Gliconeogénese. glicose-6-fosfato + H 2 O glicose + Pi
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- Felipe Brunelli Barbosa
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1 Gliconeogénese 1- A palavra gliconeogénese é, num sentido mais estrito, usada para designar coletivamente o conjunto de processos pelos quais o organismo pode converter substâncias não glicídicas (como aminoácidos, lactato, piruvato, glicerol e propionato) em glicose ou glicogénio. Num sentido mais amplo pode, porque tem alguns passos reativos comuns, ser usada para incluir a conversão da frutose da dieta em glicose ou glicogénio. Num sentido ainda mais amplo pode incluir-se também a conversão da galactose em glicose sendo que, neste caso, o único passo comum é o que é catalisado pela glicose-6-fosfátase (ver Equação 1). Equação 1 glicose-6-fosfato + H 2 O glicose + Pi 2- Durante o período absortivo de uma refeição normal há entrada no organismo de glicose que vem do meio externo. Nessas condições o fígado e outros órgãos captam glicose do sangue que, em parte, é armazenada na forma de glicogénio (glicogénese) e, em parte, é convertida em lactato ou completamente oxidada a CO 2. O fígado é um órgão que produz glicose para o sangue mas, quando a glicemia sobe após as refeições, quer porque a velocidade de entrada de glicose para o fígado aumenta, quer porque a velocidade de produção hepática de glicose desce marcadamente, no balanço entre a produção e a captação predomina a captação. O fígado é, na maioria do tempo, um produtor líquido de glicose: a quantidade de glicose libertada a partir da degradação do glicogénio (glicogenólise) e da gliconeogénese é maior que a que é captada do sangue. Embora muitos órgãos (incluindo o fígado) possam usar os ácidos gordos libertados no tecido adiposo como combustíveis, a libertação contínua de glicose para o sangue é uma condição de sobrevivência porque os eritrócitos e, em grande medida, o cérebro, dependem da glicose para a produção de ATP. Sobretudo se a descida da glicemia for rápida, quando a concentração plasmática de glicose desce abaixo dos 40 mg/dl podem aparecer sintomas relacionados com perturbações do funcionamento cerebral. A gliconeogénese e a glicogenólise são as vias pelas quais a glicose se forma no fígado e pode ser libertada para o sangue e, em última análise, para os outros tecidos. Quando a glicemia começa a baixar após o período absortivo, a glicogenólise e a gliconeogénese podem contribuir com uma percentagem semelhante (cerca de 50% cada) para a produção hepática de glicose mas, à medida que o tempo de jejum aumenta, a gliconeogénese vai sendo cada vez mais importante [1]. Após um ou dois dias de jejum, o glicogénio hepático praticamente esgota-se e a produção endógena de glicose passa a depender exclusivamente da gliconeogénese. A gliconeogénese também ocorre no rim e, à medida que o tempo de jejum se prolonga, a importância relativa do rim na produção endógena de glicose aumenta podendo passar a ter um contributo semelhante ao do fígado [2]. O contributo dos enterócitos (intestino) para a gliconeogénese do organismo é muito pequeno. 3- Quer na glicogenólise, quer na gliconeogénese forma-se glicose-6-fosfato e a formação de glicose só pode ocorrer por hidrólise deste composto. Porque a enzima responsável por este processo (glicose-6- fosfátase 1 ; ver Equação 1) existe no fígado, no rim e no intestino delgado (enterócitos) são estes os órgãos responsáveis pela manutenção de níveis de glicemia compatíveis com a atividade dos neurónios e dos eritrócitos durante o jejum. O fígado tem, neste contexto, um papel mais importante que o rim e muito mais importante que o intestino. (A esmagadora maioria dos dados apresentados neste texto resultam de estudos no fígado.) O GLUT 2 é o transportador (uniporter) para a glicose que está presente na membrana citoplasmática destes órgãos; quando a concentração de glicose é maior no citoplasma que no plasma sanguíneo a glicose sai das células e o contrário acontece na condição inversa. 4- Três das enzimas da glicólise catalisam reações fisiologicamente irreversíveis. A cínase da glicose (ou hexocínase IV) e a cínase da frutose-6-fosfato catalisam a fosforilação da glicose e da frutose-6-fosfato 1 A glicose-6-fosfátase é uma enzima que está presente na face luminal do retículo endoplasmático dos hepatócitos, das células tubulares renais e dos enterócitos. É frequentemente designada como sistema da glicose-6-fosfátase já que o acesso da glicose-6-fosfato ao centro ativo da enzima assim como a saída do Pi formado dependem da ação de um transportador (um antiporter) que troca glicose-6-fosfato que entra por Pi que sai [Chen e al. (2008) Faseb J. 22, ]. Página 1 de 10
