realizado quando Lucas acabara de escrever. Mas, de qualquer modo. o abrupto final dá a impressão de uma história ainda inacabada, o que nos permite ligar nossa experiência àquela dos apóstolos, e assim ter a mesma confiança de que, sejam quais forem os obstáculos e contrariedades que possamos enfrentar, o evangelho triunfará também para nós. Os dois volumes de Lucas Vamos finalmente examinar o Evangelho e Atos, e extrair deles os meios pelos quais Lucas estruturou a história e transmite sua mensagem. O Evangelho Nascimento e preparação. Após o prefácio, o Evangelho de Lucas começa numa atmosfera totalmente judaica. A cena é colocada no templo em Jerusalém, e a primeira figura a quem somos apresentados é um sacerdote casado com uma das filhas de Arão. O filho prometido a este piedoso casal deve manter o antigo voto de nazireu desde seu nascimento (1.15). Ele será um profeta, falando "no espírito e poder de Elias" (1.17). A atmosfera judaica e do Velho Testamento continua através da promessa do Messias a Maria, a história de seu nascimento, e os cânticos que ela. Zacarias e Simeão entoam ( ; ). Esta atmosfera não é acidental. Embora escrevendo aos leitores gentios, Lucas não pretende sugerir que o Cristianismo é uma religião nova, sem nenhuma raiz histórica no passado. O que aconteceu é um cumprimento do acordo de Deus com Abraão e de suas promessas por meio dos profetas (1.54,55,70,72,73). Mas o cumprimento é mais rico do que a expectativa, e do trono de Davi Ele deverá reinar sobre todo o mundo, não apenas sobre Israel. Esta perspectiva mais ampla surge em 2.1 com a referência ao então ocupante do trono mundial. César Augusto. Ele não tem nenhuma idéia do que Deus está planejando e realizando num longínquo canto de seu império por intermédio de uma família de camponeses pobres, apoiada por um grupo de pastores. Este

62 62 HOMENS COM UMA MENSAGEM contexto terrestre é um pouco adiante enfatizado pelo cântico dos anjos (2.14) e pela forma como Lucas apresenta o ministério de João Batista (3.1,2). Estes capítulos se referem aos preparativos para o ministério do novo Rei: seu próprio crescimento ( ); a pregação de João Batista (3.1-22); sua genealogia oculta, que fez dele um marco divisório na história universal ( ); e sua vitória sobre o Diabo no poder do Espírito (4.1-13) O Ministério na Galiléia. Esta primeira parte importante do Evangelho inicia com a notável narrativa da visita de Jesus a Nazaré ( ). Mateus e Marcos relatam um incidente similar mais ao final do ministério na Galiléia (Mateus ; Marcos 6.1-6), mas não fica claro se Lucas está se referindo a uma outra visita, ou se ele alterou deliberadamente a seqüência dos eventos para iniciar sua narrativa do ministério de Jesus com esta história expressiva. De qualquer modo, o sentido do incidente é claro para Lucas. Ele apresenta o ministério de Jesus em três passos: primeiro, a citação de Isaías 61.1,2 afirmase como um moto na fachada da história. Vemos Jesus fazendo todas estas coisas pregar, curar e até proclamar liberdade, como no caso de Barrabás (23.25), que representa todos os que recebem a libertação imerecida através de Jesus. Segundo, prenuncia a rejeição final de Jesus pelo povo judeu. É realmente uma história sombria: ungido pelo Espírito, Ele é desprezado por seu povo. E terceiro, destaca a missão universal que Ele vai lançar. Seus ouvintes sentemse ultrajados pela referência de Jesus a Naamã e à viúva de Sarepta, que foram estrangeiros abençoados por Deus, preferidos em lugar dos israelitas em idêntica necessidade ( ). Na outra ponta da história, Paulo faz um idêntico desafio aos judeus de Roma, que de igual modo rejeitam o evangelho que ele prega: "Tomai, pois, conhecimento de que esta salvação de Deus foi enviada aos gentios. E eles a ouvirão" (Atos 28.28). Esta missão aos gentios foi legada desde o início por Jesus, muito embora Ele mesmo se dirigisse a Israel. Portanto, durante o ministério na Galiléia Jesus particularmente revela seu amor pelo estrangeiro gentio. O servo do centurião romano é curado (7.1-10). Lucas oferece uma versão desta história mais longa que a de Mateus, registrando a humildade do centurião ("Eu mesmo não me julguei digno de ir ter contigo" [versículo 7]), e mostrando a preocupação dos anciãos judeus por este gentio Jesus viaja a Jerusalém. Muitos estudiosos vêem 9.51 como o ponto crítico do Evangelho. Agora Jesus deixa a Galiléia e inicia sua jornada em direção de Jerusalém. Um escritor moderno, David Gooding, considera como a "Vinda" de Jesus do céu para a terra, culminando na revelação da glória na transfiguração. A segunda metade do Evangelho, de 9.51 para frente, é correspondentemente a "Ida" de Jesus da terra para o céu, culminando igualmente em glória, a glória da ascensão. Esta parte longa do Evangelho é composta quase exclusivamente de material não encontrado em Marcos, muito dele peculiar a Lucas, e tem sido chamado de "Narrativa de Viagem" de Lucas. Jesus movimenta-se gradativamente em direção à rejeição final em Jerusalém, em direção ao sofrimento que entendemos é o centro de sua missão, e, de incidente em incidente, descobrimos mais sobre o que significa segui-lo. O discipulado significa estarem movimento, com Ele, deixando para trás a segurança e o lar ( ) em troca de uma vida de fé,

63 MATEUS E SUA MENSAGEM 61 oração, obediência e sacrifício para alcançar os necessitados Jesus em Jerusalém. No começo desta parte final Jesus entra em Jerusalém com grande tristeza porque sabe que a cidade vai rejeitá-lo, e antevê um julgamento execrável ( ). Esta parte termina, em contraste, com os discípulos entrando em Jerusalém "tomados de grande júbilo" (24.52), porque esta rejeição de Jesus por Israel significa que as Escrituras foram cumpridas, o Espírito Santo foi prometido, e todas as nações ouvirão agora a Boa Nova de arrependimento e perdão ( ). No intervalo entre as duas "entradas" descobrimos como um desses eventos a crucificação de Jesus pode ser duas coisas muito diferentes, de um lado a horrível rejeição e execrando crime, e de outro lado um cumprimento cio plano de Deus para a salvação do mundo. É simplesmente uma questão de olhar o evento de duas perspectivas bem diferentes. Assim Lucas desafia seus leitores gentios: como eles vêem isso? Como Pilatos, considerando-o uma disputa religiosa irrelevante de pouca conseqüência? Ou como os discípulos e o próprio Lucas, como o cumprimento do plano de Deus para destruir a morte para toda a humanidade?

64 64 HOMENS COM UMA MENSAGEM O livro de Atos O segundo volume começa exatamente onde termina o primeiro. Os discípulos estão em Jerusalém, esperando que o Espírito Santo lhes seja dado (1.5). Uma breve introdução resume o período antes da ascensão e fixa a agenda para o próximo estágio: "Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra" (1.8). Este quadro de círculos geográficos concêntricos forma a estrutura de Atos. Até o final do capítulo 7. a ação se desenrola em Jerusalém. Mas, com a morte de Estêvão, "...levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria" (8.1). O círculo se amplia. Judéia e Samaria permanecem como cenários de operações até que é um dos breves resumos da "história até aqui": "A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia. Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número." Mas as sementes do desenvolvimento posterior já estão plantadas. Viajamos à Síria para testemunhar a conversão de Saulo em Damasco (9.1-19). e ouvimos a palavra do Senhor a ele por meio de Ananias: "Este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel" (9.15). Agora essas sementes começam a germinar. Muito embora, geograficamente, a ação se circunscreva basicamente à Judéia e a Samaria nos três capítulos seguintes, a história da conversão de Cornélio no capítulo 10 prepara-nos para a explosão que tem lugar no início do capítulo 13. Aqui Paulo e Barnabé são enviados pelo Espírito Santo ao mundo gentílico, e em três viagens missionárias consecutivas vemos o evangelho crescendo gradualmente mais longe de Jerusalém e mais perto dos "confins da terra" (1.8) As fundações de Jerusalém O dia do Pentecoste provê um cumprimento inicial da visão de Atos dom de línguas capacita os discípulos a falar em seu idioma nativo a todos os que visitam Jerusalém. Como indica o Professor Howard Marshall, esse dom não era necessário para realmente comunicar-se com os estrangeiros presentes. Indubitavelmente, a grande maioria era capaz de falar o grego koine. Assim, a importância do acontecimento estava em que eles ouviam "as grandezas de Deus" (2.11) nos dialetos de seus vizinhos pagãos não-judeus. Eles eram, pois, aqueles para quem essa mensagem era destinada. Pedro estende a importância do acontecimento. Ele explica que é um cumprimento da promessa de Deus o derramamento de seu Espírito sobre toda carne (2.17,18), não somente sobre todas as nações, mas sobre ambos os sexos ("filhos e filhas"), velhos e jovens, e sobre pessoas de todas as classes da sociedade (mesmo "servos, tanto homens como mulheres"). Na realidade, como Pedro continua a dizer, ainda citando Joel, "acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" (2.21). Neste apelo final ele torna claro que a promessa não é somente para "vós e vossos filhos", mas também "para todos os que ainda estão longe", frase que se aplica aos gentios. Deus manteve seu acordo com Abraão para abençoar todas as famílias da terra através de sua descendência (3.25; Gênesis 12.3).

65 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 63 Nos capítulos 3-7 a igreja em Jerusalém é constituída. Nada pode interromper a mensagem de Deus. Há problemas: perseguição (4.1-31; , hipocrisia (5.1-11), e desunião (6.1-7). Mas. no meio de todas estas coisas, "crescia a palavra de Deus" (6.7). Em 2.41, há crentes; em ; em há "mais e mais... crentes, tanto homens como mulheres", e em 6.7 " em Jerusalém se multiplicava o número dos discípulos". Esta parte atinge seu clímax com a defesa e martírio de Estêvão ( ). Ele é acusado de falar contra Moisés (6.11). dizendo que Jesus destruirá o templo e mudará a lei (6.13,14). A acusação é séria. A defesa eloqüente e hábil de Estêvão torna claro o que Jesus estava efetivamente ensinando; e Lucas usa seu longo registro do discurso de Estêvão (7.2-53) como preparação de seus leitores para as próximas mudanças que haverá na história. Numa palavra, Estêvão diz que o velho particularismo dá lugar a um novo universalismo. Deus não está atado a um edifício ou a um país. Ele estava com Abraão na Mesopotâmia, em Harã e na Palestina; com José no Egito; com Moisés na terra de Midiã; com os israelitas no deserto; com Josué quando ele estabeleceu a nação na terra prometida. E verdade que Salomão construiu o templo, mas o profeta Isaías diz que o trono de Deus está no céu e que a terra é o escabelo de seus pés. A constatação do Velho Testamento é clara: "não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas" (7.48). A importância do discurso e morte de Estêvão é tripla. Teologicamente, ela pavimenta o caminho para a próxima missão aos gentios. Pessoalmente, esses eventos levam à conversão de Saulo, que participa do apedrejamento de Estêvão e, sem dúvida, ouve o seu discurso. Ele se torna o maior expoente do evangelho de Estêvão! E geograficamente, como vemos, a morte de Estêvão enseja a expansão do evangelho de Jerusalém até à Judéia e Samaria (8.1) A pressão aumenta Toda esta parte pode ser comparada a uma água em fervura numa caldeira sem válvula de escape; a pressão aumenta gradativamente até que os rebites não podem mais suportar a força e o inevitável acontece uma explosão. A explosão ocorre no começo do capítulo 13, quando finalmente o evangelho se projeta em direção ao mundo gentílico, sob o impulso poderoso do Espírito. A pressão começa a irromper com a expansão em Samaria, no capítulo 8, também marcado por uma atividade expressiva do Espírito Santo. A conversão de Saulo soma-se a isto, e então o longo episódio, em que a visão de Pedro e a experiência com Cornélio são relatadas duas vezes, acelera o expressivo desenvolvimento da obra. Como pode a igreja resistir à atividade do Espírito, que está evidentemente derrubando as velhas barreiras entre judeus e gentios? A igreja multirracial de Antioquia passa a existir, porém não com o apoio franco da igreja de Jerusalém (11.20,21). No capítulo 12 parece que voltam os obstáculos. "Entretanto a palavra do Senhor crescia e se multiplicava" (12.24). Até quando pode a pressão continuar antes que a fervura se esparrame? Primeira viagem missionária de Paulo Uma vez mais o Espírito dá um passo e impulsiona a igreja a seguir adiante. Pode nos parecer natural que pessoas cheguem a tornar-se cristãs sem também ser judias, mas isto não é aceitável de modo absoluto para os primeiros crentes. Como Paulo e Barnabé em sua primeira empresa missionária, eles descobrem por experiência que, quando os judeus rejeitam o evangelho, "os gentios...

66 64 HOMENS COM UMA MENSAGEM lacedonia Tessalônica Berél&C"C: Antioquia da Pisídia\. Icônio \ PISID^**,, Listra \ l//a %rgeverbe CILÍ ACAIA Atenas Mar Mediterrâneo CHIPRE;, Pafos Salaminè Jerusalém Primeira Viagem Âs três viagens missionárias de Paulo e a viagem a Roma. Puzuòit Siracusa i almoriâ \y A Viagem a Roma CIRENAICA Mar Mediterrâneo EGITO 'Jerusalém

67 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 65 regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna" (13.48). O Espírito Santo parece requerer apenas que eles creiam no Senhor Jesus. Não se exige deles que também se tornem judeus. No final de seu roteiro missionário, Paulo e Barnabé alegremente concluem que Deus simplesmente "abrira aos gentios aporta da fé" (14.27). Alguns, entretanto, admitem que a ação do Espírito Santo precisa de cuidadosa interpretação. Alguns deles chegam a Antioquia insistindo em que "se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos" (15.1). Assim, o episódio relatado por Lucas em Atos 15 é uma conseqüência vital da missão recém-completada. Paulo e Barnabé são nomeados, juntamente com outros, para subirem a Jerusalém a fim de resolverem a questão com "os apóstolos e os presbíteros" (Atos 15.4): devem os gentios também tomar-se judeus para que sejam salvos? É provável que por esse tempo Paulo escreve sua carta aos gálatas como uma circular enviada às igrejas que ele havia fundado em sua viagem missionária. A carta é uma defesa apaixonada do ponto de vista que também prevaleceu em Jerusalém que nossa "justificação", ou aceitação, diante de Deus não depende de nossa obediência à lei, mas somente a Cristo, a quem estamos unidos pela fé. Com esta questão vital resolvida, a fundação é lançada para que o evangelho avance sem obstáculo "até aos confins da terra" Segunda viagem missionária de Paulo Esta viagem começa como um projeto para revisitar as igrejas fundadas na primeira viagem (15.36), porém novamente o Espírito Santo se antecipa, e em seguida os orienta. Em pouco tempo Paulo e seus companheiros decidem que

68 66 HOMENS COM UMA MENSAGEM 0 gigantesco teatro de Éfeso visto do alto do terceiro lance de degraus ou assentos. Presume-se que foi neste teatro que houve o alvoroço provocado por aqueles cujo sustento dependia da fabricação de nichos da deusa Artêmis (a Diana dos efésios). devem levar o evangelho até à Grécia (16.10), e acabam ministrando sucessivamente em Filipos, Tessalônica, Beréia, Atenas e Corinto. Paulo permanece mais de dezoito meses em Corinto antes de finalmente retornar ao seu "lar", a igreja em Antioquia Terceira viagem missionária de Paulo Inclinamo-nos a pensar que Paulo tinha concebido a idéia de fazer de Éfeso o centro do ministério, à semelhança de Corinto (18.21). Ele faz isto agora, despendendo ali mais de dois anos. Éfeso era, como Antioquia, uma das maiores cidades do império e o foco da vida de uma grande área adjacente. Mas de novo o Espírito se interpõe e muda a mente de Paulo sobre tal estratégia: Roma! O itinerário um tanto tortuoso pelo qual Paulo se decide (19.21) é provavelmente em conseqüência da coleta que ele levantou em favor da igreja em Jerusalém (por exemplo, Romanos ): ele deseja levá-la pessoalmente até lá. Paulo está visivelmente preocupado com a visita a Jerusalém. Ele pede aos romanos que orem "para que eu me veja livre dos rebeldes que vivem na Judéia, e que este meu serviço em Jerusalém seja bem aceito pelos santos" (Romanos 15.31). Lucas destaca este pressentimento ao relatar as mensagens proféticas que falam a respeito de sua prisão (20.22,23; ). E por certo, logo ao chegar a Jerusalém, Paulo se vê em dificuldades com os judeus e cristãos-judeus que desaprovam profundamente seu evangelho desvinculado da lei mosaica A viagem a Roma Estes capítulos finais de Atos contêm alguns dos mais comoventes escritos de toda a Bíblia. O fato marcante é que, desde o momento em que Paulo é agarrado pela multidão revoltosa em Atos 21.30, ele nunca mais consegue viver em liberdade. Ele passa o restante do livro como um prisioneiro, aparentemente abandonado diante dos caprichos da justiça romana.

69 LUCAS E SUA MEÍNSAGEM 67 Mas o modo como Lucas narra a história dá uma impressão totalmente distinta. Paulo não está subjugado e desamparado. O plano de Deus está se desenvolvendo. Paulo tem muitas oportunidades para testemunhar a uma enorme multidão em Jerusalém, ao sinédrio judaico, a dois governadores romanos, ao Rei Herodes e sua esposa, a uma tripulação e passageiros de aproximadamente trezentas pessoas num navio, ao governador de Malta e, através dele, a muitos outros habitantes da ilha, aos líderes de uma grande comunidade judaica em Roma, e, finalmente, a todos os que o procuram e ouvem na capital imperial. Paulo pode ter sido um prisioneiro, mas, como ele mais adiante expressa a Timóteo, "a palavra de Deus não está algemada" (2 Timóteo 2.9). Portanto a mensagem de Lucas é, afinal de contas, um grande estímulo a uma igreja sofredora e fraca. Sob quaisquer dificuldades em que ela opere, e por mais impotente que ela possa parecer, a igreja é sempre conduzida "em triunfo" (2. Co 2.14), se tão-somente seguirmos o exemplo de Paulo: confiar no Senhor da igreja e agarrar-se às oportunidades que Ele nos depara. Leitura adicional Menos exigente: David Gooding, According to Luke. A new exposition of the Third Gospel ( Leicester: IVP, 1987) David Gooding, True to the Faith. Afresh approach to the Acts of the Apostles (Londres: Hodder & Stoughton, 1990) J. R. W. Stott, The Message of Acts: To the ends of the earth (Leicester: IVP, 1990) Michael Wilcock, The Message of Luke: The Saviour of the World (Leicester: IVP, 1979) Mais exigente, obras eruditas: J. A. Fitzmyer, Luke the Theologian. Aspects of His Teaching (Londres: Geoffrey Chapman, 1989) W. W. Gasque, A History of the Criticism of the Acts of the Apostles (Grand Rapids: Eerdmans, 1975) I. H. Marshall, Luke: Historian and Theologian (Exeter: Paternoster, 1970) JohnT. Squires, The Plan of God in Luke-Acts (Cambridge: Cambridge University Press, 1993)

70 João e sua Mensagem Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. (João 20.30,31) Há cinco documentos separados em nosso Novo Testamento que se atribuem a João, a saber, o Evangelho que leva seu nome, as três cartas e o livro Apocalipse. Destes, Apocalipse é tão diferente quanto ao assunto que deve receber um tratamento separado, tenha sido ou não escrito pelo mesmo João. Goza de ampla concordância, contudo, o fato de que o Evangelho e as três cartas provêem da pena do mesmo autor. Não somente o estilo grego é muito semelhante, mas há muitas expressões teológicas surpreendentes que predominam no Evangelho e nas cartas expressões tais como "Espírito de verdade", "luz" e "trevas", "do mundo", "filhos de Deus", "nascido de Deus", "permanecer" em Cristo, "guardar seus mandamentos", "amor", "testemunha", "vida" e "morte". João, o homem Mas, quem era o autor? Esta é uma pergunta complicada e controvertida. O ponto de vista tradicional é que o Evangelho e as cartas foram escritas já em sua idade avançada, em Éfeso, pelo apóstolo João, filho de Zebedeu. Esta interpretação remonta a Irineu, bispo de Lyons de 178 até sua morte em 195 d.c., aproximadamente. Irineu alegava ter uma ligação direta comjoão através de Policarpo, o bispo de Esmirna martirizado em 156 d.c. aos oitenta e seis anos de idade. Numa famosa carta conservada por Eusébio, o historiador da igreja, Irineu conta a um amigo como, quando jovem, sentava-se aos pés de Policarpo e o ouvia discorrer sobre suas conversações com João e o ensino que recebera diretamente do apóstolo. Podemos bem imaginar Policarpo, com seus vinte anos, ouvindo o apóstolo João, que, por sua vez, devia estar então nos seus oitenta anos, parecendo haver pouca razão para duvidar da alegação de Irineu. Quando, portanto, Irineu afirma que João, o filho de Zebedeu, escreveu o quarto Evangelho, e que ele era o "discípulo a quem Jesus amava", o qual se reclinava perto de Jesus na última ceia (13.23), devemos considerar seriamente seu testemunho. Deve ser dito, entretanto, que somente uns poucos dentre os principais

71 PAULO E SUA MENSAGEM 69 estudiosos do século vinte aceitam esta evidência. Sua relutância deriva do ponto de vista, compartilhado pela maioria dos estudiosos, de que o Evangelho de João não é fundamentalmente uma obra histórica. Ele é, antes, o resultado de um longo processo de desenvolvimento teológico, refletindo, assim, o pensamento de um período tardio travestido na forma de Evangelho. Uma intepretação recente introduz uma distorção singular nesta visão, argumentando que o Evangelho reflete a história e as experiências, não de Jesus e seus discípulos, mas de uma igreja particular, à qual o evangelista (não João) pertencia. Para reanimar sua igreja esse evangelista escreveu a história de Jesus como se Ele tivesse passado pelas mesmas experiências de rejeição e perseguição que eles sofriam. Esta falta de respeito pelo Evangelho de João como história resulta de três de suas características que certamente requerem uma explanação: 1. Em muitos aspectos João apresenta uma imagem diferente de Jesus comparado com aquele dos Evangelhos sinópticos. Por exemplo, no Evangelho de João Jesus de modo algum é reticente ao alegar publicamente ser o Filho de Deus (p.ex., ). 2. Não há qualquer diferença de estilo entre o ensino de Jesus em João e as próprias palavras do evangelista. Isto indica que o evangelista é responsável pela linguagem dos discursos proferidos por Jesus. 3. O Evangelho é belamente construído. Os estudiosos concordam que ele é uma obra-prima literária. Muitos, porém, consideram que um autor que dedicou tanto cuidado à estrutura e composição de sua obra devia preocupar-se em narrar a história. Tomados em conjunto, estes três pontos são sustentados por uma maioria de estudiosos, o que torna improvável que o Evangelho tenha sido escrito por uma testemunha ocular do ministério de Jesus. E, como conseqüência, a atribuição de sua feitura a João, filho de Zebedeu, pelos pais da igreja do primeiro século é rejeitada. Entretanto, devemos questionar seriamente este consenso dos estudiosos. 1. João e os sinópticos As incontestáveis diferenças entre o Evangelho de João e os sinópticos não significam necessariamente que João é historicamente falível. Estas diferenças foram notadas na igreja dos primeiros séculos e constituem a razão do comentário de Clemente de Alexandria (200 d.c., aproximadamente) de que "por fim, sabendo que os fatos 'materiais' estavam esclarecidos nos outros Evangelhos, compôs um Evangelho 'espiritual', incentivado por outros discípulos e inspirado pelo Espírito". A referência de Clemente sobre o Evangelho de João como sendo "espiritual" tem sido mencionada freqüentemente em apoio ao fato de que João não teve interesse na história. Nada, porém, está tão distante da verdade. De acordo com Clemente, João estava preocupado em transmitir a essência interior de Jesus, o "espírito" dentro do "corpo", e, desta forma, prover um relato que pudesse pretender ser tão historicamente confiável como os sinópticos. Além disso, são dignos de observação os muitos pontos em que a narrativa de João suplementa a dos sinópticos. Estes pontos foram expostos e discutidos num famoso ensaio do Dr. Leon Morris (ver no fim deste capítulo Leitura Adicional). E bem possível que João estivesse deliberadamente utilizando tradições e lembranças que não tinham sido utilizadas na tradição dos sinópticos.

72 72 HOMENS COM UMA MENSAGEM Em vários aspectos João elabora o retrato que eles pintam. Por exemplo, enfatizando a discrição de Jesus em proclamar-se publicamente como "o Cristo", os sinópticos podiam levantar a acusação de que as pessoas dificilmente poderiam ser censuradas por não crerem nele. Porém João torna evidente que o impedimento para a fé não estava no lado de Jesus. Vista de um ângulo diferente, sua autoproclamação era clara como cristal, e, portanto, a responsabilidade cabe totalmente a nós, se nos recusarmos a crer. 2. A linguagem de João É notório que não há diferença estilística entre os discursos que Jesus profere e as partes narradas do Evangelho, pelas quais o evangelista é responsável. Entretanto, devemos lembrar que Jesus não ensinou em grego. Ele usou o aramaico, e portanto todos os nossos registros de seu ensino resultam de tradução. E bem conhecido o fato de duas traduções do mesmo original diferirem grandemente uma da outra porque o estilo e o vocabulário da tradução são da escolha do tradutor. Vem de longa data a constatação de que o grego de João tem muitas características hebraicas e aramaicas, de modo que o autor é claramente bilíngüe. Além disso, se é verdade que João queria transmitir a essência interior do ensino e da pessoa de Jesus, não é de surpreender que a linguagem dos discursos reflita o próprio estilo de João. 3. A estrutura de João O próprio autor revela o cuidado com que compôs seu Evangelho. Ele o descreve em termos de seletividade: "Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" (20.30,31). Como podemos ver, a estrutura e mensagem do livro focalizam os "sinais", os atos miraculosos de Jesus que indicam além deles as verdades sobre sua pessoa. Estes "sinais" particulares todos exceto um exclusivos em João foram escolhidos com um propósito peculiar o de convencer seus leitores a crerem em Jesus como "o Cristo". Isto quer dizer que os sinais foram escolhidos para inclusão, tendo em mente as necessidades dos leitores. O evangelista estava interessado em mostrar a relevância do ministério de Jesus para suas necessidades. Porém, por outro lado, isto não significa que o evangelista não tenha nenhuma preocupação histórica. Pelo contrário, ele não tinha nenhum evangelho por meio do qual convencer seus leitores, se Jesus realmente não realizasse esses "sinais" que mostram seu messiado. São pouco substanciais, portanto, as razões freqüentemente apresentadas para rejeitar o poderoso testemunho de Irineu. Mas, se admitimos que o autor de ambos os textos, o Evangelho e as cartas, é o apóstolo João, o que podemos dizer a seu respeito? 1. Ele foi testemunha ocular. A despeito da aversão geral pela tradicional atribuição da autoria a João, estudiosos admitem que o autor exibe um conhecimento profundo da geografia da Palestina (p.ex., 1.28: 4,5,6,20), de Jerusalém (p.ex., 5.2; 19.13), do templo antes de sua destruição (p. ex., 2.20; 8.20; 10.23), e do estado geral dos assuntos de Israel no tempo de Jesus. Por exemplo, J. Louis Martyn, um estudioso que mais que qualquer outro moldou o contemporâneo consenso entre eles, confessa.

73 PAULO E SUA MENSAGEM 71 no entanto, que as várias afirmações de João sobre a fé e vida judaicas "figuram orgulhosamente entre as mais corretas afirmações sobre o pensamento judaico em todo o Novo Testamento". A exatidão de João nestes aspectos deve certamente sugerir uma preocupação pela precisão em seu registro dos acontecimentos do ministério de Jesus a maioria dos quais ele deve ter testemunhado diretamente, como um dos Doze. Suas narrativas são temperadas com alusões ao tempo e lugar, bem como com outros detalhes casuais, todos os quais nada acrescentam à história a não ser para sublinhar a implícita reivindicação de que o autor conhece intimamente seu material (p.ex., 1.39; 2.1; 3.23; 4.6,40; 11.54; 18.10; 21.11). 2. Ele possuía um conhecimento íntimo de Jesus. Em o autor é identificado, não pelo nome, mas como "o discípulo que Jesus amava" (compare com 21.20). Este "discípulo amado" é mencionado também em 13.23; 19.26; 20.2; e 21.7, e muitos estudiosos acreditam que ele é também o "outro discípulo" anônimo de 18.15,16. Em cada ocasião em que este discípulo aparece, a intimidade de seu relacionamento com Jesus é ressaltada. Primeiro ele aparece reclinado à mesa perto de Jesus no cenáculo, tão próximo dele que pôde sussurrai - ao seu ouvido sem ser ouvido pelos outros ( ; compare com 21.20). Em seguida constatamos que, muito embora Jesus tenha predito que todos os discípulos o abandonariam (16.32), este específico discípulo o acompanha até o pátio da casa do sumo sacerdote (18.15). Na cruz Jesus confia a ele o cuidado de sua mãe ( ), e é ele a pessoa (novamente com Pedro) a quem Maria Madalena corre com a notícia do túmulo vazio (20.1,2 ). Finalmente, é o discípulo amado quem primeiro reconhece o Senhor ressurreto na praia da Galiléia e grita para Pedro: "E o Senhor!" (21.7), e quem em seguida participa de uma conversa privada que o Senhor tem com Pedro após a refeição da manhã ( ). Se este "discípulo amado" era João, podemos completar este retrato de intimidade com os Evangelhos sinópticos. Pedro, Tiago e João formavam juntos um círculo íntimo dentro dos Doze. permitido por Jesus para testemunhar certos eventos cruciais. Eles vêem a ressurreição da filha de Jairo (Lucas 8.51), testemunham sua glória no monte da Transfiguração (Marcos 9.2), ouvem seu ensino apocalíptico (Marcos 13.3), e ficam ao lado dele em sua amarga agonia no jardim (Marcos 14.33). De modo geral, João desfrutou o máximo relacionamento íntimo com Jesus, e por isso estava mais qualificado do que qualquer outro dos Doze a transmitirnos a mente recôndita do Senhor. Ele o viu com seus olhos (1 João 1.1-3; compare com 1 João 4.14 e João 1.14); ouviu-o com seus ouvidos e tocou-o com suas mãos (1 João 1.1-3). Ele havia absorvido a própria mente do Senhor, penetrado no coração de sua auto-revelação, e verdadeiramente captado o espírito de seu Mestre. 3. Ele fora profundamente mudado por Jesus. João e Tiago, de acordo com Marcos, foram apelidados por Jesus "Boanerges", que significa "filhos do trovão" (Marcos 3.17), e vários incidentes nas narrativas do Evangelho revelam seu temperamento tempestuoso. E João quem se irrita e proíbe o ministério do exorcista que não era um dos Doze (Lucas 9.49,50). São os dois filhos do trovão que juntos ficam ofendidos com a recusa de uma aldeia samaritana de receber Jesus, e, à semelhança de Elias, querem invocar fogo do

74 72 HOMENS COM UMA MENSAGEM Um antigo poço numa aldeia da Judéia. Teria sido ao lado de um poço como este que Jesus se encontrou com a mulher samaritana. (João 4). céu para consumi-la (Lucas ). E são os mesmos irmãos que vêm com sua mãe pedir que os melhores assentos no Reino pudessem ser reservados para eles (Marcos ; Mateus ). Quão pequenos pareciam eles então para compreender o espírito de Jesus! Ele tem de repreendê-los: "Vós não sabeis de que espírito sois" (Lucas 9.55), e novamente: "Não sabeis o que pedis" (Mateus 20.22; Marcos 10.38). Entretanto, este filho do trovão tornou-se conhecido por nós como "o apóstolo do amor". E claro que o calor do sol do amor de seu Mestre fez com que se evaporassem as nuvens do trovão. Agora ele está mais do que aberto ao ministério de outros fora dos Doze: a mais eficiente evangelista em seu Evangelho é a mulher samaritana (4.39). E agora ele mostra os samaritanos sob a luz mais calorosa possível: eles excedem os judeus em sua resposta de crença em Jesus (4.42), e "instam" com Jesus para ficar com eles (4.40). E agora, longe de procurar reconhecimento e posição ao lado do Senhor, ele apaga completamente seu nome da história e dá a si mesmo um novo nome, o que registra o único epitáfio que ele deseja: esqueça todo o eu, fui amado por Jesus! João foi assim eminentemente apropriado a comunicar o coração de seu Senhor. Ele desejou apresentar seus leitores à Pessoa que ele veio a conhecer e amar. Ele queria que também tivessem comunhão com Ele (1 João 1.3), e esperava que eles tivessem seu caráter transformado como ele teve. Na realidade, ele explica claramente os propósitos para os quais escreveu. Ele escreveu seu Evangelho para que seus leitores cressem em Jesus e experimentassem a vida por meio da fé nele (20.31), e escreveu sua primeira carta àqueles que já acreditavam, para que pudessem saber que tinham vida (1 João 5.13). Sua teologia é profunda e desafiadora, mas seu propósito supremo é prático. Ele quis que seus leitores recebessem a vida eterna e ao mesmo tempo soubessem que já a receberam. Para que seus leitores recebam a vida eterna devem pôr sua confiança em Jesus Cristo, uma vez que nele está a vida (1.4). Portanto, em seu Evangelho João anuncia Jesus Cristo em toda sua glória divino-humana, que podemos ver e em quem podemos crer. Em particular, ele parece ter dirigido sua obra aos judeus, por enfatizar o meio pelo qual Jesus cumpre e substitui todas as grandes instituições do Judaísmo o templo, a lei, as festas anuais. O templo e sua adoração se perderam, destruídos pelos romanos no ano 70 d.c.: depois dessa data o Evangelho de João poderia ter tido um apelo signitivamente poderoso para os judeus, cuja tristeza se converteu em alegria pela descoberta de que Deus já havia reparado aquela perda através de Jesus. Para seus leitores saberem que receberam a vida eterna, era necessário que compreendessem claramente as indispensáveis marcas do Cristianismo autêntico. Em suas cartas, especialmente em sua primeira, ele continua a anunciar estas coisas, como veremos. A mensagem de João: 1. O Evangelho 1. Os fundamentos da fé O caminho para a vida é a fé ( ,36; 6.47; 20.31). Mas sobre o que repousa a fé? João concordaria com a resposta dada por Paulo em Romanos 10.17: "A fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo." A fé nunca está

