ÉTICA E EPISTEMOLOGIA: UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA
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- Luciano Pinho Anjos
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1 ÉTICA E EPISTEMOLOGIA: UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA Rosani Kucarz da Cunha PUC-PR RESUMO - Atualmente a ênfase no debate sobre a Universidade Contemporânea, ocorre também, devido esta se encontrar diante de um dilema, no qual é impelida a atender as necessidades concretas da sociedade, as leis as quais é submetida e, sobretudo, à perda de sua própria identidade. Nesse contexto, a ética e a epistemologia podem ser consideradas relevantes nesta discussão, devido se configurarem como critérios fundamentais a serem considerados em uma possível solução desse dilema. A ética tem sido o foco de discussões que vêm ultrapassando os âmbitos intelectuais tipicamente filosóficos, e tornando-se um tema presente nas diversas esferas sociais, tais como: política, economia, moral, ciência, educação, entre outras.nesta questão, a ética no sentido de metamoral ou teoria que leve a uma reflexão sobre os critérios para uma escolha de postura e ação neste dilema, pode contribuir efetivamente. A epistemologia, por sua vez, não nos parece desconectada da questão ética da universidade, considerando que pertença ao núcleo que caracteriza a universidade como principal ambiente de cultivo, criação e produção de saberes. Quando a universidade contemporânea perde tais características por não mais priorizar entre outros aspectos a epistemologia, apenas se voltando a técnicas de mercado, acaba por não cumprir sua função de instituição social. Outros aspectos podem ser considerados nessa relação entre ÉTICA, EPISTEMOLOGIA E UNIVERSIDADE CONTEMPORÃNEA, por exemplo, no paradoxo existente entre progresso e miséria, concentrado nas mãos dos cientistas que tem como carência evidente, a falta de princípios éticos que os levem a uma interação e minimização desse paradoxo. Contudo, pretende-se relacionar esses conceitos mediante o contexto sócio-político-contemporâneo, afim de que a partir deles, se possa anunciar um novo momento histórico para a universidade. 1 INTRODUÇÃO Neste momento histórico e peculiar que caracteriza a radicalização do projeto moderno, sobretudo, pela crise dos fundamentos racionais e religiosos que fundamentaram a ética historicamente, as teorias referentes a questão ética, apresentam grande conotação. Elaboradas por pensadores, sociólogos, economistas, educadores, entre outros, são alternativas relevantes, à necessidade de novos fundamentos éticos capazes de conservar a identidade da civilização humana. Principalmente, quanto à convivência integrada entre a grande diversidade, mantedora de um grau de justiça suficiente para que todos possam realizar seu projeto pessoal de existência. Esta análise tomará como objeto de reflexão a Universidade Contemporânea, por esta se constituir como um dos principais meios para a realização do projeto pessoal no processo de humanização, e, como Instituição Social, ela é o ambiente que faz emergir as denúncias sobre a crise cultural,e que por conseguinte, deve ousar a anunciar novos valores culturais.. Assim, requer uma atenção especial quanto as questões éticas que a envolvem nesse processo. Acredita-se ser no ambiente da universidade _no Brasil ainda um espaço de alguns privilegiados_ que a ação ética da educação deve ser repensada, especificamente na relação que trava com a sociedade. A relação entre educação e sociedade demonstra, historicamente, a submissão da primeira sob a segunda, excluindo assim a dialética necessária. Portanto, torna-se conveniente tal reflexão, cientes de que o homem _fim último da educação_ não permaneça a mercê dessas transformações, ou simplesmente seja levado à adequação ao sistema políticoeconômico-social hegemônico, sem estar consciente de seu papel como indivíduo possibilitado de escolhas. Sobretudo, impulsioná-lo à uma reflexão diante desse mundo