2 (ver Equação 2 e Equação 3). Na ação da cínase do piruvato, o fosfoenolpiruvato converte-se em piruvato e, simultaneamente, forma-se ATP (ver Equação 4). Estas três enzimas são citoplasmáticas. Equação 2 Equação 3 Equação 4 ATP + glicose glicose-6-fosfato + ADP ATP + frutose-6-fosfato ADP + frutose-1,6-bisfosfato ADP + fosfoenolpiruvato ATP + piruvato Na gliconeogénese, também são fisiologicamente irreversíveis as reações catalisadas pelas enzimas que permitem a conversão de piruvato em fosfoenolpiruvato (carboxílase do piruvato, ver Equação 5; e a carboxicínase do fosfoenolpiruvato, ver Equação 6), a conversão de frutose-1,6-bisfosfato em frutose- 6-fosfato (frutose-1,6-bisfosfátase, ver Equação 7) e a conversão de glicose-6-fosfato em glicose (glicose-6-fosfátase, ver Equação 1). (A carboxílase do piruvato é uma enzima mitocondrial, a frutose- 1,6-bisfosfátase é citoplasmática e a glicose-6-fosfátase existe no retículo endoplasmático; a carboxicínase do fosfoenolpiruvato distribui-se entre o citoplasma e a mitocôndria.) Equação 5 ATP + H 2 O + piruvato + CO 2 ADP + Pi + oxalacetato Equação 6 GTP + oxalacetato GDP + fosfoenolpiruvato + CO 2 Equação 7 frutose-1,6-bisfosfato + H 2 O frutose-6-fosfato + Pi Assim, as conversões de glicose em glicose-6-fosfato e de frutose-6-fosfato em frutose-1,6-bisfosfato que são catalisadas por cínases na glicólise são revertidas pela ação de fosfátases na gliconeogénese. A conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato na glicólise é revertida pela ação sequenciada de duas enzimas: a carboxílase de piruvato 2 que catalisa a formação de oxalacetato a partir de piruvato (processo anaplerótico) e a carboxicínase do fosfoenolpiruvato que catalisa a formação de fosfoenolpiruvato a partir de oxalacetato (processo cataplerótico). Nos órgãos capazes de gliconeogénese, a atividade relativa das enzimas envolvidas nas transformações referidas determina não apenas a velocidade, mas também o sentido (anabólico ou catabólico) no metabolismo da glicose. 5- Muitas das enzimas envolvidas na gliconeogénese também participam na glicólise e são todas citoplasmáticas: catalisam reações fisiologicamente reversíveis e o sentido em que estas reações evoluem (anabólico ou catabólico) depende das concentrações citoplasmáticas dos compostos (reagentes e produtos) envolvidos nessas reações. Essas enzimas são a enólase (ver Equação 8), a mútase do fosfoglicerato (Equação 9), a cínase do 3-fosfoglicerato (ver Equação 10), a desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11), a isomérase das trioses-fosfato (ver Equação 12), a aldólase (ver Equação 13) e a isomérase das hexoses-fosfato (ver Equação 14). É de notar que, durante a gliconeogénese, a reação catalisada pela cínase do 3-fosfoglicerato (ver Equação 10) funciona no sentido em que se consome ATP e que é a oxidação hepática dos ácidos gordos quem fornece a energia necessária para a síntese deste ATP. É também de notar que, no decurso da gliconeogénese, na reação catalisada pela desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11), o NADH se oxida a NAD +, o contrário do que ocorre na glicólise. O NADH citoplasmático indispensável à conversão de 1,3- bisfosfoglicerato em gliceraldeído-3-fosfato (e, portanto, à gliconeogénese) pode ser formado pela ação da desidrogénase do malato citoplasmática (ver Equação 15), da desidrogénase do lactato (ver Equação 16) e da desidrogénase do glicerol-3-fosfato citoplasmática (ver Equação 17). 2 As carboxílases do piruvato e do propionil-coa são duas sintétases que contêm como grupo prostético a biotina (também designada, às vezes, por vitamina B8). Página 2 de 10