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76 76 HOMENS COM UMA MENSAGEM isolada. Ela é sempre uma resposta a uma iniciativa de Deus. Em particular, ela é despertada por sua palavra, ou, como João diria, por seu "testemunho". Crer no testemunho de Deus, dado através de Cristo, é tomar os primeiros passos vitais para a fé que leva à vida eterna: acima de tudo, esta é a mensagem do Evangelho de João. Atualmente é tendência dos estudiosos sustentar que João não argumenta em favor da fé, mas assume-a. Muitos estudiosos pretendem, assim, que o Evangelho de João não é evangelístico, isto é, não se destina a convencer os descrentes sobre a retidão da fé em Cristo. Mas este ponto de vista mal se aplica à evidência do próprio Evangelho. A declaração de João sobre seu propósito em expressa um intento evangelístico (veja o quadro a seguir). E no Evangelho este tema do testemunho parece ser desenvolvido particularmente com os descrentes judeus em mente. Que testemunho João apresenta? a. Testemunho humano. Nas palavras de abertura do Evangelho, como naquelas da primeira carta e de Apocalipse, João traz seu próprio testemunho sobre o Senhor Jesus Cristo: "Vimos a sua glória" (1.14). Assim, ele inicia seu Evangelho com uma afirmação, não com uma prova. Do mesmo modo como Gênesis traz como introdução "No princípio... Deus", anunciando a existência do Pai, assim o Evangelho de João tem como introdução "No princípio era o Verbo", afirmando a preexistência do Filho com Deus. Estas verdades eternas são o produto da revelação divina, não da especulação humana. Agora, porém, são elas comunicadas pelo apaixonado testemunho de seres humanos, que se tornaram convencidos delas. O Evangelho começa e termina com esta nota de testemunho apostólico (compare com 21.24). Nos capítulos interpostos temos uma sucessão de pessoas que se encontram com Jesus e dão testemunho sobre Ele: O testemunho de João Batista é introduzido juntamente com o de João no começo (1.6-8), e é o mais elaborado (veja também ; ; ), talvez porque João Batista era amplamente reconhecido como um profeta pelos judeus nos dias do apóstolo João. Uma sucessão de discípulos encontram Jesus e dão testemunho ( ): André convence seu irmão Simão, e Filipe traz Natanael, o qual faz então uma expressiva confissão de fé (1.49). Os samaritanos dão um forte testemunho no capítulo 4: primeiro a mulher torna-se convencida de que Jesus é "o Messias" (4.29), e depois seus compatriotas afirmam que Jesus é "o Salvador do mundo" (4.42). Pedro ( ), a multidão em Jerusalém ( ), o homem nascido cego (9.17), Marta (11.27), e Tomé (20.28) todos dão diferentes testemunhos de Jesus, dependendo de suas diferentes experiências com Ele. A confissão de Tomé compõe um vigoroso clímax de toda a história. Em sua apresentação João não hesita em incluir testemunhos contra Jesus (p.ex., 7.52; 8.52,53; 9.16; 10.20), e assim seus leitores são forçados a tomar partido: em qual testemunho eles crêem? Para decidir isto, é necessário apresentar evidência, e testemunhos posteriores são requeridos. Embora essas testemunhas humanas sejam importantes, Jesus não depende de seus testemunhos para validar suas reivindicações (5.34). Ele até aceita o princípio legal: "Se eu testifico a respeito de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro" (5.31). Nos tribunais judaicos nenhum testemunho

77 João 20.30,31 e o Propósito do "Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome." Os manuscritos do texto grego de João variam levemente aqui, de um modo que tem permitido a alguns estudiosos argumentar que o propósito de João não era o de criar a fé, mas mantê-la. A variação afeta o tempo do verbo traduzido "para que creiais". Alguns manuscritos tem o tempo grego aoristo, que produziria a paráfrase "tenhais chegado à fé". Outros têm um tempo presente, que resultaria em "podeis vir a crer", e que pode portanto implicar que João escreveu com os cristãos em mente, tentando apoiá-los e fortalecer sua fé. Entretanto, mesmo que o tempo presente seja correto, a paráfrase poderia igualmente PAULO E SUA MENSAGEM 75 Evangelho ser "podeis vir a crer e a continuar na fé". O tempo presente é usado com este sentido em João 6.29, dirigindo-se aos não-crentes. Indubitavelmente o Evangelho de João sustenta e fortalece a fé dos crentes, e tem sempre feito isto. Certamente, isto parece ser parte de seu propósito. Mas o plano de João é mais amplamente exteriorizado do que meramente isto. De 20.30,31 podemos inferir três aspectos a respeito de seu propósito: 1. Os "sinais " desempenham um papel vital em seu plano de persuadir seus leitores a crer. 2. Ele tem os judeus particularmente em sua mente, porque eles precisam aprender que Jesus é "o Cristo", isto é, o Messias. 3. Ele quer que a fé cresça, da fé intelectual que Jesus é o Cristo para a fé experencial que significa "vida em seu nome". podia ser aceito a menos que fosse corroborado. Os fariseus lançaram isto a Jesus em 8.13: "Tu dás testemunho de ti mesmo, logo o teu testemunho não é verdadeiro." Porém Jesus aceita este repto e replica: "Também na vossa lei está escrito que o testemunho de duas pessoas é verdadeiro. Eu testifico de mim mesmo, e o Pai, que me enviou, também testifica de mim" (8.17,18). E assim uma segunda testemunha é convocada: b. Testemunho divino. O Dr. A. E. Harvey esclarece o significado de ter Jesus chamado a Deus para testemunhar em e 8.18 (compare também com 8.50; 10.32). Nas cortes judaicas, o testemunho solitário podia ser aceito se o acusado invocasse solenemente a Deus para testemunhar que sua declaração era verdadeira. Este era um passo sério a ser tomado porque, se estivesse de fato mentindo, o acusado expunha-se ao julgamento de Deus. E, de modo oposto, seus acusadores teriam de pensar duas a três vezes antes de repetir sua acusação, porque eles também podiam opor-se a Deus e atrair o julgamento sobre si mesmos. Este é o espírito solene pelo qual Jesus invoca a Deus por testemunha em seu favor. Em qualquer caso, a natureza da reivindicação de Jesus é tal que somente Deus podia autenticá-la e apoiá-la: Jesus alega ser o Filho, unicamente autorizado a dar vida e exercer o julgamento, ambas prerrogativas do próprio Deus ( ). Assim, é não somente um passo corajoso, mas essencial em seu caso, que Jesus deva citar a Deus como testemunha em seu favor. A. E. Harvey tem mostrado proveitosamente, em seu livro Jesus sob Julgamento, como a figura do tribunal de justiça permeia todo o Evangelho de João. João apresenta sua narrativa do ministério de Jesus como se Ele estivesse em julgamento do começo ao fim, e não apenas no final diante do sumo sacerdote. Na realidade, neste Evangelho Jesus nunca é formalmente julgado. Ele é executado sem o devido processo da lei, muito embora Ele mesmo

78 78 HOMENS COM UMA MENSAGEM pleiteasse que testemunhas fossem convocadas quando compareceu diante do sumo sacerdote (18.21). O julgamento ocorre neste sentido informal, através de todo o livro, de modo que os leitores de João são eles mesmos colocados em cena e compelidos a vir por sua própria decisão. Eles perguntam, como os opositores de Jesus fazem, como Deus dá testemunho de seu Filho (p.ex., 8.19). Este testemunho divino, responde João, é triplo: i. O Pai profere seu testemunho por meio dos lábios de Jesus. Repetidas vezes Jesus nega que exponha suas palavras por sua própria autoridade. Sua autoridade é derivada do Pai que é seu autor. Não é Ele próprio a Palavra do Deus encarnado (1.1,14)? Então suas palavras são as palavras de Deus (3.34): "O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou" (7.16). "Nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou" (8.28). "Eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar.... As coisas, pois, que eu falo, como o Pai me tem dito, assim falo" (12.49,50). "Porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste e eles as receberam.... Eu lhes tenho dado a tua palavra" (17.8,14). Jesus espera que todos os que o ouvem creiam em suas palavras, porque elas são as palavras de Deus. Ao fazer esta solene afirmação, Ele está deliberadamente aludindo à famosa promessa dada a Moisés em Deuteronômio 18.18: "Suscitarlhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar." João, naturalmente, acredita que Jesus fale as palavras de Deus não apenas porque Ele é um "profeta como Moisés", que as pessoas estavam esperando (compare com 1.21), mas porque Ele é muito mais que um profeta: Ele é a própria "Palavra de Deus" em pessoa. Mas como tal ele cumpre a profecia de Deuteronômio 18, e seus leitores precisam ser postos em seus lugares: eles o escutarão? Em relação a isto é digna de ser considerada a admirável nova designação de Deus no Evangelho de João como "aquele que me enviou". Estas paráfrases dos nomes "Pai" e "Filho" quase sempre ocorrem em contextos em que a autoridade do Filho é desafiada ou a do Pai é reivindicada. "Aquele que envia" sustenta a autoridade de "quem Ele enviou": "O enviado de Deus fala as palavras dele" (3.34). "Aquele que me enviou é verdadeiro, de modo que as coisas que dele tenho ouvido, essas digo ao mundo" (8.26). Jesus, pois, enquanto ensinava no templo, clamou:..."não vim porque eu de mim mesmo o quisesse, mas aquele que me enviou é verdadeiro, aquele a quem vós não conheceis. Eu o conheço, porque venho da parte dele e fui por ele enviado" (7.28,29). A validade do testemunho de Jesus é devido à sua vinda do céu ( ). ii. O Pai dramatiza seu testemunho nas obras de Jesus. As "obras" de Jesus, assim como suas "palavras", foram-lhe dadas por Deus, de modo que são realmente obras de Deus, um dramático testemunho para a condição única de Jesus como filho. Do mesmo modo que Ele pode dizer: "O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou" (7.16), assim pode Ele falar das "obras que o Pai me confiou para que as realizasse" (5.36); compare com e ). Assim, o Filho age "da parte do Pai" (10.32), e o Pai age no Filho (10.38;

79 PAULO E SUA MENSAGEM 77 Esta sala numa casa de um residente rico na Jerusalém do primeiro século d.c. foi reconstruída de acordo com a evidência revelada durante as investigações arqueológicas ). As obras são do Pai, embora realizadas por meio do Filho. Este duplo testemunho de palavras e obras deveria ter sido adequado para suscitai- a fé (14.11), e na realidade muitas pessoas simples vêem as obras (6.14), ouvem as palavras (7.40,41) e crêem (11.45). Mas como realmente suas obras transmitem uma mensagem sobre Ele? A palavra característica de João para os milagres de Jesus é "sinais", porque eles contêm a mensagem que a fé pode discernir. Nicodemos está muito certo ao declarar que Jesus pode realizar tais "sinais" somente porque Deus está com Ele: "...és Mestre vindo da parte de Deus" (3.2). Mas, indicam eles alguma coisa mais sobre Jesus, além desta mera percepção? Nicodemos está confuso. Alguns da multidão em Jerusalém pensam que os sinais provam que Ele é o Cristo (7.31). Outros, porém, discordam: os irmãos de Jesus, por exemplo, vêem os sinais e não lhes atribuem valor (7.3-5). Mesmo quando as pessoas crêem por causa dos sinais, Jesus é, apesar disso, muito cauteloso a respeito da qualidade de sua fé ( ). O fato é que os sinais podem somente falar se forem interpretados, e é o que João se propõe fazer. Assim, por exemplo, a cura de um homem aleijado em não mostra somente o extraordinário poder ou misericórdia de Jesus: antes mostra sua autoridade para dizer ao povo de Deus o que ele pode fazer no sábado, e posteriormente revela seu relacionamento peculiar com o Pai, porque Ele exibe as "obras" do próprio Deus por meio de sua ação (5.9-20). De modo semelhante, a alimentação de cinco mil pessoas (6.1-14) é depois interpretada pelo demorado diálogo que se segue, no qual Jesus se proclama "o pão da vida" ( ). A escolha de João dos sinais para incluir em seu Evangelho (20.30,31) é feita claramente por causa da crescente mensagem que ele quer tirar de cada um. Voltaremos a falar disto mais adiante. Mas, como pode João convencer seus leitores de que tinha interpretado

80 80 HOMENS COM UMA MENSAGEM corretamente os sinais de Jesus? Com o passar do tempo, certamente, tal convicção seria a obra do Espírito Santo ( ). Porém, um fator importante aqui, especialmente para os leitores judeus, era o Velho Testamento: iii. O Pai escreve seu testemunho nas Escrituras do Velho Testamento. "Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo não quereis vir a mim para terdes vida" (5.39,40). "Se de fato crêsseis em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?" (5.46,47). Supremamente e finalmente, o testemunho do Pai sobre seu Filho está escrito nas Escrituras, como asseveram estes dois dramáticos pronunciamentos. No desenvolvimento destas declarações, João recorre ao Velho Testamento através de seu Evangelho, tanto por citação direta (p.ex., 2.17; ; 19.36,37), e freqüentemente por alusão aos textos ou temas do Velho Testamento. Seu propósito ao usar este recurso é mostrar que somente Jesus faz sentido no Velho Testamento. Por exemplo, a afirmação em 5.46 de que Moisés escreveu a respeito de Jesus leva-nos ao capítulo 6, no qual o papel de Moisés como o Salvador de Israel, aquele que o tirou do Egito, é comparado ao que Jesus agora oferece. Uma multidão está a caminho de Jerusalém para a Páscoa (6.4), a festa em que o êxodo do Egito é comemorado. Jesus os alimenta miraculosamente, tal como Moisés fez naquela época. Alguém na multidão percebe a semelhança e declara que Jesus pode ser o "profeta como Moisés" (6.14). Então Jesus dirige-se a eles ( ), e lhes diz que: Moisés não alimentou Israel; foi Deus quem o fez (6.32). O maná era alimento puramente físico, e em nada contribuiu para salvar Israel do terrível inimigo o pecado e a morte (6.49). Moisés, o supremo receptor e comunicador da lei não podia satisfazer às necessidades mais profundas do gênero humano. Agora Deus provê o alimento que dá "vida eterna", e finalmente satisfaz àquelas necessidades o próprio Jesus (6.35). O próprio Velho Testamento reconhece a necessidade de mais do que Moisés deu; porque os profetas olham à frente para um tempo em que "serão todos ensinados por Deus" (6.45, citando Isaías 54.13). Aquele tempo chegou agora! O desafio de João aos seus leitores é o mesmo de Jesus aos fariseus em 7.24, em que o significado da circuncisão está em discussão: "Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça." Se eles reavaliarem sua compreensão das Escrituras, verão como Jesus as cumpre. 2. Inspecionando o Evangelho A estrutura do Evangelho de João é complexa; por isso, qualquer análise rápida está sujeita a se tornar superficial. Entretanto, vamos seguir a direção do próprio João e focalizar nosso resumo nos "sinais". a. Agua em vinho uma nova ordem. O primeiro capítulo apresenta Jesus como a Palavra de Deus falada de uma forma nova. Anteriormente, Deus falou através dos profetas, como João Batista. Mas agora sua Palavra "se fez carne" (1.14). Isto significa todo um novo estágio em seu relacionamento com o mundo: "A

81 PAULO E SUA MENSAGEM 79 lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo" (1.17). Esta "nova ordem" é simbolizada pelo primeiro sinal, a transformação da água em vinho (2.1-11). Jesus toma o que o Judaísmo oferece como um meio de purificação (2.6) e o transforma em algo que realmente satisfaz à necessidade. Esta mensagem é então transportada: primeiro Jesus purifica o templo, o foco da religião da "velha ordem", e fala de um novo templo, seu corpo (2.21). Em seguida Ele diz a Nicodemos, "mestre em Israel" (3.10), repositório do aprendizado mais profundo disponível no Judaísmo, que ele precisa ser completamente refeito pelo Espírito. E logo a seguir a mesma mensagem é comunicada aos samaritanos, quando Jesus lhes oferece, através da mulher, "uma fonte a jorrar para a vida eterna" (4.14), água mais importante que a do poço de Jacó. b. Duas curas nova vida, novo julgamento. Os dois sinais em e formam um par que é então interpretado através do grande discurso em Neste discurso Jesus faz a mais ousada reivindicação possível: que, como Filho, Ele exerce os privilégios do próprio Deus, particularmente para conceder vida (5.21) e proferir julgamento (5.22). "Julgamento" neste contexto não quer dizer apenas condenação, mas expressa a idéia de decisão real e decreto. Como juiz, Jesus, o Filho, tem a autoridade de decidir sobre a vida e a morte para todos ( ). Estes dois privilégios são "anunciados" nas duas ações que precedem a reivindicação. Jesus profere uma frase que vivifica: "Vai, disse-lhe Jesus; teu filho vive" (4.50) e o filho vive. Em seguida Ele pronuncia o julgamento ao homem aleijado, não somente para ordenar-lhe que se levante, mas também para dizer-lhe que carregue sua cama no sábado (5.8-10), e adverti-lo: "Não peques mais, para que não te suceda coisa pior" (5.14). c. Alimentando os Jesus, o pão da vida. Explanando sua reiteração do êxodo, Jesus alega três vezes ser "o pão da vida" (6.35,48,51). Quando Ele parte os pães e alimenta os ( o único milagre registrado pelos quatro evangelistas), Ele está simbolizando a dádiva de sua própria carne "que darei pela vida do mundo" (6.51). Ele está aqui se referindo claramente à sua cruz. E sua carne dilacerada que constitui o "o alimento real", e é seu sangue derramado a "bebida real" (6.55). Somente por meio de sua morte é que a vida se torna disponível para nós. Comer e beber são a surpreendente ilustração da fé, isto é, a aceitação pessoal de Cristo, a absorção espiritual de sua vida por nós mesmos (6.57). Comparando 6.47 com 6.54, vemos claramente que "crer" é equivalente a "comer e beber". Se este discurso é histórico, dificilmente ele será uma referência direta à Ceia do Senhor, que não tinha sido ainda instituída. Entretanto, muitos estudiosos acreditam que João escreveu seu Evangelho tendo como pano de fundo o cenário dos serviços de culto da igreja, e que ele próprio teria interpretado este discurso como referindo-se à Santa Comunhão. E certamente apropriado sentir que, quando reunidos para celebrar a Ceia do Senhor, estamos particularmente aptos a exercer a fé da qual esta passagem fala. d. Curando um homem cego Jesus, a luz do mundo. No capítulo 6 Jesus apresenta-se como substituto da festa da Páscoa; nos capítulos 7-10 Ele faz o mesmo em relação à festa maior do calendário judaico, a festa dos tabernáculos. O centro de atenção desta parte é a cura de um cego de nascença (capítulo 9).

82 82 HOMENS COM UMA MENSAGEM Aqui novamente um ato físico simboliza uma verdade espiritual. Por duas vezes nesta parte Jesus proclama: "Eu sou a luz do mundo" (8.12; 9.5). Esta é uma referência à famosa cerimônia das luzes que tinha lugar durante a festa dos tabernáculos, quando grandes lâmpadas eram colocadas no templo, representando a "coluna de fogo" que Israel tinha para seguir através do deserto. Agora, porém, Jesus clama: "Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, ao contrário terá a luz da vida" (8.12). Uma vez que, depois de 70 d.c., a festa dos tabernáculos não mais era celebrada no templo, a manifestação de Jesus dirige-se à necessidade sentida por muitos judeus daqueles tempos. Também eles, como o cego dos tempos anteriores, o qual fora expulso da sinagoga (9.34), tinham perdido seu lugar de adoração. Mas Jesus encontra-se com o cego e restaura seu culto, dando-lhe uma vista espiritual para combinar com sua vista física. Então, quando se curva em adoração diante do Filho do Homem ( ), ele mantém a esperança e uma mensagem a todos os que necessitam de tal restauração: adore o Filho do Homem, que é a luz do mundo, e você celebrará realmente a festa dos tabernáculos! e. Ressuscitando Lázaro Jesus, a ressurreição e a vida. A ressurreição de Lázaro (capítulo 11) é o último grande ato público de Jesus antes de sua própria morte. João prepara seus leitores para isto por meio do "Discurso do Bom Pastor" no capítulo 10. Aqui aprendemos que, se Jesus deve ir em busca das "ovelhas" e ministrar a elas, como o homem cego do capítulo 9, então isto se dará ao custo de sua própria vida. Como o bom pastor, Ele dá sua vida pelas ovelhas (10.11,14,15). Esta auto-entrega de Jesus é dramaticamente prefigurada no capítulo 11. Ele escapa de uma violenta hostilidade em Jerusalém e cruza o rio Jordão para sua segurança (10.31,39,40). Tomé sabe perfeitamente bem que será um suicídio voltar a Jerusalém (11.16). Mas Jesus, apesar disso, retorna porque somente ele pode salvar Lázaro. A ressurreição de Lázaro está ligada à retumbante reivindicação: "Eu sou a ressurreição e a vida" (11.25). Mas está claro que Jesus somente pode ser a "ressurreição e a vida" para Lázaro ao custo de sua própria vida. E assim não nos surpreende quando o sinédrio se reúne e decide que a ressurreição de Lázaro é a última gota. Se Jesus continuar sua missão, as conseqüências serão incalculáveis. Ele deve morrer ( ). Assim, tanto a morte de Jesus como sua ressurreição são prenunciadas nos capítulos 10 e 11. O capítulo 10 apresenta-o como o bom pastor que morre pelas ovelhas, e o capítulo 11 como a ressurreição que dá vida aos mortos. A partir deste ponto a história toma seu rumo inevitável. A partida de Jesus desponta no horizonte (13.1). Ele se retira a um lugar privado com seus discípulos e prepara-os para uma vida em que a alegria de sua presença física será substituída por uma união espiritual com Ele (capítulos 14-16). Seguem-se os momentos factuais de sua detenção, morte e ressurreição (capítulos 18-21). Através desta excitante apresentação João almeja que seus leitores venham compartilhar a fé, experimentar a vida e associar-se à companhia dos seguidores de Jesus Cristo. A mensagem de João: 2. As cartas As cartas de João suplementam seu Evangelho, embora não esteja claro se elas foram escritas antes ou depois. As opiniões entre os estudiosos variam, mas o

83 PAULO E SUA MENSAGEM 81 João ficou intimamente ligado à igreja em Éfeso, e acreditase que tenha morrido lá. Estas ruínas fazem parte da majestosa igreja dedicada a João, construída ali por Justiniano no sexto século. costume de dirigir-se a seus leitores como "amados" e "filhinhos", e o fato de chamar a si mesmo "presbítero" (2 João 1; 3 João 1), sugere que ele pode estar escrevendo em sua idade avançada. Entretanto, seja qual for a data, a mensagem das cartas desenvolve aquela do Evangelho. Evidentemente não podemos desfrutar uma dádiva a menos que saibamos que a possuímos. A fé precisa de certeza. Portanto, se Deus deseja que recebamos e desfrutemos a vida eterna (João 6.40), o conhecimento que de fato recebemos é vital. João escreveu sua primeira carta, portanto, "a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus" (1 João 5.13). Ele foi impelido a fazer isto pelas circunstâncias de sua própria igreja. Se João estava escrevendo em sua velhice, podemos razoavelmente seguir a evidência de Irineu e imaginá-lo agindo como um presbítero líder na igreja em Éfeso. Éfeso era uma grande cidade, e o centro cultural e econômico de uma grande região adjacente. Parece que as três cartas de João foram escritas a congregações locais na "área periférica de Éfeso", sobre as quais o velho apóstolo exercia orientação pastoral e supervisão. A igreja em Éfeso estava evidentemente sendo perturbada por ensino falso de uma espécie particularmente perigosa. Os mestres hereges eram "anticristos" (1 João 2.18), "mentirosos" (2.22), "enganadores" (2.26; 2 João 7), e "falsos profetas" (4.1). João queria tanto expor sua hipocrisia como confirmar a fé dos verdadeiros crentes. A heresia parece ter sido uma espécie de gnosticismo precoce, muito semelhante, se não idêntica, àquela ensinada por um tal Cerinto, que pode ter sido um adversário de João em Éfeso. Havia três elementos particulares neste ensino venenoso. 1. Erro cristológico João acusa os hereges de "ter o Pai, mas negar o Filho" (2.22,23; compare com 2 João 9). Irineu ajuda-nos a compreender esta acusação. Eles provavelmente

84 82 HOMENS COM UMA MENSAGEM ensinavam que Jesus de Nazaré era um homem comum, filho natural de José e Maria. Qualquer idéia de encarnação era impossível para eles, porque consideravam o assunto essencialmente nocivo. Sobre este homem, em seu batismo, "o Espírito" ou "o Cristo" desceu; apenas para deixá-lo e retornar ao céu antes da cruz. Portanto, quando João diz que eles negam "que Jesus é o Cristo" (2.22), devemos naturalmente entender que isto significa que eles negavam que Jesus e o Cristo são uma e a mesma pessoa. Mais tarde João comenta este ponto de vista como uma negação de "Jesus Cristo vindo em carne" (2 João 7; compare com 1 João 4.2), e isto parece refletir a mesma distinção entre "Jesus" e "o Cristo". Para João tal despropósito é uma negação tanto da encarnação como da expiação. Ele despoja a pessoa de Cristo de sua divindade, do seu ensino com autoridade, e da eficácia de sua morte. João afirma nos termos mais fortes possíveis que ninguém que rejeita o Filho pode ter o Pai (2.23,24). Jesus, o Cristo, o Filho de Deus, é "aquele que veio por meio de água e sangue" (5.6). Esta é uma frase obscura, mas pode bem referir-se ao seu batismo e à sua cruz, ambos os quais, João declara em oposição ao ensino herético, foram experiências através das quais passou o divino-humano Jesus de Nazaré. 2. Auto-engano moral Os hereges estavam equivocados tanto em ética como em doutrina, e provavelmente pela mesma razão básica. Se o assunto é essencialmente nocivo, não somente a encarnação é impossível, mas o corpo humano é meramente um invólucro para o espírito, e a moralidade torna-se uma questão de indiferença. Nada do que o corpo faz pode prejudicar o espírito interior. É possível, eles talvez argumentavam, "ser justo" sem "fazer justiça" estar num relacionamento correto com Deus sem a correpondente correção na vida. João combate ardorosamente este segundo erro. "Aquele que diz: 'Eu o conheço', e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso" (2.4). "Filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém; aquele que pratica a justiça é justo, assim como ele é justo" (3.7). "Não imites o que é mau, senão o que é bom. Aquele que pratica o bem procede de Deus, aquele que pratica o mal jamais viu a Deus" (3 João 11). "Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós" (1 João 1.8). João e Cerinto Vimos acima o notável rasto de memória que liga João. por intermédio de Policarpo, a Irineu. Isto não pode ser infalível, naturalmente, mas um elemento nele é a tradição de que nos últimos anos de sua vida João se opôs a Cerinto em Éfeso. Irineu refere-se a um incidente particular, que diz ter ouvido de Policarpo. João fugiu de um balneário público em Éfeso, exclamando: "Salvemo-nos! O balneário vai desabar, porque dentro está Cerinto, o inimigo da verdade!" Os detalhes parecem inverossímeis, mas este episódio ao menos atesta a ardente preocupação com a verdade que caracteriza as três cartas de João. Irineu apresenta um resumo detalhado do ensino de Cerinto, que podemos relacionar à evidência das cartas de João para formar uma imagem da heresia a que o apóstolo se opunha.

85 PAULO E SUA MENSAGEM 83 João preocupavase de que os crentes tivessem vidas irrepreensíveis e puras; havia muitas tentações a evitar, Este sinal gravado numa pedra entre as ruínas da antiga Éfeso marcava o local de um bordel. Portanto, o filho de Deus deve "purificar-se a si mesmo, assim como ele é puro" (3.3). João é inflexível neste ponto: "Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus, para destruir as obras do diabo. Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus" (3.8,9). João não está ensinando a total impossibilidade de pecar, porque ele declarou em 2.1 que há perdão gratuito "se alguém pecar". Ele está antes ensinando a total impropriedade do pecado para alguém que foi trazido ao novo nascimento por Deus. Nesta ênfase João se junta a seu Mestre: o Jesus que expôs a vida imoral da mulher samaritana (João ), disse ao justo Nicodemos que ele precisava nascer de novo (3.1-15), advertiu o aleijado que não mais pecasse (5.14), disse aos fariseus que eles eram meros escravos do pecado (8.34), incentivou seus discípulos a guardarem seus mandamentos (14.15,21-24), e orou para que o Pai guardasse e santificasse os que eram seus (17.17); este Jesus era o Santo que exigia a verdade nas coisas espirituais. "Filhinhos, guardaivos dos ídolos" (1 João 5.21) foram as últimas palavras de João a eles. 3. Auto-exaltação espiritual O terceiro aspecto do sistema dos hereges que merece a condenação do apóstolo era sua atitude de superioridade em relação a outrem. Eram religiosos esnobes que alegavam ter uma revelação especial própria (4.1-3). Eram os "espirituais",

86 84 HOMENS COM UMA MENSAGEM a aristocracia ilustrada, a elite religiosa. Eles menosprezavam os demais. João contradiz categoricamente sua pretensão. Escrevendo a toda a igreja ele diz: "Vós possuís a unção que vem do Santo, e todos tendes conhecimento... a unção que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine" (1 João 2.20,27). Não há revelação secreta. O ensino apostólico e a convicção profunda e íntima de sua verdade dada pelo Espírito é a possessão de toda a igreja. Além disso, os membros da igreja devem amar-se reciprocamente. São irmãos e irmãs. Em sua última oração o Senhor pediu ao Pai que seus discípulos fossem unidos (João ). Portanto, ninguém pode estar "na luz" se odeia seu irmão (1 João ). Na verdade, devemos estar prontos a seguir o exemplo de Jesus e "dar nossa vida pelos irmãos" (1 João 3.16). Este amor é absolutamente fundamental: "Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor" (4.8). Mas esse amor tem sido negado fundamentalmente pelos hereges. Pelo rompimento da comunhão com o restante da igreja, eles revelaram suas verdadeiras tendências: "Eles saíram de nosso meio, entretanto não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos" (2.19). Eles não podem dizer que amam a Deus, pois ao mesmo tempo odeiam os filhos de Deus (4.20,21). João transforma o triplo erro dos hereges num triplo teste de Cristianismo autêntico. Ao mesmo tempo que debilita a confiança dos falsos cristãos, ele fortifica a convicção dos reais cristãos. Como Tiago, ele desenha um contraste entre o que as pessoas alegam ser e o que elas realmente são. Com freqüência ele usa uma expressão como "nisto sabemos [ou sabeis]...", para introduzir os testes de confiança, e estes testes coincidem com os erros dos hereges: "Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus" (4.2). Este é o teste cristológico. "Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus" (3.10). Este é o teste moral. "Nós sabemos que já passamos da mortre para a vida, porque amamos os irmãos" (3.14); "E nisto conhecemos que ele permanece em nós, pelo Espírito que nos deu" (3.24). Este é o teste espiritual. João faz as mesmas afirmações negativamente: "Quem é o mentiroso senão aquele que nega que Jesus é Cristo?" (2.22). "Se dissermos que mantemos comunhão com ele, e andarmos nas trevas, mentimos" (1.6). "Se alguém disser: 'Amo a Deus', e odiar a seu irmão, é mentiroso" (4.20). Estas são as três provas de Cristianismo genuíno. João reúne todas elas no começo de seu capítulo cinco: "Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou, também ama ao que dele é nascido. Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos" (5.1,2). Amenos que os cristãos sejam identificados pela crença genuína, obediência piedosa e amor fraternal, eles são falsos. Eles não podem ter nascido de novo, porque aqueles que são "nascidos de Deus" são os que crêem (5.1) e obedecem (3.9) e amam (4.7).

