Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Ano Lectivo 2009/2010. Unidade Curricular de BIOQUÍMICA II Mestrado Integrado em Medicina 1º Ano

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1 Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Ano Lectivo 2009/2010 Unidade Curricular de BIOQUÍMICA II Mestrado Integrado em Medicina 1º Ano ENSINO PRÁTICO E TEORICO-PRÁTICO 5.ª AULA TEÓRICO-PRÁTICA DIABETES MELLITUS

2 Diabetes Mellitus A Diabetes Mellitus afecta 1-2% da população e é provavelmente a terceira causa de morte, a seguir às doenças cardiovasculares e ao cancro, nos países industrializados. Desde o isolamento da insulina em 1921, por Frederick Benting e Charles Best, a Diabetes pode ser controlada. Contudo, a esperança de vida dos doentes é reduzida a cerca de 1/3, devido à ocorrência de complicações renais e cardiovasculares, resultantes da angiopatia diabética, sendo a cegueira outra das complicações secundárias na diabetes. É a doença endócrina mais comum encontrada na clínica, caracterizada por hiperglicémia devido à falta e/ou resistência à insulina (a insulina controla a glicémia). A insulina é uma hormona polipeptídica formada por 2 cadeias unidas por duas pontes dissulfureto: a cadeia A e a cadeia B, com 21 e 30 aminoácidos, respectivamente. Foi a primeira proteína a ser completamente sequenciada e a ser sintetizada quimicamente em laboratório. No nosso organismo, é sintetizada pelas células β-pancreáticas na forma de um polipeptídeo precursor, a pré-insulina, que é clivada proteolíticamente por proteases em resíduos de serina, dando origem à hormona activa (Fig. 1). A insulina actua ao nível de um receptor localizado à superfície das células, na membrana celular, composto por 2 subunidades, α e β, que se associam formando um tetrâmero α 2 β 2. A subunidade α, de 135 kda, é a subunidade que liga a insulina, enquanto a subunidade β, transmembranar, de 90 kda, possui actividade de tirosina cinase e medeia a transdução de sinal intracelular quando o receptor é activado (Fig. 2). A insulina promove a entrada de glucose e de alguns aminoácidos nas células. Tem também outras funções anabólicas a nível celular: estimula a oxidação da glucose (obtenção de energia), a síntese de proteínas, de RNA e de ácidos gordos. Por outro lado, inibe a síntese de glucose pelas células o que pode prevenir o catabolismo das proteínas e aminoácidos. Inibe a mobilização das reservas de gordura, baixa os níveis de glucose no sangue e aumenta os níveis de glicogénio no músculo e no fígado. A insulina é libertada na corrente sanguínea quando os níveis sanguíneos de glucose, aminoácidos ou outras hormonas aumentam.

3 Figura 1- Formação da insulina. Figura 2- O receptor da insulina.

4 Em situações de deficiência de insulina, a glucose não pode entrar nas células e o metabolismo celular é alterado. O resultado é uma espécie de jejum celular no qual se mobilizam gorduras e aminoácidos para produzirem glucose, o que se traduz num excesso de produção de acetil-coa e consequente formação de corpos cetónicos. Deve ser tido em conta que: a) Sempre que a quantidade de corpos cetónicos formados supera as necessidades orgânicas, surge cetonémia e, eventualmente, cetonúria; b) Estas situações podem surgir durante o jejum prolongado ou perante uma situação de Diabetes Mellitus grave; c) A cetonémia resulta em acidémia devido ao carácter acídico dos corpos cetónicos, com descida do ph do sangue; d) A excreção de glucose e corpos cetónicos conduz à desidratação, que irá agravar a acidémia. A Diabetes pode ser: - Insulino-dependente tipo I (15% dos diabéticos): - Ocorre em jovens com menos de 30 anos - Tem um início rápido - Ocorre a destruição auto-imune das células β dos ilhéus pancreáticos - Há um decréscimo dos níveis de insulina - Causada por: factores ambientais, infecção viral ou por toxinas - Não insulino-dependente tipo II (85% dos diabéticos): - Ocorre em indivíduos com mais de 40 anos - De início lento - A insulina está presente - Ocorre resistência à insulina e/ou alteração da secreção - Os indivíduos ficam obesos - Pode ser compensada por controlo dietético e uso de antidiabéticos orais (Tabela I). Os sintomas da Diabetes incluem os três P s : polifagia (apetite excessivo), polidipsia (sede) e poliúria (aumento do débito urinário).