3 Equação 8 Equação 9 Equação 10 Equação 11 Equação 12 Equação 13 Equação 14 Equação 15 Equação 16 Equação 17 fosfoenolpiruvato + H 2 O 2-fosfoglicerato 2-fosfoglicerato 3-fosfoglicerato ATP + 3-fosfoglicerato 1,3-bisfosfoglicerato + ADP NADH + 1,3-bisfosfoglicerato NAD + + Pi + gliceraldeído-3-fosfato dihidroxiacetona-fosfato gliceraldeído-3-fosfato dihidroxiacetona-fosfato + gliceraldeído-3-fosfato frutose-1,6-bisfosfato frutose-6-fosfato glicose-6-fosfato malato + NAD + oxalacetato + NADH lactato + NAD + piruvato + NADH glicerol-3-fosfato + NAD + dihidroxicetona-fosfato + NADH 6- Os eritrócitos, a medula renal e os músculos, mesmo quando estão em repouso, produzem continuamente lactato 3. O lactato vertido no sangue pode, no fígado e no rim, ser convertido em glicose e por isso se diz que o lactato é um composto glicogénico. Na conversão hepática do lactato em glicose atuam transportadores membranares e enzimas. Nesta conversão participam sequencialmente o transportador de ácidos monocarboxílicos da membrana citoplasmática (simporte com um protão), a desidrogénase do lactato (ver Equação 16), o simporte piruvato/h + da membrana interna da mitocôndria, a carboxílase do piruvato (ver Equação 5), a carboxicínase do fosfoenolpiruvato da matriz da mitocôndria (ver Equação 6), o transportador do fosfoenolpiruvato da membrana interna da mitocôndria, a enólase, a mútase do fosfoglicerato, a cínase do 3-fosfoglicerato (ver Equação 10), a desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11), a isomérase das trioses-fosfato (ver Equação 12), a aldólase (ver Equação 13), a frutose-1,6-bisfosfátase (ver Equação 7), a isomérase das hexoses-fosfato (ver Equação 14), a glicose-6- fosfátase (ver Equação 1) e o GLUT2. Ignorando o consumo de GTP e ATP e a redução/oxidação do NADH/NAD + pode escrever-se a seguinte sequência de conversões: lactato piruvato oxalacetato fosfoenolpiruvato (mit) fosfoenolpiruvato (cit) 2-fosfoglicerato 3-fosfoglicerato 1,3- bisfosfoglicerato gliceraldeído-3-fosfato dihidroxiacetona-fosfato (+gliceraldeído-3-fosfato) frutose-1,6-bisfosfato frutose-6-fosfato glicose-6-fosfato glicose. É de notar que, quando o lactato é, isoladamente, encarado como o único substrato a ser consumido na gliconeogénese, o NADH necessário para a ação catalítica da desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11) é formado aquando da ação da desidrogénase do lactato (ver Equação 16). Ambas as desidrogénases são enzimas citoplasmáticas, de forma que, quer a redução do NAD + a NADH pelo lactato (ver Equação 16), quer a oxidação do NADH a NAD + pelo 1,3-bisfosfoglicerato (ver Equação 11) ocorrem no citoplasma. Se se considerar que, num dado momento, o lactato está a ser usado como o único substrato da gliconeogénese, a desidrogénase do malato não intervém no processo: todo o NADH necessário para a redução do 1,3- bisfosfoglicerato a gliceraldeído-3-fosfato pode ser fornecido aquando da conversão do lactato em piruvato e o composto que sai da mitocôndria é o fosfoenolpiruvato O conjunto de reações envolvidas na conversão de lactato em glicose pode ser resumido na seguinte equação soma: Equação 18 2 lactato (C 3 H 6 O 3 ) + 2 GTP + 4 ATP + 6 H 2 O glicose (C 6 H 12 O 6 ) + 2 GDP +4 ADP + 6 Pi A formação da glicose a partir de lactato (processo endergónico) só é possível porque está acoplada com a hidrólise de ATP e do GTP (processos exergónicos). O gasto de ATP ocorre aquando da ação da carboxílase do piruvato e da cínase do 3-fosfoglicerato (ver Equação 5 e Equação 10) enquanto o gasto de GTP ocorre aquando da ação da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 6). Assim, podemos 3 De facto, com as exceções do coração e do cérebro em que a glicólise é, em condições normais, 100% aeróbica, na maioria das células do organismo, uma percentagem maior ou menor do piruvato reduz-se a lactato. 4 Se tivéssemos considerado o envolvimento da carboxicínase do fosfoenolpiruvato citoplasmática teríamos também de admitir que o oxalacetato formado dentro da mitocôndria pela ação da carboxílase do piruvato se reduzia a malato, que o malato saia da mitocôndria e voltava a regenerar o oxalacetato no citoplasma; neste caso teríamos também de apelar à ação da lançadeira do malato a operar no sentido de consumir o excesso de NADH citoplasmático. Página 3 de 10