87 PAULO E SUA MENSAGEM 85 A linguagem das cartas de João é simples, porém sua mensagem é profunda. Martinho Lutero escreveu sobre 1 João: "Jamais li um livro escrito com palavras mais simples do que estas, e no entanto as palavras são inexprimíveis.'' Nelas João destila a essência de uma vida de discipulado, quando finalmente descreve a verdade e a decisão, das quais depende toda a nossa existência: "E o testemunho é este, que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida" (5.11,12). Leitura adicional Menos exigente: A. E. Harvey, Jesus on Trial. A Study in the Fourth Gospel (Londres: SPCK, 1976 ) David Jackman, The Message of John's Letters: Living in the Love of God (Leicester: IVP, 1988) Bruce Milne, The Message of John: Here is your King! (Leicester: IVP, 1993) Leon Morris, Jesus is the Christ. Studies in the Theology of John (Grand Rapids: Eerdmans/Leicester: IVP, 1989) Mais exigente, obras eruditas: Gary M. Burge, Interpreting the Gospel of John (Grand Rapids: Baker Book House, 1992) John W. Pryor, John: Evangelist of the Covenant People. The Narrative and Themes of the Fourth Gospel (Londres: Darton, Longman & Todd, 1992) Judith M. Lieu, The Theology of the Johannine Epistles (Cambridge: CUP, 1991) Leon Morris, Studies in the Fourth Gospel (Exeter: Paternoster, 1969): este livro contém o ensaio sobre a relação entre João e os sinópticos mencionados acima

88 Paulo e sua Mensagem Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na came, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim. (Gálatas 2.19,20) As treze cartas atribuídas a Paulo em nosso Novo Testamento formam exatamente um quarto de todo ele. Além disso, de todos os escritores do Novo Testamento, Paulo pode inquestionavelmente reivindicar ter sido o mais influente em toda a história da igreja. Por exemplo, é uma redescoberta da teologia de Paulo que motiva a Reforma do século dezesseis, aquela revolução teológica que incita uma sublevação dentro da igreja Católica Romana e dá nascimento a todas as igrejas Protestantes dos tempos atuais. Paulo é também singular pelo fato de sabermos mais sobre ele do que sobre qualquer outro escritor do Novo Testamento. Lucas dedica mais da metade do livro de Atos para narrar a história do ministério missionário de Paulo, e podemos obter muita coisa sobre Paulo através de suas cartas. Paulo, o homem Paulo nasceu em Tarso, a principal cidade da Cilicia, na costa sul da Turquia moderna (Atos 9.11; 21.39; 22.3). Ele próprio chama Tarso de "cidade não insignificante" em Atos Tarso é uma cidade de importância comercial considerável e possui uma universidade que rivaliza em fama com as de Atenas e Alexandria. Paulo provavelmente nunca estudou na universidade porque recebeu sua principal educação em Jerusalém (Atos 22.3). Entretanto ele nitidamente absorveu a atmosfera e cultura gregas de Tarso e falou e escreveu em grego com grande fluência. Ele faz citações de pelo menos três poetas gregos: Arato (Atos 17.28), Menander (1 Coríntios 15.33) e Epimênides (Tito 1.12). A cultura grega reserva poucas surpresas para ele, e assim sua formação proporciona-lhe um bom preparo para a carreira missionária. Paulo possuía a cidadania romana por nascimento (Atos 22.28), o que era então uma distinção incomum. Isto sugere que sua família era importante em Tarso, porque com toda probabilidade seu pai ou avô teria recebido esta cidadania

89 PAULO E SUA MENSAGEM 87 oficial como recompensa por serviços prestados à cidade. Isto justifica o fato de ele ter o nome romano "Paulo", ao lado do hebraico "Saulo" (Atos 13.9). Mas "Saulo" era o nome que ele usava quando jovem. Sua família pode ter sido totalmente enraizada na cultura grega, porém para o jovem Saulo foi a religião de seus pais que ocupou todo o seu coração e devoção. Contudo, foi uma versão particular daquela religião que o cativou: "Eu sou fariseu", foi sua apaixonada alegação (Atos 23.6; compare com Filipenses 3.5). O Farisaísmo era então um movimento separado dentro do Judaísmo, movimento que enfatizava a obediência estrita da lei, incluindo escrupulosa observância das festas e outros rituais associados ao templo em Jerusalém. Por esta razão o Farisaísmo floresceu na Judéia, havendo poucos fariseus em outros lugares. Mas de alguma forma Paulo recebe a influência desse movimento e transfere-se para Jerusalém ainda jovem para estudar aos pés de um dos mestres do Farisaísmo, Gamaliel o Primeiro (Atos 22.3), neto do famoso rabino Hillel, a quem todo o movimento considerava seu fundador. O jovem Saulo de Tarso lança-se avidamente à tarefa de memorizar e observar os estatutos e tradições do Farisaísmo. Ele fora, em suas próprias palavras, instruído "segundo a exatidão da lei de nossos antepassados" (Atos 22.3). e "quanto ao Judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais" (Gálatas 1.14). Ele chega ao ponto de afirmar que fora "irrepreensível" na sua observância da lei (Filipenses 3.6). A prova final de sua paixão para com a fé de seus pais é sua cruel perseguição à igreja cristã (Atos 9.1,2; 22.4,5; Gálatas 1.13; Filipenses 3.6; 1 Timóteo 1.13). A conversão de Paulo no caminho para Damasco é repentina e dramática. Por que Paulo persegue a igreja? Por que o evangelho cristão ofendeu tanto este jovem fariseu? O sermão de Pedro no dia do Pentecoste atinge o clímax com a grande declaração: "A este Jesus que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo" (Atos 2.36). Foi provavelmente este elo entre a crucificação e o messiado que ofendeu Paulo. "O que for pendurado no madeiro é maldito de Deus" é o ensino de Deuteronômio Portanto o próprio fato da crucificação faz com que a pretensão cristã seja impossível. Entretanto, esses cristãos parecem ter orgulho da cruz! Dois fatores sugerem que Deuteronômio pode ter sido uma significativa motivação para o ódio de Paulo contra a igreja. 1. Cem anos mais tarde este mesmo argumento é usado contra a fé cristã por outro judeu, num famoso diálogo com o apologista cristão Justino. Trifo, o judeu, argumenta: "Nós duvidamos que o Messias pudesse ter sido crucificado de uma forma tão desonrosa. Pois na lei se diz que um homem crucificado é maldito. Neste ponto você não é capaz de persuadir-me." Mas Justino tenta: "Esta afirmação na realidade fortalece nossa esperança no Messias crucificado. Ele não foi amaldiçoado por Deus, porém Deus anteviu a maldição que você e todos como você amontoariam sobre Ele!" (Justino, Diálogo com Trifo 89.2; 96.1). 2. O próprio Paulo usa o versículo em sua carta aos gálatas de um modo que sugere a revolução nas idéias que ele experimentou: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: 'Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro"' (Gálatas 3.13). Paulo teve a percepção de que Jesus não era pessoalmente maldito de Deus, mas sim vicariamente, tendo tomado a maldição que nos cabia, de modo que ficássemos livres dela. A compreensão de Paulo sobre o significado de Deuteronômio era mais profunda que a de Justino.

90 90 HOMENS COM UMA MENSAGEM Seu zelo é demonstrado por sua disposição de realizar uma longa viagem para desarraigar todos os adeptos desse "Caminho" nocivo (Atos 9.2). Mas, repentinamente, uma luz brilhante vinda do céu ofusca-lhe a visão, e ele é atirado ao solo por mão invisível que o subjuga, enquanto uma voz chama seu nome, e então ele vê Jesus. Não pode haver dúvida de que se trata de uma verdadeira e objetiva "visão celestial" (Atos 26.19) do Cristo ressurreto. Não é nenhuma alucinação. Paulo é bastante claro a este respeito. É a última aparição tardia de Jesus ressurreto: "Depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora do tempo" (1 Coríntios 15.8). Três dias depois, ele está pregando nas sinagogas de Damasco "que este [Jesus] é o Filho de Deus" (Atos 9.20). Alguns têm sugerido que a violência da oposição de Paulo à fé cristã foi uma tentativa de reprimir dúvidas que já o estavam preparando para essa mudança de opinião. Que impressão deixou em Saulo a visão de Estêvão orando por seus algozes enquanto estes o apedrejavam até à morte, entregando sua vida nas mãos do "Senhor Jesus" (7.59,60)? Que eram os "aguilhões" contra os quais Paulo estava recalcitrando? Eram eles sua sensação inquietante de que esses cristãos estavam certos, apesar de tudo? De modo semelhante, alguns têm sugerido que Romanos nos dá algum indício de seu estado de mente nessa ocasião: "Eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: 'Não cobiçarás.' Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência... Outrora, sem a lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri." Está ele descrevendo um período de convicção antes de sua conversão, quando percebeu que sua obediência à lei não era tão "irrepreensível" como ele tinha pensado? E possível que Paulo estivesse angustiado com dúvidas em tal situação. Mas o raciocínio em Romanos 7 é complexo, não sendo certo que ele esteja se referindo à sua experiência pessoal. Além disso, seu próprio testemunho direto não oferece indícios dessas dúvidas. Em duas ocasiões em que Paulo relata sua conversão em Atos, ele se descreve como resoluto em sua convicção e implacável em seu zelo como perseguidor. Igualmente em Gálatas e Filipenses , as duas ocasiões em que ele escreve acerca de sua conversão, não expressa qualquer dúvida sobre sua lealdade e orgulho como fariseu "irrepreensível". A experiência no caminho de Damasco pode ter sido um raio do céu azul. Tenha ou não sido prenunciada, a conversão de Paulo foi o fato decisivo de sua vida. Um estudioso, Dr. Seyoon Kim, da Coréia do Sul, ressaltou a íntima conexão entre a experiência da conversão de Paulo e o evangelho ao qual depois ele dedicou sua vida proclamando. Naquele momento do encontro com o Cristo ressurreto, o Dr. Kim sugere que Paulo não somente se tornou um cristão, mas também recebeu o que mais tarde ele chama "meu evangelho" (p.ex.. Romanos 2.16), como também a ordem de pregá-lo universalmente. Isto certamente está de acordo com seu próprio testemunho em Gálatas 1.11,12: "Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo." Aqui Paulo escreve literalmente "mediante revelação de Jesus Cristo", e indubitavelmente se refere à revelação de Jesus no caminho de Damasco. Podemos examinar a verdade disto se perguntarmos: O que se passava na mente de Paulo quando ele refletia e orava na escuridão naqueles três dias até

91 PAULO E SUA MENSAGEM 89 "Recalcitrando contra os aguilhões" Há três relatos da conversão de Paulo em Atos: O registro de Lucas sobre ela (9.1-19), e a seguir dois relatos do próprio Paulo ( ; ). Na terceira destas, as palavras de Jesus a Paulo são proferidas de forma completa: "Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões" (Atos 26.14). "Recalcitrar [escoicear] contra os aguilhões" é um provérbio, conhecido por nós tanto por meio dos escritos gregos como judaicos. Ele lembra um cavalo tentando em vão recusar-se a obedecer ao controle de seu cavaleiro, ou um boi no arado resistindo às cutucadas da vara do agricultor. O que ele significa quando aplicado a Paulo? Três interpretações são possíveis: 1. Pode referir-se ao "aguilhão" do próprio entendimento. Paulo não podia resistir ao poder esmagador e à glória do Senhor que agora lhe aparece: ele deve obedecer! 2. Pode referir-se à sua perseguição à igreja. Por este procedimento, ele tinha sido como um boi tentando lutar contra seu verdadeiro Mestre, Jesus Cristo. 3. Ou pode referir-se a dúvidas e agulhadas da consciência que Paulo vem tentando suprimir ao continuar perseguindo a igreja, a despeito da sensação de que esses cristãos podem, afinal de contas, estar certos. Talvez essas dúvidas tenham sido instigadas pela visão da coragem e amor de Estêvão, quando orou por aqueles que o estavam apedrejando até à morte (Atos 7.60). Embora Paulo jamais tenha se referido a essas dúvidas, o Senhor pode ter posto seu dedo sobre alguma coisa que agia dentro de seu coração e consciência. que Ananias viesse e lhe impusesse as mãos? As diferentes ênfases de suas cartas ajudam-nos a imaginar seu estado mental: 1. Sua mente mudou a respeito de Jesus. Apesar de crucificado, Jesus era afinal o Messias. Os homens o penduraram num madeiro, mas Deus o ressuscitou dentre os mortos. Paulo não tinha tido nenhuma hesitação ao dirigir-se a Ele como "Senhor". Paulo sentia que havia tido uma visão celestial, e que Jesus estava se dirigindo a ele ressurgido em glória. 2. Sua mente mudou a respeito da Lei. A Lei o levou a perseguir o Messias! Como podia ser isto? Especialmente em suas cartas aos gálatas e aos romanos, temos Paulo respondendo a perguntas com as quais ele deve ter de imediato começado a lutar. Ele questionou todo o seu modo de vida como fariseu, e paralelamente sua compreensão do Velho Testamento até ser capaz de constatar que as Escrituras testemunhavam em favor de Jesus, não contra Ele. 3. Sua mente mudou a respeito da salvação. Este ponto segue-se ao anterior. Anteriormente Paulo havia crido que a salvação dependia de sua obediência como fariseu. Ele podia estar seguro de um lugar no Reino de Deus por causa de seu zelo pela "tradição de meus antepassados". Entretanto, não poderia haver lugar no Reino para alguém que perseguiu o Messias! Este era o maior pecado imaginável. Porém, em vez de julgá-lo e rejeitá-lo, Deus lhe havia revelado seu Filho, e o havia chamado para um importante ministério. Como isto foi possível? Paulo tinha experimentado sua doutrina de justificação, a mensagem que ele anunciou corajosamente através da Ásia Menor, por toda a Grécia e, finalmente, em Roma: Deus simplesmente o tinha aceitado e perdoado seu pecado, não porque Paulo tivesse oferecido meticulosamente os devidos sacrifícios no templo, mas porque Jesus tinha sido sacrificado em seu favor. 4. Sua mente mudou a respeito da igreja. "Por que me persegues?", perguntoulhe o Cristo ressurreto. Não é certamente fantasioso ver nesta pergunta o nascimento em Paulo da compreensão sobre a igreja. Havia tão íntima união entre o Senhor e sua igreja que atacá-la era o mesmo que atacá-lo. Em

92 90 HOMENS COM UMA MENSAGEM conseqüência disto Paulo veio depois a pensar na igreja como "o corpo de Cristo", unida a Cristo pelo Espírito Santo que habita nela e a vivifica. Não surpreende que Paulo tenha sentido vergonha por toda sua existência pelo fato de ter perseguido aqueles cristãos: ele os odiou porque estavam cheios do Espírito Santo e inspirados por Ele para confessar Jesus como Cristo e Senhor. 5. Sua mente mudou a respeito dos gentios. Não está exatamente claro quando Paulo recebeu sua comissão para ser apóstolo junto aos gentios. Num dos relatos da conversão de Paulo, Ananias diz-lhe que Deus o tinha escolhido para "ser sua testemunha diante de todos os homens das coisas que tens visto e ouvido", e logo em seguida Paulo tem uma visão no templo, na qual Deus o envia aos gentios (Atos 22.15,21). Em outros dois relatos, o próprio Jesus ressurreto, em sua aparição inicial no caminho de Damasco, comissiona-o para pregar o evangelho aos gentios ( ). Não há nenhuma contradição entre estas versões. Em Gálatas 1.15,16 Paulo Paulo pede a Timóteo que traga à prisão seus livros [rolos] e os pergaminhos (2 Tm 4.13). Ele também teria usado um tinteiro como este, que data do período romano e foi descoberto em Qumrã.

93 PAULO E SUA MENSAGEM 91 escreve sobre o momento "quando... ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios". O chamado era parte da conversão, porquanto se Deus aceitou e "justificou" pessoas gratuitamente, do mesmo modo como Ele tinha aceitado Paulo, então esse era um evangelho para toda a raça humana. Jesus era um Messias para o mundo, não somente para os judeus. Anteriormente Saulo, o fariseu, tinha construído sua vida sobre a diferenciação mais acentuada possível entre Israel e os gentios. Estes podiam encontrar salvação, porém somente com dificuldade, e somente se aceitassem a circuncisão e tomassem sobre si o "jugo da lei". Essencialmente, eles deveriam tornar-se judeus para ser salvos. Agora, porém, Saulo tinha aprendido duas coisas. Horrorizado, aprendeu que a Lei (como ele a entendia) tinha-o levado a desviarse do caminho. E com assombro aprendeu que Deus tinha-o agora aceitado livremente pela "graça", apesar de seu uso errado da Lei. Colocar estas duas coisas juntas significava abolir a diferença entre Israel e os gentios, porque "Deus é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o incircunciso" (Romanos 3.30). Tudo o que se necessitava era a fé que jorrava em seu próprio coração em resposta à sua visão de Jesus. Como podia ele recusá-la? Na verdade, ele não queria recalcitrar contra o aguilhão! Paulo, escritor das cartas Antes de procurar resumir a mensagem de Paulo, será útil examinar sua carreira como escritor de cartas, bem como o conteúdo de suas cartas. A tabela-resumo adiante apresenta um esboço amplamente aceito da vida de Paulo, embora muitas das datas e a ordem das cartas sejam ainda discutidas pelos estudiosos. Especificamente muitos contestam a autoria de Paulo de 1 e 2 Timóteo e Tito, as chamadas "epístolas pastorais", bem como lançam dúvida sobre o período posterior do ministério que elas parecem refletir. Contudo, no resumo abaixo consideramos que Paulo as escreveu. Muitos estudiosos têm ainda tentado determinar evoluções no pensamento de Paulo entre as cartas. E certamente possível que tais evoluções ocorreram, mas precisamos lembrar, primeiro, que o próprio Paulo acreditava que tinha recebido o evangelho "pronto para uso" no caminho de Damasco, como já vimos; segundo, que todas as cartas datam da segunda metade do seu ministério, e não do período inicial e formativo; e terceiro, que suas cartas foram todas motivadas por problemas particulares, de modo que suas ênfases eram ditadas primariamente pelas necessidades de seus leitores. Não seria impróprio, portanto, reunir um resumo do pensamento de Paulo que abranja todas as suas cartas ao mesmo tempo. A mensagem de Paulo Numa palavra, a mensagem de Paulo é a salvação pela graça de Deus em Cristo. "Graça" é uma chave em seu pensamento. Ela ocorre oitenta e seis vezes em seus escritos. Para ele a "graça" tem de ser contrastada com a "lei" (veja, p.ex., Romanos 6.15 e 5.20; Gálatas 2.21). Isto era o que ele havia experimentado; ele tinha seguido o modelo da "lei", crendo que Deus requeria perfeita observância das regras que abrangiam cada detalhe da vida. Mas então ele

94 94 HOMENS COM UMA MENSAGEM descobriu que isto o levara a afastar-se de Deus, e que Deus cruzou seu caminho e simplesmente o aceitou em Jesus. Isto foi pura "graça", amor imerecido e perdão mostrados a um blasfemo e perseguidor de Cristo. Para Paulo a graça de Deus não é simplesmente uma atitude de Deus (olhar para ele com amor), mas também uma ação de Deus (agarrá-lo e livrá-lo por meio de Cristo). Esta ação é vista em dois eventos: na dádiva de Cristo, em quem "a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens" (Tito 2.11), e na dádiva do Espírito Santo, por meio de quem a graça de Deus é tornada real e eficaz para cada pessoa. Como Paulo escreve em Tito 3.5-7, "ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna". Podemos recorrer a quatro grandes expressões teológicas, usadas por Paulo, para resumir esta mensagem da graça de Deus: 1. Justificação Deus nos faz justos Este é o tema básico das cartas aos gálatas e aos romanos. Ser "justificado" significa ser inocentado, seja por um tribunal humano, seja por Deus, o Juiz de todo a raça humana. É uma expressão usada no Velho Testamento, onde aos juízes foi ordenado que julguem "justificando ao justo e condenando ao culpado" (Dt 25.1). Semelhantemente Deus diz sobre si mesmo: "Não justificarei o ímpio [culpado]" (Êxodo 23.7). Antes de sua conversão Paulo não teve nenhum problema acerca disto. Como fariseu ele acreditava que jamais era necessário mostrar-se culpado diante de Deus, porque Deus havia providenciado detalhadas instruções na Lei para livrar a raça humana do pecado incluindo instruções sobre como fazer a expiação por pecados ocasionais que viessem a ocorrer. Porém agora, como cristão, ele surpreende seus leitores apresentando Deus como aquele que "justifica ao ímpio" (Romanos 4.5). Aquela tinha sido sua experiência mas ela parece contradizer o Velho Testamento. Como é isto possível? A luz irradia sobre Romanos e Gálatas. Paulo refere-se a um versículo dos Salmos, para o qual ele não havia talvez atentado como fariseu: "Não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo nenhum [nenhum justificado] vivente" (Salmo 143.2), citado em Romanos 3.20 e Gálatas 2.16). Em Romanos esta citação forma o clímax de uma longa explanação (Romanos ), na qual Paulo mostra que toda a raça humana, judeus e gentios igualmente, estão "debaixo do pecado" (Romanos 3.9). Sua avaliação do poder da Lei caiu ao nível mais baixo! Tudo o que a lei consegue é fazer o homem "culpável perante Deus" e ter "o pleno conhecimento do pecado" (Romanos 3.19,20) na verdade, "debaixo da maldição" (Gálatas 3.10). Portanto, se Deus vai justificar-nos, Ele deve "justificar o ímpio": não há nenhuma alternativa. E isto é possível por causa de Jesus. Em Gálatas 2.17 Paulo escreve: "...procurando ser justificado em Cristo". A expressão "em Cristo" é muito comum nas cartas de Paulo e significa estar unido a Cristo, associado com Ele inseparavelmente. Vamos considerar abaixo exatamente o que é esta união. "Em Cristo" os ímpios podem ser justificados mas não exatamente porque estão "associados inseparavelmente" ao Filho de Deus sem pecado, e assim resguardados por sua impecabilidade. A idéia de Paulo é mais profunda. Ele pensa numa espécie de permuta entre nós e Jesus: "Aquele que não conheceu

95 PAULO E SUA MENSAGEM 93 Datas Eventos na Vida de Paulo aprox. 5 Nascido em Tarso 35 Convertido no caminho de Damasco Cartas Mensagem principal Ministério na Arábia e em Damasco (Gálatas 1.17) 38 Visita a Jerusalém após a conversão (Atos 9.26; Gálatas 1.18) Ministério na Síria; e em sua cidade Tarso (Atos 11.25; Gálatas 1.21) Ministério em Antioquia com Barnabé Viagem a Jerusalém (Atos 11.26; 12) Primeira viagem missionária, em seguida Concílio em Jerusalém (Atos 13-15) 50 Após a primeira viagem missionária (Atos 13-15) Gálatas Cristo, o libertador: libertação da Lei Durante a segunda viagem missionária provavelmente de Corinto (Atos 18.11) 1 & 2 Cristo, a vinda do Juiz Tessalonicenses e Salvador Durante a terceira viagem missionária provavelmente de Éfeso (Atos ) 1 & 2 Coríntios De Corinto (Atos 20.3) Romanos 56 Viagem a Jerusalém: preso (Atos 21.27ss.) Cristo, o doador da lei para a igreja, seu corpo Cristo caminho de Deus para a salvação do judeu e também do qentio Preso em Cesaréia, viagem a Roma (Atos 24-28) Ministério e prisão em Roma (Atos 28.30,31) 61 Livramento do cativeiro (Filipenses 1.25; Filemom 22) Ministério na Ásia Menor e na Grécia Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom 1 Timóteo, Tito Cristo, o Senhor do universo e da igreja (Ef, Cl); Cristo, a fonte de alegria no sofrimento (Fp) Vida e ministério dentro da igreja de Cristo 65 Novamente preso, julgado e martirizado em Roma 2 Timóteo Guardando a fé pela palavra e pelo exemplo

96 96 HOMENS COM UMA MENSAGEM pecado, ele o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5.21). E aí que entra a cruz. Foi sobre a cruz que Jesus "tornou-se pecado" por nós. Esta expressão poderia ser traduzida "feito para ser uma oferenda pelo pecado", e talvez isto esteja na mente de Paulo. Ele também o expressa em Gálatas 3.13: "Cristo nos resgatou da maldição em nosso lugar, porque está escrito: 'Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro'." Ele se fez pecado por nós, e tornou-se maldição por nós, para que pudéssemos ficar livres de ambos. Perguntamos a Paulo: Como a morte de Cristo o capacita a suportar a maldição por nós e fazer-se pecado por nós por este meio? Ele responde: Porque a morte é a "maldição da lei" e "o salário do pecado" (Romanos 6.23). Basicamente, a morte é a separação de Deus causada pelo pecado. Esta morte Cristo a morreu por nós. Ele morreu nossa morte. Se, pois, estamos unidos a Cristo, isto é tão verdadeiro como dizer: "Eu morri em Cristo", que é o mesmo que dizer: "Ele morreu por mim." Se Cristo morreu a minha morte e eu estou nele, Deus me vê como se eu mesmo tivesse morrido. Tendo morrido e ressuscitado com Cristo, as exigências da Lei são satisfeitas, e eu estou libertado. Os versículos seguintes dizem isto com as próprias palavras de Paulo: "Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim" (Gálatas 2.19,20). "[Jesus] foi entregue por causa das nossas transgressões, e ressuscitou por causa da nossa justificação" (Romanos 4.25). "O amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou" (2 Coríntios 5.14,15). "Quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus" (Romanos 6.10,11). A doutrina da justificação apresentada por Paulo foi atacada por alguns outros judeus cristianizados. Na verdade, ele teve de responder a três críticas, todas elas baseadas no argumento de Romanos: a. Se a salvação é simplesmente pela graça por meio da fé em Cristo, então qual é o propósito da Lei? Muitos dos compatriotas judeus reagiram contra Paulo, como ele teria feito antes de sua conversão. Quando ele chegou a Jerusalém, voltando de sua terceira viagem missionária, enfrentou "milhares" de judeus cristianizados que estavam profundamente desconfiados dele. Como Tiago comentou, "[Eles] foram informados a teu respeito que ensinas todos os judeus entre os gentios a apostatarem de Moisés, dizendo-lhes que não devem circuncidar os filhos nem andar segundo os costumes da lei" (Atos 21.21). Havia mais exagero do que verdade nesta notícia. Paulo estava contente de que os judeus continuassem a observar a Lei (Romanos 14.3,4). Mas ele certamente acreditava que guardar a Lei não era necessário para a salvação o que era bastante radical! Paulo trata especificamente desta questão em Romanos e Gálatas Ele já havia perguntado corajosamente: "Anulamos, pois, a lei pela fé?", e firmemente respondeu: "Não, de maneira nenhuma, antes confirmamos a lei" (Romanos 3.31). Ele tinha diferentes meios de justificar esta asserção, mas em Gálatas ele usa duas imagens que resumem todos eles: "Antes que viesse a fé,

97 PAULO E SUA MENSAGEM 95 O papel do batismo na união com Cristo "Porventura ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida" (Romanos 6.3,4; compare com Gálatas 3.26,27 e Colossenses 2.12). Em que sentido Paulo usa aqui a palavra "pelo", na expressão "pelo batismo"? Alguns concluíram que Paulo atribui um papel muito significativo ao batismo como meio de união com Cristo em sua morte e ressurreição. Entretanto, pareceria mais exato representálo como o sinal, e talvez também como a ocasião desta união salvífica com Cristo, e não como seu meio. Isto se torna claro pela comparação que Paulo faz entre o batismo e a circuncisão em Colossenses 2.11,12. Ele pensa claramente neles como operando do mesmo modo. No texto que se segue ele define a circuncisão como um "sinal... como selo da justiça da fé que teve [Abraão] quando ainda incircunciso" (Romanos 4.11). Primeiro Abraão recebeu a justificação pela fé, depois recebeu a circuncisão como um sinal e selo da justificação. Da mesma forma estamos unidos a Cristo pela fé, e assim somos justificados, e em seguida recebemos o batismo como um sinal de Deus da nossa justificação, e um selo dela, assegurando-nos que ela é realmente nossa. Martinho Lutero estava certo da compreensão de Paulo sobre o batismo no famoso incidente do tinteiro. Um dia, trabalhando em sua mesa, sentiu-se fortemente tentado a duvidar de sua justificação. Reconhecendo a fonte da tentação,. pegou o tinteiro e arremessou-o violentamente contra o Diabo, gritando: "Baptizatus sum!" "Fui batizado!" estávamos sob a tutela da lei, e nela encerrados, para essa fé que de futuro haveria de revelar-se. De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé" (Gálatas 3.23,24). Aqui ele retrata a Lei primeiro como uma sentinela, e depois como um guia. A Lei não podia prover a salvação, mas podia manter as pessoas sob custódia protetora até que elas pudessem ouvir e aceitar o evangelho. E ela podia orientar as pessoas, conduzindo-as a Cristo por mostrar como Ele cumpre as expectativas do Velho Testamento e provê exatamente o que a própria Lei não podia prover. Como Paulo diz num de seus sermões em Atos, "por meio dele todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés" (Atos 13.39). b. Se a salvação é simplesmente pela graça por meio da fé, "qual é, pois, a vantagem do judeu?" (Romanos 3.1). Paulo parecia solapar o status especial de Israel como povo escolhido de Deus, que celebrou com eles a aliança, o compromisso de ser seu Deus para sempre (p.ex., Gênesis 17.7). Paulo certamente acreditava que havia agora um meio de salvação, tanto para os judeus como para os gentios, aquele da fé em Cristo. Como ele afirma em Efésios, Jesus "tendo derrubado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu na sua carne a lei dos mandamentos na forma de ordenanças" (Efésios 2.14,15). Mas, quer isto dizer que Deus revogou as promessas que fez a Israel, seu povo escolhido? Responder a esta pergunta é uma das principais preocupações de Paulo em sua carta aos Romanos, porque ele também sente claramente que se trata de um problema. Em Romanos 3.2,3 Paulo insiste que há grande vantagem em ser judeu, e que a descrença de Israel não vai fazer que Deus abandone seu compromisso com ele. Depois ele volta ao assunto em Romanos 9-11 e dedica três capítulos bem fundamentados sobre o assunto. Sua poderosa argumentação está resumida no próximo quadro. c. Se a salvação é simplesmente pela graça por meio da fé, então podemos pecar como nos apraz? Paulo cita esta objeção em Romanos 6.1. Aparentemente

98 96 HOMENS COM UMA MENSAGEM Romanos 9-11: O plano de Deus para Israel É em virtude da essência da doutrina de Paulo sobre a justificação pela fé que há hoje apenas um meio de salvação para todos fé em Jesus Cristo. Por isso, os gentios não precisam tornar-se judeus para ser salvos. Antes, ambos, judeu e gentio, devem abandonar sua religião anterior e tornar-se cristãos. Isto horrorizou muitos judeus cristianizados. Eles pensavam que, por causa da posição privilegiada de Israel pela aliança, os gentios deviam tornar-se judeus para ser discípulos do Messias de Israel. Sua acusação era: Paulo, você nega a aliança de Deus com Israel dizendo que "não há distinção entre judeu e grego [gentio], uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam" (Romanos 10.12). Romanos 9-11 é a resposta de Paulo a esta acusação. Estes fascinantes capítulos tornaram-se um grande centro de interesse dos estudiosos recentes. Paulo começa afirmando o que seus opositores pensaram que ele havia negado. Sim, Israel ainda é o legítimo depositário dos privilégios que Deus lhe deu (9.3-5), e a palavra de Deus para Israel não pode falhar (9.6). Porém Paulo tem algumas coisas importantes a dizer sobre o meio pelo qual Deus vai manter suas promessas a Israel: a. Manter sua palavra para com Israel inclui proferir sua sentença sobre ele em virtude de seu pecado e rebelião. Ela nunca significou uma promessa de salvação generalizada ( ; ). b. Manter sua palavra para com Israel não significa um compromisso de salvar cada judeu individualmente. Ser simplesmente descendente de Abraão não qualifica automaticamente os judeus para o céu. Deus realiza uma escolha posterior (9.6-13). Sim, "todo o Israel será salvo" (11.26), porém se cada judeu vai ser incluído depende dele ou dela aceitar ou não o evangelho. c. Manter sua palavra para com Israel pode envolver o interesse de salvar os gentios. Na realidade, as duas coisas caminham juntas, primeiramente porque Deus promete nas Escrituras de Israel abençoar os gentios (9.25; 10.13,20); e, em segundo lugar, porque um dos documentos pioneiros de Israel, o famoso Cântico de Moisés em Deuteronômio 32, adverte especificamente Israel de que, se ele cair em pecado, Deus lhe responderá derramando suas bênçãos sobre outras nações (10.19; ). Foi isto que aconteceu através do ministério de Paulo. d. Manter sua palavra para com Israel não significa afirmar que Israel compreende a Lei. Ele tem grande zelo pela Lei, mas, na realidade, falha por não entendê-la. De modo específico, ele falha em não compreender que a fé cristã é o cumprimento da Lei. Isto porque os que se tornaram cristãos, tanto judeus como gentios, demonstram uma transformação de coração pela qual a Lei sempre ansiou, geralmente em vão ( ). e. E, finalmente, manter sua palavra para com Israel é algo que Deus tem feito durante toda a história humana. As vezes pode parecer que Ele o abandona. E isto parecia acontecer naquele momento, diz Paulo, porque houve "um endurecimento em parte a Israel" (11.25). Mas este "endurecimento", no esquema de Deus, permite que o evangelho chegue até ao mundo gentio de modo que, finalmente, Israel será trazido de volta ao maravilhoso clímax em que "todos os homens" se regozijarão na misericórdia de Deus para com eles em Cristo ( ). Este breve resumo não pode fazer justiça à complexidade e poder da dissertação de Paulo, que é uma das supremas glórias do Novo Testamento. ele estava sendo acusado de ensinar: "Pratiquemos males para que venham bens" (Romanos 3.8). Os judeus cristianizados pensavam que esta rejeição da Lei significava inevitavelmente a ruína de toda a moralidade. E, com efeito, alguns dos gentios convertidos de Paulo foram notoriamente negligentes em seus costumes (p.ex., 1 Coríntios 5.1; 6.15). Qual foi a resposta de Paulo? Esta terceira objeção à sua doutrina da justificação pela fé leva-nos ao próximo grande tema em sua teologia: 2. Santificação Deus nos faz santos A santificação é instantânea. Tão logo qualquer pessoa pecadora abandona sua vida de pecados e entrega-se a Jesus Cristo, que morreu por ela e ressuscitou, Deus a declara "justa". Ela foi "justificada mediante a fé" e tem "paz com Deus por meio de Jesus Cristo" (Romanos 5.1). A santificação, porém, é o processo que então se inicia pela qual o pecador

99 PAULO E SUA MENSAGEM 97 é gradualmente transformado na imagem de Cristo (2 Coríntios 3.18). Uma é impossível sem a outra, pois, como Paulo declara aos filipenses, "aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus" (Filipenses 1.6). Se Deus verdadeiramente justificou alguém, então Ele também o santificará. Por isso, nenhum crente pode propor: "Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça?" (Romanos 6.15). A justificação não significa a rejeição da Lei, mas sua injeção nos corações de todos os que crêem em Cristo, em cumprimento da expectativa do Velho Testamento (veja Ezequiel 36.26,27). Se somos justificados, então "o amor de Deus é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado" (Romanos 5.5). Toda a questão acerca de morrer com Cristo é que devemos também ressurgir com Cristo para uma qualidade de vida toda nova, jamais possível àqueles que simplesmente confiaram na Lei (Romanos 6.4-7). Entretanto isto não acontece automaticamente, sem atividade de nossa parte; temos de trabalhar para isso. Como Paulo afirma brilhantemente aos filipenses: "Assim, pois, amados meus... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Filipenses 2.12,13). Deus está trabalhando em nós mas isto não significa acomodar-nos e deixar que Ele faça tudo. Precisamos desenvolver nossa "salvação com temor e tremor", como se ela dependesse de nós. Por isso as cartas de Paulo fervilham de instruções práticas para a vida e atitude cristãs. Várias das cartas podem ser nitidamente divididas em duas, a primeira metade referindo-se à fé cristã, e a segunda à vida cristã: por exemplo, Romanos 1-11 e 12-16; Gálatas 1-4 e 5-6; Efésios 1-3 e 4-6; Colossenses 1-2 e 3-4. As orações de Paulo são particularmente reveladoras. Ele almeja que seus convertidos se encham de verdade e amor, com retidão e paciência, com alegria e ações de graças (veja especialmente Efésios ; ; Filipenses ; Colossenses ). O quadro seguinte dá uma vista geral de seu ensino prático. Duas outras facetas do ensino de Paulo sobre a santificação precisam ser mencionadas: meios e incentivos. а. Os meios de santificação. O que a impede? Para Paulo, os meios competem com os impedimentos: i. O Diabo por isso precisamos revestir-nos "de toda a armadura de Deus" (Efésios 6.11). Paulo acreditava que "nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes" (Efésios б.12). Ele não está certamente descrevendo (como alguns sugerem) toda uma hierarquia dos poderes do mal, de modo que cada situação tenha seu próprio demônio, contra o qual devemos lutar. Mas ele está, efetivamente, sublinhando o poder e a maldade dessas forças espirituais em guerra conosco. Nós as desconhecemos em nosso perigo. Assim, pois, necessitamos da armadura de seis peças que Deus nos dá (Efésios ), e sabemos que a estamos usando eficazmente quando oramos "em todo o tempo no Espírito, e para isto vigiando com toda perseverança e súplica" (Efésios 6.18). O cristão efetivo e vitorioso é marcado por uma vida de constante oração.

