Análise vectorial dum vector de despolarização
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- Rita Barreto Mendonça
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1 Análise vectorial dum vector de despolarização Uma vez conhecida a posição das derivações no sistema de referência, dado um vector de despolarização A num instante t, é possível determinar a d.d.p. e respectivo sentido da d.d.p., que esse vector gera instantaneamente em cada derivação. Para isso, calcula-se a projecção do vector A em cada um dos eixos das derivações. Na figura abaixo isso é indicado para a derivação I. Como o vector projectado B aponta no sentido positivo do eixo da derivação I, a d.d.p. registada vai ser positiva. Quando o vector projectado se encontra numa posição perpendicular ao eixo da derivação nenhum sinal é medido. Quando o vector projectado se encontra paralelo ao eixo da derivação, o valor da d.d.p. medido pela derivação é igual à voltagem do vector. 79
2 Análise vectorial dum vector de despolarização A figura indica as projecções do vector A em cada um dos eixos das derivações I, II e III. O vector A é típico dum coração parcialmente despolarizado. A projecção do vector sobre a derivação I é B, sobre a derivação II é C e sobre a derivação III é D. Como se pode ver em todas as derivações estão-se a obter d.d.p. positivas. O potencial na derivação I é cerca de 50% do potencial do coração. O potencial na derivação II é quase a totalidade do potencial do coração. O potencial na derivação III é cerca de 1/3 do potencial do coração. 80
3 Análise vectorial do electrocardiograma normal a A despolarização das aurículas começa no nó SA e espalha-se em todas as direcções sobre as aurículas. A primeira zona a ficar despolarizada, e portanto carregada negativamente no exterior das células, é a zona do nó SA. O vector cardíaco gerado pela despolarização das aurículas aponta na direcção do ápice do coração. A sua direcção permanece mais ou menos constante durante toda a despolarização auricular. Como resultado obtém-se uma onda única (a Onda P), positiva nas derivações I, II e III. 81
4 Análise vectorial do electrocardiograma normal A Figura A representa um instante de tempo 100 ms após o começo da despolarização ventricular. Nesta altura o vector cardíaco é pequeno, visto que só o septo interventricular é que está despolarizado. Portanto, todas as d.d.p. electrocardiográficas são pequenas. A d.d.p. registada na derivação II é a maior de todas porque o vector cardíaco aponta nessa direcção. Quando o impulso cardíaco entra nos ventrículos através do feixe aurículoventricular (ou Feixe de His), a primeira parte a ficar despolarizada é a superfície endocárdica esquerda do septo interventricular. Esta despolarização espalha-se rapidamente envolvendo ambas as superfícies endocárdicas do septo. 82
5 Onda Q Por vezes, no começo do complexo QRS existe uma pequena onda negativa, a onda Q. A onda Q deve-se à despolarização inicial da região ântero-septal do ventrículo esquerdo. As voltagens registadas são baixas porque apenas uma pequena parte do ventrículo (o septo) está a ser despolarizada. O vector inicial do QRS está orientado para a direita, anteriormente e superiormente. No plano frontal este vector resulta tipicamente em pequenas deflexões negativas (onda Q) em I, II e III. 83
6 Análise vectorial do electrocardiograma normal Do septo interventricular a despolarização espalha-se para as superfícies endocárdicas de ambos os ventrículos. 200 ms após o começo da despolarização ventricular o vector cardíaco é grande porque grande parte dos ventrículos está despolarizada. Isto corresponde à deflexão positiva observada no complexo QRS que é conhecida como Onda R. ias/a009.htm 84
7 Análise vectorial do electrocardiograma normal A despolarização continua a espalhar-se, passando do interior (superfície endocárdica) para o exterior do coração (superfície epicárdica), despolarizando o ápice do coração. 350 ms após o começo da despolarização ventricular o vector cardíaco está a ficar pequeno porque existe mais massa muscular despolarizada do que em repouso. A despolarização engloba já o ápice do coração (negativo externamente). O eixo do vector cardíaco começa a deslocar-se para o lado esquerdo do peito porque o ventrículo esquerdo é o último a completar a despolarização. 85