2 2 dinâmico, no qual os valores tendem a transvalorar-se em função de uma implícita ditadura de mercado que atinge o âmbito educacional. 2 UMA ABORDAGEM DA ÉTICA E EPISTEMOLOGIA NO CONTEXTO DA UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA Essa análise contextual, impele a uma questão específica e relevante, a respeito das condições da Universidade Contemporânea. Esta pode ser considerada não ética, devido a sua forma de se organizar, bem como a prática de um discurso de comprometimento com a emancipação dos educandos, buscando através da competência, a liberdade, entretanto, essa busca revela-se capciosa, quando esse modelo de universidade prioriza o caráter pragmático do discurso fundamentado em conceitos como flexibilidade, qualidade, competência, habilidades, excelência, etc., mas que busca como fim último a eficácia. Pretende-se, portanto, classificar como não ética a postura da universidade como uma organização social, configurada como universidade operacional 1, voltada para um discurso pragmático, adaptando-se às exigências do sistema econômico atual e, sobretudo, às técnicas empresariais. Fatores que se desencadeiam no desestímulo ao questionamento sobre o próprio sistema que a universidade encorpora, bem como no distanciamento com a epistemologia *, por ser esta, a base que define suas finalidades do seu agir ético. A estrutura do raciocínio para a análise que se propõe, parte da reflexão sobre a transformação da universidade contemporânea de Instituição para Organização social, buscando relevar a interferência dessa transformação nos valores éticos da universidade. Em seguida, empreende-se na identificação do solo epistemológico presente na universidade contemporânea, por meio da lógica que faz surgir um paradigma epistemológico serve de referencial tanto para compreender a relação da universidade com a produção de conhecimento, bem como, ser este solo o responsável por essa nova configuração da universidade. Assim, num último momento provenientes da Reforma do Estado, a qual coloca a saúde, a educação e a cultura no setor de serviços, definido pelo mercado. Esta Reforma é baseada no pressuposto ideológico de que o mercado é portador de racionalidade sócio-política e agente principal do bem estar da, será possível apontar para as influências advindas do aspecto sócio-político cultural, que caracterizou a universidade operacional, e que interferem no compromisso ético da Universidade Contemporânea. A universidade brasileira passa por transformações advindas do contexto que também é chamado de colapso da modernização ou declínio do Estado de Bem Estar, 1 CHAUÍ, M. A universidade em ruínas. In: TRINDADE, H.(org.) Universidade em ruínas: na república dos professores: Vozes, * Nota inclusa no texto :Essa expressão é de Michel Freitag em Le naufrage de L université, Paris, Editions de la Découverte, 1996.* CHAUÍ, descreve o contexto brasileiro que levou à passagem da universidade como instituição social para organização social ocorreu em três etapas sucessivas. Primeiro passa a ser reconhecida como universidade funcional(milagre econômico, década de 70); universidade de resultados(processo conservador de abertura política dos anos 80) e universidade operacional( neoliberalismo dos anos 90). Essas situações, corresponderam às reformas do ensino destinadas a adequar a universidade ao mercado * Esse significado de epistemologia decorre da interpretação feita por DIEZ(DIEZ, Carmen Lúcia Fornari. Os Bas-Fonds da Educação no Brasil Colonial. Tese de doutoramento em Educação, orientada por Francisco Cock Fontanella Piracicaba, 2001), sobre o conceito de epistémê, termo utilizado por Michel Foucault na sua obra As palavras e as coisas, na qual define a epistemologia da Era da Semelhança, Era da Representação e Era da história.