4 concluir que, na síntese de uma molécula de glicose a partir de duas de lactato, se gastam 6 ligações ricas em energia. É isto que é de esperar que aconteça nos processos anabólicos e a gliconeogénese é uma via anabólica. Nem o NADH nem o NAD + aparecem na Equação 18 porque a redução do NAD + aquando da ação da desidrogénase do lactato (ver Equação 16) é revertida pela ação da desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11). 8- No organismo como um todo ocorre continuamente um ciclo metabólico designado de ciclo de Cori. O lactato, produzido nos eritrócitos, na medula renal e nos músculos a partir da glicose é vertido no sangue e, depois de captado no fígado, é de novo convertido em glicose. Esta glicose pode ser captada nos eritrócitos e na sua conversão em lactato permite a formação de 2 ligações ricas em energia por molécula de glicose convertida. Parte da glicose captada nos músculos e na medula renal tem o mesmo destino da que é captada nos eritrócitos. A conversão de lactato em glicose que ocorre no fígado envolve o gasto de 6 ligações ricas em energia por molécula de glicose formada. Daqui se pode concluir que, considerado na sua globalidade, o ciclo de Cori gasta 4 ligações ricas em energia por cada volta do ciclo o que parece não trazer qualquer vantagem para a sobrevivência. No entanto, o consumo de ligações ricas em energia ocorre no fígado (que usa, preferencialmente, ácidos gordos e aminoácidos como combustíveis) enquanto a formação das ligações ricas em energia ocorre nos eritrócitos e na medula renal (que consomem exclusivamente glicose ou predominantemente glicose, respetivamente) e nos músculos (que consomem muita glicose em situações de alto consumo energético). O ciclo de Cori é um processo que permite ao organismo oxidar ácidos gordos (e aminoácidos) no fígado e usar a energia libertada nestes processos para fornecer glicose aos eritrócitos, à medula renal e aos músculos. O ciclo de Cori permite reciclar como glicose, a glicose que é cindida a lactato nos órgãos e células onde a glicólise anaeróbica tem relevância. A glicólise anaeróbica não ocorre no cérebro normal e, por isso, o cérebro não participa no ciclo de Cori; toda a glicose captada no cérebro sofre oxidação completa a CO 2 (que, nos animais, não pode ser reduzido a glicose). 9- A esmagadora maioria dos aminoácidos (as exceções são a lisina e a leucina) também são substratos da gliconeogénese. As refeições normais contêm proteínas que, na digestão geram aminoácidos, que são, em parte, usados na gliconeogénese hepática. Em jejum aumenta a hidrólise das proteínas endógenas e os aminoácidos libertados podem gerar glicose no fígado. Neste contexto a alanina é particularmente importante e, por razões didáticas, destacaremos também o papel do glutamato. A alanina pode, por ação catalítica da transamínase da alanina (ver Equação 19), gerar piruvato e o piruvato pode, através da ação da carboxílase do piruvato, gerar oxalacetato (ver Equação 5). Quer a transamínase da alanina, quer a carboxílase do piruvato são enzimas da mitocôndria e, portanto, a conversão de alanina em oxalacetato ocorre na matriz mitocondrial. Na membrana interna da mitocôndria não existe qualquer transportador para o oxalacetato: a passagem do oxalacetato da matriz mitocondrial para o citoplasma é indireta e envolve a ação da desidrogénase do malato mitocondrial (oxidação do NADH a NAD + pelo oxalacetato; ver Equação 15), o transporte de malato da matriz para o citoplasma e a ação da desidrogénase do malato citoplasmática (redução do NAD + a NADH pelo malato; ver Equação 15). O oxalacetato citoplasmático é substrato da carboxicínase do fosfoenolpiruvato citoplasmática (ver Equação 6) e o fosfoenolpiruvato citoplasmático formado pode, por ação das enzimas já referidas acima, converter-se em glicose. A sequência que escrevemos acima para o caso do lactato (considerado como o único substrato da gliconeogénese) é ligeiramente diferente se considerarmos a alanina como único substrato da gliconeogénese. Neste caso entre alanina e fosfoenolpiruvato citoplasmático a sequência seria a seguinte: alanina piruvato oxalacetato (mit) malato (mit) malato (cit) oxalacetato (cit) fosfoenolpiruvato (cit). De notar que, se admitíssemos que a conversão da alanina em glicose envolvia as mesmas etapas descritas para o caso do lactato (concretamente, a carboxicínase do fosfoenolpiruvato mitocondrial a atuar diretamente sobre o oxalacetato mitocondrial e a saída do fosfoenolpiruvato formado para o citoplasma) a formação de NADH citoplasmático necessário para a conversão do 1,3- bisfosfoglicerato em gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11) ficaria sem explicação. Se admitirmos que a alanina está a ser usada como único substrato da gliconeogénese, é a ação da desidrogénase do malato citoplasmática (ver Equação 15) que fornece o NADH necessário para a redução do 1,3-bisfosfoglicerato em gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11). Aquando da gliconeogénese a partir de alanina considerada isoladamente, uma parte do NADH formado nos processos oxidativos intramitocondriais (ciclo de Krebs) deixa de ser oxidado na cadeia respiratória servindo, diretamente, para reduzir o oxalacetato mitocondrial a malato e, indiretamente, para reduzir o 1,3-bisfosfoglicerato a gliceraldeído-3-fosfato. Os combustíveis Página 4 de 10