5 Tabela I Características da Diabetes insulino-dependente e não insulino-dependente. Complicações a longo termo associadas à Diabetes Mellitus: - Microangiopatia alterações nas paredes dos vasos sanguíneos que conduzem a uma redução da espessura da membrana basal. - Retinopatia alteração das células que constituem a retina por microangiopatia; ocorre hemorragia ao nível do vítreo, associada a maculopatia (ao nível da mácula); pode conduzir à cegueira. - Nefropatia disfunção renal, que se inicia por hiperfunção renal, aumento do tamanho do glomérulo e microalbuminúria; numa fase tardia, ocorre aumento da proteinúria e declínio da função renal, com urémia. - Neuropatia é evidenciado pela ocorrência de diarreia, hipotensão, impotência, microangiopatia dos vasos sanguíneos que nutrem as células nervosas; redução do metabolismo da glucose. - Macroangiopatia (Aterosclerose) conduz a doença coronária prematura. Os mecanismos que contribuem para uma maior incidência da aterosclerose na Diabetes é desconhecida. Surge um aumento da glicosilação de proteínas. Nesta perspectiva ocorre hiperlipidémia, com aumento da [triglicerídeos], aumento das VLDL e diminuição das HDL. Na Diabetes ocorre diminuição da [K + ] devido à diurese osmótica, que conduz à perda de água e electrólitos. Então, ter-se-á que fornecer insulina (injecções), rehidratar (ingerir bastante H 2 O) e administrar potássio, para manter o equilíbrio iónico. Os erros na administração de insulina, por excesso, podem causar confusão, convulsões, desorientação, dores de cabeça, tremores, sudorese excessiva, coma e morte.

6 CASO CLÍNICO 1 Ana D. sofre de diabetes tipo 2, não-dependente de insulina, com 70 anos de idade, e que durante 20 anos controlou a sua diabetes através da dieta. Na última semana, o seu médico de família notou que ela apresentava hipertensão, e prescreveu-lhe um diurético do grupo dos tiazidos, para baixar a tensão arterial. Após a tomada do diurético ficou com bastante sede e bebeu uma grande quantidade de sumo de maçã. Entretanto, perdeu peso e começou a queixar-se de tonturas quando se punha de pé. Não apresentava hálito cetónico. Os testes laboratoriais de rotina mostraram: glicémia: 900 mg/dl (N: mg/dl); - corpos cetónicos: 3 mmol/l (N: < 0,020 mm); HCO 3 25 mmol/l (N:18-23 mmol/l); hiato aniónico: 14 meq/l (N: 7-14 meq/l); ph 7,4 (N: 7,35-7,45). 1. Como explica a alteração do quadro clínico de Ana D.? 2. Qual o principal objectivo da terapêutica a instituir a esta doente? 3. Esta doente não desenvolve uma cetoacidose. Explique porquê. 4. Porque é que esta doente apresenta uma hiperglicémia tão elevada? CASO CLÍNICO 2 João é um rapaz de 17 anos, diabético, que não administrou insulina por se sentir enjoado, incapaz de ingerir alimentos. No dia seguinte, o João foi levado ao médico, porque desenvolveu uma cetoacidose (hálito cetónico) e confusão mental. Os testes laboratoriais de rotina mostraram: glicémia: 450 mg/dl (N: mg/dl); corpos cetónicos: 20 mmol/l (N: < 0,020 mm); HCO - 3 : 5 mmol/l (N: mmol/l); hiato aniónico: 32 meq/l (N: 7-14 meq/l; ph 7,0 (N: 7,35-7,45). 1. Porque é que surgiu a cetoacidose severa? 2. O doente apresenta uma hiperglicémia moderada. Poderíamos propor 2 estratégias como adjuvantes da terapêutica por insulina, para baixar a glicémia: (1) inibição da neoglicogénese e (2) inibição da β-oxidação de ácidos gordos. Quais os perigos desta actuação terapêutica?

7 CASO CLÍNICO 3 Se em dois casos de diabetes encontrar os seguintes valores: Alb-glic Hb-glic Caso 1 normal alta Caso 2 alta alta Alb-glic tempo de semi-vida: 1-2 semanas Hb-glic tempo de semi-vida: 3-4 meses Qual o significado destas alterações dos níveis destas duas proteínas glicosiladas, relativamente ao controlo da hiperglicémia? NOTA: Deve aproveitar esta aula para rever: 1. Metabolismo dos hidratos de carbono; 2. Regulação da actividade das enzimas marcadoras das vias metabólicas atrás referidas; 3. Catabolismo dos ácidos gordos; 4. Modo de acção das hormonas com importância na regulação da glicémia, identificando o seu local de acção: principais acções metabólicas da glucagina e da insulina; 5. O papel dos receptores de tirosina cinase na sinalização e controlo do crescimento celular; 6. Formação de corpos cetónicos.