3 3 em que a racionalização trazida pela política neoliberal, provoca um encolhimento do espaço público democrático inclusive no campo dos direitos sociais conquistados, e amplia o espaço privado também nesses setores. Assim, emerge a crise fiscal, somada a internalização oligopólica, provocando a transformação da economia em monetarismo 2. Apesar do neoliberalismo ter sido uma opção pela produção do capital, acabou por desencadear uma luta democrática das classes populares que lutam pela gestão do fundo público. Nesse contexto conflitante em que as vitórias são neoliberais, CHAUÍ(1999, p.215) refere-se a questão da universidade, afirmando que: No caso específico da universidade, sua nova posição no setor de prestação de serviços indica ainda um eclipse da idéia de direito social e explica, por exemplo, por que volta a baila a tese do ensino público pago com a idéia de que assim justiça seja feita, pois os ricos devem pagar pelos pobres.(...) em segundo lugar, a educação não é vista como um direito de todos, mas como um direito dos ricos e uma benemerência para os pobres; em terceiro lugar, que a cidadania, reduzida ao pagamento de impostos e mensalidades e o assistencialismo, como compaixão pelos deserdados, destroem qualquer possibilidade democrática e de justiça. Esse ponto de vista leva a análise da filósofa à exposição da situação da universidade como não democrática. Salienta que a democracia está fundada na noção de direitos, o que lhe compete a diferenciá-los de privilégios e carência. Numa situação em que os ricos paguem pelos pobres, somente a idéia de igualdade de condições(e não a propalada igualdade mercantil das oportunidades) sustenta a idéia de criação e conservação dos direitos e estabelece o vínculo profundo entre democracia e justiça social 3. Portanto, de acordo com CHAUÍ, esse novo posicionamento destinado a universidade e a educação de modo geral, impulsionado pela Reforma do Estado, atribui-lhe um caráter de prestadora de serviços. 4 Este fato faz emergir o aspecto que pode ser o elo e na relação entre Epistemologia, Universidade e Ética, trata-se da autonomia da universidade. Segundo CHAUÍ(1999,p ) autonomia na universidade contemporânea confunde-se com autarquia: Quando, portanto, a Reforma do Estado transforma a educação de direito em serviço e percebe a universidade como prestadora de serviços, confere um sentido bastante determinado à idéia de autonomia universitária, e introduz o vocabulário neoliberal para pensar o trabalho universitário, como transparece no uso de expressões como qualidade universitária, avaliação universitária flexibilização da universidade.(...) garantir que a universidade pública fosse regida por suas próprias normas, democraticamente instituídas por seus órgãos representativos, mas também visava, ainda, assegurar critérios acadêmicos para a vida acadêmica e independência para definir a relação com a sociedade e com o Estado.(...) Numa palavra, autonomia possuía sentido sócio-político e era vista como marca própria de uma instituição social que possuía na sociedade seu princípio de ação e de regulação.(...)ao ser porém transformada numa 2 CHAUÍ,M. A universidade em ruínas. Petrópolis,1999. p CHAUÍ, p Ibid., p.211
4 4 organização administrada, a universidade pública perde a idéia e a prática da autonomia, pois esta, agora, se reduz à gestão de receitas e despesas, de acordo com o contrato de gestão pelo qual o Estado estabelece metas e indicadores de desempenho, que determinam a renovação ou não renovação de contrato.(...).não só isso. Como tem explicado a ANDES, o MEC tende a confundir autonomia e autarquia e, por conseguinte, a pensar a universidade pública como órgão da administração indireta, gerador de receitas e captador de recursos externos. Apresenta-se assim, um sentido ambíguo para a autonomia. Um primeiro que toma a autonomia sob o aspecto sócio-político, sendo é originário da etimologia da própria palavra, ou seja, autor de normas e corresponde a autonomia das instituições sociais. O segundo, e questionável, encorpora o significado de autonomia a uma concepção neoliberal que a difere do aspecto sócio-político, e passa a ter um caráter estratégico, correspondendo à idéia exposta pela filósofa, no que diz respeito à heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões de relatórios, etc. 5 Este último, trata-se portanto, de uma autonomia restrita da universidade que somente lhe permite que desempenhe e exija mecanismos estratégicos para operarem de forma organizada e eficaz, mas