5 que, no fígado, têm maior relevância na formação deste NADH são, num contexto metabólico de jejum, os ácidos gordos. A Equação 20 descreve o somatório dos processos reativos que permitem a conversão de 2 moléculas de alanina numa molécula de glicose. Equação 19 Equação 20 alanina + α-cetoglutarato piruvato + glutamato 2 alanina + 2 α-cetoglutarato + 2 GTP + 4 ATP + 6 H 2 O + 2 NADH glicose + 2 glutamato + 2 GDP + 4 ADP + 6 Pi + NAD Todos os aminoácidos que, no decurso do seu catabolismo, geram intermediários do ciclo de Krebs (processos anapleróticos) são substratos da gliconeogénese. O glutamato servirá como exemplo. Através da ação de várias transamínases (ver Equação 21) ou da desidrogénase do glutamato (ver Equação 22) o glutamato converte-se em α-cetoglutarato. Por ação de enzimas do ciclo de Krebs, o α-cetoglutarato pode gerar malato que, saindo da mitocôndria, pode oxidar-se a oxalacetato (desidrogénase do malato citoplasmática; ver Equação 15); o oxalacetato formado pode, via fosfoenolpiruvato, gerar glicose. Tal como no caso da alanina, também aqui, a enzima diretamente responsável pela redução do NAD + citoplasmático é a desidrogénase do malato citoplasmática. Equação 21 Equação 22 glutamato + α-cetoácido-x α-cetoglutarato + α-aminoácido-x glutamato + NAD + α-cetoglutarato + NH NADH 11- A lipólise no tecido adiposo (hidrólise dos triacilgliceróis endógenos), para além de ácidos gordos, também liberta glicerol para o sangue. Ao contrário do que acontece em muitos tecidos (nomeadamente no tecido adiposo), no fígado (e rim) existe uma enzima que é capaz de catalisar a transformação do glicerol em glicerol-3-fosfato (cínase do glicerol; ver Equação 23). A cínase do glicerol catalisa o primeiro passo do processo de conversão do glicerol em glicose. A transformação do glicerol-3-fosfato (3 carbonos) em glicose (6 carbonos) envolve a atividade das seguintes enzimas (todas citoplasmáticas): desidrogénase citoplasmática do glicerol-3-fosfato (ver Equação 17), isomérase das trioses-fosfato (ver Equação 12), aldólase (ver Equação 13), frutose-1,6-bisfosfátase (ver Equação 7), isomérase das hexoses-fosfato (ver Equação 14) e glicose-6-fosfátase (ver Equação 1). Ignorando o consumo de ATP e a redução do NAD + a NADH a sequência de conversões é a seguinte: glicerol glicerol-3-fosfato dihidroxiacetona-fosfato gliceraldeído-3-fosfato (+dihidroxiacetona-fosfato) frutose-1,6-bisfosfato frutose-6-fosfato glicose-6-fosfato glicose. A equação soma que descreve a conversão de glicerol em glicose no fígado (e rim) é a Equação 24. Equação 23 Equação 24 glicerol + ATP glicerol-3-fosfato + ADP 2 glicerol + 2 NAD ATP + 2 H 2 O glicose + 2 NADH + 2 ADP + 2 Pi Ao contrário dos casos do lactato, da alanina e do glutamato, a conversão do glicerol-3-fosfato em glicose não envolve a redução do 1,3-bisfosfoglicerato a gliceraldeído-3-fosfato (desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato). O NADH formado durante a conversão de glicerol-3-fosfato em glicose poderá ser oxidado pelo oxigénio via lançadeira do malato e complexos I, III e IV da cadeia respiratória ou reduzir o 1,3-bisfosfoglicerato formado a partir de outros substratos da gliconeogénese que, eventualmente, estejam simultaneamente a entrar no fígado. No homem há normalmente a utilização simultânea de vários substratos da gliconeogénese. Se um deles for o glicerol, o fornecimento de NADH citoplasmático para a reação catalisada pela desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato poderá ser, pelo menos em parte, da responsabilidade da desidrogénase do glicerol-3-fosfato. Se, por exemplo, admitirmos que, num dado momento, n moles de glicerol estão, juntamente com n moles de alanina (ou glutamato), a converter-se em n moles de glicose podemos pensar que o processo de conversão da alanina não envolve a desidrogénase do malato (como apontado nos pontos 9 e 10), mas ocorre via conversão do oxalacetato em fosfoenolpiruvato na matriz mitocondrial e transporte deste para o citoplasma. 12- No homem, a esmagadora maioria dos ácidos gordos tem um número par de carbonos (dizem-se ácidos gordos de cadeia par ) e geram no seu catabolismo acetil-coa que reage com o oxalacetato por ação catalítica da síntase do citrato (ver Equação 26). Nesta reação não há formação líquida de intermediários Página 5 de 10