8 Análise vectorial do electrocardiograma normal A despolarização já se espalhou a quase todo o ventrículo (superfícies endocárdica e epicárdica). Só uma pequena porção do ventrículo esquerdo encontra-se ainda por despolarizar. 500 ms após o começo da despolarização ventricular o vector cardíaco aponta para a base do ventrículo esquerdo, e é pequeno porque só uma pequena porção do ventrículo é que permanece por despolarizar. Neste momento as d.d.p. registadas nas derivações II e III são negativas, enquanto que a d.d.p. registada na derivação I continua positiva. Isto corresponde à deflexão negativa observada no complexo QRS que é conhecida como Onda S. 86
9 Análise vectorial do electrocardiograma normal Todo o ventrículo está despolarizado. 600 ms após o começo da despolarização ventricular todo o miocárdio se encontra despolarizado. Não há fluxos de corrente e nenhuma d.d.p. é registada nas derivações. O vector cardíaco é zero. Portanto, o complexo QRS está terminado nas três derivações. 87
10 Análise vectorial do electrocardiograma normal Depois do ventrículo se encontrar despolarizado, passam-se cerca de 150 ms antes da repolarização ser visível num electrocardiograma. A repolarização prossegue por todo o miocárdio, ficando completa 350 ms após o fim do complexo QRS. Durante a repolarização do miocárdio, a primeira parte a ficar em repouso e portanto exteriormente positiva é o exterior do coração, especialmente a zona do ápice do coração e depois o miocárdio adjacente à superfície epicárdica. O interior do coração permanece despolarizado e negativo durante mais algum tempo (possivelmente porque a elevada pressão sanguínea no interior dos ventrículos durante a contracção reduz o fluxo sanguíneo no endocárdio atrasando a repolarização). O coração durante a repolarização fica com uma distribuição de carga similar à despolarização. 88
11 Análise vectorial do electrocardiograma normal O vector cardíaco aponta na direcção do ápice do coração em todas as fases de repolarização. O vector é máximo quando a repolarização está a 50%. Começa pequeno, aumenta até ao seu máximo e progressivamente diminui até zero quando a repolarização se espalha a todo o miocárdio. O processo dura na totalidade 150 ms, que é também a duração da onda T. Como a repolarização não é um fenómeno propagado de célula em célula (como o é a despolarização), cada célula repolariza individualmente utilizando os seus recursos internos. É por esta razão que a onda T dura mais tempo e tem menor voltagem que o complexo QRS. 89
12 A onda Ta A propagação da onda de despolarização através do músculo auricular é mais lenta que no músculo ventricular. Consequentemente, a zona da aurícula que é primeiro repolarizada é a que está junto ao nó sinusal, ou seja, a área que foi primeiro despolarizada (ao contrário do que acontece nos ventrículos). Assim, quando a repolarização começa, a região à volta do nó sinusal torna-se positiva relativamente ao resto da aurícula. Como resultado o vector de repolarização tem um sentido oposto do da despolarização e a onda Ta tem uma deflexão inversa à da onda P. A onda Ta é gerada cerca de 150 ms depois da onda P. No electrocardiograma, a onda Ta surge ao mesmo tempo que o complexo QRS. Por isso, é quase sempre obscurecida pelo complexo QRS. 90
13 Voltagens anormais do complexo QRS No coração saudável as d.d.p., nas derivações bipolares dos membros, entre o pico da onda R e o pico da onda S são da ordem dos 0.5 a 2 mv, com tipicamente a derivação III a registar a menor d.d.p., enquanto que a derivação II regista a maior d.d.p.. Como regra geral, quando a soma das voltagens dos complexos QRS obtidos nas três derivações bipolares excede os 4 mv, considera-se que o paciente tem uma alta voltagem no electrocardiograma. A principal causa de alta voltagem é a hipertrofia do miocárdio, que tipicamente ocorre de forma heterogénea, com parte do coração mais desenvolvido do que outra. 91