sem agir efetivamente. Essa questão da autonomia distorcida, e vivenciada pela universidade operacional, é que fere os princípios deontológicos próprios da universidade enquanto instituição social, pois transfere seu fim último para uma adequação ao mercado monetarista, deixando em segundo plano sua vivência epistemológica que propicia a emancipação do ser humano. Os fatores presentes na universidade operacional, tanto na esfera pública como na esfera privada, e que afetam as questões éticas e epistemológicas das mesmas, se identificam na diferenciação das formas anteriores da universidade, a saber, a universidade clássica estava voltada ao conhecimento; a universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho; a universidade de resultados estava voltada para as empresas; e, por fim, a universidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma enquanto estrutura e gestão e de arbitragem de contratos 6. A aparente autonomia presente na universidade operacional, faz com que esta perca a si própria, por se distanciar da forma clássica como instituição social voltada ao conhecimento e agia na produção dos conhecimentos que emergiam sob um âmbito epistemológico. A configuração da universidade contemporânea de forma operacional é criticada por CHAUÍ em diversos aspectos, por estar virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso não age 7. Contudo, a crítica da filósofa enfatiza, sobretudo, a pesquisa na universidade operacional, pois é através da pesquisa que se vincula a epistemologia e a ética, cuja relação das mesmas com a universidade contemporânea, constitui a que representa a empresa desta análise. Diante desta realidade que se apresenta em relação à universidade operacional, parte-se então, para uma aproximação da mesma com a epistemologia. 5 Ibid., p Ibid., p Ibid., p.221
5 5 3 A EPISTEMOLOGIA DA UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA A epistemologia entendida como teoria do conhecimento classifica-se como uma ciência, e, como tal, possui um objeto de estudo, um método de investigação e um campo se ação delimitado. Sendo seu objeto de estudo o conhecimento, seu método de estudo busca averiguar as origens, os tipos, a validade dos conhecimentos científicos, analisando os meios que o fizeram surgir. Portanto, seu campo de atuação centra-se, sobretudo, na universidade. Entretanto, a epistemologia interpretada sob a ótica foucaultiana, advém do conceito de epistémê, que por sua vez, na interpretação de DIEZ(2001,p.10) corresponde à categoria balizadora de cada período.(...) O conceito ultrapassa o significado de conhecimento, para indicar um solo propício ao surgimento de saberes determinados. 8 Toma-se estes dois sentidos como norteadores na relação entre a epistemologia e a universidade contemporânea. No primeiro sentido, a epistemologia como teoria do conhecimento caracterizase por ser um estudo de um problema que tem origem a partir de uma posição filosófica, ou seja, trata-se de um discurso científico sobre os conhecimentos produzidos pelas determinadas ciências. Segundo WACHOWISK(2001, p.1), Hoje, o discurso sobre as ciências é o discurso de cada ciência. 9 Sendo o conhecimento o próprio objeto analisado, cabe à epistemologia elaborar um discurso sobre as condições que propiciam o surgimento dos conhecimentos. Nesse sentido, a epistemologia ao analisar os fundamentos dos conhecimentos produzidos, transmitidos ou na maioria das vezes apenas articulados na forma de informações, traz à tona uma realidade que provoca questionamentos quanto à legitimidade da relação entre universidade contemporânea e os conhecimentos. Trata-se de uma relação longe do que foi a universidade moderna. CHAUÍ(1999, p.217), refere-se a essa questão: A legitimidade da universidade moderna fundou-se na conquista da idéia de autonomia do saber em face da religião e do Estado, portanto, na idéia de conhecimento guiado por sua própria lógica, por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto de vista de sua invenção ou descoberta como de sua transmissão. Por isso mesmo, a universidade européia tornou-se inseparável das idéias de formação, reflexão criação e crítica. Essa retomada nos princípios da universidade moderna, leva a compreender em que aspectos os princípios da universidade contemporânea foram afetados. Ela não mantém a mesma postura quanto ao conhecimento. Trata-se de uma universidade que segundo a filósofa, está definida e estruturada por normas e padrões que a avaliam por índices de produtividade, de flexibilidade para garantir uma organização eficaz e, portanto, alheios ao conhecimento e a formação intelectual. 10 Assim, a epistemologia 8 DIEZ, C. L. F. Os Bas-Fonds da Educação no Brasil Colonial. Tese de doutoramento em Educação, orientada por Francisco Cock Fontanella Piracicaba, WACHOWISK, A. L. A epistemologia da educação escolar, CHAUÍ, p.220