6 do ciclo de Krebs (não é uma reação anaplerótica; forma-se citrato mas consome-se oxalacetato). Por outro lado, a conversão de acetil-coa em piruvato também não pode ocorrer porque a reação catalisada pela desidrogénase do piruvato (ver Equação 25) é fisiologicamente irreversível. Os ácidos gordos de cadeia par não são glicogénicos porque o acetil-coa não pode contribuir para a síntese de compostos que sejam substratos da gliconeogénese. Pelo contrário, os ácidos gordos de cadeia ímpar podem dar origem (para além de acetil-coa) a propionil-coa (o grupo propionilo contém 3 carbonos). O propionil- CoA pode por ação de uma sintétase (carboxílase do propionil-coa; ver Equação 27) e de duas isomérases (ver Equação 28 e Equação 29) gerar succinil-coa que é um intermediário do ciclo de Krebs. Para além do glicerol, do lactato, do piruvato, da alanina, do glutamato e de muitos outros aminoácidos também os ácidos gordos de cadeia ímpar são glicogénicos. No entanto, os ácidos gordos de cadeia ímpar, devido ao facto de existirem em baixíssimas quantidades, não têm, geralmente, relevância quantitativa. Equação 25 piruvato + NAD + + CoA acetil-coa + NADH + CO 2 Equação 26 acetil-coa + oxalacetato CoA + citrato Equação 27 Equação 28 Equação 29 propionil-coa + CO 2 + ATP + H 2 O D-metil-malonil-CoA + ADP + Pi D-metil-malonil-CoA L-metil-malonil-CoA L-metil-malonil-CoA succinil-coa 13- Sendo parte importante nos processos homeostáticos, as enzimas que catalisam as reações fisiologicamente irreversíveis na glicólise e na gliconeogénese são, no fígado, reguladas de tal forma que, quando a glicemia está elevada as primeiras estão ativadas, as segundas inibidas e, no balanço entre os dois processos, as glicolíticas predominam. Isto acontece num espaço de tempo curto que decorre durante e logo após a absorção intestinal de uma refeição que contenha hidratos de carbono [3, 4]. O contrário acontece quando a glicemia tem valores basais ou está diminuída. Isto não significa que a atividade das enzimas próprias da glicólise se anule quando a gliconeogénese está ativada ou que a atividade das enzimas próprias da gliconeogénese se anule quando a glicólise está ativada. Na verdade, a cínase da glicose e a glicose-6-fosfátase funcionam simultaneamente sendo o somatório das reações catalisadas por estas enzimas a hidrólise de ATP (ver Equação 1 e Equação 2). O mesmo se pode dizer do par cínase frutose-6-fosfato/fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato (ver Equação 3 e Equação 7) e uma situação semelhante acontece no caso da cínase do piruvato/carboxílase do piruvato e da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equações 4, 5 e 6). Quando existe ação simultânea de enzimas com papéis metabólicos opostos, se admitirmos que as velocidades dos dois processos são iguais o único resultado é a hidrólise de ligações ricas em energia do ATP ou do GTP. Estes ciclos chamam-se ciclos de substrato (ou fúteis ), mas só pontualmente as duas velocidades são iguais. Nas condições metabólicas em que as enzimas próprias da glicólise estão mais ativas, as enzimas próprias da gliconeogénese estão inibidas e o fluxo soma, em todos os ciclos de substrato acima referidos, tem o sentido da oxidação de glicose (catabólico). Na condição inversa, ou seja, quando a glicemia não está elevada, o fluxo soma tem o sentido da formação da glicose (anabólico) A regulação da atividade das enzimas marca-passo da glicólise e da gliconeogénese pode envolver a (i) indução ou a repressão dos genes codificadores dessas enzimas, (ii) variação na concentração intracelular de reguladores alostéricos ou (iii) de substratos assim como (iv) ativação ou inibição por fosforilação reversível. Os mecanismos que condicionam a regulação