100 100 HOMENS COM UMA MENSAGEM ii. A carne e também precisamos "andar no Espírito" (Gálatas 5.16). "A carne" é uma expressão importante para Paulo. A Nova Versão Internacional geralmente a traduz por "natureza pecaminosa", por exemplo em Gálatas 5.17: "A natureza pecaminosa deseja o que é contrário ao Espírito, e o Espírito o que é contrário à natureza pecaminosa. Eles estão em conflito um com outro, de modo que não façais o que desejaríeis." "A carne" é a contínua presença do pecado e da morte mesmo nos cristãos. O pecado e a morte não mais reinam sobre nós, mas ainda estão presentes em nós. Isto significa uma batalha interior. "A carne" deve ser combatida, no poder do Espírito. E uma questão de vida ou morte: "Se viveis de acordo com a natureza pecaminosa, morrereis; mas se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, vivereis, pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus" (Romanos 8.13,14). Devemos produzir "o fruto do Espírito", e não "as obras da carne", para que possamos "crucificar a natureza pecaminosa com suas paixões e desejos", e "andemos no Espírito" (Gálatas 5.24,25). Isto é vital. A profunda preocupação de Paulo a respeito dos coríntios era o fato de eles serem "carnais" ("mundanos" ou "profanos"), e não "espirituais" (1 Coríntios 3.1). Esta seria sua urgente mensagem também à igreja do século vinte. Mais importante do que todas as estratégias missionárias e programas de educação, mais extensa do que toda nova iniciativa, mais urgente do que qualquer outra necessidade, é o chamamento à santidade: "andar no Espírito", de forma a não não satisfazer "à concupiscência da carne" (Gálatas 5.16). b. Os incentivos à santificação. Paulo raramente faz uma exortação à santidade sem acrescentar um motivo. Quais são esses incentivos? i. Algumas vezes é o exemplo de Cristo. Por exemplo, Paulo concita-nos a humilhar-nos tal como Cristo, que "a si mesmo se esvaziou" (Filipenses 2.5-7). a andar "em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus em aroma suave" (Efésios 5.2). a acolher "uns aos outros, como também Cristo nos acolheu" (Romanos 15.7). ii. Algumas vezes é a presença de Cristo: "Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo" (Efésios 5.21). "Purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus" (2 Coríntios 7.1). Em ambos os versículos "no temor de" é, literalmente, "em reverência a". Em ambos os casos a motivação é amar com receio de ofender aquele em cuja presença vivemos. Encontramos a mesma motivação em 1 Coríntios (participação reverente na Ceia do Senhor), e em Efésios (não entristecer o Espírito insultando aqueles em quem Ele habita). iii. Mais freqüentemente, é a obra de Cristo, por nós e em nós, que motiva a santidade. Aqui estão três exemplos: Morremos e ressuscitamos com Cristo; portanto "considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus" (Romanos 6.11), e "buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus" (Colossenses 3.1). Nós nos despimos do "velho homem" e nos revestimos do "novo homem, que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou" (Colossenses 3.9,10). Portanto, devemos nos despojar da ira e da mentira, e nos

101 PAULO E SUA MENSAGEM 99 Paulo, acerca de viver a vida cristã As cartas de Paulo estão de tal forma carregadas de instruções práticas que esta visão geral não pretende cobrir todas. Entretanto, ela pode mostrar alguma coisa da ampla gama de tópicos que ele abrange: Vida familiar: relacionamento entre maridos e esposas (1 Coríntios 7.1-5; Efésios ), entre pais e filhos (Efésios 6.1-4), entre senhores e escravos (Efésios 6.5-9; 1 Timóteo 6.1,2). Ética sexual, tanto dentro como fora do casamento: Paulo tem algumas coisas particularmente incisivas a dizer sobre as práticas homossexuais, que eram muito difundidas em seu tempo (Romanos ; 1 Coríntios ; ; 1 Tessalonicenses 4.3-8; 1 Timóteo ). Cidadania: a atitude cristã perante a autoridade secular e sobre o pagamento de impostos (Romanos ; 1 Coríntios 6.1-8). Conversação: ele tem muito a dizer sobre a conversação para os cristãos (por exemplo, Romanos 12.14; Efésios ). A mente: Paulo dá um destaque especial ao modo como e o que pensar, porque isto molda todo o nosso ser (Romanos 8.5-8; ; Filipenses 4.8; Efésios ). Trabalho: é um dever cristão, diz ele aos tessalonicenses, trabalhar para o nosso sustento e não ser preguiçosos (1 Tessalonicenses ; 2 Tessalonicenses ). Vingança: num mundo em que se admitia a vingança, Paulo advertia que o cristão deve deixar a vingança para Deus e amar os seus inimigos (Romanos ). Formação do caráter: é nisto que Paulo insiste com mais ênfase, porque ele sabe que a santificação é primeiramente uma questão de caráter, e, em segundo lugar, de comportamento. Por isso ele admoesta para a prática das virtudes da humildade e do desprendimento (Filipenses ); da alegria, oração, paz e contentamento (Filipenses ); o "fruto do Espírito" para desarraigar "as obras da carne" (Gálatas ); e, acima de tudo, as três qualidades cruciais: a fé, a esperança e o amor (1 Tessalonicenses 1.3; Efésios 4.1-6; 1 Coríntios ), tendo o amor como objetivo supremo (Romanos ; Gálatas 5.6,13-15). Paulo escreveu com alguma extensão à igreja de Corinto sobre viver a vida cristã. Estas impressionantes colunas dóricas fazem parte do antigo templo de Apolo, ao lado da Ágora, em Corinto.

102 100 HOMENS COM UMA MENSAGEM vestir de "misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade" (Colossenses 3.12). Porque seu Espírito está em nós, nossos corpos são "membros de Cristo" (1 Coríntios 6.15) isto é, somos membros de Cristo, seus braços e pernas. Portanto, devemos glorificar a Deus com nossos corpos, porque "não sois de vós mesmos" (1 Coríntios 6.19). iv. Freqüentemente, é a vinda de Cristo que motiva a santidade. Paulo estava sempre trabalhando e orando em função "daquele dia", quando o Senhor viria, e almejava que seus convertidos estivessem prontos: "O qual [Jesus Cristo] também vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Coríntios 1.8). "Vai alta a noite e vem chegando o dia. Deixemos, pois, as obras das trevas, e revistamo-nos das armas da luz" (Romanos 3.12). "E também faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, para aprovardes as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o dia de Cristo, cheios do fruto de justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus" (Filipenses ). 3. Edificação Deus edifica sua igreja Justificação e santificação parecem, à primeira vista, dizer respeito somente ao trabalho de Deus no crente individual. Mas elas também têm uma dimensão comunitária vital. Por exemplo, o "fruto do Espírito" é composto de nove qualidades, nenhuma das quais pode ser praticada ou expressada por um indivíduo isolado de outras pessoas: "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, e domínio próprio" (Gálatas 5.22,23). Todas elas pressupõem relacionamentos. Apropria "alegria" não pode ser expressada isoladamente, "paz" inclui a idéia de viver em paz com outros, e "domínio próprio" pressupõe as tentações e desafios, os quais tão freqüentemente se manifestam na sociedade humana. A justificação certamente tem um apelo individual vital para Paulo. Afinal de contas, ele a tinha experimentado em si mesmo, face a face com o Senhor, a sós no caminho de Damasco. Mas ela teve imediatas implicações comunitárias. O Senhor que lhe apareceu identificou-se com as vítimas de Paulo. E assim, tão logo ele foi batizado e tomou uma refeição, Paulo "permaneceu em Damasco alguns dias com os discípulos" (Atos 9.19). Ele fora convertido para viver uma nova comunidade. E ele rapidamente se convenceu de que a "justificação pela fé" resultou na criação de um novo corpo, composto de tudo o que pertencia a Cristo, não importando suas diferenças de formação ou posição social: "Não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3.28). "Onde não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos" (3.11). Estes dois versículos ilustram a concepção fundamental de Paulo. As velhas barreiras religiosas, raciais, sociais, até mesmo sexuais, foram demolidas, por causa da união da igreja com Cristo. Eles são "um" em Cristo, o qual está "em" todos eles. O que cria esta união com Cristo? A resposta de Paulo é simples: o Espírito Santo. Estamos acostumados a pensar no Espírito como habitando em cada crente individual, e isto é um elemento importante no ensino de Paulo. Mas ele também pensa no Espírito habitando na igreja como um todo. "Não

103 PAULO E SUA MENSAGEM 101 sabeis que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?" (1 Coríntios 3.16). Os coríntios não são apenas uma associação voluntária de crentes individuais, mas juntos são um templo habitado pelo Espírito do próprio Deus. Podemos examinar isto um pouco mais. Paulo denomina a igreja "o corpo de Cristo" (1 Coríntios 12.27; Efésios 4.12) ou "um corpo" em Cristo (Romanos 12.5). A entrada neste corpo é por meio do Espírito: "Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito" (1 Coríntios 12.13). Quando Paulo chama ao Espírito "Espírito de Cristo" (Romanos 8.9), o círculo lógico se completa. O Espírito Santo é o Espírito de Cristo, habitando no Corpo de Cristo, e trazendo todos naquele que mora em união espiritual com cada um, e com o Senhor Jesus ressurreto e ascenso ao céu. Para Paulo esse corpo não é estático: como o corpo humano, ele cresce. Quando ele escreve sobre o crescimento da igreja, ele geralmente não tem em mente aumentar números, mas desenvolver a comunhão: "Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo ajusta cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor" (Efésios 4.15,16). Este crescimento é o que Paulo chama "edificação" em 1 Coríntios 14, onde ele discute a questão de falar línguas na igreja de Corinto. Como deveria esta prática ser disciplinada? O princípio sobre o qual Paulo baseia sua resposta é o da edificação: qualquer coisa que edifique a igreja aumente sua compreensão, aprofunde sua adoração, fortaleça seu amor deve ser encorajado. Qualquer coisa que não o faça deve ser afastada. Quais são os meios práticos de edificação? Para Paulo há dois: a. Comunhão. A unidade da igreja não deve ser criada. Ela deve ser preservada, porque já existe. Paulo incentiva os efésios, "esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz" (Efésios 4.3). Esta "unidade do Espírito" é também chamada "comunhão do Espírito" (Filipenses 2.1) ou "comunhão do Espírito Santo" (2 Coríntios 13.13), usando a palavra grega koinonia. Esta palavra aponta para o fato de que todos nós nos pertencemos mutuamente, de que pertencemos ao mesmo Salvador, e de que temos a responsabilidade de cuidar uns dos outros e satisfazer às necessidades dos outros: "É justo que eu assim pense de todos vós, porque vos trago no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa e confirmação do evangelho, pois todos sois participantes da graça comigo" (Filipenses 1.7). "Porventura o cálice de bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão" (1 Coríntios 10.16,17). A Ceia do Senhor expressa vividamente nossa koinonia conjuntamente e com Cristo. Paulo escreve sobre a ânsia das igrejas da Macedónia em contribuir para a coleta que estava sendo levantada em favor das igrejas pobres da Judéia: "Pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos" (2 Coríntios 8.4). "[Oro] para que a comunhão da tua fé se torne eficiente, no pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para com Cristo", diz Paulo a Filemom (Filemom 6), pouco antes de pedir-lhe que receba de volta seu escravo desertor Onésimo

104 102 HOMENS COM UMA MENSAGEM "como irmão caríssimo" (16). Sua koinonia senhor-escravo e torna essencial o perdão. em Cristo solapa a velha relação b. Ministério. Paulo descreve o processo de "edificação" em Efésios Seu ponto central são os dons para ministérios de Cristo para a igreja: "E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efésios ). É fundamental observar aqui que os "oficiais" da igreja não se ocupam do "desempenho do seu serviço". Antes, é seu papel preparar os membros restantes da igreja a ocupar-se do "desempenho do serviço". Quando a igreja trabalha unida desta forma, ela é edificada, isto é, torna-se mais semelhante a Cristo. Em 1 Coríntios 12 Paulo descreve o mesmo processo de uma forma diferente. Ele aproveita a imagem da igreja como um "corpo". Cada parte pertence a todas as outras partes, e contribui com alguma coisa singular em relação ao todo. Cada parte necessita de todas as outras partes, e depende de suas contribuições específicas. E cada parte sofre com todas as outras partes, sentindo a sua dor (ou alegria), como se fosse sua própria. Paulo aplica todas estas idéias à igreja. Cada crente tem um ministério singular, concedido pelo Espírito Santo (1 Coríntios 12.7), do qual dependem a vida e a inteireza da igreja. Esta ênfase não está em conflito com a crença em um "ministério" ordenado ou nomeado. O próprio Paulo "escolheu" presbíteros e deu muitos conselhos a Timóteo e a Tito sobre as qualificações para o ministério dos presbíteros e diáconos, bem como a respeito de sua conduta. Mas ela está certamente em conflito com uma nítida distinção entre "clero" e "laicidade". Além disso, Paulo certamente nos encoraja a ver que a liderança na igreja não é solitária, mas plural. Sob a superintendência do Espírito Santo, algumas partes contribuem mais do que outras para a orientação e objetivo do corpo, porém cada parte contribui com alguma coisa. O fator final e mais importante é o amor: "um caminho sobremodo excelente" (1 Coríntios 12.31), a argamassa entre os tijolos, a seiva da árvore, o lubrificante das juntas, o sangue que mantém a vida de Jesus fluindo através dos membros de sua igreja! 4. Glorificação Deus nos leva para o lar O ensino de Paulo sobre o crescimento da igreja sugere um alvo em direção ao qual o crescimento é dirigido. Ele dá a esperança de tornar-se "a perfeita varonilidade, à medida da estatura de plenitude de Cristo" (Efésios 4.13). Aqui encontramos um elemento fundamental em sua teologia, o que coloca seu evangelho em nítido contraste tanto com as várias filosofias pagãs que ele conheceu em sua juventude em Tarso, como com o materialismo que rapidamente se torna a cultura do mundo no final do século vinte. O presente é moldado pelo futuro, o mundo tem um destino definido, o tempo e a história passam, e um dia Deus será "tudo em todos" (1 Coríntios 15.28). Para os cristãos isto significa que "gloriamo-nos na esperança da glória de Deus" (Romanos 5.2) isto é, antegozamos nossa entrada diretamente até à presença do próprio Deus, finalmente e plenamente livres do pecado e da morte,

105 Na Ágora, ou grande praça do mercado da antiga Atenas, Paulo debateu diariamente com os filósofos epicuristas e estóicos, provavelmente numa colunata, tal como a de Stoa de Attalus (no detalhe). A corte do areópago, onde Paulo defendeu sua posição a respeito de Jesus e a ressurreição, provavelmente reuniu-se na colunata real.

106 104 HOMENS COM UMA MENSAGEM prontos para usufruir a perfeita intimidade do amor familiar dos filhos unidos por fim com seu Pai. O Espírito Santo é também decisivo neste ponto. Ele não apenas produz seu fruto em nós (santificação), e não apenas cria a comunhão que cresce e se fortalece (edificação), mas também assegura-nos este estágio final no processo nossa glorificação: "Também nós que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção de nosso corpo" (Romanos 8.23): aqui o Espírito é "as primícias" da colheita, a parte que nos permite ver o que é essa colheita e assegura-nos que o descanso está chegando. "Não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. Ora, foi o próprio Deus quem nos preparou para isto, outorgando-nos o penhor do Espírito" (2 Coríntios 5.4,5): aqui o Espírito é um "depósito" ou primeira parcela de pagamento da vida celestial que nos aguarda. "Tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança até ao resgate da sua propriedade" (Efésios 1.13,14): aqui o Espírito é um "selo", a marca de propriedade de Deus, separandonos para o momento da "redenção". Há três aspectos do ensino de Paulo a respeito desse futuro: a. A volta de Cristo "Ainda vos declaramos, por palavra do Senhor... Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus" (1 Tessalonicenses 4.15,16). Nesta fase de sua vida Paulo esperava que pudesse ainda estar vivo quando o Senhor retornasse: "Nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados... para o encontro do Senhor nos ares" (1 Tessalonicenses 4.17). E cerca de dez anos mais tarde esta ainda parecia ter sido sua esperança: "A nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação para ser igual ao corpo da sua glória" (Filipenses 3.20,21). Porém, mesmo ao tempo das cartas aos tessalonicenses, ele esperava certos eventos que precederiam a vinda do Senhor: "Isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia, e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição" (2 Tessalonicenses 2.3). E quando escreveu 2 Timóteo, um pouco antes do final de sua vida, Paulo tornou-se convencido de que morreria antes do retorno do Senhor: "O tempo de minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda" (2 Timóteo 4.6-8). Alguns sugerem que, com o passar do tempo, Paulo mudou suas idéias a respeito da data da segunda vinda de Cristo. Mas isto é improvável. Na realidade, ele provavelmente mostra-nos como os cristãos de todas as épocas devem esperar o retorno de Cristo. Devemos "anelar por sua aparição". Devemos viver solícitos e alertas à luz deste evento. E ficaremos sabendo em nosso leito de morte que ele não vai ocorrer em nossa presente vida!

107 PAULO E SUA MENSAGEM 105 b. A ressurreição dos mortos. Paulo esperava que a ressurreição ocorresse na volta de Cristo: "Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro" (1 Tessalonicenses 4.16). Este será o momento do juízo, quando "todos nós [compareceremos] perante o tribunal de Cristo para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo" (2 Coríntios 5.10). Será também a ocasião em que seremos transformados e tornados aptos para a vida no céu. "A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade" (1 Coríntios 15.52,53). Paulo é muito cauteloso ao afirmar estas palavras "se revista da imortalidade". Aressurreição dos mortos não quer dizer a ressurreição de cadáveres. Ele faz uma comparação com o processo de germinação. Assim como as sementes perdem sua existência quando produzem uma planta, assim nossos corpos físicos se dissolverão mas Deus os tratará como sementes para produzirem todo um novo "corpo espiritual" que é imperecível, glorioso e poderoso (1 Coríntios ). Não há nada de automático acerca deste processo. E a graça de Deus ressuscitando-nos da morte, que é o nosso destino físico, para a vida, que é a sua dádiva espiritual. Então "estaremos sempre com o Senhor" (1 Tessalonicenses 4.17), vendo-o "face a face" (1 Coríntios 13.12). Em que estado os "mortos em Cristo" existem antes que aconteça a ressurreição? Paulo pouco ensina sobre isto, porém sua resposta está contida na pergunta. Eles estão "em Cristo" ou "com Cristo", como ele afirma em Filipenses 1.23 ante a possibilidade de sua própria morte. Não precisamos saber mais do que isto. "[Cristo] morreu por nós para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos em união com ele" (1 Tessalonicenses 5.10). c. Julgamento e restauração. Paulo esperava que o julgamento de Deus caísse sobre o mundo no retorno de Cristo. Até o momento, Deus está retendo seu julgamento para permitir que haja tempo e oportunidade para arrependimento (Romanos 2.4,5). Mas virá "o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo o seu procedimento" (Romanos 2.5,6). As palavras de Paulo são sombrias: Quando Cristo vier, Ele tomará vingança contra os "que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos" (2 Tessalonicenses ). A igreja de hoje precisa retomar este ensino de forma ampla, como também sentido de urgência que ele teve no ministério de Paulo. Porém o outro lado desta moeda é a restauração de todas as coisas. Paulo tinha uma visão cósmica do plano de Deus. Ele criou "todas as coisas" por meio de Cristo e para Cristo (Colossenses 1.17). Finalmente Ele planeja "fazer convergir nele [Cristo], na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra" (Efésios 1.10). Portanto, a vinda de Cristo não significará apenas a salvação para todos aqueles que lhe pertencem, mas a libertação para todo o universo:

108 106 HOMENS COM UMA MENSAGEM "A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação... será redimida do cativeiro e da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus" (Romanos ). Este é o evangelho para o qual Deus arrebatou Paulo naquele dia a caminho de Damasco. Tendo ele tido uma experiência da graça, recebeu também uma teologia da graça. "Pela graça de Deus sou o que sou" (1 Coríntios 15.10). Enfrentando muitos sofrimentos, perigos e incertezas em seu ministério, ele sabia que Deus em Cristo "sempre nos conduz em triunfo" (2 Coríntios 2.14). Porque o mesmo grande propósito da graça, que o colocou em Cristo para aceitação e o estava libertando do poder do pecado na comunhão do corpo de Cristo, iria preservá-lo até ao fim e também nos preservará. Leitura adicional Menos exigente: Steve Motyer. Israel in the Plan of God. Light on today's debate (Leicester: IVP, 1989) Robert Stein, Difficult Passages in the Epistles (Grand Rapids: Baker, 1988; Leicester: IVP, 1989) Mais exigente, obras eruditas: F. F. Bruce, Paul: Apostle of the Free Spirit (Exeter: Paternoster, 1977) Martin Hengel, The Pre-Christian Paul (Londres: SCM, 1991) Morna Hooker, From Adam to Christ: Essays on Paul (Cambridge: CUP, 1990) Seyoon Kim, The Origin of Paul's Gospel (Tubingen: J. C. B. Mohr, 1981)

109 A Carta aos Hebreus Jesus, porém, tendo oferecido, parei sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, daí em diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés. Porque com uma única oferta aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados. (Hebreus ) O grande tema da carta aos Hebreus é a finalidade de Jesus Cristo. Ele é a última palavra de Deus para o mundo, e cumpriu todas as expectativas do Velho Testamento, de modo que nada mais será acrescentado. O autor utiliza muitas idéias e passagens do Velho Testamento para expor este tema, de forma que seu raciocínio pode exigir muito dos leitores atuais. Porém sua mensagem básica é clara: Jesus, através de seu sacerdócio eterno e sacrifício único, trouxe-nos uma "salvação eterna" (5.9). "Tendes chegado... a Jesus, o Mediador de Nova Aliança" (12.22 e 24). que nunca cessará. Cristo se apresenta nos "últimos dias" (1.2) e "quando os tempos estão chegando ao fim" (9.26, BLH), devendo nós, portanto, somente esperar a consumação, quando ele aparecerá novamente para a salvação e o julgamento (9.28). Como sempre, a compreensão da mensagem depende de entender a situação histórica à qual a carta se dirige. Acarta é escrita "aos Hebreus". Este título não é original, porém seu alvo é seguramente correto, pois o uso predominante do Velho Testamento indica a posição judaica tanto do autor como de seus leitores. Muito embora não comece como uma carta. Hebreus termina como carta, dirigindo-se a um grupo particular conhecido do autor ( ). muito provavelmente em Roma. Sabemos que eles tinham sido perseguidos quando se tornaram cristãos ( ), e que foram bem reputados por servirem aos irmãos (6.10) Mas agora o autor está profundamente preocupado com eles. Eles os acusa de serem "desatentos à palavra" e "indolentes" (5.11: 6.12), e repetidas vezes os incentiva a não se afastarem do "Deus vivo" (3.12), mas continuarem no "ensinamento de adultos" (6.1. BLH). Alguns estudiosos explicam esta exortação usando a teoria de que este grupo de judeus cristianizados estava sendo tentado a abandonar a fé e retornar ao Judaísmo. Outros ponderam que o autor está preocupado simplesmente pelo que vê como falta de crescimento, ou frouxidão, em seu discipulado. Seja qual

110 110 HOMENS COM UMA MENSAGEM for o caso. o remédio é simples: se puderem ter uma visão clara de Jesus e da supremacia de seu sacerdócio, sacrifício e aliança, então sua fé e seu zelo de novo se inflamarão. Quem era o autor? Orígenes, um dos pais da igreja inicial, comentou evasivamente: "Somente Deus sabe." Muitos, tanto na igreja inicial como mais tarde, atribuíram a carta a Paulo. O teólogo Puritano inglês John Owen, que escreveu um comentário em sete volumes sobre Hebreus, dedicou um volume inteiro para provar a autoria de Paulo, acerca da qual ele "não tinha nenhuma dúvida, como se ela tivesse sido escrita com a própria letra do apóstolo". Seu entusiasmo em prová-lo foi sem dúvida alimentado pelo fato de o Reformador João Calvino ter pensado de modo diferente ("Eu realmente não posso apresentar nenhuma razão para mostrar que Paulo foi seu autor"), e chegou a propor o nome de Lucas ou Clemente (bispo de Roma no final do primeiro século). Certamente Hebreus 2.3,4 parece excluir Paulo, porque o autor ali se identifica como um cristãos da segunda geração. Lutero talvez tenha feito a melhor suposição ao sugerir Apolo. O retrato de Apolo em Atos como "homem eloqüente e poderoso nas Escrituras" atende à qualificação requerida; e sua origem alexandrina pode explicar as conexões que os estudiosos encontraram entre Hebreus e algumas das idéias do Judaísmo grego especialmente associado com Alexandria. Tudo o que sabemos como certo sobre o autor é o que podemos inferir de sua carta. Mesmo uma leitura casual torna claro que ele possuía uma compreensão completa tanto do Velho Testamento como de Jesus Cristo, e que estava profundamente preocupado em associar um ao outro, mostrando que um não podia ser compreendido sem o outro. O quadro logo adiante mostra a notável extensão de seu uso do Velho Testamento nesta "breve carta" (13.22). Mas seu tratamento do Velho Testamento não tem paralelo, porque ele olha para ele através de Jesus, permitindo sua compreensão da pessoa e ministério de Cristo para revolucionar a interpretação das Escrituras que o Judaísmo lhe havia ensinado. De igual modo, ele mostra uma profunda consciência de Jesus: uma consciência espiritual, que ele vê em sua encarnação (2.14), na obediência (10.5-7). sofrimento (5.7,8), morte (2.9). ressurreição (13.20), ascensão (4.14), glorificação (1.3), e na segunda vinda (9.28) os meios pelos quais Deus trata o pecado e a morte que atormentam a humanidade. Mas ele não apenas impõe sua compreensão de Jesus com base no Velho Testamento. Ele permite que o Velho Testamento lhe ensine como compreender a salvação que Deus provê por meio de seu Filho. O autor, portanto, está altamente bem preparado para ajudar-nos a compreender o Velho Testamento: para mostrar-nos, realmente, o que o vinho novo tem feito nas garrafas velhas. Podemos resumir a mensagem de Hebreus sob quatro títulos: 1. A supremacia de Jesus A grande preocupação do autor é mostrar que Jesus é maior do que todos os outros aos olhos de Deus. Ele destaca este fato no sugestivo prefácio ao iniciar sua carta (1.1-4), no qual ele proclama Jesus como um revelador muito acima de todos os outros. Apesar de todo o seu amor pelo Velho Testamento, ele

111 A CARTA AOS HEBREUS Velho Testamento em Hebreus Estas referências não estão completas. Elas simplesmente ilustram a notável abrangência de seu uso num pequeno livro. 1. Citações de 2. Personagens 3. Eventos 4. Instituições e cerimônias Gênesis (4.4) Caim e Abel Criação (11.3: 4.4) O Tabernáculo Êxodo (8.5) (11.4; 12.24) A queda (6.8) (9.1-5) Levítico (9.7) Enoque, que andou com Moisés no Egito O Dia da Expiação Números (3.5) Deus (11.5,6) ( f (9.7) Deuteronômio (10.3) Noé (11.7) A Páscoa (11.18) O sacerdócio 2 Samuel (1.5) Os três patriarcas O êxodo (3.16: 11.29) (5.1-3: 10.11) Salmos (citações de 11) Abraão (7.1-10: Eventos no Monte Sinai Sacrifícios Provérbios (12.5,6) ) ( : ) (7.27: 8.3) Isaías (2.13) Isaque (11.21) Entrada na terra Rituais de Jeremias (8.8-12) Jacó (11.21) prometida purificação (9.13) Ezequiel (13.20) Esaú (12.6) ( : 11.30) A Lei (7.28: 8.4) Oséias (13.15) José (11.22) A aliança (9,15-20) Habacuque ( ) Moisés (3.1-6; 11.23ss.) Ageu (12.26) Arão (5.4: 9.4) Zacarias (13.20) Raabe (11.31) Muitos juízes e profetas ( ) corajosamente o classifica como "fragmentário e diversificado" (New English Bible) em comparação com a revelação dada por Deus por meio de seu Filho (1.1,2). Seu Filho não é apenas um porta-voz de Deus, como foram os profetas. Ele é "o resplendor da glória" de Deus (assegurando a comunhão de sua natureza com o Pai) e "a expressão exata do seu Ser" (assegurando a distinção entre sua pessoa e o Pai). Herdeiro de todas as coisas, agente da criação, sustentador do universo, purificador dos pecados. Ele agora assenta-se "à mão direita da Majestade nas alturas" (1.2,3). Este é o Filho exaltado, incomparável na dignidade de sua pessoa e obra, por meio de quem se manifesta a revelação final. Em seguida a esta vibrante introdução, o autor passa a expor a supremacia de Jesus em relação a outras grandes figuras do Velho Testamento. Além disso, ele o proclama superior aos anjos ( ). a Moisés ( ), e a Arão ( ). Cada um deles é escolhido pelo que representam no plano de Deus: os anjos porque eram comumente conhecidos como "filhos de Deus", sendo a Lei outorgada por intermédio deles (2.2); Moisés porque era o grande "servo" (3.5), por cujas mãos Deus conduziu Israel à existência e proveu-lhe a Lei; e Arão porque era o sumo sacerdote, cujo ministério mediou o perdão dos pecados. Jesus é maior do que os anjos, Com o propósito de provar que Jesus ocupa uma posição mais alta do que quaisquer outros seres no céu e na terra, o autor emprega uma série de citações do Velho Testamento, principalmente de Salmos (1.5-14). A forma como ele usa estes salmos é bem ilustrada pela citação do Salmo 8 em Este salmo declara que Deus fez o homem "um pouco menor do que os anjos", a fim de coroá-lo de glória e de honra, e "todas as coisas sujeitaste debaixo dos seus