6 6 como teoria do conhecimento, perderia sua função na universidade operacional, visto que seu objeto de estudo não tem prioridade nesta forma d organização. Entretanto, esta perspectiva se modifica se a epistemologia for tomada no sentido foucaultiano, advinda do conceito de epistémê. Esta corresponde àquela que fornece as condições para que surjam novos saberes correspondentes a uma maneira de produzir conhecimento, única e própria de cada era da história.* A intenção de FOUCAULT (1966, p.535) em trabalhar o conceito de epistémê, do qual se interpreta a epistemologia, é mostrar através de um método arqueológico que o nascimento das ciências humanas tal como são, ocorreu devido ao modo de ser e conhecer singular do homem, argumenta que: É que toda a epistémê moderna _ aquela que se formou por volta do fim do século XVIII e serve ainda de solo positivo ao nosso saber, aquela que constituiu o modo de ser singular do homem e a possibilidade de conhecê-lo empiricamente toda essa epistémê estava ligada ao desaparecimento do Discurso e de seu reino monótono, ao deslizar na linguagem para o lado da objetividade e ao seu reaparecimento múltiplo. Considerando a epistémê moderna citada por FOUCAULT na sua magna obra As Palavras e as Coisas, entende-se esse segundo sentido que reporta à epistemologia o significado que corresponde ao solo propício para brotar os saberes típicos de cada época. Pode-se dizer que é devido a uma epistémê própria da era que traz a ideologia pós- moderna, a qual age sobre a universidade operacional, é que se obtêm o segundo sentido de epistemologia e a universidade contemporânea. A epistémê pós-moderna determina os conhecimentos produzidos. Na universidade ela está relacionada diretamente à pesquisa. Contudo, a pesquisa na universidade operacional não é o conhecimento de alguma coisa, mas a posse de instrumentos para intervir e controlar alguma coisa 11.Assim, o posicionamento da universidade operacional em ralação ao conhecimento, seria conseqüência e resultado da própria epistémê gerada por meio da idéia de pós- modernidade. 12 Portanto, é mister compreender como se caracteriza e quais os fatores responsáveis pela constituição dessa forma de conhecer singular da contemporaneidade, que, segundo explicação de CHAUÍ(1999, p ), decorre devido: À fragmentação econômica, social e política, imposta pela nova forma do capitalismo, corresponde uma ideologia autonomeada pós-moderna. Essa nomenclatura pretende marcar a ruptura com as idéias clássicas e ilustradas, que fizeram a modernidade. Para essa ideologia, a razão, a verdade e a história são mitos totalitários; o espaço e o tempo são sucessão efêmera e volátil de imagens velozes e a compressão dos lugares e instantes na irrealidade virtual, que apaga * Trata-se de uma obra que deixa transparecer o método com que realiza a arqueologia das ciências humanas. Percorre o pensamento ocidental, do século XVI ao século XIX, dividindo esse período em três momentos: Era da Semelhança (séc XVI); Era da Representação(séc. XVII e XVIII); e Era da História (início do séc. XIX). Esses períodos são configurados mediante os deslocamentos relacionados às formas de produção de conhecimento, sendo que cada uma dessas eras possuía uma própria episteme. 11 CHAUÍ, p cf. LION,D. Pós-Modernidade: A história de uma idéia. São Paulo, 1998.p.13
7 7 todo contacto com o espaço-tempo enquanto estrutura do mundo; a subjetividade não é reflexão, mas a intimidade narcísica, e a objetividade não é conhecimento do que é exterior e diverso do sujeito, e sim um conjunto de estratégias montadas sobre jogos de linguagens, que representam jogos de pensamento. A história do saber aparece como troca periódica de jogos de linguagem e de pensamento, isto é, como invenção e abandono de paradigmas, sem que o conhecimento jamais toque a própria realidade. O que pode ser a pesquisa numa universidade operacional sob a ideologia pós-moderna? O que há de ser pesquisa quando razão, verdade, história são tidas por mitos, espaço e tempo se tornaram a superfície achatada de sucessão de imagens, pensamento e linguagem se tornaram jogos constructos contingentes cujo valor é apenas estratégico? Diante