14 Voltagens anormais do complexo QRS Uma das causas mais comuns para baixa voltagem no complexo QRS é um ou mais enfartes do miocárdio (enfarte significa: lesão necrótica circunscrita de um órgão em consequência da obstrução de um vaso sanguíneo em Provoca a diminuição da massa muscular e o bloqueio local da condução do impulso despolarizante. Como consequência, a onda de despolarização move-se lentamente através dos ventrículos activando faseadamente as porções de miocárdio ainda funcionais. Esta condição provoca a diminuição da voltagem do complexo QRS e o prolongamento do mesmo. 92
15 Padrões prolongados e bizarros do complexo QRS Padrões bizarros do complexo QRS são provocados frequentemente por duas condições: (1) destruição do músculo cardíaco ventricular em várias áreas do sistema ventricular; (2) múltiplos bloqueios locais no sistema de condução da rede de Purkinje. Como resultado a condução do impulso cardíaco fica irregular, provocando alterações rápidas nas d.d.p. e desvios do eixo cardíaco. Isto pode conduzir ao aparecimento de vários picos em algumas das derivações electrocardiográficas. 93
16 Corrente de Lesão Várias patologias cardíacas, especialmente aquelas que provocam lesões no miocárdio, tendem frequentemente a gerar zonas no músculo cardíaco que se encontram continuamente parcial ou totalmente despolarizadas (externamente negativas). Quando isto acontece, existem fluxos de corrente das áreas patologicamente despolarizadas para as áreas normais em repouso (externamente positivas), mesmo entre as pulsações cardíacas. A isto chama-se corrente de lesão. Estas anormalidades cardíacas podem ser provocados por: (1) trauma mecânico provoca um aumento da permeabilidade membranar que impossibilita a repolarização completa; (2) processos infecciosos que danificam as membranas musculares e (3) isquemia local do miocárdio provocada por oclusão das coronárias. Durante a isquemia, o fluxo sanguíneo não é suficiente para manter as concentrações de nutrientes necessárias ao normal funcionamento muscular, afectando a capacidade de repolarização da membrana
17 Isquemia coronária Um fluxo insuficiente de sangue deprime o metabolismo do músculo cardíaco por várias razões: (1) Falta de oxigénio; (2) Acumulação excessiva de dióxido de carbono; (3) Falta dos nutrientes alimentares (ex. glucose, etc). Consequentemente, a repolarização das membranas não ocorre em zonas severamente isquémicas. Muitas vezes o músculo do coração não morre, porque o fluxo sanguíneo é suficiente para manter o músculo vivo, mas não não é suficiente para permitir a repolarização das células. Enquanto esta condição persistir, observa-se uma corrente de lesão entre a área isquémica e a área não isquémica, durante o intervalo TP do ciclo cardíaco. Isquemia extrema do miocárdio ocorre depois de oclusão coronária (também conhecida como trombose coronária). Portanto, uma das características mais importantes do diagnóstico duma trombose coronária aguda é a presença da corrente de lesão. 95
18 Efeito da corrente de lesão no complexo QRS A título de exemplo, irá-se analisar o efeito de uma corrente de lesão no complexo QRS. Neste exemplo particular, a corrente de lesão tem origem na base do ventrículo esquerdo. No intervalo TP do ciclo cardíaco, quando todo o ventrículo deveria estar polarizado existe uma corrente negativa anormal da zona enfartada na base do ventrículo esquerdo para o resto dos ventrículos. O vector desta corrente de lesão tem uma direcção de cerca de 125 e aponta para baixo. Mesmo antes do começo do complexo QRS, a corrente de lesão gera um potencial constante (porque a corrente está estável) mensurável nas três derivações bipolares. É negativa na derivação I, e positiva nas derivações II e III (note que a linha preta corresponde à voltagem 0 mv). Pelo facto do vector da corrente de lesão ser quase paralelo ao eixo da derivação III, o potencial registado na derivação III é superior ao registado nas derivações I e II. 96
