PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº , da Comarca de Campinas, em que é agravante BANCO SAFRA S/A, são agravados GALENA QUIMICA E FARMACEUTICA LTDA e GALILEU EMPREENDIMENTOS COMERCIAIS S/A. ACORDAM, em 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Recurso provido para esse fim, determinada a apresentação de novo plano.v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ REYNALDO (Presidente) e LÍGIA ARAÚJO BISOGNI. São Paulo, 30 de setembro de Araldo Telles RELATOR Assinatura Eletrônica

2 COMARCA DE CAMPINAS JUIZ DE DIREITO: RICARDO HOFFMANN AGRAVANTE: BANCO SAFRA S.A. AGRAVADA: GALENA QUÍMICA E FARMACEUTICA LTDA. E OUTRA (EM REC. JUD.) VOTO N.º EMENTA: Recuperação Judicial. Plano de recuperação. Requisitos de validade, como todo ato jurídico, sujeitos ao crivo do Poder Judiciário. Recuperação Judicial. Plano de recuperação. Apresentação de substancial alteração ao ensejo da assembleia de credores sem conferência de prazo razoável para reflexão dos interessados. Inadmissibilidade. Recuperação Judicial. Violação ao princípio da isonomia em determinada subclasse de credores quirografários. Inadmissibilidade. Recuperação Judicial. Pagamento de credores quirografários sem determinação de valor, com deságio de 80% do valor nominal, sem incidência de atualização monetária e juros e falta de previsão do termo final. Inadmissibilidade. Recuperação Judicial. Plano que viola os princípios da lealdade, confiança e boa-fé objetiva. Concessão do benefício desconstituída. Recurso provido para esse fim, determinada a apresentação de novo plano. Agravo de Instrumento nº Voto

3 O agravante, que figura como credor na recuperação judicial das agravadas, não se conforma com a r. decisão que concedeu o benefício após aprovação do plano apresentado em assembleia de credores e interpõe o presente Agravo de Instrumento visando a sua desconstituição e a declaração de nulidade daquele ato. Para tanto, sustenta que a devedora, ao ensejo da assembleia, propôs significativas alterações no plano originalmente apresentado e, ao mesmo tempo em que propõe pagamento integral dos credores que portam garantia real, dispõe-se ao pagamento de apenas oitenta por cento dos valores atribuídos aos credores quirografários. Assinala, ainda, que as alterações foram apresentadas em assembleia, observando diminuição dos direitos dos credores ausentes, além de tratamento diferenciado entre classes e subclasses. Há proposta de supressão de garantias e novação de créditos entre os coobrigados, culminando com integral subtração de juros e correção monetária dos créditos subsistentes. O recurso foi processado com efeito suspensivo parcial, anotando-se as informações prestadas pelo MM. Juiz de Direito que preside o feito, manifestação do Administrador Judicial pelo desprovimento e parecer da Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento. É o relatório. Não há dúvida, como assinalou o Administrador Judicial, que, num primeiro momento, inclinou-se a Jurisprudência, inclusive da C. Câmara Reservada à Falência e à Recuperação Judicial, pela intangibilidade das deliberações das assembleias de credores, desde que, evidente, observada a parte formal estabelecida na Lei /05. Agravo de Instrumento nº Voto

4 A evolução na aplicação da lei, entretanto, revelou, em alguns casos, estratagemas que não indicavam o intuito de pagamento dos credores e a sobrevivência da empresa, mas a postergação da quebra e a tentativa de esvaziamento do patrimônio por variadas formas. Daí a necessidade de intervenção judicial todas as vezes em que o ato jurídico consubstanciado na aprovação do plano configurar hipótese de nulidade ou anulabilidade. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial. Recurso especial conhecido e não provido 1. Pois bem, como anotado no relatório, o agravante suscita diversas questões que, a seu sentir, caracterizariam hipóteses de insubsistência do plano e da respectiva decisão concessiva da recuperação. Percebe-se, num primeiro exame, que houve substancial alteração do plano de recuperação original e a nova proposta só foi tornada pública ao ensejo da assembleia. 1 REsp /SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 01/06/2012 Agravo de Instrumento nº Voto