desse contexto, é possível entender os fatores que impulsionaram a passagem da universidade contemporânea da condição de instituição social para organização social. Compreendendo, mesmo que não conivente, o por que da universidade operacional não corresponder mais a uma instituição social inseparável da idéia de formação, reflexão criação e crítica, bem como da sua referência à democracia como idéia reguladora e de responder, afirmativa ou negativamente ao ideal socialista, 13 fica evidente também, o por que da organização social não aspirar à universalidade própria da instituição social, pois, A organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem de sua particularidade. 14 Esta questão política que envolve a universidade traz como conseqüência a dissolução de alguns princípios éticos que estabeleciam o compromisso e a finalidade da universidade, tanto com o conhecimento em si, através da prática da pesquisa; como com o próprio sujeito universitário, quanto a não despertá-lo na curiosidade e a admiração que levam à descoberta do novo, por despojar sobre ele a linguagem de sentido, densidade e mistério 15. Quanto a pesquisa na universidade operacional, segundo CHAUÍ(1999, p.222), ela não existe:...se por pesquisa entendermos a investigação de algo que nos lança na interrogação, que nos pede reflexão, crítica, enfrentamento ao instituído, descoberta, invenção e criação; se por pesquisa entendermos o trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito; se por pesquisa entendermos uma visão compreensiva de totalidades e sínteses abertas que suscitam a interrogação e a busca; se por pesquisa entendermos uma ação civilizatória contra a barbárie social e política, então é evidente que não há pesquisa na universidade operacional. A mudança visível da educação em relação a pesquisa, trazida à análise por Marilena Chauí, constata-se que ao desprezar a essência da pesquisa, a universidade operacional, além de transgredir um dos seus princípios éticos correspondente ao compromisso com o conhecimento, também não atinge o seu fim último que é a pretensão de transformação histórica como ação consciente dos seres humanos em condições materialmente determinadas CHAUÍ, p Ibid., p Ibid., p Id.
8 8 A contribuição da análise das questões deontológicas nessa relação que se estabelece entre epistemologia e universidade contemporânea, tornou-se necessária por estas interferirem no fim último da universidade em proporcionar a emancipação humana por meio da educação. A epistemologia aplicada no sentido de teoria do conhecimento revela as condições nas quais os conhecimentos estão sendo vivenciados na universidade operacional que, segundo a filósofa esta universidade não dispõe de tempo para a reflexão, a crítica, o exame de conhecimentos instituídos, sua mudança ou superação. 17 Por outro lado, a epistemologia vista segundo interpretação foucaultiana, como solo propício em que se brotam saberes típicos de cada época, torna-se a principal responsável por esta situação da universidade contemporânea na articulação dos saberes. Nesse sentido, a epistemologia poderia se revelar como um solo. Porém, a filósofa aponta para o conhecimento atual quando diz que a objetividade não é o conhecimento do que é exterior e diverso ao sujeito, e sim um conjunto de estratégias montadas sobre jogos de linguagens, que representam jogos infértil. Mas, talvez este solo seja improdutivo para saberes que incluem categorias típicas da modernidade como as citadas por CHAUÌ (1999, p.221), ou seja, razão, verdade e história de pensamentos. A história do saber aparece como troca periódica de jogos de linguagem e de pensamento, isto é, como invenção e abandono de paradigmas, sem que o conhecimento jamais toque a realidade. 18 Portanto, a epistemologia decorrente da ideologia pós-moderna, consegue coadunar os dois sentidos abordados nesta análise, sejam como teoria do conhecimento e como o solo que faz brotar os saberes da atualidade. Esta nova realidade pragmática que absorve a universidade contemporânea, é resultado de uma mudança paradigmática, esclarecida por alguns estudiosos da educação que analisam os paradigmas emergentes e a epistemologia da educação escolar. 