19 Efeito da corrente de lesão no complexo QRS À medida que o coração prossegue o ciclo cardíaco, o septo torna-se despolarizado. Os potenciais nas derivações I, II e III estão a aumentar, porque o vector cardíaco está a aumentar de tamanho. O vector cardíaco está também a modificar a sua direcção, inclinando-se para a esquerda na direcção dos 90. Por isso, o valor de potencial na derivação I sobe até zero. Note que na derivação I o potencial torna-se zero (ou próximo de zero), o que significa que o vector cardíaco fica perpendicular ao eixo de derivação I (portanto a 90 ). 97
20 Efeito da corrente de lesão no complexo QRS A despolarização espalha-se na direcção do ápice e da superfície endocárdica, despolarizando cerca de 50% da massa ventricular. Atinge-se o potencial máximo nas derivações II e III. Na derivação I o potencial fica ligeiramente negativo, porque o vector cardíaco passa a ter mais do que
21 Efeito da corrente de lesão no complexo QRS A despolarização prossegue para os 100%. A última porção dos ventrículos a ficar completamente despolarizada é a base do ventrículo direito, porque a base do ventrículo esquerdo já se encontra despolarizada, daí o vector cardíaco apontar da esquerda para a direita e ligeiramente para cima. Apesar do vector cardíaco estar a diminuir, como este se encontra quase paralelo ao eixo da derivação I, a d.d.p. registada na derivação I atinge um valor mais negativo do que o de todas as fases anteriores. Os potenciais nas derivações II e III são quase nulos. 99
22 Efeito da corrente de lesão no complexo QRS O músculo ventricular torna-se completamente despolarizado. Nesse instante, não há fluxos de corrente no coração pelo que o potencial em todas as derivações é zero. A corrente de lesão fica também a zero. O músculo cardíaco permanece todo despolarizado durante algum tempo, daí a d.d.p. nas três derivações ser constante e igual a zero. À medida que tem lugar a repolarização, a d.d.p. aumenta nas derivações II e III e diminui na derivação I devido à corrente de lesão. Quando a repolarização termina, a d.d.p. passa a ficar constante até ao próximo batimento cardíaco. 100
23 Efeito da corrente de lesão no complexo QRS 101
24 Como calcular o vector da corrente de lesão a partir do ECG? Como se pode observar no ECG, quando há uma corrente de lesão, o segmento ST e o segmento TP não estão à mesma d.d.p.. O segmento TP está a uma d.d.p. superior ou inferior (dependendo da derivação) ao segmento ST. Meek et al, 2002, BMJ, 324:
25 Como calcular o vector da corrente de lesão a partir do ECG? Durante o segmento ST todo o músculo cardíaco se encontra despolarizado, portanto, não há d.d.p. à superfície do coração. Idealmente, as d.d.p. registadas nas derivações deveriam ser nulas. Meek et al, 2002, BMJ, 324: Durante o segmento TP todo o músculo (com excepção da zona da corrente de lesão) está polarizado (em repouso), portanto, as únicas d.d.p. registadas deveriam ser as geradas pela corrente de lesão. Ou seja, a d.d.p. registada em cada derivação deveria ser simplesmente a projecção do vector da corrente de lesão sobre o eixo de derivação respectivo. Mas não é... Isto porque a linha dos 0 mv no ECG não corresponde aos 0 mv na superfície do coração. E porquê? Porque os eléctrodos estão a medir outras d.d.p. (ruído) para além das geradas pelo coração. 103
26 Ponto J Existem muitas correntes iónicas no corpo, para além das geradas pelo batimento cardíaco: correntes derivadas da existência de fluídos corporais com diferentes concentrações iónicas. Consequentemente, quando dois eléctrodos se encontram ligados aos braços, ou a um braço e a uma perna, as d.d.p. geradas por fontes externas ao coração fazem com que os instantes de tempo em que o ECG está nos 0 mv não sejam os instantes de tempo em que a d.d.p. gerada pelo coração é nula. Qual é o instante de tempo no ECG em que temos a certeza que o potencial gerado pelo coração é zero? No fim do complexo QRS antes do começo do segmento ST. A variação brusca de potencial permite identificar claramente um ponto no ECG que corresponde a uma situação em que o coração está a gerar uma d.d.p. nula, o ponto J. Meek et al, 2002, BMJ, 324:
27 Como calcular o vector da corrente de lesão a partir do ECG? ST TP A figura mostra os ECG gravados nas derivações I e III, ambos com correntes de lesão. A linha de referência dos 0 mv é a linha horizontal que contém o ponto J. O ponto J é o ponto exacto em que a onda de despolarização (complexo QRS) terminou o seu percurso no miocárdio ventricular: todo o miocárdio ventricular está despolarizado. O potencial da corrente de lesão é a distância entre a linha de referência e o ponto do segmento TP antes do começo da onda P. Uma vez determinados os potenciais da corrente de lesão nas derivações I e III é possível desenhar o vector da corrente de lesão no sistema hexagonal de referência (neste caso tem um ângulo de cerca de -30 ). Se se aplicar este vector sobre o coração, chega-se à conclusão que o dano se encontra na parede lateral do ventrículo direito. 105
28 Desnivelamento do segmento ST Como vimos, a presença duma corrente de lesão provoca um desnivelamento do segmento TP. No entanto, como na situação saudável o segmento TP é o segmento de referência para os 0 mv, tendeu-se a descrever este fenómeno como um desnivelamento do segmento ST (S-T segment shift), podendo dizer-se que houve elevação ou depressão do segmento ST. A presença dum desnivelamento do segmento ST é uma indicação da existência duma corrente de lesão. ST R TP ECG normal Na derivação I houve uma depressão do segmento ST, e na derivação III houve uma elevação do segmento ST. P Q S T U 106
29 Enfarte agudo da parede anterior do miocárdio Zonas externamente negativas (despolarizadas) - Lesão. Zonas externamente positivas (repolarizadas) Tecido saudável. Na figura encontra-se representado o ECG, nas três derivações bipolares e numa das derivações unipolares pré-cordiais V2 (sobre o peito), dum paciente com enfarte agudo da parede anterior do miocárdio. A característica mais importante deste ECG é a intensa corrente de lesão observada em V 2 : ocorreu elevação do segmento ST, pelo que o potencial em TP é negativo. Isto significa que a área do peito debaixo de V2 encontra-se negativa. A corrente de lesão começa debaixo da zona onde o eléctrodo V2 está colocado (parede anterior). O vector da lesão nas derivações I e III tem cerca de 150 (aponta do ventrículo esq. para o dir.). A corrente de lesão tem origem na parede anterior do coração e no ventrículo esquerdo. 107
30 Enfarte da parede posterior do miocárdio A figura mostra parte do ECG dum paciente com enfarte da parede posterior. A maior diferença é também em V2. O segmento ST sofreu um desvio negativo, pelo que o potencial da corrente de lesão é positivo. Isto significa que o lado positivo do vector da corrente de lesão está na zona do peito adjacente ao eléctrodo (a parte anterior do peito). Ou seja, a corrente de lesão está a vir detrás do coração para a frente. Nas derivações II e III o desvio do segmento ST é positivo, pelo que os potenciais da corrente de lesão nessas derivações são negativos. O vector da corrente de lesão tem cerca de -95. O enfarte ocorreu na porção apical do coração, possivelmente próximo do ápice na parede posterior do ventrículo esquerdo. 108
31 Desnivelamento do segmento ST No exemplo, temos um caso clínico de uma senhora de 45 anos que foi submetida a EED (ecocardiografia de sobrecarga com dobutamina) para avaliar a existência de doença arterial coronária. O eletrocardiograma de doze derivações revelou elevação do segmento ST nas derivações DII, DIII, avf, V5 e V6 e depressão do segmento ST nas derivações DI, avl, V2 e V3. A angiografia coronariana revelou lesões coronarianas irregulares com menos de 50% de obstrução do diâmetro luminal (Bogaz et al, 2006, Vasoespasmo Coronariano Induzido pela Ecocardiografia sob Estresse pela Dobutamina-Atropina, Arq Bras Cardiol, 87(6) : e250-e253.) 109
32 Vector médio do QRS ou Eixo eléctrico médio do QRS O vector médio do QRS no plano frontal, é determinado a partir dos dados recolhidos pelas derivações bipolares de membros. Encontram-se os valores máximos e mínimos das d.d.p. obtidas no complexo QRS nas derivações I e III. Calcula-se para cada derivação a amplitude total do sinal. Se todas as componentes do complexo QRS tiverem o mesmo sinal (todas positivas ou todas negativas), a amplitude total é a amplitude máxima encontrada acima (Por exemplo, 2 mv ou 2 mv). Se existirem componentes positivas e negativas no complexo QRS, a amplitude total é a soma das amplitudes máximas positiva e negativa (Por exemplo, 2 mv 0.5 mv = 1.5 mv). A amplitude total do sinal em cada derivação é então representada graficamente (acima). Se a amplitude total do sinal for positiva na derivação em causa é colocada no sentido positivo do eixo da derivação. Se for negativa é colocada no sentido negativo do eixo da derivação. 110