5 Com efeito, aquele apresentado nos autos da recuperação previa deságio de 80% dos créditos integrantes das classes II e III superiores a vinte mil reais, como se lê às fls. 71/72, enquanto o apresentado em assembleia prevê pagamento integral dos credores com garantia real, incidindo, no biênio de carência, juros da ordem de 7% ao ano e atualização monetária pela TR, projetando-se quitação do débito em doze anos (fls. 110). Por outro lado, os mesmos credores com garantia real, que são em número de três, ostentam créditos quirografários e estes, embora anotado o deságio de 80% do valor nominal, receberão o mesmo tratamento daqueles garantidos e mencionados na parte final do parágrafo anterior. Vale dizer, na mesma subclasse de credores quirografários com valores nominais superiores a vinte mil reais, haverá tratamento desigual, definindo-se que, para três deles, incidirão juros e correção monetária após a aplicação do deságio. Destacam-se, aqui, dois pontos a enaltecer a razão da recorrente. Em primeiro lugar, havendo alteração substancial na proposta de pagamento de uma determinada classe de credores, nutre-se potencial diminuição das condições de implemento das obrigações em relação a todos os demais, o que exigiria reflexão destes por prazo razoável, não se admitindo que se a pudessem exercitar no exíguo período de trinta minutos documentado na ata da assembleia (fls. 87). Ora, o legislador estabeleceu, como regra, o prazo de trinta dias para objeções dos credores ao plano apresentado pelo devedor, seja contando-se da publicação da relação de credores (art. 7º, 2º), seja de sua própria apresentação (cf. art. 55, parágrafo único). Agravo de Instrumento nº Voto

6 Assim, num primeiro relance, destaca-se que, não se tratando de alteração do plano por iniciativa dos próprios credores, mas do devedor, deve-se conferir, àqueles, prazo razoável para reflexão. Em segundo lugar, para uma mesma subclasse, identifica-se violação ao princípio da isonomia ou do pars conditio creditorum. De fato, se os três credores com garantia real são, ao mesmo tempo, credores quirografários e integrantes da subclasse portadora de créditos com valores acima de vinte mil reais e, por conta daquele privilégio, recebem tratamento distinto dos demais, viola-se a igualdade que deve presidir os processos de insolvência em geral, como lembrou a douta Procuradora de Justiça oficiante ao invocar precedente da Câmara Reservada sob a relatoria do Des. Pereira Calças 2. Por fim, destaca-se expressa disposição que prevê a não incidência de juros e correção monetária sobre os créditos arrolados, exceto para aqueles contemplados com tais encargos créditos com garantia real e quirografários dos mesmos credores (fls. 106) -. A hipótese é de remissão parcial dos créditos quirografários da subclasse portadora daqueles superiores a vinte mil reais. E até seria admissível, aceitando os credores, não houvesse deságio de 80% de seus valores nominais e falta de definição de prazo final e de valores, havendo, tão só, previsão inicial de pagamento no mês de setembro de 2013 (fls. 111). Em remate, à evidência, a r. decisão que concedeu a recuperação judicial da agravada não pode subsistir porque homologa 2 AI Agravo de Instrumento nº Voto

7 plano que implicou alteração da proposta original sem que os credores presentes tivessem tempo suficiente de reflexão, viola o princípio da igualdade dos credores de uma mesma subclasse, não define valores de pagamento aos que portam créditos superiores a vinte mil reais, promove deságio a seus valores nominais e não os atualiza sob qualquer forma, nem permite incidir juros e não estabelece termo final da recuperação. Plano como o proposto implica em verdadeira anistia ao devedor e vulnera os princípios da lealdade, confiança e boa-fé objetiva que devem presidir a recuperação judicial da empresa 3. Por tais fundamentos, proponho que se dê provimento ao recurso para, desconstituída a r. decisão que concedeu a recuperação judicial, anular a assembleia geral de credores e declarar a nulidade do plano apresentado, devendo outro ser proposto, nos moldes estabelecidos na lei, no prazo de trinta dias, pena de se decretar a quebra da agravada. É como voto. JOSÉ ARALDO DA COSTA TELLES RELATOR 3 AI n Agravo de Instrumento nº Voto