da atividade das enzimas que catalisam os passos irreversíveis da glicólise e da gliconeogénese hepáticas e renais são complexos 5 De facto, crê-se que, do ponto de vista funcional, existem no fígado dois tipos de hepatócitos: os hepatócitos periportais (os que ficam mais perto do sangue que chega da veia porta e das artérias hepáticas) e os hepatócitos peri-venosos (os que ficam mais perto do sangue que está a sair para as veias supra-hepáticas) e que estes dois tipos de hepatócitos podem ter diferentes papéis no metabolismo da glicose. Nos primeiros predominaria a gliconeogénese enquanto nos segundos predominaria a glicólise. No entanto, as diferenças atenuar-se-iam durante o jejum onde o metabolismo seria gliconeogénico em ambos os tipos de hepatócitos [Jungerman et al. (1982) Eur. J. Biochem. 123, ]. No caso do fígado, a maior parte do tempo, o somatório dos dois processos resulta na produção de glicose. A oxidação de glicose não é, no fígado, uma via metabólica relevante; os principais combustíveis do fígado são os ácidos gordos e, dependendo da dieta, os aminoácidos. Página 6 de 10
7 envolvendo também a ação de hormonas que se libertam noutros órgãos. Assim, são parte importante nestes processos homeostáticos a insulina (que aumenta no sangue em resposta a aumentos na glicemia e tem ação hipoglicemiante) e a glicagina (que aumenta no caso inverso e tem ação hiperglicemiante). Estas hormonas pancreáticas exercem os seus efeitos regulando a atividade de enzimas e de transportadores. No caso da glicagina, porque o único órgão que tem recetores que respondem a concentrações fisiológicas de glicagina é o fígado, o efeito só se dá no fígado. 15- A hipoglicemia estimula as células α dos ilhéus pancreáticos a produzir glicagina. A glicagina liga-se ao seu recetor, presente na face externa da membrana dos hepatócitos, estimulando a cíclase do adenilato (ver Equação 30) e a consequente acumulação de AMP cíclico (AMPc) que é ativador alostérico da cínase de proteínas dependente do AMPc (PKA; da expressão inglesa protein kinase A ). A PKA é uma cínase que tem como substrato aceitador de fosfato muitas proteínas (várias enzimas e uma proteína reguladora da expressão genética; ver Equação 31). A glicagina induz os processos que levam à formação de glicose estimulando a síntese de AMPc que leva à ativação da PKA que catalisa a fosforilação de proteínas. Quando as proteínas fosforiladas pela PKA são enzimas cuja atividade promove a formação de glicose a forma fosforilada é a forma ativa; pelo contrário, quando são enzimas cuja atividade promove o consumo de glicose a sua fosforilação pela PKA induz a sua inativação. Equação 30 Equação 31 ATP AMPc + PPi ATP + proteína ADP + proteína-fosforilada 16- Dois dos substratos da PKA são a cínase do piruvato hepática e uma enzima bifuncional envolvida na regulação do par fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato/cínase 1 da frutose-6-fosfato. (i) Em concordância com o papel da cínase do piruvato hepática (ver Equação 4) na glicólise, a forma fosforilada desta enzima é menos ativa; ou seja, a glicagina, via PKA, inibe a cínase do piruvato hepática e, consequentemente, a glicólise 6. (ii) Também em concordância com o papel da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato na gliconeogénese e da cínase 1 da frutose-6-fosfato na glicólise, a fosforilação da enzima bifuncional induzida pela glicagina, via PKA, vai implicar a ativação da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato (ativação da gliconeogénese) e a inibição da cínase 1 da frutose-6-fosfato (inibição da glicólise). A enzima bifuncional regula a concentração intracelular de um composto (frutose-2,6-bisfosfato) que, não sendo intermediário da glicólise nem da gliconeogénese tem, no fígado, um papel fulcral na regulação destas vias metabólicas: a frutose-2,6-bisfosfato é, simultaneamente, ativador alostérico da cínase 1 da frutose-6-fosfato e inibidor alostérico da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato. A enzima bifuncional tem duas atividades com papéis biológicos antagónicos: cínase 2 da frutose-6-fosfato (ver Equação 32) que leva à formação de frutose- 2,6-bisfosfato e fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato (ver Equação 33) que leva à sua hidrólise. Via frutose-2,6-bisfosfato, a ativação da cínase 2 da frutose-6-fosfato