33 Vector médio do QRS ou Eixo eléctrico médio do QRS Traçam-se perpendiculares aos eixos de derivação III e I a partir dos extremos dos segmentos representados. O ponto de intersecção das duas perpendiculares indica o ponto onde se encontra o extremo do vector médio do QRS. O ângulo que o vector médio do QRS faz com a derivação I é o ângulo do vector médio do QRS (ou do eixo eléctrico médio do QRS). O potencial médio gerado pelos ventrículos durante a despolarização é representado pelo comprimento do vector médio do QRS. Embora o termo eixo eléctrico médio possa ser usada para qualquer dos componentes do ECG (onda P, complexo QRS e onda T) é geralmente aplicado apenas ao complexo QRS. 111
34 Desvios ao eixo eléctrico médio do coração O eixo eléctrico médio têm um ângulo típico de 59, mas mesmo no coração normal podem encontrar-se ângulos entre os 20 e os 100. Variações do ângulo do eixo eléctrico médio reflectem variações anatómicas na distribuição da rede de Purkinje ou na musculatura do miocárdio. Existem várias condições que provocam alterações no eixo cardíaco: Alterações na posição do coração no tórax. O eixo eléctrico médio do coração desvia-se para a esquerda quando ápice do coração se desvia para a esquerda. Existem várias situações que podem provocar esta mudança de posição: (1) no fim duma expiração profunda; (2) quando a pessoa está deitada, porque o conteúdo abdominal empurra o diafragma para cima e (3) frequentemente em pessoas obesas, cujos diafragmas pressionam o coração constantemente. O eixo eléctrico médio do coração desvia-se para a direita quando o ápice do coração se desvia para a direita. Situações que provocam esta situação: (1) no fim duma inspiração profunda; (2) quando a pessoa está em pé e (3) normalmente em pessoas altas e magras. 112
35 Desvios ao eixo eléctrico médio do coração Hipertrofia ventricular A hipertrofia ventricular provoca o desvio do eixo eléctrico na direcção do ventrículo hipertrofiado. Isto acontece porque existe mais massa muscular no ventrículo atrofiado, e portanto mais carga eléctrica nessa zona do coração. Por outro lado, a onda de despolarização demora mais tempo a despolarizar o ventrículo hipertrofiado. Como consequência ele permanece em repouso mais tempo do que o restante coração (lembrar que o vector cardíaco aponta das zonas negativas, já despolarizadas, para as zonas positivas, em repouso). No caso clínico da figura, a hipertrofia do ventrículo esquerdo foi provocada por hipertensão (desvio de 15 o ). Outras causas possíveis são estenose da válvula aórtica, regurgitação da válvula aórtica e várias patologias cardíacas congénitas. 113
36 Desvios ao eixo eléctrico médio do coração Bloqueio do ramo de condução direito ou esquerdo do Feixe de His O bloqueio do ramo de condução direito ou esquerdo do Feixe de His atrasa a despolarização do ventrículo que deveria ser activado pelo ramo bloqueado. Na figura encontra-se representado um caso clínico em que ocorreu bloqueio do ramo de condução esquerdo (desvio de 50 do eixo eléctrico). Quando o ramo de condução esquerdo se encontra bloqueado a despolarização espalha-se mais rapidamente para o ventrículo direito do que para o ventrículo esquerdo (2 a 3 mais rápido). Consequentemente, grande parte do ventrículo esquerdo permanece em repouso (polarizado) enquanto que o ventrículo direito já se encontra despolarizado (até 100 ms). O ventrículo direito fica carregado negativamente enquanto que o ventrículo esquerdo permanece carregado positivamente, e o vector cardíaco resultante projecta do ventrículo direito para o ventrículo esquerdo. 114
