A função do RH. O que faz um RH. (*) Jan Wiegerinck

Transcrição

1 A função do RH (*) Jan Wiegerinck A empresa é, entre outras coisas, uma comunidade de pessoas. Mas, comunidade com características próprias. Não é, como outras comunidades, uma família, uma nação ou uma igreja. Da empresa, as pessoas fazem parte por livre escolha e para atingirem objetivos que estão fora dela, empresa. E por ser um tipo especial de comunidade o relacionamento das pessoas com a empresa necessita regras específicas. É na formulação e aplicação destas regras que reside a essência da função de R.H. R.H. que no uso corrente é a abreviação de recursos humanos. Expressão que não quero usar porque considero que parte da premissa errada: a de que o ser humano seria um recurso, o que não é. Henry Mintzbery, em artigo publicado na Harward Business Review número 6/98, afirma que recursos humanos é provavelmente a expressão mais ofensiva formada em gerenciamento. Mas a sigla R.H. faz parte da terminologia em uso, portanto não há como se comunicar sem usá-la. A atividade de R.H. é mais recente do que o próprio fenômeno da empresa. A Nação, a Igreja, os exércitos precederam a empresa em séculos e apesar de serem associações humanas e portanto aceitarem regras para o relacionamento entre as pessoas, nunca se preocuparam em definir a função de R.H. A missão do R.H., hoje faz parte da gerência. Integra o rol de encargos e o nível de responsabilidade da direção geral das organizações empresariais. Vale a pena lembrar que os conceitos de gerência, desenvolvidos nas empresas, estão sendo adotados em comunidades não empresariais. Também, os relacionados com a função de R.H. Hoje, também em organizações não empresariais atuam profissionais de R.H. O que faz um RH As atividades inerentes à função de R.H. evoluíram. Inicialmente limitados às rotinas administrativas de elaborar folhas de pagamento e tarefas correlatas, foram gradualmente se ampliando e incluindo recrutamento e seleção, administração de benefícios, elaboração do sistema de remuneração, comunicação interna, treinamento, avaliação de desempenho e assim por diante. Todas estas tarefas continuam importantes e de responsabilidade do R.H. É fundamental para a organização que o seu dia a dia flui adequadamente. Que a folha de pagamento seja elaborada sem erros e esteja pronta na hora certa. Que cada colaborador possa contar com seus benefícios quando de direito e assim por diante. Sem isto não tem sentido preocupar-se com outras responsabilidades que muitos consideram mais nobres. É ridículo por exemplo dizer que o R.H. se dedica à motivação mas não se preocupa em tratar que o pagamento saia certo e em dia. A evolução mais importante da função R.H., no entanto, foi que, tendo iniciado como executiva de tarefas administrativas, o cargo situa-se presentemente em nível no qual se tomam decisões estratégicas. Hoje R.H. é reconhecidamente uma das responsabilidades da direção geral. John Welch, da G.E., declara que dedica 40% de seu tempo a esta função. A prática de R.H. contêm responsabilidades em dois níveis. No da direção geral ela participa na definição da estratégia da empresa para enfrentar a globalização, assimilar tecnologia, administrar mudanças, manter ou conquistar competitividade etc. Desta co-responsabilidade ao nível da direção geral decorrem as de nível executivo, que são:

2 1. Atrair e reter o pessoal adequado 2. Coordenar e transformar num conjunto coerente as descrições de cargos e as avaliações de desempenho 3. Estruturar e administrar o sistema de motivação que inclui mas não se limita, a remuneração e os benefícios 4. Administrar o sistema de comunicação entre a empresa e seus colaboradores 5. Cuidar das relações com sindicatos de trabalhadores Há quem veja no enriquecimento dos cargos a função principal do R.H. Conceito não idêntico mas que tem parentesco com a busca do que os americanos chamam de empowerment. Uma função em extinção? Tem-se ouvido perguntas se a atividade de R.H. não estaria em extinção porquanto as tarefas administrativas, que estão no nível de execução desse profissional, estão cada vez mais sendo terceirizadas. Trata-se de um equívoco. Em primeiro lugar terceirizar não é extinguir. Implica sim, em transferir atividades para outra empresa, na qual continuam existindo. Mas, principalmente está errada essa visão porque o trabalho de tomada de decisão não é terceirizável. Não há como se livrar da responsabilidade. E para atender à responsabilidade é necessário estudar, dialogar, pensar, saber se comunicar, motivar. Tarefas para as quais o executivo estará, até, melhor adequado se puder transferir uma quantidade de afazeres rotineiros. O único fator que faz e fará a diferença entre empresas quando os recursos e a tecnologia são os mesmos, são a preparação e a atitude do seu pessoal, a disposição dos mesmos para serem ágeis, se adaptarem, inovarem, mudarem etc. E a criação e a manutenção desta atitude são, exatamente, as responsabilidades sociais do R.H. Portanto longe de ser função tendente a se tornar supérflua, será cada vez mais crucial. RH como profissão Ser R.H. é ter uma profissão complexa. É ser um gerente no sentido de que busca resultados por meio de pessoas. É ser um administrador que combina fatores para produzirem mais frutos, multiplicarem resultados. É também um consultor que em muitos casos não age, porém aconselha, em primeiro lugar, a alta direção mas também e sobretudo o chefe direto do trabalhador. Como todo administrador ele deve dominar não só a arte de administrar, mas igualmente o negócio específico da empresa que ajuda a dirigir. E conhecer o negócio inclui conhecer os clientes e as suas necessidades. Qualidades pessoais Sobre as qualidades pessoais do R.H. muito poderia ser dito. Há alguns anos, depois de uma palestra certo empresário foi perguntado sobre o que esperava do seu R.H. A resposta consistiu em uma palavra: caráter. Parece-me que nenhuma outra define melhor as qualidades necessárias a esse profissional. Caráter deve ser qualidade de todos, contudo, talvez mais do que o ocupante de outras funções, o R.H. deve ser integro, imparcial, saber ouvir, sentir, possuir empatia e inspirar credibilidade. A profissão de R.H. não é apropriada para pessoas vaidosas. Porque quando na sua área tudo vai bem ninguém percebe que ela existe e ele a controla. O mérito dos bons resultados da empresa raramente é atribuído ao R.H.; os problemas, sim.

3 Recursos O único recurso do qual o R.H. dispõe nos momentos em que deve empregá-los são os seus conhecimentos e suas habilidades pessoais. Assim, deve ele estar constantemente atualizando-se tomando conhecimento do que se passa dentro e fora da empresa. Ouvindo, lendo, se informando. As habilidades lhe permitirão comunicar-se e por meio da comunicação escolher o comportamento cabível. A informática é ferramenta útil para as tarefas necessárias na parte executiva da função. Parte esta que consiste em cumprir todas as tarefas sem erros e nos prazos esperados. Consiste em realizar pagamentos, atribuir benefícios, cumprir obrigações para com a previdência, seguros, sindicatos, governo etc. Mas a informática não tem valor quando entra em jogo a parte mais nobre da função: a formulação das estratégias, a tomada de decisões pela direção geral e sua implementação. O aconselhamento. O específico brasileiro A administração de empresas é um conjunto de práticas das quais as fundamentais são iguais no mundo inteiro, mas que também guardam diferenças entre culturas e países. Estas diferenças são reflexos da índole de cada povo. Europeus, japoneses, norte-americanos, cada um à sua maneira são diferentes entre si e mais ainda, por exemplo, dos latino-americanos. As igualdades fundamentais fazem nascer a tendência de querer copiar em uma sociedade o que deu certo em outra. Na função RH essa tendência não é exceção. Porém, como R.H. é, entre as atividades gerenciais a que mais dependa da personalidade das pessoas envolvidas, com aquilo que decorre da índole ou do caráter nacional, é também a que exige maior adaptação à realidade específica de cada sociedade onde é exercida. Portanto, justifica-se a preocupação de muitos profissionais de R.H. em não copiar pura e simplesmente, pacotes de técnicas criadas em outros países. Mesmo quando ali deram os resultados desejados. Naquilo em que sendo brasileiros somos diferentes, podemos distinguir três campos que interagem entre si. A psique nacional, a formação histórica e o contexto. No referente à psique, faz parte das características nacionais a aversão ao confronto, a ânsia de consenso, a tendência à cordialidade. A preferência por ser mais leal às pessoas do que às instituições. O culto do tudo bem. A formação histórica deixou a herança da escravidão, do absolutismo e da burocracia. O contexto, por sua vez, consiste em uma legislação trabalhista que impôs regras de convivência no trabalho baseadas no confronto, que partem do princípio de que o conflito é inerente à relação de trabalho e sua equação só possível com a aplicação de forte dose de paternalismo estatal. E contém uma organização sindical, operária e patronal, que reforça este modelo. A existência, simultaneamente, da aversão ao confronto e a tendência à cordialidade de um lado e uma legislação que pressupõe o conflito, de outro lado, forma um conjunto que dificulta, e muito, o bom desempenho do R.H. em nosso país. Recente matéria publicada em jornal nacional informava que os americanos vêm os executivos brasileiros como: imprecisos, informais, que têm jeitinho para tudo, com gosto pela conversa e imediatistas. Trata-se de avaliação superficial, mas que nos seus limites mais amplos não destoa do que está sendo colocado aqui.