112 110 HOMENS COM UMA MENSAGEM pés". Isto não pode referir-se ao homem agora, argumenta o escritor, porque todas as coisas não lhe estão sujeitas. Portanto, isto deve referir-se ao Homem Cristo Jesus, porque nós efetivamente o vemos "coroado de glória e de honra" (2.9). Tomando esta linha de interpretação mais adiante, na expressão "menor do que os anjos", no Salmo 8. o autor encontra uma referência à encarnação. Deus planeja trazer também muitos outros "filhos" à glória (2.10). e isto Ele realizou fazendo Jesus nosso Irmão mais velho (2.11). que participa de nossa carne e sangue, e efetivamente de nossa morte, para que possa destruir o Diabo, que nos mantém escravizados à morte (2.14). Portanto, tornando-se menor do que os anjos, Jesus tomou-se "o Autor da salvação deles" para todos os outros naquela posição (2.10). Ele foi honrado não apesar de. mas por causa de seus sofrimentos! Jesus é maior do que Moisés, Em 3.1 o autor nos convida a considerar "atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão. Jesus". O tema de Jesus como "sumo sacerdote" surge pela primeira vez em onde Ele é referido como um "misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas pertinentes a Deus". É interessante notar que o tema da fidelidade de Jesus é agora tomado comparativamente com Moisés, enquanto o da misericórdia de Jesus é apontado e desenvolvido no próximo trecho, que está voltado à comparação dele com Arão (veja ). Moisés era fiel "em toda a casa de Deus", como Jesus também foi. Porém Moisés era apenas uma parte da casa. ainda que uma parte vital enquanto Jesus representa o construtor (3.3.4). Aqui novamente a fidelidade de Moisés era a de um servo; a fidelidade de Jesus é a de um Filho. E mais, o ministério de Moisés projetava o futuro, as "coisas que haviam de ser anunciadas"; os benefícios do ministério de Jesus podem ser desfrutados agora (3.5.6). Este contraste leva o autor a um longo e fervoroso apelo. Considerando que terríveis castigos caíram sobre aqueles que se rebelaram nos dias de Moisés, não devemos endurecer nossos corações diante de Jesus, que é maior do que Moisés. "Também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles" (4.2). Se eles não entraram no descanso de Deus por causa de sua incredulidade, devemos fazer todo o esforço "por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia. segundo o mesmo exemplo de desobediência" (4.11). O autor sente profundamente a advertência dada pelo exemplo da geração do êxodo, que recebeu tanto de Deus e tudo perdeu, e não se esquiva de dizer a seus leitores que eles correm o mesmo perigo. Jesus é maior do que Arão, Agora chegamos ao centro da discussão. Após um parágrafo introdutório, esta extensa parte central começa e termina com fortes exortações, nas quais o autor acentua suas advertências ( ; ). No meio ocorrem duas longas passagens, nas quais ele considera primeiro a pessoa de Jesus como sumo sacerdote ( ), e depois seu ministério ( ). O parágrafo introdutório ( ) contém a primeira menção de um importante personagem que figura amplamente nesta parte da carta. Melquisedeque dificilmente aparece no Velho Testamento somente no Salmo 110.4, citado em Hebreus 5.6. e na narrativa de Gênesis , ao qual Hebreus se refere. Porém nosso autor o considera uma figura mais significativa, por duas razões. Primeiro porque somente a sua presença no Velho

113 A CARTA AOS HEBREUS 111 MIM: Íf'-,;.. - Testamento, exercendo um sacerdócio tão diferente do de Arão, mostra que o próprio Velho Testamento estava consciente da incompletitude e imperfeição do sacerdócio de Arão e seus filhos: "Se, portanto, a perfeição houvera sido mediante o sacerdócio levítico... que necessidade haveria ainda de que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e que não fosse contado segundo a ordem de Arão?" (7.11). Em segundo lugar, a verdadeira pessoa de Melquisedeque. como revelada nas duas passagens que o mencionam, prefigura a pessoa de Jesus de várias formas: 1. Melquisedeque era um sacerdote real, um "rei de Salém" (isto é. Jerusalém), que era também "sacerdote do Deus Altíssimo" (7.1). Pela aplicação de vários salmos reais a Jesus em seu primeiro capítulo, o autor preparou-nos para imaginarmos Jesus sentado no trono de Davi, cumprindo a expectativa do Velho Testamento de um rei que pode também ser chamado Deus (p.ex., Hebreus 1.8). Agora o autor desenvolve o aspecto sacerdotal do ministério do rei de Jerusalém sendo fascinante observar que Davi e seus sucessores parecem ter exercido efetivamente um sacerdócio como parte de seu ofício (p.ex., 2 Samuel 24.25; 1 Reis 9.25). 2. Melquisedeque surge em cena na história do Gênesis sem qualquer apresentação. Nada lemos sobre seu nascimento ou morte ou parentela ou genealogia, e nisto, conclui nosso autor, ele simboliza a "vida indissolúvel" do Filho de Deus (7.3,16). 3. Arão era descendente de Levi, e Levi de Abraão. Portanto, quando Melquisedeque abençoou Abraão, e Abraão entregou a Melquisedeque um dízimo, o "sacerdócio levítico" estava sendo submetido a Melquisedeque na pessoa de seu ancestral. Aos levitas cumpria receber os dízimos do restante de Israel, e então foram instruídos a dar a Deus, também eles, o dízimo dos dízimos recolhidos (Números 18.26). O autor de Hebreus argumenta que esta dádiva estava prefigurada em Gênesis 14, sublinhando o status de Melquisedeque como

114 112 HOMENS COM UMA MENSAGEM aquele a quem as honras divinas são devidas (7.4-10). 4. Melquisedeque não pertencia, pois, à casa sacerdotal de Levi. e por isso prefigurou Jesus, que era um sacerdote (como Davi) descendente da tribo de Judá ( ). 5. Diferentemente dos sacerdotes levíticos. Melquisedeque foi designado sob juramento divino, de acordo com o Salmo 110: "O Senhor jurou e não se arrependerá: "tu és sacerdote para sempre'" (7.21). Este juramento não se aplica ao sacerdócio levítico. porque eles não continuaram "para sempre": "são impedidos pela morte de continuar" (7.23). Porém, como Melquisedeque. Jesus mantém seu sacerdócio permanentemente porque Ele vive para sempre. Conseqüentemente, Ele "pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus. vivendo sempre para interceder por eles" (7.25). O autor argumenta encontrando alguma coisa no Velho Testamento que não pode ser explanada em termos de Velho Testamento em essência, a própria existência de Melquisedeque e seu sacerdócio: ele explana então em termos do Novo Testamento quando aponta à frente para Jesus. Em 8.1 nosso autor passa a uma nova fase de seu argumento: "Todo sumo sacerdote é constituído para oferecer assim dons como sacrifícios; por isso era necessário que também esse sumo sacerdote tivesse o que oferecer" (8.3). Ele passa da pessoa do sacerdote para a natureza de seu sacrifício o qual veio a tornar-se legitimamente sem igual. 2. O sacrifício de Jesus Este novo trecho da carta tem uma estrutura 'concêntrica', como se acha esboçada no quadro que se segue. Esta estrutura revela o cuidado do autor na composição e também nas linhas principais de seu pensamento. Ele apresenta aqui três contrastes: entre o "tabernáculo" ou "santuário" terrestre e celestial (o lugar do ministério), entre a velha e a nova aliança (a base do ministério), e entre o velho e o novo sacrifício (a função do ministério). Enquanto o antigo sumo sacerdote entrava no Santíssimo Lugar do Tabernáculo uma vez por ano, no Dia do Perdão, levando o sangue do sacrifício, Jesus agora entra no santuário celestial, onde Deus está. levando seu próprio sangue, a evidência de um sacrifício que não precisa ser repetido, e o qual aniquila o pecado uma vez por todas (9.26). O resultado é toda uma "nova aliança": isto é, o relacionamento entre Deus e seu povo foi [A] O lugar do ministério de Jesus [B] A nova aliança prometida [C] O antigo Dia da Expiação [C] O novo Dia da Expiação [B] A nova aliança no sangue de Cristo [A] O lugar do ministério de Cristo

115 A CARTA AOS HEBREUS 113 colocado sobre um fundamento totalmente diferente. Em todo o curso desta passagem o autor recorre ao ritual do Dia da Expiação (descrito em Levítico 16). e procura mostrar, ponto a ponto, como o perfeito sacrifício de Cristo cumpriu a imperfeita prefiguração do Dia da Expiação. Concentrando-nos na compreensão da morte de Jesus, podemos apontar para quatro aspectos nos quais Jesus supera as limitações da "primeira aliança": 1. A esfera do sacrifício Não é cerimonial, mas moral. O autor põe nisto uma certa ênfase. Os antigos sacrifícios realizados para a santificação dos que estavam "cerimonialmente impuros" literalmente, eles se santificavam para a "purificação da carne" (9.13). simplesmente "impostas até ao tempo oportuno de reforma" (9.10). Mas o que se necessita é de um sacrifício capaz de "aperfeiçoar aquele que presta culto" (9.9) isto é. para alcançar a transformação real. pessoal e interior. Os antigos sacrifícios tinham de ser repetidos constantemente, porque nunca asseguravam aos adoradores a libertação do sentimento dc que eram culpados por seus pecados (10.2). Agora, entretanto, o "sangue de Cristo" forma um sacrifício que pode purificar "a nossa consciência de obras mortas para servirmos ao Deus vivo!" (9.14). E por isso que o autor está tão preocupado com a incapacidade de os leitores crescerem como cristãos: eles parecem não ter entrado como deviam na plena experiência do perdão da nova aliança. 2. A natureza do sacrifício Ela não é terrena, mas celestial. Jesus morreu na terra, porém na realidade Ele "pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus" (9.14). Sobre este sacrifício Hebreus afirma várias coisas fundamentais: Ele foi perfeito. Enquanto "é impossível que sangue de touros e bodes remova pecados" (10.4), Jesus era verdadeiramente "sem mácula", e capaz de "aniquilar pelo sacrifício de si mesmo o pecado" (9.26). Ele foi espiritual. "Pelo Espírito eterno" (9.14) significa provavelmente que Jesus ofereceu-se em perfeita harmonia espiritual com Deus. ungido pelo Espírito para seu penoso trabalho contra o pecado e a morte. Isto quer dizer que. por seu sacrifício. Ele se capacitou a "purificar" o santuário celestial (9.23). ou seja. Ele tornou possível que nós. pecadores, nos aproximássemos de Deus sem macular o santuário em que Ele habita. Ele foi vicário. Este é de todos o ponto mais relevante. Cristo manteve esta imaculada harmonia espiritual com Deus. enquanto passava por uma experiência completa de tentação e sofrimento, pecado e morte, que foi capaz de "tirar os pecados de muitos" (9.28). Hebreus não revela como precisamente a morte de Cristo é eficaz ao tornar-se Ele uma fonte de "salvação eterna" (5.9) em favor de outrem. Porém 9.28 define claramente sua morte como um sacrifício vicário, carregando os pecados dos outros, cumprindo a profecia do Servo do Senhor em Isaías 53 (veja especialmente o versículo 11), e possivelmente também o ritual do "bode expiatório" no Dia da Expiação. Neste último, o sacerdote tinha de confessar os pecados dc Israel, pousando suas mãos sobre a cabeça do bode. e em seguida o animal era banido para o deserto, a fim de levar "sobre si todas

116 114 HOMENS COM UMA MENSAGEM as iniquidades deles" (Levítico 16.22). 3. A singularidade do sacrifício Ele é singular, não repetido. A expressão "uma vez" ou "uma vez por todas" é uma das favoritas do autor, ocorrendo não menos de quatro vezes entre 9.11 e 10.14, com referência à morte de Cristo e suas conseqüências (veja o próximo quadro). O contraste, naturalmente, é entre o único e não repetido sacrifício de Cristo e os repetidos sacrifícios tanto da cerimônia anual do Dia da Expiação como dos rituais diários no templo. Por sua mera repetição, sustenta nosso autor, eles proclamam sua própria ineficácia. 4. O cumprimento do sacrifício Ele é permanente, não transitório. Ao passo que os antigos sacrifícios proviam um ritual de purificação passageiro e externo, o sacrifício de Jesus prepara-nos para segui-lo até ao próprio santuário. Ele não é apenas nosso representante, mas também nosso precursor (6.20). Agora, também nós podemos aproximarnos de Deus, "tendo os corações purificados de má consciência, e lavado o corpo com água pura" (10.22): aqui, dramaticamente, o autor usa para "nós" a linguaguem que é reservada para a ordenação do sumo sacerdote em Êxodo e Levítico Exatamente como Arão foi preparado para sua entrada anual no Santíssimo Lugar, assim também nós somos preparados para a entrada, e. de pé na soleira da porta, esperando pelo alvorecer do "Dia", quando poderemos seguir "nosso grande Sumo Sacerdote" através do véu ( ). A idéia do cumprimento de Cristo por meio de seu sacrifício abre-nos a porta ao terceiro tópico que desempenha um papel crucial no pensamento de Hebreus: 3. A nova aliança em Jesus A citação de Jeremias em Hebreus é a mais longa de uma única citação do Velho Testamento encontrada no Novo. E a famosa passagem sobre a "nova aliança", na qual Jeremias lamenta a corrupção do coração que arruinou Israel e proclama uma tríplice promessa de graça de que Deus escreverá suas leis nos corações e mentes de seu povo, revelar-se-á a cada um deles individualmente, e perdoará seus pecados. Esta promessa de santidade interior, conhecimento pessoal e pleno perdão foi cumprida, segundo nosso autor, através do sacrifício de Jesus. Portanto, Jesus é "o Mediador da nova aliança" (9.15); e esta nova aliança é "superior" à antiga, porque foi "instituída com base em superiores promessas" "Uma vez por todas" o sacrifício único e suficiente de Jesus "Não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção" (9.12). "[Cristo] se manifestou uma vez por todas, para aniquilar pelo sacrifício de si mesmo o pecado" (9.26). "Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação" (9.28). "Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas" (10.10).

117 A CARTA AOS HEBREUS 115 O Tabernáculo O autor considera que seus leitores estão bem familiarizados com a imagem do Tabernáculo. Ele era dividido em dois compartimentos. O primeiro e maior era o "Lugar Santo". O outro, menor, era o "Lugar Santíssimo", o santuário interior. Aqui ficava a arca, encimada por sua tampa de ouro, ou propiciatório, onde a glória do Shekinah, o símbolo visível da presença de Deus, aparecia. Os dois "Lugares" eram separados por uma espessa cortina chamada "véu". Por meio desta instituição o Santo de Israel estava ensinando seu povo, tanto a respeito de sua presença no meio dele. como a respeito da inacessibilidade deles perante Ele. Ele estava perto. e. entretanto, longe: os pecadores poderiam aproximar-se, porém não lhes era permitido entrar em sua santa presença além do véu. O acesso a Deus era limitado por quatro condições, mencionadas em Hebreus 9.7: somente o sumo sacerdote podia entrar 110 santuário interior: porém somente uma vez. por ano (no Dia da Expiação), e somente trazendo o sangue do sacrifício com ele, para espargir sobre o propiciatório; e com isso ele garantia a remissão somente para certos pecados (os pecados "cometidos em ignorância"). Para nosso autor, estas limitações mostravam "que ainda o caminho do Santo Lugar não se manifestou" (9.8); uma vez mais, o Velho Testamento revela sua própria inadequabilidade e sua necessidade de Jesus. Em contraste com o antigo sumo sacerdote, Jesus "entrou no Santo dos Santos [Santíssimo Lugar], uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção" (9.12).

118 116 HOMENS COM UMA MENSAGEM (8.6). Ela promete real transformação do coração. A antiga aliança era simplesmente ineficaz: "Se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para a segunda.... Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer" (8.7.13). O autor defende sua posição com três argumentos: primeiramente com uma ilustração humana. A palavra que corresponde a "aliança" no grego e no hebraico pode também significar "testamento". Assim, como um testamento tem efeito somente quando o testador morre, assim também o Novo Testamento entrou em vigor somente quando Jesus morreu ( ). Em segundo lugar, ele utiliza uma analogia bíblica. Ele declara que, como a primeira aliança é ratificada pelo derramamento de sangue, assim a nova aliança é inaugurada pelo sangue de Jesus, que é "o sangue da aliança" ( ; 10.29; 13.20; compare com Mateus 26.28). E, em terceiro lugar, ele emprega um argumento cla experiência. "Com uma única oferta aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados" (10.14). Uma vez que o perdão tem sido realmente concedido e experimentado, não há necessidade de qualquer outro sacrifício ( ): a nova aliança está em vigor. Este tema da finalidade da nova aliança é ponto crucial para o escritor de Hebreus. Ele começou sua carta com o clamor: "Corno escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?" (2.3). Ele temia que seus leitores estivessem fazendo isto ignorando ou (mais literalmente) não se importando com o que Deus tinha feito pelo mundo através de Jesus Cristo. Como judeus cristianizados eles podiam ter sido tentados a pensar que, afinal de contas, Jesus não tinha acrescentado muito ao seu Judaísmo. A isto o autor resiste apaixonadamente. Jesus é único. Deus tem falado e agido finalmente por meio da pessoa, obra e aliança de Jesus Cristo. Pode não haver qualquer interesse em outros "sacerdotes" num sentido sacrificial, uma vez que, através de nosso grande Sumo Sacerdote, temos acesso direto a Deus e não necessitamos de nenhum outro mediador. Nosso sacrifício é um "sacrifício de louvor" (13.15), não um "sacrifício pelo pecado" (10.18). A nova aliança é a última aliança, e jamais será substituída: é uma "aliança eterna" (13.20), que traz para o povo de Deus uma "salvação eterna", uma "eterna redenção" (9.12), e uma "herança eterna" (9.15). A mensagem de Hebreus é inflexível. A um mundo e igreja tentados a dizer que muitos caminhos levam a Deus. e que o Cristianismo é simplesmente uma religião entre muitas, o autor desta carta lança uma veemente refutação. Tomar tal posição é negar o que Deus tem feito pelo mundo em Cristo. A qualquer custo ainda que pelo derramamento de seu próprio sangue (12.4) o autor estimula seus leitores a agarrar-se à unicidade e finalidade de Cristo, que chegou, através da vergonha e da morte, à mão direita de Deus. Precisamos ouvi-lo hoje. 4. A disciplina de Jesus Em 10.19o autor começa a delinear as conclusões práticas de sua apresentação de Cristo. O trecho retrocede e ameniza a exortação de Estamos agora diante de um forte encorajamento e sóbria admoestação: um encorajamento para agarrar-se à fé (10.22), esperança (10.23) e amor (10.24),

119 A CARTA AOS HEBREUS 117 que deveriam ser as marcas dos seguidores de Jesus, o "grande sacerdote sobre a casa de Deus" (10.21), e uma advertência sobre as terríveis conseqüências para nós se tratarmos Jesus levianamente e "vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade" (10.26). Há somente um sacrifício pelo pecado: por isso, se desprezarmos aquele sacrifício, "já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, [há] certa expectação horrível de juízo" (10.26,27). Certamene o autor supunha que seus leitores pudessem perder sua salvação e cair sob o juízo de Deus. Sua exortação continua nos três soberbos capítulos conclusivos de sua carta. Estes capítulos parecem desenvolver o tema tríplice apresentado em , uma vez que o capítulo 11 enfatiza a fé; o capítulo 12, a esperança; e o capítulo 13, o amor. A fé "é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem" (11.1): viver pelo que não se vê é inevitável para aqueles que permanecem na soleira da porta do santuário esperando que o Sumo Sacerdote apareça (9.28). Portanto, não devemos "retroceder", mas sim "crer e ser salvos" (10.39), como os heróis do Velho Testamento, que também tiveram de viver pela fé porque permaneceram firmes "como quem vê aquele que é invisível" (11.27). Aqueles heróis dos velhos tempos foram homens de esperança e também de fé. Pela fé eles herdaram algumas promessas de Deus em sua existência, mas, num outro sentido, "não obtiveram... a concretização da promessa" (11.39). As bênçãos terrenas que receberam simplesmente simbolizavam as bênçãos espirituais que não receberam. Eles aguardaram essas bênçãos com esperança, isto é, com alegre e confiante expectativa. Pela fé, portanto, eles se firmaram em Deus diante do profundo sofrimento.

120 118 HOMENS COM UMA MENSAGEM Devemos fazer o mesmo. "Também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso. e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos com perseverança a carreira que nos está proposta." Devemos olhar para "o Autor e Consumador da fé. Jesus". Ele também, como os heróis da fé do Velho Testamento, "suportou a cruz", por causa da "alegria que lhe estava proposta", e assim devemos considerar "aquele que suportou tamanha oposição", para que nós mesmos não fiquemos fatigados e desmaiemos em nossas almas (12.1-3). Depois desta excitante exortação, o capítulo 12 desenvolve poderosamente os temas da disciplina e da perseverança, à luz da esperança que nos inspira: a esperança de entrar na "Jerusalém celestial", e finalmente chegar a "Jesus, o Mediador da Nova Aliança" ( ). O último capítulo trata ligeiramente de vários aspectos do "amor fraternal" (13.1), por meio do qual devemos viver enquanto esperamos por aquele Dia. Não devemos negligenciar a hospitalidade aos estrangeiros (13.2), devemos lembrar-nos dos prisioneiros (13.3), honrar o casamento (13.4). preferir o contentamento com aquilo que temos à cobiça (13.5), e a respeitar nossos líderes cristãos (13.7-9,17,24). Juntamente com o restante dos adoradores de Deus, estamos levando a injúria que Ele suportou, encontrando-o "fora do arraial", onde sofreu isto é, fora das normas e valores do mundo, o qual procura a segurança terrena. Pois, "na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir" (13.13,14). Neste entretempo temos de encher nossas vidas com louvores a Deus (13.15), fazer o bem dividindo nossas posses com os necessitados (13.16), orando uns pelos outros (13.18,19), e voltando-nos para Deus, a fim de que Ele nos aperfeiçoe para que façamos a sua vontade e lhe agrademos (13.20,21). Hebreus desafia o "indolente" (5.11; 6.12), tanto o indolente mental como o indolente da disciplina. Ele desafia a mente por sua ampla visão de Cristo, o Filho de Deus, o hedeiro de todas as coisas, e que, no entanto, aprendeu a obediência por meio do sofrimento, obtendo para nós o perdão como o grande Sumo Sacerdote; e ele desafia a disciplina por sua poderosa exortação para que andemos juntos em suas pegadas através do sofrimento e da morte, para a glória de Deus. Leitura adicional Menos exigente: Raymond Brown, The Message of Hebreus. Christ Aboré Ali (Leicester: IVP. 1982) David Gooding. An Unshakeable Kingdom. The Leiter lo lhe Hebreu sfor Today (Leicester: IVP, 1989) William L. Lane, Hebreus. A Cali to Commitmenl (Peabody. Massachusetts: (Hendricksen, 1985) Mais exigente, obras eruditas: L. D. Hurst, The Epistle to the Hebreus. Its Background ofthought (Cambridge: CUP. 1990) Barnabas Lindars, The Theology of the Letter to lhe Hebreus (Cambridge: CUP. 1991)

121 Tiago e sua Mensagem Assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta. (Tiago 2.26) A carta de Tiago é a primeira das "epístolas gerais", assim chamada por não ter sido escrita para uma específica igreja ou pessoa, mas de forma geral, como uma circular dirigida "às doze tribos que se encontram na Dispersão" (1.1). Isto parece significar que ela foi escrita para todos os judeus cristianizados de todas as partes. É a única no Novo Testamento escrita num estilo grego luminoso e refinado e utilizando abundantes imagens. Os cristãos sempre apreciaram sua ênfase sobre a obediência, embora Lutero a tenha denominado "uma epístola de palha" pelo fato de parecer contestar o ensino de Paulo sobre a justificação pela fé. Vamos considerar este problema abaixo. Tiago, o homem Pelo menos três homens com o nome "Tiago" aparecem nas páginas do Novo Testamento. Primeiramente, há Tiago, o filho de Zebedeu e irmão de João, um dos Doze. Ele foi decapitado por ordem de Herodes Agripa I (Atos 12.1,2), e, por isso, não pode ter sido o autor desta carta. Em segundo lugar, havia outro membro dos Doze chamado Tiago. Ele era o filho de Alfeu (p.ex., Marcos 3.18), e é provavelmente Tiago, "o Menor" ou "o Mais Jovem", que é mencionado, por exemplo, em Marcos Nosso conhecimento sobre ele é muito escasso, sendo improvável que uma pessoa tão obscura tivesse escrito uma carta para circulação geral e se apresentado simplesmente como "Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo" (1.1), sem ulterior qualificação ou descrição. Por fim, em terceiro lugar, somos deixados com Tiago, um dos irmãos do Senhor Jesus (Mateus 13.55,56; Marcos 6.3). É possível que ele fosse o irmão mais velho, uma vez que encabeça a lista "Tiago, José, Simão e Judas". Ele se tornou certamente o membros mais eminente da família, depois do próprio Senhor. Pelo menos desde o fim do segundo século para frente, esta carta foi atribuída a ele e citada como Escritura, sendo ele, pois, de longe o melhor candidato como autor. Quanto sabemos a seu respeito? Quando se iniciou o ministério público de Jesus, Tiago e seus outros irmãos

122 120 HOMENS COM UMA MENSAGEM não acreditavam nele (João 7.5; compare com Marcos 3.21), muito provavelmente porque Ele lhes parecia negligenciar alguns dos mandamentos da Lei sagrada que eles tinham aprendido a guardar e amar. Eles o acompanhavam evidentemente em diversas ocasiões durante seu ministério, tanto na Galiléia (João 2.12) como em Jerusalém (João ), mas não tinham até então decidido seguí-lo. E significativo, portanto, que durante os dez dias que separam a ascensão do Pentecoste, os irmãos do Senhor são especificamente mencionados por Lucas procurando seu lugar em companhia dos cristãos fiéis esperançosos reunidos em oração (Atos 1.14). Ao menos no caso de Tiago, Paulo (que sabia quem tinha visto o Senhor ressurreto) informou que "[Jesus] depois foi visto por Tiago" (1 Coríntios 15.7). Nenhum relato desse encontro sobreviveu, mas a indicação serve para explicar como Tiago se converteu. Tiago parece ter conquistado rapidamente a confiança dos demais, pois em curto espaço de tempo é visto como líder da igreja de Jerusalém (Atos 12.17). Paulo o chama de "apóstolo" e declara que o viu em sua primeira visita a Jerusalém depois de três anos de sua conversão a caminho de Damasco, ocasião em que esteve quinze dias com Pedro (Gálatas 1.18,19). Em Gálatas Paulo relata uma segunda visita a Jerusalém, quando novamente se encontrou com Tiago. Não estamos certos se esta visita é a que está registrada em Atos ou em Atos 15.2, porque em ambas as ocasiões Paulo viajou com Barnabé, como em Gálatas 2.1. Porém a visita de Atos 15 envolveu um encontro importante entre Paulo e Tiago, semelhante ao que é mencionado em Gálatas 2. Ali Paulo explica que ele e Barnabé foram consultar os apóstolos sobre o assunto da circuncisão dos gentios convertidos. Paulo não impunha a circuncisão aos seus convertidos, porém havia uma forte corrente de judeus cristianizados que afirmavam: "Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos" (Atos 15.1). No final desse encontro, "Tiago, Pedro e João... me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios e eles para a circuncisão [judeus]" (Gálatas 2.9). Este mesmo assunto foi discutido no encontro mencionado em Atos 15. Tiago assumiu a direção, e por meio de sábias deduções da Escritura e experiência, conduziu a discussão concluindo que a circuncisão não era necessária para os gentios convertidos (Atos 15.19). Acarta depois enviada pela igreja de Antioquia requeria, pois, conforme orientação de Jerusalém, que os gentios convertidos deveriam firmemente "abster-se" das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas" (Atos 15.29). Assim, enquanto a circuncisão de acordo com a Lei não mais era requerida, a submissão a algumas regras da Lei foi mantida. Antes de acusarmos Tiago de inconsistência, faríamos bem em perguntar por que essas regras particulares foram escolhidas. Indubitavelmente, o propósito dessa imposição era possibilitar que houvesse confraternização à mesa entre gentios convertidos e judeus cristianizados, levando em conta que estes eram escrupulosos acerca das leis do Velho Testamento sobre comida. Essa mesa de confraternização que incluiria, naturalmente, celebrações da Ceia do Senhor somente era possível se os participantes gentios concordassem em comer o alimento "kosher" [preparado de acordo com os preceitos judaicos]. Isto está inteiramente de acordo com o princípio de Paulo de limitar a liberdade de uns

123 TIAGO E SUA MENSAGEM 121 em benefício das consciências "mais fracas" (veja 1 Coríntios ), e assim não se pode atribuir inconsistência da parte de Tiago. Ao contrário, ele estava ansioso para que seus concidadãos judeus critianizados aceitassem os gentios convertidos em sua comunidade. Contudo, é fácil ver como Tiago pode ter sido mal interpretado. Em Gálatas Paulo relata um incidente na igreja de Antioquia antes do segundo encontro em Jerusalém. Quando "alguns homens chegaram da parte de Tiago", levaram o próprio Pedro a retirar-se da mesa de confraternização com os gentios, "temendo os da circuncisão" (2.12). Foi como se a pequena concessão da Lei feita por Tiago e Pedro ao princípio básico sobre o qual Paulo insistia o de admitir os gentios à plena comunhão sem que se tornassem judeus tivesse sofrido oposição de alguns. Este mesmo zelo pela lei de Moisés é visto na única passagem no livro de Atos que fala de Tiago Atos Anos tinham se passado e Paulo tinha completado duas viagens missionárias posteriores à primeira. Centenas de gentios tinham se convertido e sido recebidos na igreja; tinham sido batizados, mas não circuncidados. Paulo agora volta a Jerusalém. No dia seguinte ao de sua chegada, ele e seus companheiros missionários vão a Tiago e lhe falam da obra de Deus entre os gentios. Tiago se alegra e glorifica a Deus. Mas acrescenta um alerta; ele lembra a Paulo que há também milhares de crentes judeus que "são zelosos da lei" (versículo 20). Eles estão convencidos de que Paulo ensina seus judeus convertidos a abandonarem Moisés. Por isso Tiago sugere que Paulo vá ao templo e cumpra publicamente os ritos de purificação requeridos pela lei de Moisés para provar sua lealdade à sagrada lei de Deus. Paulo prontamente consente, porém uma diferença na ênfase entre ele e Tiago está clara. Tiago é apresentado em Atos como um crentre judeu cristianizado, peocupado com que a aceitação da nova fé não signifique o completo abandono da antiga. O evangelho de Jesus tinha cumprido, e não abolido, a lei de Moisés. Não surpreende, portanto, que Tiago recebesse o apelido de "o Justo". O historiador Eusébio, da igreja do quarto século, escreveu: "A filosofia e a religiosidade, que sua vida mostrou a um grau tão elevado, deu ocasião a uma crença universal nele como o mais justo dos homens." E continua, citando Hegesipo, que viveu perto do fim do segundo século e que afirmou ser Tiago um nazireu. "Ele tinha o hábito de entrar sozinho no templo, e era freqüentemente encontrado de joelhos, pedindo perdão para o povo, de tal forma que seus joelhos se endureceram como os de um camelo, em conseqüência de dobrá-los constantemente em sua adoração a Deus e pedir perdão para o povo. Por causa de sua notoriamente grande justiça, era chamado "o Justo..." De acordo com o historiador judeu Josefo, Tiago foi martirizado em Jerusalém, no ano 62 d.c. As circunstâncias de seu martírio são excitantes e lançam luz tanto sobre seu caráter como sobre sua carta. Embora sendo altamente considerado pelo povo de Jerusalém, Tiago era notoriamente temido e odiado pela aristocracia sacerdotal que governava a cidade. O sumo sacerdote Ananos aproveitou uma oportunidade para colocar Tiago diante do sinédrio, sendo ele condenado e apedrejado (veja o quadro adiante). Josefo também nos diz que nesse período havia muita luta social entre a aristocracia abastada, à qual Ananos pertencia, e as camadas mais pobres da população. Quando lemos as palavras cáusticas com as quais Tiago denunciava a exploração do pobre pelo rico (p.ex., 5.1-6), é fácil entender como ele deve ter provocado a ira de homens como