37 Desvios ao eixo eléctrico médio do coração Para além do desvio do eixo, o bloqueio do ramo de condução esquerdo, aumenta a duração do complexo QRS devido à lenta despolarização. Isso pode notar-se nas derivações I, II e III no aumento da largura (temporal) dos complexos QRS. Este aumento da largura do complexo QRS permite distinguir esta condição da hipertrofia ventricular esquerda. 115
38 Arritmias Um dos tipos mais perturbadores de mau funcionamento cardíaco é a existência de um ritmo anormal de batimento cardíaco. Existem várias causas possíveis: Ritmo anormal do marca passo cardíaco (pacemaker): o nó sinusal. Deslocação do marca passo do nó sinusal para outro lugar do coração. Bloqueio, em diferentes pontos, da condução do impulso através do coração. Utilização de vias anormais para condução do impulso no coração. Geração espontânea de impulsos anormais em quase qualquer parte do coração. 116
39 Ritmos anormais do nó sinusal A taquicardia é caracterizada por um rápido batimento cardíaco, tipicamente superior às 100 batidas por minuto. No ECG o paciente está com um ritmo cardíaco de 150 batimentos por minuto. 60/0.4=150 As causas típicas da taquicardia são aumento da temperatura corporal, estimulação do coração pelos nervos simpáticos e várias condições tóxicas. A velocidade do batimento cardíaco aumenta cerca de 18 batimentos cardíacos por minuto por cada aumento de 1 grau célsio, até aos cerca de 40.5 C. Acima disto, o batimento cardíaco começa a diminuir devido ao progressivo enfraquecimento do miocárdio. A febre provoca taquicardia porque o aumento da temperatura aumenta o metabolismo no nó sinusal, aumentando a sua excitabilidade. 117
40 Ritmos anormais do nó sinusal A bradicardia é caracterizada por uma diminuição do ritmo cardíaco, tipicamente inferior às 60 batidas por minuto. No ECG o paciente está com um ritmo cardíaco de 43 batimentos por minuto. 60/1.4=43 É característica de atletas em repouso. O seu coração é capaz de bombear uma maior quantidade de sangue em cada sístole. A estimulação parassimpática através do nervo vago conduz a uma diminuição do ritmo cardíaco. Pacientes com o síndrome do seio carotídeo apresentam bradicardia devido a excessiva estimulação parassimpática. Esta doença é caracterizada por uma sensibilidade excessiva dos baroreceptores localizados na parede arterial. 118
41 Ritmos anormais do nó sinusal A arritmia sinusal é caracterizada pela variação do ritmo sinusal. Como consequência, a frequência cardíaca não é constante. Existem dois tipos de arritmias sinusal: respiratória e não respiratória. Na arritmia sinusal respiratória a frequência cardíaca acelera na inspiração e desacelera na expiração. É maior se a pessoa está a inspirar profundamente (taxa de aumento até 30%), do que se está a inspirar normalmente, em repouso (taxa de aumento até 5%). É mediada pela modulação do actividade simpática e parassimpática. O ciclo respiratório induz flutuações na pressão sanguínea. Na inspiração diminui a pressão sanguínea ao nível dos baroreceptores arteriais (arco da aorta e seio carotídeo) o que estimula o aumento do batimento cardíaco. Na expiração aumenta a pressão sanguínea ao nível dos baroreceptores arteriais o que estimula a diminuição do batimento cardíaco. 119
42 Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas O bloqueio sinoauricular deve-se a um bloqueio na saída do impulso do nó sinusal. Consequentemente, o miocárdio auricular nunca chega a despolarizar. A onda P desaparece. Na figura mostra-se uma situação em que a onda P desaparece após os primeiros dois batimentos (derivação III). Como se pode ver ao fim de algum tempo o batimento retoma, agora controlado pelo nó aurículoventricular. O complexo QRS-T aparece menos frequentemente, mas não se altera. 120
43 Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas O bloqueio aurículo-ventricular deve-se a um bloqueio total ou simplesmente diminuição na condução do impulso cardíaco das aurículas para os ventrículos. Pode ser provocado por: Isquemia do nó AV ou do feixe de His, devido a insuficiência coronária. Compressão do feixe de His por tecido cicatrizado ou por porções calcificadas do coração. Inflamação do nó AV ou do feixe de His, resultante de uma miocardite (inflamação do miocárdio devido a infecção viral ou bacteriana): provocada por doenças como a rubéola e a difteria. Estimulação extrema do nervo vago. Observada em pacientes com o síndrome do seio carotídeo. 121