19 Sendo essas mudanças paradigmáticas, nada mais do que as descontinuidades de uma lógica do pensamento própria de cada época, identificada através do método arqueológico 17 CHAUÍ, p Ibid., p O conhecimento em Educação é examinado segundo o processo que toda ciência efetivamente realiza, na definição de seu objeto. Este objeto por sua vez é definido pelo paradigma que o sujeito científico assumir. Assim, a mudança de paradigma em uma ciência é uma ruptura epistemológica, que altera o próprio objeto dessa ciência. Entretanto, a ciência emerge pouco a pouco do cotidiano e de uma pragmática, que define seu projeto. É uma construção coletiva e cultural, da qual participam os sujeitos e na qual a palavra é o elementochave na organização do conhecimento.o sujeito científico é aqui entendido como sendo um conjunto de atividades estruturantes, ligadas a uma abordagem científica determinada e intencionalmente instituída para produzir o objeto científico.a intersubjetividade, segundo Habermas e a linguagem enquanto pragmática e discurso segundo Vygotsky, são examinadas para verificar a ação educativa, enquanto ação e enquanto comunicação, na tentativa de caracterizar o conhecimento da Educação como conhecimento científico. O conceito de interdisciplinaridade é necessário para tal caracterização, e vem da superação da ciência moderna, que é fragmentária, sendo sua fragmentação temática e não disciplinar. As condições de possibilidade da ação humana projetada no mundo a partir de um espaço tempo local, levam ao tipo de conhecimento que é necessário em nossa época : não determinístico, nem descritivista, possuidor de uma linguagem que é o seu método, plural e transgressor, fora de parâmetros fixos e de territórios demarcados, utilizando a metáfora e a exemplaridade como procedimentos. No conhecimento em Educação, o sujeito é ao mesmo tempo objeto, o que vem a definir tal conhecimento como processo, e não estado, sendo então aplicado, e particularmente aplicado. (WACHOWICZ, 2001.p)
9 9 foucaultiano. 20 Assim, a epistemologia enquanto discurso científico de cada ciência se define e define o seu objeto, a partir do cotidiano pragmático, o qual, que tem atualmente a palavra como elemento fundador. Resta então, compreender a lógica desse novo momento na produção dos conhecimentos e os critérios que os tornam válidos. Critérios estes, baseados apenas no discurso argumentativo, proferido por aqueles que ao invés de construir um discurso sobre algo, apenas possibilitam que esse algo vivenciado por eles, fale sobre si mesmo, ou seja, um discurso de. Acredita-se ser este o ponto em que a universidade contemporânea pode investir na recuperação da perda que teve de si mesma e de seus princípios éticos, ou seja, a ênfase na pesquisa que elabora o discurso de, aquele que incide a voz para que essa nova realidade que envolve a produção do conhecimento possa falar de si mesma. Seja essa nova realidade identificada como ideologia pós-moderna ou qualquer outro termo, o fato é que os intelectuais precisam libertar-se da impregnação dos discursos sobre, e terem coragem o suficiente para enterrar os destroços da modernidade. A consciência da necessidade de aproximação entre a epistemologia e a universidade, poderá fazer com que esta última retome o discurso que priorize a formação, reflexão, criação e crítica, em relação ao discurso atual da universidade operacional que se fundamenta nos conceitos de flexibilização, competência, excelência e eficácia. O primeiro passo para reversão nos princípios da universidade contemporânea, está em posicioná-la e efetivá-la novamente como instituição social, recuperando a sua autonomia ao próprio sistema neoliberal, e sobretudo, assumindo seu compromisso com a utopia e liberdade.aspectos que entendemos como fundamentais, e que têm urgência de serem resgatados e vivenciados na universidade,essencialmente na pesquisa,ensino e extensão. Tal postura tratar-se-ia, acima de tudo, de uma postura ética, fundamentadas em valores como afetividade, solidariedade, sensibilidade e transcendentalidade. REFERÊNCIAS CHAUÌ, M. A universidade em ruínas.in: TRINDADE, Helgio (org.) Universidade em ruínas: na república dos professores. 2 ed. Petrópolis: Vozes, DIEZ, Carmen Lúcia Fornari. Os Bas-Fonds da Educação no Brasil Colonial. Tese de doutoramento em Educação, orientada por Francisco Cock Fontanella.Piracicaba, FOUCALT, Michel. As Palavras e as Coisas: Uma arqueologia das ciências humanas. Trad. Salma Tannus Muchail, - 8ª ed.- São Paulo: Martins Fontes, 1999.(coleção tópicos) WACHOWICS, A. L. A epistemologia da Educação Escolar Trabalho apresentado para obtenção de Prof. Titular da PUC_PR cf. FOUCAULT,M. As palavras e as coisas. São Paulo
A Universidade Operacional Marilena Chauí Universidade de São Paulo (USP)
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