124 122 HOMENS COM UMA MENSAGEM Ananos. A "justiça" que as pessoas viram exemplificadas em Tiago deve ter sido como a de Amós, que também clamou fortemente em nome de Deus contra a exploração econômica. A carta de Tiago Assim era o caráter do homem que contribuiu com o que é provavelmente o mais antigo dos documentos do Novo Testamento. Muitos comentadores dão à epístola uma data não posterior a 50 d.c., e alguns crêem que ela foi escrita por volta de 45 d.c. Na decisão quanto à data da carta a evidência de desempenha um papel importante. Se Tiago foi ou não intencional, esta passagem pode facilmente ser entendida como um ataque à doutrina de Paulo sobre a justificação pela fé. Isto foi certamente como Lutero a entendeu. Entretanto, vimos acima que Tiago ficou feliz em dar a Paulo "a destra de comunhão" (Gálatas 2.9), mesmo tendo seu próprio ministério uma ênfase diferente. Assim sendo, é mais fácil supor que Tiago escreveu anos mais cedo, antes que o ministério de Paulo entre os gentios tivesse realmente iniciado, e não numa data posterior, quando suas palavras pudessem certamente ser tomadas como crítica a Paulo. Nesta fase anterior, muitos judeus cristianizados eram ainda membros adoradores das sinagogas locais como naturalmente Tiago o era em Jerusalém. E bem possível, portanto, que a "sinagoga" ("reunião", NIV, BLH) à qual Tiago se refere em 2.2 era, literalmente, a sinagoga em que os judeus cristianizados ainda adoravam ao lado dos judeus até então não convencidos do messiado de Jesus. E assim, muito embora Tiago se dirigisse aos cristãos, é também possível que ele esperasse que sua carta fosse lida por outros judeus, e que ele a tivesse composto com eles em mente. Esta possibilidade é apoiada pelo conteúdo da carta, que é profundamente judaica como também completamente cristã. Características da carta de Tiago 1. Sua ênfase sobre a obediência prática A principal característica da carta, como seria de esperar de um homem como Tiago, é sua ênfase sobre a necessidade de justiça prática na vida cristã. O espírito da carta é uma reminiscência dos profetas do Velho Testamento. E isolado entre os autores do Novo Testamento, Tiago faz uso destacado do tema "sabedoria" ( ), aproximando-se de alguns dos principais temas dos escritos sobre sabedoria do Velho Testamento (especialmente Provérbios e Jó). Tiago usa mais de cinqüenta imperativos em seus curtos cinco capítulos, e aprecia muito ditos incisivos, tais como "A ira do homem não produz a justiça de Deus" (1.20) e "A amizade do mundo é inimiga de Deus" (4.4). Do começo ao fim ele emprega metáforas vívidas e linguagem ilustrativa, que tornam seu ensino altamente expressivo, lembrando o uso de parábolas por Jesus. É a ênfase prática de Tiago que penetra no centro da dificuldade apresentada por Alguns estudiosos ainda endossam a posição de Lutero ao sustentarem que esta passagem contradiz categoricamente Paulo: Paulo: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" (Romanos 3.28). Tiago: "Verificais que uma pessoa é justificada por obras, e não por fé somente"

125 TIAGO E SUA MENSAGEM 123 A morte de Tiago, de acordo com Josefo Ananos, que... tinha sido designado para o sumo sacerdócio, era impetuoso em seu temperamento e extremamente presunçoso. Ele seguiu a escola dos saduceus, que eram, sem dúvida, mais insensíveis do que qualquer outro judeu... quando se sentavam para julgar. Possuidor de tal caráter, Ananos pensou que tinha uma oportunidade favorável, porque Festo estava morto e Albino ainda estava a caminho [isto é, havia um vácuo de poder entre dois governadores romanos]. E assim ele convocou os juízes do sinédrio e trouxe perante eles um homem chamado Tiago, o irmão de Jesus que era chamado o Cristo, e alguns outros. Ele os acusou de terem transgredido a lei e os entregou para serem apedrejados. Aqueles entre os habitantes da cidade que eram considerados os mais honestos e que estavam em estrita observância da lei sentiram-se injuriados diante disso... Josefo, Antiguidades 20: (Tiago 2.24). E tanto Paulo como Tiago usaram o exemplo de Abraão para ilustrar estes pontos aparentemente opostos (Romanos 4.1-5; Tiago ). Porém esta é uma diferença em ênfase, não em mensagem. E a razão não está longe de ser encontrada. Cada um deles tinha em mente um conjunto diferente de falsos mestres. Os opositores de Paulo eram os legalistas judeus, enquanto os de Tiago eram os aristocratas judeus (como Ananos). O meio de salvação dos legalistas eram as "obras" atos morais e ceremoniais realizados em obediência à lei. O meio de salvação dos aristocratas era a "fé", isto é, mera ortodoxia de crença, adesão superficial ao Judaísmo, sem qualquer clara obediência prática. Aos legalistas Paulo argumenta que somos justificados não por nossas próprias boas obras, mas por meio da fé em Cristo. Aos aristocratas Tiago argumenta que somos justificados não por uma ortodoxia estéril (que os próprios demônios possuem "e estremecem", 2.19), mas por obras, especialmente assistência aos necessitados. Paulo, entretanto, apressa-se em acrescentar que a fé que salva gera inevitavelmente boas obras (Efésios ); Gálatas 5.6), enquanto Tiago afirma que as obras que salvam brotam naturalmente de uma fé verdadeira (2.14), e a ausência de boas obras revela a ausência da verdadeira fé (2.17). Na realidade, não somos salvos nem pela fé morta (Tiago 2.17), nem pelas obras mortas (Hebreus 6.1; 9.14), mas por uma fé viva que resulta em "amor e boas obras" (Hebreus 10.24). Não podemos ser salvos pelas obras, e tampouco podemos salvar-nos sem elas. O papel das obras não é ganhar a salvação, mas evidenciá-la, não é conseguir a salvação, mas prová-la. A realidade de nossa fé é revelada na qualidade de nossa vida: e nisto Paulo e Tiago concordam ardentemente, apontando diretamente para Abraão, que confiou nas promessas de Deus, e conseqüentemente obedeceu à ordem de Deus. 2. Sua confiança no ensino de Jesus Há uma forte evidência textual de que Tiago tinha familiaridade tanto com o Sermão do Monte como com outros discursos de Jesus, em razão dos muitos pontos em que as palavras ecoam as de Jesus. Como observou um velho comentador, "Se João reclinou-se no colo do Salvador, Tiago sentou-se aos seus pés." Este assunto é tão interessante e importante que será útil para elaborar a comparação entre o ensino de Tiago e o ensino de Jesus: veja o próximo quadro.

126 124 HOMENS COM UMA MENSAGEM Tiago baseou-se, acima de tudo, no ensino ético de Jesus. Por estar escrevendo antes que qualquer dos nossos Evangelhos tivesse sido publicado, sua carta dá amplo testemunho do modo pelo qual o ensino de Jesus tinha se tornado parte da medula da igreja inicial. Em nenhum momento Tiago citou formalmente Jesus: ele ficou tão impregnado do ensino do Senhor que passou a refleti-lo automaticamente em suas expressões e em sua vida. 3. Seu senso de harmonia entre a Lei e o evangelho Este aspecto segue-se ao último. Ao lado desta implícita dependência do ensino de Jesus há uma explícita dependência da "lei régia segundo a Escritura" (2.8). Tiago parece pensar especialmente na lei moral, e não na lei cerimonial. Porém essa lei moral deve ser observada em todos os pontos: ela é a lei "que nos dá a liberdade", e por ela seremos julgados (2.12, BLH). Para Tiago o evangelho e a lei fundem-se. Como cristãos fomos trazidos ao novo nascimento pela "palavra da verdade" (1.18), e esta "palavra" deve iniciar um novo princípio de vida em nosso interior, implantada em nossos corações (1.21). Somente assim estaremos aptos a escapar do erro de ouvir a palavra e não praticá-la. Se a palavra está implantada em nós, seremos como "aquele que considera atentamente na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante..." (1.25). Associada ao evangelho, a lei de Moisés torna-se realmente a "lei perfeita, lei da liberdade". Acima de tudo, os cristãos devem cumprir "a lei régia" (2.8), a lei que governa os cidadãos do Reino de Deus (2.5): "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (2.8). Promulgada primeiramente por meio de Moisés (Levítico 19.18), depois sancionada por Jesus (Marcos 12.31), esta lei ainda vigora. Se mostrarmos favoritismo explorando o pobre (2.9), mostramos que somos como a pessoa diante do espelho: vemos que precisamos lavar-nos, mas afastamo-nos dali e nada fazemos. Saber o que é direito e não praticá-lo é pecado (4.17)! 4. Seu senso do perigo da riqueza Isto é também algo que Tiago compartilhou com seu Senhor, como pode ser constatado em quatro vigorosas passagens. Tiago ensina a instabilidade da riqueza (1.9-11) e a aversão de Deus pela discriminação contra o pobre (2.1-11). Ele em seguida ataca os homens de negócios que colocam a vontade de Deus fora de seus planos ( ), bem como os proprietários de terras que exploram impiedosamente seus trabalhadores (5.1-6). Tão cortante é sua linguagem que um recente escritor, Pedrito Maynard-Reid, chega ao extremo de sustentar que para Tiago era impossível que os ricos se salvassem. Isto é seguramente ir demasiado longe, entretanto, porque em 1.10 Tiago se refere ao "irmão que é rico". Sua mensagem a esse irmão é que ele não deve gloriar-se em razão de sua alta posição, e sim de seu status insignificante! Porque, como Jó, ele "passará como a flor da erva" diante do sol. Enquanto isto, ele tem a responsabilidade de utilizar sua riqueza em favor do pobre ( ). Geralmente, porém, Tiago parece ter em mente pessoas tais como o sumo sacerdote Ananos, que, por fim, maquinou sua morte: saduceus aristocratas ricos que possuíam vastas propriedades e pouca atenção dispensavam ao bem-estar dos que não tinham terra e trabalhavam para eles. Como Zaqueu, tais homens precisam abandonar sua riqueza, se quiserem ser salvos. 5. Os três pilares da vida cristã

127 TIAGO E SUA MENSAGEM 125 Jesus e Tiago: sobre a vida cristã Podemos relacionar pelo menos os seguintes vinte pontos em que o ensino de Tiago reflete o de Jesus: 1. O cristão que é levado a sofrer provações é "abençoado": Tiago 1.2; Mateus O propósito de Deus é que possamos nos tornar perfeitos: Tiago 1.4; Mateus Ele dá generosamente a todos os que lhe pedem: Tiago 1.5 e 4.2; Mateus 7.7,8, mas somente o Pai dá boas dádivas: Tiago 1.17; Mateus , e neste caso somente àqueles que têm fé: Tiago 1.6; Marcos Os discípulos de Jesus devem não somente ouvir a palavra, mas praticá-la: Tiago ; Mateus Eles devem tomar cuidado com as riquezas, porque são os pobres os herdeiros do Reino: Tiago 2.5; Mateus 5.3 e Lucas Eles devem amar seu próximo como a si mesmos: Tiago 2.8; Marcos Eles devem guardar até mesmo os menores mandamentos, cuidando de não violá-los no mínimo ponto: Tiago 2.10; Mateus 5.19; e mostrar misericórdia para receberem misericórdia: Tiago 2.13; Mateus 5.7 e Eles devem lembrar-se de que é a árvore que determina o fruto: Tiago 3.12; Mateus , 12. e os pacificadores que são abençoados: Tiago 3.18; Mateus Ninguém pode servir a dois senhores. Cada um deve escolher entre Deus e o dinheiro: Tiago 4.4 e ; Mateus Aquele que se humilha será exaltado: Tiago 4.6,10; Lucas 18.14; compare com Tiago 1.9,10 e Lucas Os cristãos não devem falar mal uns dos outros ou julgar uns aos outros: Tiago 4.12; Mateus Eles não devem ceder aos planos ambiciosos e mundanos para obter ganho: Tiago ; Lucas , porque a riqueza não dura. As riquezas se corroem, as vestimentas são consumidas pela traça, e o ouro fica embaçado com a ferrugem: Tiago 5.1-3; Mateus Por tudo isso, ai dos ricos! Tiago 5.1; Lucas 6.24 e Que aquele que crê espere pacientemente e esteja pronto para a vinda do Senhor, pois Ele está perto, às portas: Tiago 5.7-9; Lucas e Marcos Finalmente, os cristãos não devem absolutamente jurar, pelo céu ou pela terra, ou por meio de qualquer outro juramento. Sua palavra deve ser confiável. Seu sim deve ser sim, e seu não, não: Tiago 5.12; Mateus Os estudiosos admitem que os dois últimos versículos do primeiro capítulo, 1.26,27, contêm um resumo da mensagem de Tiago. Nesses versículos ele estabelece um contraste entre a religião verdadeira e a falsa, e indica uma medida pela qual ambas são avaliadas. Podemos imaginar que somos religiosos, porém, a menos que nossa religião seja marcada por certas características nítidas, estamos enganando a nós mesmos e nossa religião é "vã". Tiago delineia, então, as três características da verdadeira religião, que ele chama de "pura e sem mácula". São elas: "refrear a sua língua", "visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações", e "guardar-se incontaminado do mundo". Esta é uma análise penetrante do dever moral da raça humana. Ela abrange nosso dever tríplice para conosco, para com o nosso próximo e para com Deus. O controle da língua é um índice do domínio próprio. A visitação aos órfãos e às viúvas é um exemplo de amor fraternal. Manter-se incontaminado das coisas do mundo é o equivalente negativo de tributar a Deus o louvor devido ao seu nome. No restante de sua carta Tiago retoma e desenvolve estes três temas alternativamente e relaciona-os entre si: a língua no capítulo 3, a assistência aos necessitados no capítulo 2, e a resistência ao mundo nos capítulos 4 e 5. Vamos examinar brevemente seu ensino sobre esses temas à medida que procuramos resumir sua mensagem.

128 126 HOMENS COM UMA MENSAGEM A mensagem de Tiago 1. Domínio próprio Tendo estimulado seu leitor em seu primeiro capítulo a ser "pronto para ouvir", mas "tardio para falar" (1.19), Tiago amplia a perigosa influência da língua na celebrada passagem do capítulo 3 (1-12). Ele acrescenta imagem sobre imagem em vívidos traços descritivos, sublinhando a perniciosa influência da língua, acima de toda e qualquer proporção ao seu tamanho. Assim, Tiago considera a expressão verbal tão vitalmente importante quanto a vida cristã um gabarito para medir a realidade do nosso discipulado. Porém, em si, a língua não é a fonte de tentação. A tentação emana de nossos desejos íntimos, que podem dar nascimento ao pecado e, depois, gerar a morte (1.15). Tiago nos diz que qualquer desejo que não tenha raiz no amor de Deus pode potencialmente levar-nos a um desvio, devendo nós resistir a ele. Tiago está primordialmente preocupado acerca do controle da ira (veja 1.19,20; 3.9; 3.14; 4.1-3), e acerca de seu oposto, a saber, a expressão verbal que promove a paz (3.17,18). Tal expressão resulta da sabedoria divinamente outorgada. 2. A verdadeira lei O segundo elemento na religião "pura e sem mácula" é o amor. A exposição deste tema por Tiago tem duas características: Primeiramente, o amor leva à ação. A benevolência piedosa não substitui a benignidade prática. Não há nenhum benefício em simpatizar com órfãos e viúvas; devemos cuidar deles (1.27). É inútil dizer a um pedinte: "Trate de se aquecer e se alimentar": devemos dar-lhe alimento e roupa (2.15,16). O amor cristão não é sentimento, mas serviço; não é afeição, mas ação. Em segundo lugar, o amor é imparcial. O amor não admite distinções e abomina o "favoritismo". Tiago retrata para seus leitores uma cena que se passava em sua época nas sinagogas de todos os lugares: o homem rico chega e ocupa Domando a Língua: Tiago Meus irmãos, não vos tomeis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo. Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar é perfeito varão, capaz de refrear também todo o seu corpo. Ora, se pomos freios na boca dos cavalos, para nos obedecerem, também lhes dirigimos o corpo inteiro. Observai, igualmente, os navios que, sendo tão grandes e batidos de rijos ventos, por um pequeníssimo leme são dirigidos para onde queira o impulso do timoneiro. Assim também a língua, pequeno órgão, se gaba de grandes coisas. Vede como uma fagulha põe em brasas tão grande selva! Ora, a língua é fogo; é mundo de iniqüidade; a língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como é posta ela mesma em chamas pelo inferno. Pois toda espécie de feras, de aves, de répteis e de seres marinhos se doma e tem sido domada pelo gênero humano; a língua, porém, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido, carregado de veneno mortífero. Com ela bendizemos ao Senhor e Pai; também com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus: de uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim. Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas, ou a videira, figos? Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce.

129 TIAGO E SUA MENSAGEM 127 um assento privilegiado, como se tivesse direito a ele, enquanto os adoradores pobremente vestidos devem sentar-se no chão. Tais distinções de classe são totalmente inconsistentes com a verdadeira lei. J. B. Phillips parafraseia 2.1 nestas palavras: "Meus irmãos, jamais tentem combinar o esnobismo com a fé em nosso Senhor Jesus Cristo!" 3. Fidelidade para com Deus O terceiro elemento na religião "pura e sem mácula" é "guardar-se incontaminado do mundo" (1.27). Usando a expressão positivamente, isto significa ser fiel a Deus no meio de todas as tentações e pressões do mundo. Por "mundo" ele quer significar a sociedade materialista e pagã com uma simples mensagem: se você não tem, consiga! Mas este não é o caminho cristão, adverte Tiago. O caminho cristão é o de Jó, que foi paciente no sofrimento (5.10,11), e o caminho de Elias, que colocou toda a sua energia na oração ( ). Deus é "ciumento" em relação a nós, anelando por um amor não dividido (4.5), suspirando por afastar-nos do adultério espiritual que os profetas encontraram e combateram no antigo Israel (4.4). E é nisto que o dinheiro pode ser uma cilada para todos nós. Sendo pobres ou ricos, podemos concentrar nossos desejos em coisas materiais, de modo que nos tornamos de "ânimo dobre" [inconstantes] (1.8; 4.8), infiéis ao Senhor. Que os cristãos sejam "ricos em fé" e se alegrem por serem "herdeiros do reino" (2.5). Que eles encontrem em Deus sua riqueza. Que se humilhem "na presença do Senhor" (4.10), sejam sujeitos a Deus (4.7), sejam cheios de orações e louvores ( ), e sejam "pacientes até à vinda do Senhor" (5.7). A vida cristã, de acordo com Tiago, "o Justo", é, pois, essencialmente uma vida de santidade prática. Ela inicia de fato com a fé em nosso Senhor Jesus Cristo (2.1), mas o cristão acrescenta: "...e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé" 2.18). Leitura adicional Menos exigente: James T. Draper, Faith That Works: Studies in James (Wheaton: Tyndale House, 1988) J. A. Motyer, The Message of James: The tests offaith (Leicester: IVP, 1985) Mais exigente, obras eruditas: James B. Adamson, James. The Man and His Message (Grand Rapids: Eerdmans, 1989) P. J. Hartin, James and que Q Sayings of Jesus (Sheffield: JSOT Press, 1991) Pedrito U. Maynard-Reid, Poverty and Wealth in James (Maryknoll: Orbis, 1987)

130 Pedro e sua Mensagem Alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando. Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus. (1 Pedro 4.13,14) Paulo afirma que as três graças cristãs superiores são a fé, a esperança e o amor (1 Coríntios 13.13). Se ele próprio é o apóstolo da fé, e João é o apóstolo do amor, então Pedro é o apóstolo da esperança. Não há dúvida de que esta é uma simplificação forçada. A primeira carta de Pedro tem uma mensagem mais ampla do que esta. Como afirma E. G. Selwyn, um famoso comentador britânico, 1 Pedro é "um microcosmo da fé e do dever cristãos, o modelo de um ofício pastoral, composto de diversos materiais e numerosos temas". Todavia, a principal ênfase da carta incide sobre nossa esperança cristã, uma esperança gloriosa e certa que nos habilita a suportar o sofrimento com paciência, e mesmo com alegria. Como nosso Mestre antes de nós, devemos sofrer antes de entrar na glória. Pedro, o autor A primeira carta de Pedro tem sido aceita como autêntica desde os primeiros dias. Ela é citada por Clemente de Roma em sua carta aos Coríntios, costumeiramente datada de 96 d.c., embora Clemente não mencione especificamente Pedro como o autor. Entretanto, desde os tempos de Irineu para frente a carta tem sido regularmente citada como sendo de Pedro, e, além disso, ela figura na lista compilada por Eusébio ao lado das obras do Novo Testamento que estão acima de discussão. A autoria da carta tem, contudo, sido discutida em anos recentes, em grande parte devido ao seu excelente estilo grego, que, objeta-se, dificilmente poderia supor-se ter vindo de um inculto pescador galileu. Entretanto, as refinadas qualidades literárias da carta podem ser melhor explanadas supondo-se que Silas, que é mencionado em 5.12, era para ele mais do que um mero secretário. Ali Pedro afirma que escreveu "por meio de Silas [Silvano]", ou através dele, e pode muito bem ser que Silas tivesse uma participação na composição da carta talvez dando-lhe forma a partir de notas ditadas.

131 TIAGO E SUA MENSAGEM 129 Silas Silas (ou Silvano) era evidentemente uma figura proeminente nos anos iniciais da igreja. Ele acompanhou Paulo numa parte de sua segunda viagem missionária (Atos 15.40; 16.19,25; 17.4,10,14; 18.5), e era um profeta (Atos 15.32). Ele estava também associado a Paulo e Timóteo na redação das cartas aos Tessalonicenses (1 Tessalonicenses 1.1; 2 Tessalonicenses 1.1). Pedro tinha por ele, nitidamente, uma elevada consideração, chamando-o "fiel irmão" (1 Pedro 5.12). É improvável que Pedro tivesse usado uma pessoa tão proeminente e dotada simplesmente como um secretário ou copista. Contudo, Pedro não inclui o nome de Silas em sua saudação (1 Pedro 1.1). Portanto, mesmo que Silas tivesse participado da composição da carta, Pedro a considerou como sua, assumindo sua própria autoridade (veja, p.ex., 5.1). A autoria de Pedro é mais adiante sustentada por uma série de características na carta que sugerem suas reminiscências pessoais. Ele havia tido uma expressiva experiência da "viva esperança", que veio gloriosamente "mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos" (1 Pedro 1.3); ele havia sido também "testemunha dos sofrimentos de Cristo" (5.1), lembrando-se das bofetadas recebidas por Ele (2.20,21) e seu silêncio diante de seus agressores (2.22,23); e ele não podia jamais esquecer-se da tríplice ordem do Bom Pastor para que apascentasse as suas ovelhas (João ; compare com 1 Pedro 5.2). Desde os primeiros tempos dúvidas mais sérias cercaram a autoria da segunda carta. Ela evidentemente indica ter provindo das mãos de Pedro (1.1), e parece referir-se à primeira carta (3.1), mas o estilo é confuso e complicado, e os estudiosos se interrogam se durante a vida de Pedro as cartas de Paulo podiam ter sido consideradas como "Escrituras", lado a lado com o Velho Testamento (3.16). Estes e outros argumentos são sérios, mas não conclusivos. Se Silas foi responsável pelo estilo polido da primeira carta, segue-se que o grego rude da segunda poderia ser do próprio Pedro. Além disso, plena relevância deve ser atribuída à afirmação do autor de ter estado presente na transfiguração ( ), de ter recebido dos lábios de Jesus uma profecia a respeito de sua própria morte (1.13,14; compare com João 21.18,19), e de ter conhecido "nosso amado irmão Paulo" (3.15). Se a carta não foi escrita por Pedro, então essas referências foram deliberadamente fictícias, inseridas pelo autor a fim de criar uma aparência de autenticidade. Embora o mundo antigo estivesse aberto a tais "pseudo-epigrafias", como é chamada, há evidência de que a prática não era aceitável na igreja inicial. Michael Green refere-se à história, registrada por Tertuliano, do que aconteceu ao autor da obra do segundo século, Os Atos de Paulo e Tecla. Não se trata de uma obra herética, mas o autor foi deposto do ofício como presbítero por ter colocado seu escrito sob o nome de Paulo. De qualquer forma, a "pseudo-epigrafia" pareceria incompatível com a ênfase na carta sobre piedade e verdade (p.ex., 1.5-7; 2.2,3). Uma extensa revisão da evidência leva Michael Green à conclusão de que "a conjetura contra a Epístola de fato não parece, de qualquer modo, constrangedora. Não se pode demonstrar conclusivamente que Pedro foi o autor;

132 130 HOMENS COM UMA MENSAGEM mas deve ser demonstrado convincentemente que ele não foi". Pedro, a pessoa Simão Pedro é, talvez, o mais cativante de todos os escritores do Novo Testamento. Ele figura destacadamente nas narrativas do Evangelho e na parte inicial de Atos, e suas notórias fraquezas, bem como sua prodigiosa energia, valorizamno diante do leitor cristão. Como seu irmão André, Simão era pescador. Eles eram sócios, juntamente com outra dupla de irmãos, João e Tiago, os filhos de Zebedeu (Lucas 5.10). Eles vieram de Betsaida, na margem norte do mar da Galiléia (João 1.44), porém mais tarde Simão estabeleceu seu lar em Cafarnaum (Marcos 1.21,29), na margem noroeste do lago, onde vivia com sua esposa, sua sogra e André (Marcos 1.29,30; compare com 1 Coríntios 9.5). Não é difícil imaginar o temperamento de Simão naqueles primeiros dias. Como discípulo, ele era ousado em exteriorizar com franqueza e algum estardalhaço seus sentimentos (p.ex., João ; Mateus 26.33), e naturalmente tornou-se o líder de todo o grupo. Ele é citado em primeiro lugar em todas as listas dos apóstolos, tendo agido como seu porta-voz (p.ex., Mateus 16.15,16). Podemos imaginá-lo um jovem nortista intrépido com uma disposição desordenada. E bastante significativo, pois, que Jesus o tenha apelidado de "a Rocha" (ou Pedra). Este jovem impulsivo se tornaria a sólida e estável fundação sobre a qual a igreja seria construída (Mateus 16.18). Porém há mais a ser dito. Simão era um galileu, e a Galiléia era um notório campo fértil de esperanças messiânicas revolucionárias. Na Galiléia, mais do que em Jerusalém, as pessoas agarram-se às profecias que prometiam a reversão dos destinos de Israel e o estabelecimento do Reino de Deus. Eles ansiavam pelo dia em que o Messias acabasse com a ocupação romana do país. O intrépido Simão provavelmente participava desses anseios revolucionários. O temperamento e o ambiente combinavam para fazer dele um daqueles judeus que esperavam ardentemente "a redenção de Jerusalém" (Lucas 2.38), "a consolação de Israel" (Lucas 2.25), e o "reino de Deus" (Marcos 15.43). Não é surpresa, portanto, que quando a notícia chegou a eles de que um profeta tinha aparecido no deserto da Judéia, Simão e seus amigos deixaram sua pescaria e viajaram ao sul para ouvi-lo. Sem dúvida, João Batista atraiu muitos que esperavam que ele fosse um libertador profético, liderando um levante contra Roma. Inflamado de zelo revolucionário, Simão foi batizado por João e tornouse seu discípulo. Entretanto, João apontava para outro, a quem Simão descobriu ao ser procurado por seu irmão André e ouvir dele as vibrantes palavras: "Achamos o Messias!" (João 1.41) querendo dizer não João, mas Jesus. Esta foi a primeira apresentação de Simão àquele que deveria tornar-se o objeto de todas as suas esperanças. Ele o acompanhou, ouviu-o, olhou-o e admirou-o. Gradualmente, a centelha da convicção cresceu dentro dele, até que, em Cesaréia de Filipe, entre as colinas e ao pé do monte Hermom, ela explodiu em chamas com sua grande confissão de fé: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!" (Mateus 16.16). Sua esperança estava realizada. Este é o momento supremo de sua existência. O Messias tinha chegado. Jesus aceitou o título, disse a Simão que fora o Pai que lhe havia revelado esta verdade, proibiu os discípulos de contar a outros que Ele era o Cristo (Mateus 16.20), e começou imediatamente a mostrar-lhes "que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas

133 PEDRO E SUA MENSAGEM 131 O nome Pedro O nome original de Pedro era o grego Simão. Não era incomum aos judeus o uso de nomes gregos, especialmente na Galiléia, e o irmão de Simão, André, também tinha nome grego. De acordo com João 1.42, Jesus deu a Simão o apelido "Pedro", quando o encontrou pela primeira vez. Este nome tinha as versões tanto grega ("Pedro") como aramaica ("Cefas"): em ambas as línguas ele significava "a Rocha" (ou Pedra). Foi, porém, somente mais tarde em seu ministério que Jesus revestiu este apelido de significação mais profunda, apontando para o papel fundamental de Pedro na igreja. Nos primeiros capítulos de Atos, Pedro foi efetivamente o líder da igreja de Jerusalém (Atos 1.15; 2.14; 5.3; compare com Gálatas 1.18; 2.9). Paulo habituou-se a usar a forma aramaica do nome de Pedro (p.ex., 1 Coríntios 1.12; 3.22; 9.5), expressando assim talvez sua apreciação pelo íntimo relacionamento de Pedro com Jesus, o que os fazia voltar ao tempo em que o aramaico, não o grego, era a língua falada por Jesus e seus discípulos. coisas... e ser morto" (Mateus 16.21). Isto ensejou uma lição extraordinariamente difícil de Simão assimilar. Sua primeira reação à predição de Jesus de sofrimento e morte foi de horror e negação. O Messias não podia ser morto. Ele seguramente veio para reinar, não para morrer. Por isso ele manifestou sua surpresa e decepção: "Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá!" (Mateus 16.22). Mas a resposta de Jesus foi ainda mais abrupta, na verdade quase violenta: "Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens" (Mateus 16.23). Foi, para Jesus, uma tentação pensar que poderia ser um Messias do tipo desejado por Pedro vitorioso, reinando, exaltado. O discípulo, que tinha sido pouco antes recipiente da revelação do Pai, foi em seguida objeto da maquinação do Diabo. Pois Jesus não tinha vindo para expulsar as legiões romanas da Terra Prometida; Ele tinha vindo para morrer pelos pecados do mundo. O caminho para seu trono estava no topo da colina do Calvário. Ele devia sofrer antes que pudesse entrar em sua glória; o preço de sua coroa era uma cruz. Mas Pedro não podia compreender e não modificaria suas prevenções. Apenas uma semana depois ele viu Jesus transfigurar-se, vestido em sua glória real, e suas prevenções acabam sendo confirmadas muito embora ele ouvisse Jesus falando com Moisés e Elias sobre "sua partida, que ele estava para cumprir em Jerusalém" (Lucas 9.31), e muito embora Jesus tivesse falado repetidamente de seu próximo sofrimento e morte (Marcos 8.31; 9.31; 10.33,34,45). Assim, quando chega o momento, Pedro tenta resistir. No cenáculo, ele no princípio não permite que seu Senhor faça o trabalho de um escravo e lave seus pés (loão ). No jardim do Getsêmani resiste à prisão de Jesus pelo destacamento: saca sua espada, dá uma estocada no escuro, corta a orelha de Malco, o servo do sumo sacerdote (João 18.10). Ele não pode permitir que o Rei seja aprisionado sem luta! Mas ele deve sentir-se frustrado e confuso com a resposta de Jesus ao seu heroísmo: "Mete a espada na bainha; não beberei eu, porventura, o cálice que o Pai me deu?" (João 18.11). Dúvidas talvez apertavam seu coração quando ele seguia Jesus "à distância" (Marcos 14.54) em direção ao julgamento e morte quase certa. Teria ele se enganado? Não seria este o Messias, afinal de contas? Ele tinha alardeado que estava preparado até mesmo para morrer com Ele (Marcos 14.31), mas, como podia ele prestar lealdade a um Rei vencido, rejeitado até por sua própria nação? E veio o teste final, e ele negou Jesus, não uma, mas três vezes. E ele entrou

134 132 HOMENS COM UMA MENSAGEM A Igreja do Santo Sepulcro, Jerusalém, fica no provável local onde Jesus morreu e foi sepultado. pela noite chorando amargamente, lágrimas não apenas de remorso mas de cruel desilusão. Não há dúvida de que ele seguiu a multidão até ao Gólgota. Ele viu o fim. A esperança que ele tinha alimentado se extinguira. O Messias estava morto. É difícil imaginar os dois dias de agonia pelos quais Simão Pedro passou então. Mas não é difícil sentir com ele a formidável excitação do Dia da Páscoa. Ele correu ao túmulo juntamente com João (João ). O túmulo estava vazio. O corpo tinha-se ido. Em seguida ele se encontra com o Senhor (1 Coríntios 15.5). Não sabemos o que foi dito nesta entrevista privada. Porém sabemos que Simão Pedro recebeu a regeneração "para uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos" (1 Pedro 1.3). Ele se sentiu literalmente um homem renascido. Sabemos também que na noite daquele primeiro Dia da Páscoa o Senhor apareceu aos apóstolos em Jerusalém e repetiu o que tinha dito anteriormente no caminho para Emaús. "Ó néscios", dissera Ele aos dois discípulos, "e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?" A seguir lemos que "começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras" (Lucas ). Por isso, agora no cenáculo Ele do mesmo modo enfatiza o cumprimento da Escritura a respeito de sua morte e ressurreição. Que Pedro tenha aprendido esta lição deduz-se claramente de seus sermões nos primeiros capítulos de Atos. "Vós o matastes... porém Deus o ressuscitou...do que todos nós somos testemunhas": isto resume sua mensagem. Ele não mais se envergonhava dos sofrimentos do Cristo, porque, embora eles tivessem sido causados "por mãos de iníquos", foram também parte do "determinado desígnio e presciência de Deus" (Atos 2.23). Disse ele no templo: "Deus assim cumpriu o que dantes anunciara por boca de todos os profetas que o seu Cristo havia de padecer" (3.18). Mas agora Ele foi levantado e exaltado para ser "Príncipe e Salvador", a fonte de perdão para todos os que se arrependem e crêem (Atos A Escritura cumprida A tristeza dos dois discípulos no caminho de Emaús teria sido imediatamente eliminada se Jesus tivesse revelado sua identidade a eles. Porém Lucas registra a surpreendente discrição de Jesus. "Os seus olhos... estavam como que impedidos de o reconhecer" (Lucas 24.16), até que lhes tivesse ministrado um estudo bíblico mostrando a necessidade escriturística de sua morte e ressurreição. Estas foram suas palavras a todo o grupo reunido em Jerusalém: '"São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco, que importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos.' Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e lhes disse: 'Assim está escrito que o Cristo havia de padecer, e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém'" (Lucas ). Podemos concluir pela leitura da primeira carta de Pedro como ele aprendeu esta lição: em seus curtos cinco capítulos há não menos de catorze citações do Velho Testamento, além de muitas alusões adicionais a ele. Toda a sua compreensão do Velho Testamento foi transformada, à medida que ele pôde verificar que ele não predizia um Messias guerreiro e vitorioso, mas um Messias que morreria e ressuscitaria. Ele escreve: "Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando atentamente qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo, e sobre as glórias que os seguiriam" (1 Pedro 1.10,11).