44 Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas Num bloqueio AV de primeiro grau o intervalo PR é superior a 200 ms, mas o coração encontra-se a bater a um ritmo normal e o impulso cardíaco continua a ser controlado pelo nó SA. Diz-se que há um prolongamento do intervalo PR. No coração saudável em repouso o tempo médio entre o começo da onda P e o começo do complexo QRS é de 160 ms. À medida que o coração bate mais depressa este intervalo tende a diminuir (e o inverso também é verdade). Na figura encontra-se um ECG em que o intervalo PR é de cerca de 300 ms (derivação II). O intervalo PR nunca se estende mais do que 350 a 450 ms. 122
45 Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas Num bloqueio AV de segundo grau o intervalo PR está entre os 250 e os 450 ms, de tal maneira que nem todos os impulsos produzidos pelo nó SA chegam aos ventrículos. Dá-se a perda de batimentos cardíacos. A aurícula bate duas ou mais vezes (duas ou mais ondas P) para um único batimento dos ventrículos. Derivação V 3 123
46 Bloqueio dos sinais cardíacos nas vias de condução intracardíacas Num bloqueio AV de terceiro grau ou bloqueio AV completo não passa qualquer impulso das aurículas para os ventrículos. Nesta situação as ondas P ficam dissociadas do complexo QRS. Como se pode observar na figura (derivação II) a frequência de batimento das aurículas é de cerca de 100 batimentos por minuto (60/0.6), enquanto que a frequência de batimento dos ventrículos é de cerca de 40 batimentos por minuto (60/1.6). Nestas condições, o ritmo de batimento dos ventrículos é frequentemente controlado por sinais gerados no nó AV ou no feixe de His. Não existe qualquer relação entre a onda P e o complexo QRS porque os ventrículos não estão sob controlo das aurículas. 124
47 Contracções prematuras Uma contracção prematura do coração é uma contracção que ocorre antes do tempo que uma contracção normal era esperada. Esta condição é também conhecida por extrasístole e batimento ectópico. Muitas dos batimentos prematuros derivam da existência de focos ectópicos no coração, que emitem impulsos anormais e dessincronizados do ritmo cardíaco. Entre as possíveis causas de focos ectópicos temos: lesões isquémicas locais; pequenas placas calcificadas em diferentes pontos do coração, que pressionam o músculo irritando as fibras; irritação tóxica do nó AV, do sistema de Purkinje, ou do miocárdio, por drogas como a nicotina e a cafeína. 125
48 Contracções auriculares prematuras A figura (derivação I) mostra uma contracção auricular prematura com a onda P a ocorrer demasiado cedo, e com diminuição do intervalo PR. Como se pode ver ela está mais próximo do complexo QRS do que as outras ondas P. Isto indica que o focos ectópico do impulso está próximo do nó AV (porque demora pouco tempo a lá chegar). O intervalo entre a contracção prematura e a próxima contracção é ligeiramente maior (pausa compensatória): Quando o foco ectópico dispara, origina uma onda despolarizante que se propaga a todo o miocárdio auricular. Esta chega ao nó AV e por vezes ao nó SA. O batimento cardíaco seguinte é tipicamente atrasado porque se o nó SA disparar simultaneamente ou ligeiramente depois do foco ectópico (ou mesmo devido à onda despolarizante gerada pelo foco ectópico), a onda de despolarização gerada pelo nó SA não se propaga até ao nó AV, porque a totalidade ou parte do miocárdio auricular já se encontra despolarizado. Consequentemente, o coração terá de esperar até ao próximo disparo do nó SA para voltar a bater. 126
49 Contracções prematuras do nó AV ou do feixe AV Neste tipo de contracções não se observa a onda P no registo ECG da contracção prematura. A onda P ficou sobreposta ao complexo QRS porque o impulso gerado no nó AV ou feixe AV viaja em ambas as direcções, despolarizando o miocárdio ventricular e o miocárdio auricular. A onda P que é gerada pela despolarização do miocárdio auricular distorce o complexo QRS mas não é observada. Derivação III 127
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