4 A Relação Empregado-Empregador Cuidar desta relação é a essência da função R.H. No relacionamento que o empregado mantém com a empresa é que deve se concretizar o que um significa para o outro. Uma pessoa entra na empresa para atingir objetivos pessoais. A empresa é sempre um meio para todos que trabalham nela ou para ela, empregados, mas também clientes, acionistas, fornecedores etc. Se a empresa não serve aos objetivos de cada uma delas, as pessoas a deixam. A empresa não é, e nenhum empregado entra para ela com a visão de que se trata de uma religião, uma família, ou algo parecido. Não se entra na empresa para, com sacrifício de seus objetivos pessoais, concretizar o objetivo dela, empresa. De outro lado é um erro o ponto de vista adotado por empregadores de que o empregado é somente um meio, um recurso para a empresa. Com essa visão é coerente a expressão recursos humanos. De um ponto de vista estritamente técnico até o parece. Salários e outros encargos, financeiramente são custos. O trabalho feito é insumo no produto final. Mas o ser humano não é só salário e trabalho. Ele entra no emprego, na empresa, com toda a sua pessoa. Capacidade profissional, força de trabalho, mas também sua personalidade, suas responsabilidades, seus anseios. E, não esquecer, o seu tempo. O tempo que é a sua vida. E o que pesa mais na relação empregado-empregador é justamente aquilo que não está abrangido pelas palavras custo e insumo de um lado e salário e trabalho do outro. O cerne da questão está em fazer com que esta relação reflita a realidade que consiste também em que, ao trabalhar, o ser humano se auto-realiza, encontra no trabalho uma parte do sentido de sua vida. Este aspecto não pode levar ao outro extremo, aquele em que o trabalhador por sua vez vê a empresa apenas como instrumento para a sua auto-realização. A empresa não foi criada para servir ao trabalhador, mas para atender às necessidades de muitos. Em primeiro lugar, as dos seus clientes. Assim é enganador considerar o trabalhador como cliente interno. Pode-se até considerar a empresa um cliente do trabalhador, pois ela compra o trabalho dele, mas não o inverso. No dia a dia de trabalho a atenção de todos na empresa está voltada para a execução do serviço, para a qualidade do produto, para as necessidades do cliente. Isto é o que de certa maneira se poderia denominar aspecto externo da relação empregado-empregador. Não excluem e não nos permitem esquecer o que poderia chamar o aspecto interno que é a auto-realização do trabalhador. Essa autorealização se concretiza plenamente quando o trabalhador ao mesmo tempo em que atinge seus objetivos pessoais, veste a camisa da empresa. Isto é considera o atingimento dos objetivos da empresa como também seus. Da função R.H. faz parte a responsabilidade de porta-voz da empresa perante os empregados. O que implica entre outros manter vivo neles o aspecto que chamei de externo. Ao mesmo tempo, e igualmente importante, a de advogado dos empregados perante a empresa. Isso, para que toda a direção da empresa e cada chefe individualmente não perca de vista o aspecto interno desta interação no relacionamento diário com os seus empregados, isto é aqueles que hierarquicamente se reportam a ele (ou ela).

5 Só os empregados? A função R.H. não se limita à relação empregado-empregador, mas abrange o relacionamento de todo trabalhador que de alguma maneira esteja ligado à empresa. A terceirização e outras formas de organização de trabalho que estão surgindo e se tornando cada vez mais importantes no microcosmo que é a empresa, ensejam outros relacionamentos que não o do emprego, mas que fazem parte do conjunto produtivo. Relacionamentos humanos que devem ser administrados. Conclusão A relação entre trabalhador e empresa é sui generis. Ela consiste em que o trabalhador está na empresa porque tem seus objetivos e a empresa tem, por sua vez, sua função. Objetivos do trabalhador e função da empresa são distintos, mas complementares. Um se serve do outro, portanto, são reciprocamente meios. Para que a relação seja plenamente satisfatória é necessário que os dois estejam conscientes de que o outro lado mais do que meio para si tem sua própria razão de ser, um sentido próprio que transcende o fato deste ser meio para o outro. Na empresa, a principal função de R.H. é a de manter viva, tanto junto à direção quanto entre os trabalhadores, a consciência desta realidade: A visão de que cada um não é em primeiro lugar meio para o outro. Mas que é na relação entre os dois que cada um realiza (parte de) sua razão de ser. (*) Jan Wiegerinck é presidente da Organização Gelre