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136 134 HOMENS COM UMA MENSAGEM 5.31; compare com 2.38; 3.19; 4.12; 10.43). Sim, um dia este Príncipe agirá para salvar seu povo e julgar o mundo (Atos ; 10.42), mas não será necessário que seus seguidores puxem as espadas. Tudo o que eles precisam fazer é esperar e dar testemunho. Assim, o apóstolo impulsivo que primeiro defendeu e depois negou seu Senhor, permaneceu impávido perante o sinédrio, tendo sido submetido humildemente a um interrogatório. Foi açoitado e aprisionado. Dormiu uma noite com a perspectiva de uma execução (Atos 12.6). E, se a tradição pode ser aceita, ele finalmente morreu a morte de seu Mestre, sendo crucificado em Roma durante a perseguição desencadeada pelo imperador Nero (compare com João 21.18,19). O antigo espírito inflamado e belicoso de Simão foi substituído pela nova e viva esperança de Pedro. Como seu Mestre, ele chegaria à glória por meio da cruz. Foi e ainda é uma dura lição a aprender. A tentação de negar a necessidade de sofrimento é sedutora para a igreja. É muito mais atraente crer num Cristo que nos livra do sofrimento do que através dele. Mas Pedro nos aponta firmemente este segundo Cristo. O primeiro era seu sonho inicial, abalado naquela manhã da ressurreição, quando a morte foi destruída por alguém que a sofreu, e não apenas vencida à distância. Os primeiros leitores de Pedro precisaram ouvir esta mensagem tanto quanto nós precisamos. A mensagem de Pedro Os cristãos aos quais Pedro escreveu, "espalhados por todas" as cinco províncias da Ásia Menor (1 Pedro 1.1), foram evidentemente ameaçados pela perseguição. Esta não era provavelmente uma perseguição oficial, mas bastante severa para ser chamada "prova de aflição" (4.12, literalmente "prova pelo fogo"), que se disseminou pelo mundo (5.9). Pedro lhes escreveu de "Babilônia" (5.13), que é provavelmente um codinome para Roma: como a antiga Babilônia, Roma e seu império são agora o centro da oposição mundial a Deus. Os leitores de Pedro teriam sabido o que ele queria dizer. Vivendo na Ásia Menor, muitos deles tinham experimentado as pressões do culto imperial, que era particularmente forte naquela área. Os estudiosos costumavam crer que o culto imperial era algo imposto por Roma: isto é, para reforçar a lealdade, as autoridades romanas estabeleceram templos à deusa "Roma" e exigiram que as pessoas de todo o império oferecessem incenso ao imperador. Mas recentemente tornou-se claro que se tratava, na realidade, de um movimento popular, embora também incentivado pelas autoridades. Em gratidão pelos benefícios recebidos do governo romano, as populações locais financiaram a construção desses templos, e instituíram festas nas quais o imperador era adorado como um deus. Naturalmente eles olhavam com muita desconfiança as pessoas que se recusavam a aderir. Mas os cristãos não podiam fazê-lo. Ante o risco de parecerem subversivos, eles se retraíam. Pedro os anima: "Porque basta o tempo decorrido para terdes executado a vontade dos gentios, tendo andado em dissoluções, cuncupiscências, borracheiras, orgias, bebedices, e em detestáveis idolatrias. Por isso, difamando-vos, estranham que não concorrais com eles ao mesmo excesso de devassidão, os quais hão de prestar contas àquele que é competente para julgar vivos e mortos" (1 Pedro 4.3-5). Como deveriam os cristãos comportar-se em tais circunstâncias? Qual é a

137 PEDRO E SUA MENSAGEM 135 atitude do cristão ante o sofrimento não merecido? Como podem os cristãos competir com a alienação da sociedade que os cerca? Estas são questões práticas que Pedro tenta resolver, especialmente em sua primeira carta. Quais são suas respostas? 1. O exemplo de Jesus Pedro desvia a atenção de seus leitores de si mesmos para Cristo. Sete vezes em sua primeira carta ele usa as palavras "sofrer" e "sofrimento" com referência a Cristo (1.11; 2.21,23; 3.18; 4.1,13; 5.1). Ele parece gloriar-se naquilo que uma vez rejeitou. Seguindo o exemplo de Jesus, os cristãos devem sofrer. Ele usa as mesmas palavras "sofrer" e "sofrimento" nove vezes em referência aos cristãos (2.19,20; 3.14,17; 4.1,15,16,19; 5.9,10). "Para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos", escreve ele (1 Pedro 2.21). A palavra traduzida "exemplo" é única no Novo Testamento grego. Ela significa o caderno de alfabeto do professor, que continha as letras que as crianças tinham de decalcar para aprenderem suas formas. De igual modo, devemos aprender o a-b-c do discipulado cristão seguindo o modelo da vida de Jesus. Estas palavras são eloqüentes vindas da pena de Pedro, que tinha dito: "Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão, como para a morte" (Lucas 22.33), e que no evento tinha-o seguido "de longe" (Lucas 22.54). Mais tarde, na praia da Galiléia, ele tinha ouvido de novo o chamado do Mestre, "segue-me" (João 21.19), e este chamado ele repassa aos seus leitores. "Ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje, quando maltratado não fazia ameaças, mas entregavase àquele que julga retamente" (1 Pedro 2.23). Eles devem fazer o mesmo. 2. A razão para o sofrimento de Jesus Porém a pergunta ressurge: Por que Jesus estabelelceu este exemplo? Se os cristãos devem sofrer simplesmente porque são seguidores de Jesus, e Ele sofreu simplesmente porque o mundo o odiava, segue-se que ser cristão é uma perspectiva pobre e sem atrativo. Pedro mostra a seus leitores a gloriosa razão dos sofrimentos de Jesus, uma razão que torna dignos de aceitação os sofrimentos dos crentes. A morte de Jesus não foi um horrível acidente. Ele "morreu [ou sofreu], uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus" (3.18). O grande objeto de seus sofrimentos era a reconciliação, aponte sobre o abismo entre os pecadores e Deus. "... carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos aos pecados, vivamos para a justiça" (2.24). Aqui o conhecimento de Pedro das Escrituras paga dividendos. A frase "carregando... os nossos pecados" relembra a oferta pelos pecados e o ritual do bode expiatório no Dia da Expiação, no Velho Testamento. Ela também recorda Isaías capítulo 53, a profecia do "Servo Sofredor" que morre pelos pecados de outros. Pedro deve ter sabido que Jesus tinha aplicado esta profecia a si mesmo e interpretado sua morte à luz de seu ensino (veja p.ex. Lucas 22.37). Em Pedro usa cinco frases extraídas de Isaías 53, como o quadro a seguir ilustra. Além do Dia da Expiação e de Isaías 53, Pedro usa também os rituais da Páscoa para compreender e explicar a morte de Jesus. "... sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do

138 136 HOMENS COM UMA MENSAGEM Citações de Isaías 53 usadas por Pedro 1 Pedro 2 Isaías dolo algum se achou em sua boca 9 dolo algum se achou em sua boca 23 quando ultrajado não revidava 3 desprezado e o mais rejeitado entre os homens 24 carregando ele mesmo... os nossos pecados 12 levou sobre si o pecado nossos pecados de muitos 24 por suas chagas fostes sarados 5 pelas suas pisaduras fomos sarados 25 estáveis desgarrados como ovelhas 6 andávamos desgarrados como ovelhas Pedro tece estas citações num formoso parágrafo que alguns estudiosos acreditam pretendia ser um hino. vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo" (1.18,19). Por meio do sangue de um cordeiro da Páscoa fisicamente perfeito, os israelitas foram resgatados da escravidão no Egito. Agora, por meio do precioso sangue do Cristo sem pecado aspergido sobre nós (1.2), fomos redimido da pior escravidão: nosso "fútil procedimento". O propósito dos sofrimentos de Cristo é, pois, esclarecido. Somente por meio daqueles sofrimentos poderia Ele entrar em sua glória, quando Deus "o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória" (1.21). Jesus estabelece um princípio "da morte à vida" que Pedro encontra simbolizado na história do dilúvio (3.20,21). A água que destruiu o restante do mundo foi o meio de salvação para Noé e sua família, flutuando na arca. Assim também o batismo simboliza agora a morte com Cristo, a única morte que conduz à vida. Ligados a Cristo, podemos pensar em nossos sofrimentos como sendo também dele; e por isso Pedro nos diz para não nos surpreendermos se Deus nos chamar para que suportemos a "prova de aflição" (4.12). "Alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando" (4.13). A morte simbolizada em nosso batismo torna-se um princípio diário de vida, à medida que transferimos para Cristo nossos sofrimentos e nos alegramos de que "aquele que sofreu na carne deixou o pecado" (4.1). A salvação está a caminho. Esta é uma mensagem de grande conforto e grande desafio: conforto para aqueles que já sofrem, desafio para aqueles que evitam ou negam o sofrimento. 3. Sendo povo de Deus Logo na abertura de sua carta Pedro dirige-se aos leitores como "estrangeiros no mundo, espalhados..." (1.1), e repete duas vezes tal condição (1.17; 2.11). Aquele era o seu problema. Eles eram alienados do mundo, a nada pertenciam e sofriam a rejeição aplicada a todos os "estrangeiros". Mas essa alienação pode ser vista de outro ângulo e apresentada sob outro nome: eleição. O que realmente os faz diferentes é que Deus os escolheu para serem seus, e desta perspectiva eles não são espalhados, isolados e rejeitados, e sim "raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus... que antes não éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado

139 PEDRO E SUA MENSAGEM 137 misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia" (2.9,10). Pedro toma alguns dos grandes nomes usados para Israel no Velho Testamento (veja, p.ex., Êxodo 19.5,6), e os aplica aos seus leitores espalhados. Dificilmente poderia haver uma descrição mais vigorosa da igreja. Pertencendo-se mutuamente, eles podem suportar-se mutuamente através das provações que enfrentam: "Tendo purificado as vossas almas, pela vossa obediência à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos de coração uns aos outros ardentemente" (1.22). "Sede todos de igual ânimo, compadecidos, fraternalmente amigos, misericordiosos, humildes" (3.8). "Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados. Sede mutuamente hospitaleiros sem murmuração. Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus" (4.8-10). Portanto, os cristãos não precisam ter receio. Deus está construindo uma casa, fundada sobre Jesus, a pedra angular, e todos aqueles que pertencem a Ele são como "pedras que vivem... edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo" (2.5). Embora espalhados pelo mundo, eles são o templo de Deus, o lugar onde Ele habita. Portanto, se sofrem, não precisam desesperar-se. Eles podem confiantes encomendar "suas almas ao fiel Criador" (4.19). 4. Vivendo em esperança A quarta resposta de Pedro para competir com o sofrimento é a esperança a real qualidade que parece ser a mais difícil de manter quando chega o sofrimento. Mas a esperança de Pedro não é um sentimento vago e irracional, ou a determinação de um obstinado simplesmente para "manter a cabeça levantada". Esta esperança é centralizada em Cristo e ancorada na história. E "uma viva esperança", criada pela ressurreição de Cristo (1.3), e que será realizada na sua volta (1.7). Quando Ele se revelar (1.7), nossa salvação final também será revelada (1.5). Enquanto isso, somos "guardados pelo poder de Deus, mediante a fé" (1.5), e até que Cristo seja revelado à nossa vista, podemos crer e amar aquele que é invisível, podendo exultar "com alegria indizível e cheia de glória" (1.8). "Por isso", escreve Pedro, "cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo" (1.13). Portanto esta esperança é firme. Se participamos dos sofrimentos de Cristo (4.13), certamente participaremos de sua glória (5.1); e podemos estar seguros de que os sofrimentos que padecemos estão purificando nossa fé como o fogo purifica o ouro (1.7). Esperança, realmente! A fraqueza atual simplesmente aponta para a futura firmeza: "O Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar" (5.10). Esta insistência no futuro de Deus é uma das ênfases vitais da segunda carta de Pedro, especialmente de 2 Pedro 3. Aqui ele se insurge contra os "escarnecedores" (2 Pedro 3.3), que põem em dúvida a realidade do juízo final. Ele primeiramente insiste que virá realmente um Fim (3.3-7), e em seguida explica sua aparente demora (3.8-10): isto se deve à "paciência" de Deus, porque

140 138 HOMENS COM UMA MENSAGEM Esta escultura do Bom Pastor, um antigo símbolo cristão, data do período bizantino e foi encontrada em Al-Minah, perto de Gaza. Ele deseja permitir plena oportunidade de arrependimento até que ocorra o julgamento. Finalmente Pedro formula as implicações práticas para os cristãos: "Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus" (3.11,12). A certeza do futuro julgamento de Deus é a motivação para a nossa presente santidade. Esta observação sobre o julgamento não está ausente na primeira carta: "A ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada", exclama Pedro (4.17). Ele não teme o julgamento de Deus porque sabe que essa "salvação" está esperando por ele através de Cristo (1.5). Entretanto, precisamos estar prontos, e isto nos leva à quinta resposta de Pedro sobre o sofrimento: 5. Ser santos, fazer o bem A exortação em 1 Pedro é particularmente importante, constituindo-se na primeira admoestação moral aos seus leitores. Tendo-os incentivado a viver em esperança (13), Pedro continua: "Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo vosso procedimento, porque escrito está: 'Sede santos, porque eu sou santo'" (14-16). Sua separação do mundo deve ser marcada por uma nítida diferença em relação ao mundo, a saber, aquela que mostra o caráter do próprio Deus. A exortação para "fazer o bem" aparece repetidamente na parte central da carta: "Mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação" (2.12). "Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos" (2.15). Se... quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus" (2.20). "Como fazia Sara... da qual vós [mulheres cristãs] vos tornastes filhas, praticando o bem e não temendo perturbação alguma" (3.6). "Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom?" (3.13). Com esta pergunta Pedro conclui uma longa citação do Salmo 34, que inclui a exortação para apartar-se "do mal, pratique o que é bom, busque a paz e empenhe-se por alcançá-la" (3.11). Portanto, embora eles pudessem ser acusados de subversivos perante Roma, os crentes deviam sujeitar-se "a toda instituição humana por causa do Senhor; quer seja ao rei, como soberano; quer às autoridades como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores, como para louvor dos que praticam o bem" (2.13,14). Eles podem ainda ser perseguidos, porém terão pelo menos feito "toda... diligência", associando "a fé à virtude" (2 Pedro 1.5). Tal esforço inicia uma corrente de ouro em que a virtude se liga ao conhecimento, domínio próprio, perseverança, piedade, fraternidade e amor. O resultado é evidente: "...porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois, desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2 Pedro 1.10,11). Assim, a prescrição final de Pedro para os sofrimentos dos cristãos convocaos a não permitir um decréscimo da ativa e obediente expressão de sua fé. Sejam

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142 140 HOMENS COM UMA MENSAGEM quais forem os seus percalços, diz Pedro, não deixem de fazer o bem! Resta-nos apenas comentar um tema característico da segunda carta de Pedro. Ele dedica a maior parte de sua carta advertindo seus leitores contra os "falsos mestres" que introduziram "heresias destruidoras" (2.1). Esse falso ensino parece ter sido uma mistura de cepticismo e frouxidão moral: uma negação da segunda vinda de Cristo e do futuro julgamento (3.3-13), acompanhado da entrega de suas vidas aos prazeres sensuais ( ). O ardente zelo dos primeiros anos de Pedro faísca de sua pena enquanto ele expõe, em palavras de extrema indignação, a iniqüidade impudente desses falsos mestres e seu tenebroso destino (2.1-10). Ele mostra também como seus leitores podem continuar na verdade sem vacilar, depois de sua morte ( ). Eles terão ainda duas fontes de ensino idôneo: a palavra apostólica escrita (15), baseada não em mitos que os apóstolos tenham inventado, mas na história que eles haviam testemunhado (16-18), e a palavra profética escrita (19-21). Os apóstolos do Novo Testamento apenas confirmaram os profetas do Velho Testamento. E esses profetas "falaram da parte de Deus" (isto é, com sua autoridade), não por seu próprio impulso, mas quando eram irresistivelmente movidos pela inspiração do Espírito Santo (21). Pedro deseja poupar seus leitores da calamidade final, que é a de se desviarem do evangelho, o único meio que lhes pode assegurar a esperança num mundo de sofrimento. "Vós, pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelaivos; não suceda que, arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza; antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno" (2 Pedro 17,18). O profundo amor de Pedro por seu Senhor, e sua ardente determinação de viver exclusivamente para Ele, brilham através destas palavras de encerramento de sua segunda carta. Leitura adicional Menos exigente: Carsten P. Thiede, Simon Peter: From Galilee to Rome (Exeter: Paternoster, 1986) Edmund P. Clowney, The Message of 1 Peter: The Way of the Cross (Leicester: IVP, 1988) I. Howard Marshall, 7 Peter (Downers Grove: InterVarsity Press, 1991) Mais exigente, obras eruditas: John H. Elliott, A Home for the Homeless. A Sociological Exegesis of 1 Peter, Its Situation and Strategy (Londres: SCM, 1982) Michael Green, 2 Peter Reconsidered (Leicester: IVP, primeira publicação 1961)

143 A Mensagem de Apocalipse O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos. (Apocalipse 11.15) Apocalipse está bem situado como o último livro do Novo Testamento. Ele foi provavelmente um dos últimos a serem escritos. Mais do que qualquer outro livro, ele encaminha seus leitores ao futuro que Deus planejou para o mundo e para a igreja. Seu retrato de Jesus é um resumo convincente de todas as coisas que os restantes livros do Novo Testamento escrevem sobre Ele. E, enquanto a maior parte dos livros do Novo Testamento foi escrita para grupos específicos de cristãos, Apocalipse parece ter sido escrito conscientemente para toda a igreja, em todos os tempos e lugares. Assim, por todas estas razões, ele traz o Novo Testamento a uma conclusão apropriada e altamente inspirada. Apocalipse teve uma história marcada por vicissitudes. Ele começou bem, porque desde meados do segundo século os cristãos acreditavam que o "João" que o escreveu (1.4,9) era o apóstolo João. Porém, no terceiro século surgiram dúvidas. Ele é tão diferente do Evangelho de João, tanto pela linguagem como pelo conteúdo! poderia ele realmente ser do mesmo autor? Por outro lado, naquela época vários grupos "facciosos" passaram a usar Apocalipse em apoio de suas teorias excêntricas a respeito de Deus e do mundo, um processo que desde então se mantém incontestado. Por isso, os cristãos ortodoxos começaram a sentir que Apocalipse era um livro inseguro. Foi o único livro do Novo Testamento sobre o qual João Calvino, o Reformador do século dezesseis, não escreveu um comentário (além das epístolas 2 e 3 de João). Martinho Lutero foi aberto em sua crítica: ele o relegou a um segundo plano, afirmando que "Cristo não é ensinado nem reconhecido nele". Entretanto, o século vinte assistiu a um reavivamento pelo interesse a respeito deste livro assombroso, tanto entre estudiosos como na igreja em geral. Em anos recentes, a corrente de publicações tem aumentado aos borbotões, e muita luz foi lançada sobre seu contexto, propósito e interpretação. Inevitavelmente, em nossa avaliação sobre a mensagem deste livro, devemos dedicar atenção

144 142 HOMENS COM UMA MENSAGEM especial aos princípios de interpretação a ele apropriados. "João", o autor A identidade do "João" que escreveu Apocalipse é tão indistinta, como foi há mil e oitocentos anos. Reunimos algumas coisas sobre ele do próprio livro: 1. Ele registra a referência do anjo sobre "teus irmãos, os profetas", a qual sugere que ele é também um profeta (22.9) e seu livro é uma "profecia" (1.3; 22.10). Isto significa que ele estava profundamente cônscio de seu chamado solene para transmitir a palavra de Deus aos seus leitores (22.18). 2. Ao mesmo tempo ele deseja ser conhecido apenas como o "irmão" de seus leitores, e como seu "companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus" (1.9). 3. Na época em que escreve ele se encontra na ilha de Patmos, no mar Egeu, para onde foi enviado por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus (1.9). 4. Sua profecia é endereçada às sete principais igrejas da província romana da Ásia (1.11), no continente não muito distante de Patmos (1.9). Está claro que ele conhece as condições locais (tanto geográficas como espirituais), e sabe que pode escrever-lhes com uma autoridade que eles reconhecem. 5. Ele usa um estilo grego extraordinário, que tem confundido os leitores desde então. Alguns concluíram que o grego não era sua primeira língua, enquanto outro sugerem que ele deliberadamente quebra as regras da gramática grega porque está descrevendo coisas que ultrapassam a capacidade da linguagem humana. 6. Ele era profundamente versado nas Escrituras do Velho Testamento, o que sugere que ele era judeu. Além disso, ele também estava claramente familiarizado na tradição "apocalíptica". Isto é ilustrado no Velho Testamento por Daniel e Zacarias, e vários outros judeus "apocalípticos" sobreviveram nos períodos intertestamentário e neotestamentário. Apocalipse tem muito em comum com eles, mas também difere notavelmente deles. Não podemos colher mais do que isto do próprio livro. A primeira vista, todos estes pontos poderiam ajustar-se à tradicional atribuição do livro a João, o apóstolo de Jesus e filho de Zebedeu. Contudo, o quinto ponto apresenta uma dificuldade. Foi Dionísio, bispo de Alexandria ( d.c.), quem primeiro discordou dessa atribuição, por causa das diferenças tanto na linguagem como no conteúdo entre Apocalipse e os outros escritos atribuídos a João: "Ele mal tem uma sílaba em comum com eles!" E então conclui: "Não posso de boa vontade concordar que o autor foi o apóstolo, o filho de Zebedeu, o irmão de Tiago." Isto levou Eusébio, antigo historiador da igreja, que relatou o ponto de vista de Dionísio para referir-se à visão de Papias, bispo de Esmirna por volta de 125 d.c., que havia duas figuras proeminentes chamadas "João" na velha igreja: João, o apóstolo, e outro a quem Papias chama de "João, o presbítero". Eusébio sugeriu que este segundo João fosse o autor de Apocalipse, e muitos estudiosos modernos têm adotado sua sugestão. Há mais a ser dito, entretanto. Diferenças pode haver, mas há também semelhanças marcantes entre o Evangelho de João e Apocalipse. Por exemplo: Exclusivamente estes livros chamam Jesus de "o Verbo" (João 1.14; Apocalipse

145 A MENSAGEM DE APOCALIPSE ), e dão relevo ao título "o Cordeiro" (João 1.29,36; Apocalipse 5.6 etc. vinte e oito vezes ao todo). O tema do "testemunho" é importante em ambos (p.ex., João 15.27; Apocalipse 12.17). Em ambos os livros Jesus é o doador da "água viva" [ou "água da vida"] e a resposta final à "fome" e à "sede" (João 4.10; 6.35; Apocalipse 7.16,17). Ambos os livros predizem a perseguição contra a igreja (João ; Apocalipse 3.10; 13.7), porém a união final com Cristo em presença de Deus, ostentando seu "nome" (João 17.11,20-26; Apocalipe ). "O templo" é um tema fundamental nos dois livros tanto o templo terreno, em Jerusalém, como sua contraparte celestial. O que devemos concluir disto? Revisando a evidência, o Prof. George Caird escreveu: "E possível levantar uma hipótese de autoria comum, embora o balanço da probabilidade ainda seja contra ela." Nós, de certa forma, temos de ficar contentes com a ignorância sobre este ponto. Parece provável que o "João" de Apocalipse não era o João do quarto Evangelho, mas também há alguma conexão entre eles que provocou estas coincidências de pensamento e linguagem. No final das contas, contudo, sua identificação precisa não é importante. Mais cruciais são as qualidades de mente e experiência que foram empregadas na redação do livro. E três dessas qualidades reclamam comentário particular: 1. João estava profundamente familiarizado com as Escrituras do Velho Testamento. Ele nunca citou formalmente os textos do Velho Testamento, porém há mais de quatrocentas alusões identificáveis a ele, embora o autor faça mais referências aos Salmos e aos profetas, e entre estes especialmente a Isaías, Ezequiel, Daniel e Zacarias. Em muitos casos ele repete a linguagem do Velho Testamento, talvez algumas vezes inconscientemente, porém, mais importante ainda, ele recorre às grandes idéias e aos eventos do Velho Testamento. O êxodo de Israel do Egito está freqüentemente em sua mente; e assim também o exílio de Israel na Babilônia e o seu livramento operado por Deus. Todo o tema da aliança de Deus com Israel é decisivo para ele. Através de todo o livro encontramos referências ao templo, seu mobiliário e acessórios, bem como seu culto. E profundamente escrita em sua mente e coração é a fé do salmista, que olhava para um mundo gentio que não conhecia Deus, declarando: "Reina o Senhor" (p.ex., Salmo 99.1). João, entretanto, não reproduz simplesmente os textos ou idéias do Velho Testamento. Ele os desenvolve, e, na verdade, cria alguma coisa nova sugerida por seus livros. Isto porque: 2. João era o recipiente da revelação profética. Isto começou quando o Espírito inspirador o tomou no Dia do Senhor (1.10). Uma grande voz disse-lhe que escrevesse o que via e enviasse às sete igrejas da Ásia (1.11). Ele voltou-se e viu no meio de sete candeeiros de ouro "um semelhante a filho de homem" (1.13). Usando esta expressão "filho de homem", João torna claras duas coisas: ele sabia que era Jesus a quem via, e sabia que o estava vendo como Daniel o tinha visto uma vez na visão descrita em Daniel

146 144 HOMENS COM UMA MENSAGEM Em seguida, à medida que descreve o que via ( ), João usa a linguagem extraída de vários lugares do Velho Testamento: Seu cabelo era como o do próprio Deus (Daniel 7.9). Seus olhos e seu cinto eram como aqueles do poderoso anjo que apareceu a Daniel junto ao rio Tigre (Daniel 10.5,6). Sua voz era como a voz de Deus que Ezequiel ouviu (Ezequiel 1.24). Sua boca era como a do grande "servo do Senhor", cuja vinda foi revelada a Isaías (49.2). Suas vestes eram como aquelas do sumo sacerdote (Levítico 8.7), e ele estava de pé ao lado de um candeeiro como o que havia no Tabernáculo onde o sumo sacerdote ministrava (Êxodo 25.37). Inspirado pelo Espírito, João tece todos esses temas juntos, enquanto descreve sua visão sobre o Cristo ressurgido em sua glória. Assim fazendo, João recorre a velhos temas para dizer alguma coisa nova: estes diferentes textos e temas vieram juntos, convergindo sobre Jesus Cristo. À medida que este processo é repetido seguidas vezes através de Apocalipse, Jesus torna-se a chave para a compreensão de todo o Velho Testamento. Podemos imaginar o Velho Testamento como um filme em branco e preto. Apocalipse é "um filme sobre a produção do filme", em cores gloriosas. Somos levados para trás das cenas e vemos a ação real, somos apresentados ao Diretor e temos permissão para ouvir por que o Diretor rodou o filme e por que agora resolveu continuar a história num segundo filme, tendo como estrela seu Principal Executivo. Mas Apocalipse não apenas nos leva atrás das cenas do Velho Testamento. Mais do que isto, ele nos leva atrás das cenas do próprio mundo. Este "filme sobre a produção do filme" leva-nos diretamente ao escritório do Diretor isto é, ao trono do próprio Deus e o observamos produzindo a história do mundo, em parceria com seu Principal Executivo. Isto é "apocalíptico", uma palavra que significa literalmente "tirar o véu", para que possamos ver o que geralmente fica escondido. Isto nos leva à terceira qualidade que João nitidamente possuía: 3. João tinha experimentado o ódio do mundo pela igreja. Ele tinha sido aprisionado em Patmos por causa de seu testemunho. Ele sabia que algumas das sete igrejas às quais ele recebeu ordem para escrever já tinham sido perseguidas (2.3,13), e que outras o seriam brevemente (2.10; 3.10). Esta perseguição parece ter sido devida grandemente pela recusa dos cristãos de se associarem ao culto do imperador romano. O "culto imperial", como era conhecido, estava crescendo constantemente. Júlio César tinha sido declarado divino postumamente em 29 a.c., e havia um templo em sua honra em Éfeso. Templos foram erigidos para o imperador seguinte, Augusto, enquanto ele ainda estava vivo, e também ao seu sucessor, Tibério. Durante o primeiro século, o culto imperial ganhou impulso em todo o império. Imagina-se que Apocalipse foi escrito durante o reinado de Domiciano (81-96 d.c.), que parece ter realmente incentivado as pessoas a dirigir-se diretamente a ele como "nosso Senhor e Deus". Isto pode estar refletido em Apocalipse 11.17; 15.3; 16.7; 19.6: há somente um "Senhor Deus", e não é o imperador de Roma. Na Ásia o culto era muito popular. Cada uma das sete cidades, exceto Tiatira, tinha um ou mais templos dedicados ao imperador que estava no poder ou à

147 A MENSAGEM DE APOCALIPSE 145 As cartas às Sete Igrejas As sete cartas em Apocalipse são as primeiras das várias séries de "setes" que aparecem no livro. Estas cartas são todas ditadas a João pelo Cristo ressurreto. Cada uma delas inicia com a mesma ordem: "Ao anjo da igreja em... escreve", e cada uma delas termina com a mesma mensagem: "Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas." Em cada caso também esta mensagem é acompanhada de uma promessa: "Ao vencedor..." Várias das cartas contêm alusões detalhadas a aspectos da história, religião ou geografia das respectivas cidades. Elas foram estudadas pelo Dr. Colin Hemer em seu livro The Letters to the Seven Churches ofasia (As Cartas às Sete Igrejas da Asid). Ele observa, por exemplo: Pérgamo, "onde está o trono de Satanás" (2.13), era o centro do culto imperial para toda a região. A cidade de Sardes orgulhava-se havia muito de ser inexpugnável por estar construída no topo de uma colina escarpada: no entanto ela caiu duas vezes à noite em mãos de inimigos, que escalaram os declives sem serem notados. Por isso Cristo adverte a igreja ali instalada: "Se não vigiares, virei como ladrão, e não conhecerás de modo algum em que hora virei contra ti" (3.3). Laodicéia era famosa pelo suprimento de sua água tépida e insípida, que era canalizada a partir das fontes termais até certa distância. Cristo acusa a igreja: "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio, ou quente! Assim, porque és morno, e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitarte de minha boca" (3.15,16). Em duas das igrejas um grupo chamado "nicolaítas" era muito ativo (Éfeso, 2.6; Pérgamo 2.15). Isto parece ser uma referência bem local, porque não temos notícia desse grupo em qualquer outra fonte. Parece que esse grupo de cristãos não sentia qualquer dificuldade quanto à participação no culto imperial e na adoração pagã. Todas essas e outras referências locais assinalam a informação de 1.12,13,20: Cristo está entre os candeeiros "que são as sete igrejas". Ele conhece suas condições, bem como suas necessidades espirituais, já está bem perto delas, e pode proferir palavras de advertência e ânimo diretamente a elas. Cada carta termina com uma referência ao "que o Espírito diz às igrejas", como se a mensagem a cada igreja fosse também dirigida às outras seis. Na realidade, podemos provavelmente ampliar o alvo e admitir que todas as outras igrejas estão incluídas aqui, não apenas outros membros das "sete". Sete é o número da completitude. Com toda probabilidade estas sete igrejas representam toda a igreja universal. Assim, todos nós podemos responder às admoestações e perguntar o que o Espírito tem a dizer a cada uma das igrejas hoje, com base nessas mensagens dirigidas tão pessoalmente pelo Cristo ressurreto às igrejas do primeiro século na Ásia.

148 146 HOMENS COM UMA MENSAGEM deusa "Roma". O governo local era envolvido no culto. Festas anuais eram promovidas, marcadas não somente pela idolatria, mas às vezes por grande imoralidade e todos tinham de contribuir para o custo delas, além de participar. Quando a procissão passava, as pessoas apresentavam sacrifícios em pequenos altares do lado de fora de suas casas. Naquele tempo a Ásia era pacífica e próspera, e as pessoas agradecidas atribuíam isto ao governo romano. Quando os cristão se afastavam de tudo isso, eram tidos como ingratos e desleais. Os nicolaítas parecem ter cedido a essas pressões e aconselhado os cristãos a concordar com a prática pagã (veja o quadro acima sobre As cartas às Sete Igrejas). Mas para muitos a confissão "Jesus é Senhor" (1 Coríntios 12.3) significava que eles não podiam aspergir incenso sobre o fogo que ardia diante da estátua do imperador e dizer "César é Senhor". Teria sido por isso que João foi exilado em Patmos? Além desse conhecimento das condições imediatas das igrejas, João também sabia como realmente era a vida neste globo. Por trás da próspera fachada da Ásia uma imagem muito mais feia se ocultava. O poder de Roma baseava-se no poder militar, na guerra, na exploração econômica, no tráfico de escravos, no culto idólatra do dinheiro e do poder, e João o constatou por si mesmo na temível autoridade do dragão, o próprio Satanás, e nas medonhas "bestas" a quem ele delegava poder. Adorar Roma era adorar o próprio dragão, receber na fronte sua marca (13.16,17). O império romano pode ter parecido próspero e pacífico, mas era, na realidade, uma prostituta, montada nas costas da besta do dragão (17.3), "embriagada com o sangue dos santos" (17.6), vivendo em luxúria às expensas do mundo e pronta para a destruição (capítulo 18). Os "selos" no capítulo 6 retratam a realidade do governo romano: exercendo o poder imperial (6.1,2), apoiando-se na guerra (6.3,4), provocando a miséria econômica (6.5,6), espalhando a morte (6.7,8), e impondo o martírio aos servos de Deus (6.9-11). João retira o véu de cima de todo esse horror, já experimentado por muitos cristãos, de modo que pode também revelar a maravilhosa vitória conquistada por Deus por meio de seu Cristo, e prometido por Cristo a seus servos. Ele tinha visto Jesus, ressurgido, triunfante, glorioso, invencível, sustentando as igrejas em segurança com sua forte destra. Esta foi a visão que a igreja perseguida necessitava. Interpretando Apocalipse Como devemos compreender este livro? Ele foi o pátio de recreio dos excêntricos desde que foi escrito e ainda é. Existe algum meio de nos certificarmos de que estamos lendo este livro do modo que João pretendeu? Há essencialmente quatro alternativas para a interpretação deste livro. Todos os esforços para desvendar seu sentido utilizam uma dessas alternativas, ou tentam combinar duas ou mais. Vamos expô-las e avaliá-las uma a uma, especialmente à luz da forma como João introduz seu texto no primeiro capítulo. João explica seu trabalho logo no primeiro versículo: "Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer" (1.1). Mas devemos perguntar: "Quais servos?" e "Que futuro está sendo revelado?" A alternativa preterista enfatiza o sentido de Apocalipse para seus primeiros leitores, e questiona qualquer interpretação que não os tem firmemente na mente.

149 A MENSAGEM DE APOCALIPSE 147 Os "setes" de Apocalipse e a estrutura do livro Muitas propostas têm sido feitas sobre a estrutura de Apocalipse, e é evidente que João teve sua visão como uma sucessão de "setes". Há basicamente seis séries de "setes" no livro: As sete igrejas, Os sete selos, As sete trombetas, Os sete sinais no céu, As sete taças da ira, As sete visões finais, Além disso, uma sétima série de sete é mencionada: os sete "trovões" que João teve de "selar" e não escrever (10.4), como para nos lembrar que mesmo este livro não é a revelação de todas as coisas. Cada série resulta da série precedente, de modo que todas elas formam um todo unido. Por exemplo, o sétimo "selo" é seguido da série das sete trombetas (8.1,2), e o sétimo "sinal no céu" é seguido da série das sete "taças" (15.1). A série dos sete "sinais no céu" está no meio do livro. Cada "sinal" inicia pela palavra "Vi" ou "Olhei", ou algo equivalente, sendo o primeiro e o sétimo efetivamente chamado de "sinal" (12.1; 13.1,11; 14.1,6,14; 15.1). Este trecho apresenta-nos a realidade do mal em todo o seu horror cru, e a realidade da vitória conquistada por Cristo e compartilhada com seu povo. A última série relacionada acima, as sete visões finais, não é absolutamente uma série óbvia, e nem todos os estudiosos concordam que esses capítulos devam ser considerados assim. Seria melhor considerar essas visões finais simplesmente como uma seqüência e complemento da série das sete taças equilibrando assim com a forma correspondente à que os sete selos são introduzidos pelas maravilhosas visões do céu nos capítulos 4 e 5. Contudo, é possível analisar os capítulos como uma grande série de seis visões, cada qual marcada pelo aparecimento de uma poderosa figura celestial: 1. Um anjo revela a mulher sobre a besta, Outro anjo anuncia a queda de Babilônia, O cavaleiro sobre o cavalo branco aparece para destruir a besta, O anjo com a chave aparece para prender e fechar o dragão, O próprio Deus aparece, sentado em seu trono do juízo final, Outro anjo aparece (21.9) para revelar uma mulher muito diferente, a noiva do Cordeiro, a Jerusalém celestial, Se esta análise é correta, somos induzidos a perguntar por que não há um sétimo aparecimento e visão nesta parte final. E bem possível que a resposta seja que há, porém ainda não aconteceu. O livro termina com a promessa: "Aquele que dá testemunho destas coisas diz: 'Certamente venho sem demora'", com a oração em resposta: "Amém. Vem, Senhor Jesus" (22.20). Analisado desta forma, o livro Apocalipse é estruturado em torno das sete séries de "setes", mas o sete final ainda não está completo, porque Jesus tem ainda de voltar. Eles são os "servos" que experimentam "as coisas que em breve devem acontecer". A alternativa historicista, por outro lado, visualiza Apocalipse como uma espécie de almanaque da história universal, escrita antecipadamente. Esta é a alternativa segundo a qual alguns, por exemplo, têm identificado o papa como "a besta", ou têm considerado que a Comunidade Européia representa os dez chifres da besta (13.1). A alternativa/míiiráto interpreta "que em breve devem acontecer" ainda mais radicalmente. Ela sustenta que Apocalipse se ocupa somente com os eventos do Fim, os reais últimos eventos da história universal, incluindo a vinda de Cristo e o julgamento final. Diferentemente, a alternativa infinito-simbólica trata o livro como uma série de parábolas. O que é importante, sustenta esta alternativa, é a verdade infinita transmitida pelas poderosas imagens do livro tais como "o Cordeiro" e "a Jerusalém celestial". Como devemos nós avaliar estas alternativas antagônicas? Com toda a

150 148 HOMENS COM UMA MENSAGEM Ruínas do templo de Artêmis em Sardes. A igreja de Sardes estava entre as sete igrejas, sobre as quais João exerceu supervisão. probabilidade elas não são mutuamente tão excludentes como parecem. Porém é fundamental ouvir o próprio João, pois sua introdução nos dá uma clara orientação precisamente sobre este ponto. 1. João define os recipientes da revelação. Deus, por intermédio de João e do anjo que lhe enviou (1.1), deu essa revelação aos "seus servos". Na saudação que se segue, esses "servos" são então mencionados: "João, às sete igrejas que se encontram na Ásia: Graça e paz a vós outros, da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete espíritos que se acham diante do seu trono, e da parte de Jesus Cristo..." (1.4,5). O livro abre como uma mensagem específica, das três pessoas da Trindade para as sete igrejas. Portanto, Apocalipse tinha um genuíno contexto histórico. João evidentemente exerceu algum tipo de supervisão sobre as igrejas em Efeso e Esmirna, Pérgamo e Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia (1.11). Ele até mesmo as relaciona na ordem em que seriam alcançadas por um mensageiro viajando ao longo da estrada circular que as unia. E como vimos acima (no quadro sobre as cartas às sete igrejas, pág. 145), as necessidades particulares de cada igreja são tratadas. Este contexto histórico definido ajuda-nos em nossa avaliação dessas alternativas antagônicas. A alternativa preterista deve conter um importante elemento de verdade, ao passo que a escola estritamente/wímráfa de interpretação não pode ser correta. Se a mensagem do livro se refere inteiramente ao período imediatamente anterior à volta do Senhor, então ela não tinha nenhuma mensagem particular para as igrejas às quais João diz que escreveu. Entretanto, como também vimos acima, há evidência de que uma audiência mais ampla está também em vista. Isto indicaria que a escola preterista não tem monopólio sobre a precisão. A mensagem pode ter sido dirigida primariamente aos membros das sete igrejas, mas ela tem relevância para todos os cristãos em todos os lugares. Para ilustrar isto, consideremos uma das mais importantes visões de João, a do dragão e as bestas. Um das mais horripilantes imagens em Apocalipse é a da mulher montada numa besta de sete cabeças (17.1-6). Enquanto a visão se desenrola, essa mulher é nitidamente identificada como Roma. As sete cabeças da besta "são sete montes, nos quais a mulher está sentada" (17.9). Roma era famosa como a cidade construída sobre sete colinas. A mulher é realmente chamada "Babilônia, a grande" (17.5), mas os primeiros leitores não teriam nenhuma dúvida sobre sua verdadeira identidade. Assim, toda a visão era plena de sentido para eles. A medida que liam as palavras de João, viam a luxúria de Roma, o comércio do qual ela se nutria, sua idolatria, a exploração essencial do sistema econômico que ela controlava e sua queda vindoura. Mas, se a mulher é Roma, quem ou o que é a besta sobre a qual Roma se assenta? Esta mesma besta de sete cabeças já havia aparecido, em João vê a besta erguendo-se do mar, o lugar de caos e lar de todas as forças hostis a Deus (13.1). Daniel tivera uma visão de quatro bestas erguendo-se do mar (Daniel 7.1-7), que se tornaram representantes de quatro impérios futuros (Daniel 17.17). A besta única que João vê combina numa só figura as quatro características distintivas de cada uma das bestas de Daniel. Essas bestasimpérios pareciam-se respectivamente com um leão, um urso, um leopardo e

151

152 150 HOMENS COM UMA MENSAGEM um enorme dinossauro com dez chifres (Daniel 7.4-7). A besta de João repete tais características na ordem inversa: ela tem dez chifres, e "era semelhante a um leopardo, com pés como de urso, e boca como boca de leão" (Apocalipse 13.2). O que devemos fazer disso? Identificar a besta simplesmente como o império romano, sobre o qual a cidade de Roma se assenta, não faz justiça à imagem de João e a esse cenário em Daniel. Uma interpretação melhor está à mão, aquela que dá a Apocalipse uma mensagem para todos os crentes em todos os tempos e lugares. A besta encontra sua expressão não em qualquer império isolado, mas em todas as manifestações de poder imperial que se colocam contra Deus e seu povo. Naturalmente, nem todos os poderes do mundo perseguem a igreja. Mas muitos deles o fazem talvez a maioria deles, no curso da história. Por que é assim? A resposta está à mão: "E deu-lhe o dragão o seu poder, o seu trono e grande autoridade" (13.2). No final das contas, o poder imperial deriva de Satanás, porque ele governa o mundo sem relação com seu Criador e requer lealdade para si. João recebe uma visão semelhante de uma segunda besta, desta vez emergindo da terra ( ). A marca distintiva da primeira besta era fazer guerra (13.4), e exercer "autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação" (13.7). A marca distintiva desta segunda besta é exigir lealdade à primeira besta na realidade, "faz com que a terra e os seus habitantes adorem a primeira besta" (13.12). A besta faz isso realizando sinais que "seduzem os que habitam sobre a terra" (13.14), de modo que eles lhe prestam culto alegremente. Os leitores originais de João estavam cercados de pessoas que alegremente participavam do culto imperial. Eles o faziam porque tinham absorvido a ideologia romana acerca da pax romana, e sentiam-se gratos a Roma por sua prosperidade, ignorantes das realidades do governo romano tão claramente vistas por João. Se a primeira besta representa o poder imperial opressivo, expresso em todas as suas manifestações, então esta segunda besta podia representar as muitas ideologias pelas quais os impérios se sustentam e impõem lealdade. O culto imperial era sustentado por um poderoso sacerdócio que o promovia e exercia grande influência, principalmente na Ásia Menor. A propaganda produzida por ele era intensa. É este a segunda besta? Quando as bestas são finalmente destruídas por Cristo em Apocalipse 19, a segunda besta é significativamente denominada "o falso profeta" (19.20). Ele induz as pessoas a crerem na salvação através do poder secular. João, portanto, escreve de uma forma global, expressando sua mensagem em termos tais que ela pode ser aplicada pelos cristãos à sua própria situação, mesmo que esta seja muito diferente daquela de seus primeiros leitores. "Seus servos" (1.1) incluem todos nós que "ouvimos" (1.3) as palavras desta profecia e procuramos aplicá-las ao mundo que habitamos. Portanto, enquanto há verdade na visão preterista, a visão infinito-simbólica não deve ser diminuída. João provê a "revelação" que capacita os cristãos de todas as épocas a verem seu mundo com novos olhos. 2. João explica o caráter da revelação. João chama seu livro de "revelação de Jesus Cristo" (1.1). E importante notar que isto se refere ao conteúdo, bem como à fonte, da mensagem do livro. A alternativa historicista, que descobre no livro uma história do mundo em código,

153 A MENSAGEM DE APOCALIPSE 151 O dragão, as bestas, e sua marca Muitos estudiosos têm observado como o dragão e as duas bestas formam uma imagem terrivelmente distorcida da Trindade do Pai, Filho e Espírito Santo: Enquanto Deus é o Criador, sendo servido por hostes angelicais, Satanás é o Destruidor (9.11), e tem exércitos de demônios sob suas ordens. Jesus Cristo congrega um povo para Deus de todas as nações por meio de seu sangue (5.9), mas a primeira besta promove guerra ao povo de Deus (13.7). Jesus Cristo é o Cordeiro "como se tivesse sido morto" (5.6), aquele que "estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos" (1.18). A primeira besta parodia a morte e ressurreição de Jesus recebendo uma "ferida mortal", que foi curada (13.3,12). E ofício característico do Espírito Santo conceder "sinais e maravilhas" para confirmar o evangelho (p.ex., Romanos 15.18,19), e para testificar Jesus (p.ex., Atos 5.32). A segunda besta parodia esses dois papéis, realizando sinais para enganar as nações e induzi-las a adorar a primeira besta (19.20), e agir como um "falso profeta" em seu favor (19.20: 20.10). O mal sempre se veste como se fora o bem, e o pior se parece com o melhor. Deveríamos provavelmente interpretar "a marca da besta" (13.16,17; 19.20; 20.4) à luz dessa paródia. Os crentes recebem uma "marca", um "selo" de Deus, que significa que pertencem a Ele e são protegidos de danos (7.3). Por isso lemos em 14.1: "Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil tendo nas frontes escrito o seu nome e o nome de seu Pai." Este quadro expressa o compromisso de dois lados presente em todo o discipulado cristão: Deus em Cristo entrega-se a si mesmo por nós, e nós aceitamos seu domínio sobre nós com alegria. Alguns dos leitores de João podem com isto estar-se lembrando do batismo de Jesus. Mas a besta também coloca uma marca sobre o povo: "A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhe seja dada certa marca sobre a mão direita, ou sobre a fronte, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da besta, ou o número do seu nome (Apocalipse ). Comércio comprar e vender é fator fundamental à vida nesta terra. Não podemos sobreviver sem ele. Todo regime político é construído sobre ele. Muitos cristãos do primeiro século sentiram diretamente a conexão entre o comércio e os poderes do mal por meio de grupos associados voltados à adoração de um deus "defensor" ou de uma deusa "defensora". Se eles se recusassem a participar de tal idolatria, arriscariam sua subsistência anos mais tarde vivemos numa economia global que alimenta as nações ricas em detrimento das pobres. Os "deuses" são menos ostensivos, mas não menos reais: tecnologia, velocidade, sexo, moda, autodeterminação. Em nosso tempo também precisamos considerar como podemos "comprar e vender" sem por esse meio tomar a marca da besta sobre nós, mantendo nosso verdadeiro testemunho ao Senhor, cujo nome usamos. tenta esquecer seu princípio essencial. Deixando totalmente de lado a variedade de interpretações que os historicistas sugeriram, a objeção principal a este método de interpretação é que ele perde de vista tanto a necessidade da igreja como o Senhor da igreja. O que uma igreja perseguida necessita não é uma previsão detalhada dos eventos futuros, a qual tem de ser laboriosamente decifrada, mas uma visão de Jesus Cristo para confortar o abatido e animar o cansado. O propósito de João é prático, não acadêmico. Ele não é apenas um visionário; ele é também um pastor. Seu desejo não é o de satisfazer nossa curiosidade sobre o futuro, mas estimular nossa fidelidade no presente. Ele repetiu, é verdade, "que em breve devem acontecer" (1.1), mas o futuro que ele antevê está totalmente em estreita ligação com Jesus Cristo, que está reinando agora como "soberano dos reis da terra" (1.5), e que brevemente virá (1.7). É para Ele que João dirige nossa atenção, não apenas para o futuro. Ele é representado por uma variedade de formas: Primeiro vemo-lo entre os candeeiros, supervisionando, investigando, estimulando as igrejas ( ).

154 152 HOMENS COM UMA MENSAGEM Em seguida Ele é visto como um Cordeiro, junto ao trono do Pai, exclusivamente qualificado para romper os selos do livro do destino (capítulos 5-7). Depois Ele é revelado como o Cristo de Deus, que impõe a vitória e o governo de Deus sobre todas as forças oponentes (11.15; 12.10). A cena muda novamente, e agora Ele é o homem-criança ao qual a mulher vestida de sol dá à luz e o qual o dragão tenta devorar (12.1-6). Uma vez mais Ele é "o Cordeiro", porém desta vez à frente de um exército de cantores redimidos (14.1-5). Depois Ele é o "filho de homem", o agente da ira final e o juízo de Deus ( ). Assemelhando-se a isto, Ele é apresentado como o guerreiro que cavalga um cavalo branco à frente dos exércitos celestiais para julgar e fazer guerra contra seus inimigos ( ). Finalmente, Ele é o esposo para quem a igreja, sua noiva, desce do céu adornada e perfeita (21.1-9). João teve essas visões uma após outra, mas isto não significa que elas retratam acontecimentos na terra que se realizam na mesa ordem. Cada visão transmite uma verdade específica sobre Cristo que os cristãos de todas as épocas podem assimilar e aplicar a si mesmos. Cristo não dedicou primeiramente um tempo em comunhão com as igrejas na terra, supervisionando, no meio dos candeeiros (2.1), e em seguida partiu para o céu para tornar-se o Cordeiro sobre o trono (5.6). As duas visões são verdadeiras para todos os tempos, e incentivadoras para todos os cristãos. A seqüência histórica, porém, exerce um papel em certos aspectos. Vários dos "setes" terminam com uma visão do juízo final ou da salvação. Isto é verdadeiro para o sexto selo ( ), a sétima trombeta ( ), o sexto sinal do céu ( ), a sétima taça ( ), e, naturalmente, a visão final da nova Jerusalém ( ). Mas em todos esses casos os itens precedentes das séries não seguem cronologicamente a seqüência que leva ao Fim. Cada "sete" é como uma equipe de fotógrafos focalizando o mesmo cenário de um ângulo diferente, cada qual proporcionando uma percepção de cada faceta diferente do mundo, de seu Senhor e de seu futuro. Esta compreensão de Apocalipse foi proposta há mais de cinqüenta anos pelo estudioso norteamericano William Hendriksen, que lhe deu o nome de "paralelismo progressivo". Sua teoria baseia-se em que cada uma das partes do livro cobre um todo da história, com uma ênfase gradativa sobre o Fim, conduzindo ao grande clímax nas visões finais do juízo e da salvação nos capítulos 20 a João indica o método da revelação. Apocalipse emprega muitos sinais ou símbolos que apontam além deles próprios para um sentido mais profundo que nós, leitores, temos de discernir. Recentemente os estudiosos têm enfatizado que algumas verdades somente podem ser expressas pelo uso de símbolo e metáfora, porque estes podem dar voz às idéias e pensamentos dentro dos limites de nossa capacidade de compreensão. As imagens produzidas pelas visões são muito ricas. Elas derivam da natureza (p.ex., cavalo, cordeiro, leão, locusta, escorpião, águia, árvore, colheita, mar, rios, terra, céu), da vida humana (p.ex., comércio, guerra, idolatria, nascimento,

155 A MENSAGEM DE APOCALIPSE 153 Parte do aqueduto construído para suprira antiga Laodicéia. A água nesta área é rica em minerais; depósitos de calcário podem ser vistos nas paredes internas do aqueduto. prostituição, agricultura, medicina, governo, edifício), e do Velho Testamento (p.ex., Babilônia, Jerusalém, Jezabel, Egito, Sodoma, o Templo e seus acessórios, maná, a árvore e o livro, a água da vida, Jesus como Cordeiro, Leão e Raiz, etc.) Três princípios devem orientar nossa interpretação dessas imagens: a. Muito dela é usado simplesmente para dar um efeito dramático intensificado e não possui um sentido independente em cada detalhe. Por exemplo, as pedras preciosas que decoram as paredes da Jerusalém celestial (21.19) podem não significar em si alguma coisa diferente. O mesmo se aplica às pedras preciosas que adornam a grande prostituta (17.4; 18.16)! b. A imagem é simbólica e não pictórica, e entende-se que deve ser interpretada e não visualizada. Não devemos ser levados a imaginar criaturas cheias "de olhos por diante e por detrás" (4.6), mas lembrar-nos de sua incessante vigilância. Nem devemos tentar visualizar uma besta com dez chifres, sete cabeças, e uma boca (13.1,2), porém devemos impressionar-nos com o terrível poder da besta e sua assustadora blasfêmia (13.5). Algumas vezes é a impossibilidade literal da imagem que faz com que ela seja poderosa, como no caso da grande multidão diante do trono de Deus, que "lavaram suas vestiduras, e as alvejaram no sangue do Cordeiro" (7.14). c. Muito embora alguns dos detalhes não sejam "significativos " por si mesmos, basicamente todas as coisas no livro devem ser olhadas como simbólicas, e não literais. Algumas coisas são obviamente literais, tais como as referências aos nicolaítas (2.6,15) e a próxima prisão de alguns dos cristãos de Esmirna (2.10). Mas, se nenhuma referência literal for óbvia, então um sentido simbólico deve ser buscado mesmo quando esteja claro que uma característica "literal" da vida na Ásia Menor esteja em mente. Por exemplo, havia uma indústria farmacêutica em Laodicéia que produzia um famoso colírio. Mas, quando Cristo

156 154 HOMENS COM UMA MENSAGEM diz aos laodiceianos que comprem dele "colírio para ungires os teus olhos, a fim de que vejas" (3.18), o colírio simboliza alguma outra coisa. De igual modo, as próprias igrejas são tanto literais como simbólicas: elas são igrejas reais, porém representam a igreja universal de Cristo. E o número "sete" que sugere o que as igrejas simbolizam. O simbolismo dos números é uma das características mais proeminentes das imagens de Apocalipse (veja o quadro a seguir). Há, portanto, verdade em todas as quatro escolas de interpretação. Os simbolistas estão certos em insistir que as imagens de Apocalipse ensinam grandes verdades sobre Deus, Cristo, a igreja, o mundo e os poderes do mal, fundamentais para que a igreja as conheça em todos os tempos e lugares. Os preteristas estão corretos ao enfatizar a relevância dessas verdades para os seus cenários e leitores específicos do primeiro século. Os historicistas estão certos em procurar a relevância para toda a história universal, não apenas a do primeiro século. E os futuristas corretamente destacam sua preocupação com o destino final do mundo e da igreja. Uma análise pastoral Resumindo: o que o livro ensina à igreja de Cristo? Podemos analisar muito brevemente sua mensagem, como segue: Capítulos 1-3: A vida da igreja em Cristo. Esta parte é dominada pela visão do Cristo levantado e governando no capítulo 1. Sua igreja pode ser fraca, sofredora, até complacente, mas ela descansa em suas mãos e Ele ministra para as necessidades dela. Capítulos 4-7: A segurança da igreja por meio de Cristo. As visões nos capítulos 4 e 5 apresentam Deus de uma perspectiva do Velho Testamento (capítulo 4), e depois de uma perspectiva do Novo Testamento. Apesar de todos os sofrimentos que fazem parte da vida neste mundo (capítulo 6), a igreja é salva, "selada" com uma marca do domínio do senhorio de Deus, que governa com incontestável poder do trono do universo. Capítulos 8-11:0 testemunho da igreja sobre Cristo. As trombetas anunciam as advertências de Deus a um mundo pecaminoso e idólatra (9.20,21), enquanto a igreja dá testemunho simbolizado primeiro pelo próprio João, a quem é dada uma profecia para o mundo ( ), e em seguida por duas testemunhas, que dão um fiel testemunho, a despeito de terrível oposição (capítulo 11). Capítulos 12-14: O conflito da igreja por Cristo. O que se esconde atrás da oposição do mundo à igreja? Aqui o véu é removido, e vemos os três verdadeiros inimigos, que tentaram destruir o próprio Cristo e agora tentam destruir o seu povo (12.17). Muito embora lhe fosse "dado [à besta] também que pelejasse contra os santos e os vencesse" (13.7), entretanto, de outra perspectiva, a igreja está salva, alimentada como Elias no deserto (12.14), e congregada com o Cordeiro no monte Sião (14.1-5). Capítulos 15-20: A vingança da igreja por intermédio de Cristo. A visão

157 A MENSAGEM DE APOCALIPSE 155 Números em Apocalipse Os números são usados simbolicamente em todo Apocalipse, principalmente quatro, sete, dez, doze e múltiplos destes. Uma vez que há quatro pontos na bússola e quatro ventos na terra (7.1), o número quatro parece representar o universo criado. Os quatro "seres viventes" que adoram em volta do trono (4.6-9) parecem simbolizar toda a criação animada em sua dependência do Criador. O número sete denota completitude e perfeição, provavelmente porque a história da criação cobre sete dias no livro de Gênesis. As sete igrejas da Ásia, portanto, embora históricas, também representam a igreja universal. Este simbolismo sustenta o ponto de vista de que cada um dos "setes" de Apocalipse apresentam um retrato completo do mundo visto de um "ângulo" particular. Ele também sugere a interpretação do "número da besta", em 13.18: 666 indica a total imperfeição, alguma coisa que se esforça para parecer perfeita, mas é notoriamente deficiente. Doze é o número do povo de Deus, porque houve doze tribos no Velho Testamento e doze apóstolos no Novo Testamento. Os vinte e quatro anciãos assentados em volta do trono devem portanto simbolizar a igreja adoradora de ambos os Testamentos. Este simbolismo figura na descrição da nova Jerusalém, em O número dez parece indicar o soberano conhecimento e propósito de Deus. Os cristãos de Esmirna terão uma "tribulação de dez dias", sugerindo que a extensão da perseguição é predeterminada por Deus (2.10). De modo semelhante, os dez chifres e coroas da besta (13.1; compare com 17.12) sublinham a soberania final de Deus sobre os poderes do mal. A mesma idéia é transmitida quando outro número é multiplicado por dez. Exemplo: (7.4; 14.1) é 12 x 12 x 1.000, e claramente representa todo o povo de Deus redimido de ambos os Testamentos, cuja extensão é exatamente conhecida por Ele. Do mesmo modo, os "mil dias" de ,7 devem quase certamente ser entendidos para simbolizar um longo e não especificado período, cuja exata extensão é determinada por Deus. Outro número importante é três e meio, um período simbólico que João extraiu de Daniel (Daniel 7.25; 9.27; 12.7). Este período pode ser considerado como "três dias e meio" (11.9). "um tempo, tempos, e metade de um tempo" (12.14), quarenta e dois meses (11.2; 13.5) e dias (11.3; 12.6). Se o mês é contado como trinta dias, este período é o mesmo em cada caso. Ele parece ser a idade da nova aliança, todo o tempo decorrido entre a primeira e a segunda vindas de Cristo, quando a igreja dá testemunho e é perseguida, sendo confortada e alimentada por Deus em face da grande oposição. dos inimigos da igreja é seguida pela visão de sua destruição. Os selos (capítulos 6 e 7) mencionam o que Deus permite neste mundo. As trombetas (capítulos 8-11) mostram como Deus adverte seu mundo. Agora as taças (capítulo 16) indicam como Deus julga seu mundo. Depois a destruição de Roma é retratada (capítulo 18), seguida pela destruição dos três inimigos, na ordem contrária à ordem em que foram apresentados nos capítulos 12 e 13. Capítulos 21 e 22: A união da igreja com Cristo. Tendo testemunhado o juízo final do mundo (capítulos 15-20), João agora vê o destino final da igreja. Ela é unida com Cristo numa "nova criação", da qual a morte e o sofrimento são banidos, e a qual traz a um perfeito cumprimento todo o plano de Deus para o mundo. A mensagem de Apocalipse é, sem dúvida, poderosa. Ela está centralizada na visão do Cristo que participa do sofrimento e morte de seu povo e depois se assenta no trono de Deus. Ela nos leva além do caos e do trauma da história do mundo, e de nossas próprias vidas, à nossa segurança no plano de Deus, tanto para nós como para o mundo. Ela nos horroriza com seu rígido retrato da morte e do mal, e depois levanta nossos espíritos ao céu pondo em nossos lábios palavras do mais sublime louvor. Enquanto cantamos com as hostes celestiais,

158 156 HOMENS COM UMA MENSAGEM sabemos que os poderes do mal foram derrotados, e nós estamos redimidos: "Ao nosso Deus que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação!" (7.10). Leitura adicional Menos exigente: John Stott, What Christ Thinks of the Church (Milton Keynes, UK: Word, 1990) uma exposição de Apocalipse 2 e 3 Michael Wilcock, The Message of Revelation. I Saw Heaven Opened (Série "The Bible Speaks Today") (Leicester: IVP, 1975) Michael Williams, The Power and the Kingdom. Power, Politics and the Book of Revelation (Eastbourne: Monarch, 1989) Mais exigente, obras eruditas: Donald Guthrie, The Relevance of John's Apocalypse (Exeter: Paternoster / Grand Rapids: Eerdmans, 1987) C. J. Hemer, The Letters to the Seven Churches of Asia in the Local Setting (Sheffield: JSOT Press, 1986) J. M. Court, Myth and History in the Book of Revelation (Londres, SPCK, 1979)

159 índice Apocalipse autoria estrutura interpretação Apóstolos, ver Discípulos e nomes individuais Atos 59, estrutura Batismo 95 Cobradores de impostos 31-32,53-54 Cura Discipulado 12,27-28 Discípulos medo ver também nomes individuais Edificação Esperança Evangelhos relação entre 13, 29-31, ver também nomes individuais Fariseus 35, 38 Fé 73-77, 117 Filho de Davi 37 Filho de Deus Filho do Homem Glorificação Gnosticismo 81 Hebreus, Carta aos autoria 108 temas Isaías nas epístolas de Pedro 136 Jesus autoridade 26, 39 como Filho de Davi 37 como Filho de Deus como Filho do Homem como Messias prometido 26-27, 36-37, 39 como rei de Israel 35-36, 45 morte 14, 25-27, 44, , segunda vinda João (autor de Apocalipse) João (autor do Evangelho e das epístolas) João, Epístolas 68, João, Evangelho e os Evangelhos sinópticos estilo 70 estrutura 70, João Batista 33 Julgamento 105 Justificação Latim, língua no Evangelho de Marcos 14 Lucas Lucas, Evangelho estilo estrutura temas Marcos abandona Paulo 16 casa materna 14 Marcos, Evangelho baseado em Pedro estilo 21 estrutura 22 propósito temas Mateus conversão e João Batista 33 Mateus, Evangelho estilo 38 estrutura 37 temas uso do Velho Testamento 36, 37 Melquisedeque Messias 26-27, 36-37, 39 Misericórdia, ver Perdão Mulheres Numerologia 147, 154 Oração Paulo conversão e Lucas viagens missionárias Paulo, Epístolas Pedro 128, e Marcos seu nome 131 Pedro, Epístolas autoria temas Perdão Pobreza 55

160 158 HOMENS COM UMA MENSAGEM Ressurreição dos mortos 105 Santificação Segunda vinda de Cristo Sete, o número, em Apocalipse 147, 154 Sete Igrejas, Cartas às Silas 129 Tabernáculo 115 Tiago Tiago, Epístola Velho Testamento cumprido em Jesus 39-40, 132 exemplificado como evidência por João influência sobre Apocalipse na Carta aos Hebreus 109 nas epístolas de Pedro

161 Fotos e Ilustrações Todas as fotografias são originárias de Tiger Colour Library, Three's Company, exceto as das páginas seguintes, que foram reproduzidas com permissão de Zev Radovan: pp. 1, 43, 55, 56, 61, 73, 77, 90, 139. Ilustrações de James Macdonald nas pp. 115 e 117.

162 HOMENS COM UMA MENSAGEM Uma Introdução ao Novo Testamento e seus Escritores JOHN STOTT Revisado por Stephen Motyer "A particularidade de cada autor do Novo Testamento não è de modo algum restrita a um único processo de inspiração. Antes, pelo contrário, o Espírito Santo primeiro preparou, e em seguida usou sua individualidade de formação, experiência, temperamento e personalidade, a fim de transmitir por meio de cada um alguma verdade distinta e apropriada." John Stott O objetivo desta edição completamente revisada da obra clássica do Dr. Stott foi a de torná-la acessível à nova geração, refundindo a linguagem, adaptando-a às versões bíblicas recentes, e acrescentando fotos a cores e mapas informativos. li».!sta UNIDA

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