implica ativação da cínase 1 da frutose- 6-fosfato; pelo contrário, a ativação da fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato implica a ativação da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato. Em concordância com isto a fosforilação pela PKA da enzima bifuncional tem como consequência a diminuição da concentração intracelular da frutose-2,6-bisfosfato porque, na sua forma fosforilada, a enzima bifuncional tem predominantemente uma atividade hidrolítica: ou seja, na forma fosforilada diminui a atividade de cínase 2 da frutose-6-fosfato e fica estimulada a atividade de fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato. Embora se desconheça a fosfátase que é ativada, a insulina provoca a desfosforilação da enzima bifuncional provocando aumento da concentração de frutose-2,6-bisfosfato com ativação da glicólise e inibição da gliconeogénese [5-7]. Equação 32 Equação 33 ATP + frutose-6-fosfato ADP + frutose-2,6-bisfosfato frutose-2,6-bisfosfato + H 2 O frutose-6-fosfato + Pi 17- Resumindo o ponto anterior no que se refere à regulação da cínase 1 da frutose-6-fosfato (glicólise) e da fosfátase da frutose-1,6-bisfosfátase (gliconeogénese): 6 A cínase de piruvato muscular é uma isoenzima distinta que não é regulada por fosforilação/desfosforilação. Página 7 de 10
8 a) glicemia glicagina [AMPc] PKA enzima bifuncional fosforilada frutose-2,6- bisfosfátase [frutose-2,6-bisfosfato] frutose-1,6-bisfosfátase gliconeogénese A ativação de uma cínase (PKA) pela glicagina vai ativar duas fosfátases (frutose-2,6 e frutose-1,6- bisfosfátase). A correção homeostática da hipoglicemia envolve a ativação da gliconeogénese e inibição da glicólise hepática. b) glicemia insulina fosfátase da enzima bifuncional enzima bifuncional desfosforilada cínase 2 da frutose-6-fosfato [frutose-2,6-bisfosfato] cínase 1 da frutose-6-fosfato glicólise A ativação de uma fosfátase (a fosfátase que desfosforila a enzima bifuncional) pela insulina vai ativar duas cínases (as cínases 2 e 1 da frutose-6-fosfato). A correção homeostática da hiperglicemia envolve a ativação da glicólise hepática e inibição da gliconeogénese. 18- A hidrólise dos triacilgliceróis endógenos está aumentada no jejum e gera glicerol e ácidos gordos. O glicerol é, como primeiro passo da sua transformação em glicose, fosforilado no fígado (ver Equação 23). Os ácidos gordos de cadeia par (praticamente a totalidade dos ácidos gordos existentes nos seres humanos são de cadeia par) não são substratos da gliconeogénese, mas tem um importante papel no processo. A sua oxidação leva à formação de acetil-coa e ATP que têm papéis na gliconeogénese. (i) A acetil-coa, cuja concentração aumenta no fígado em situações de jejum [8], é, simultaneamente, um ativador alostérico da carboxílase do piruvato (gliconeogénese; ver Equação 5) e, via ativação da cínase da desidrogénase do piruvato, um inibidor da oxidação do piruvato e, consequentemente, da oxidação da glicose. Embora a fosforilação da desidrogénase do piruvato (ver Equação 34) não dependa da PKA, também aqui a diminuição da glicemia tem como consequência a fosforilação de uma enzima envolvida no processo de consumo de glicose. Quando, durante o jejum, a concentração de acetil- CoA sobe no fígado, a inativação da desidrogénase do piruvato (ver Equação 25) deixa piruvato disponível para ser usado na ação da carboxílase de piruvato (ver Equação 5). Quando a oxidação de ácidos gordos (oxidação em β) aumenta no fígado a concentração de acetil-coa aumenta nas mitocôndrias dos hepatócitos; a acetil-coa vai, simultaneamente, provocar a inibição da desidrogénase do piruvato e ativar a carboxílase do piruvato e estes processos reguladores contribuem para a formação líquida de glicose via gliconeogénese. (ii) O ATP gerado no catabolismo dos ácidos gordos fornece a energia necessária para a gliconeogénese (e para as outras atividades do hepatócito). Como referido acima (ver Equação 18), a gliconeogénese é um processo anabólico consumidor de ATP. A oxidação dos ácidos gordos leva à formação de NADH e, por isso, também pode fornecer equivalentes redutores para a para a ação catalítica da desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 11). Equação 34 ATP + desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) ADP + desidrogénase do piruvato-fosforilada (inativa) 19- Para além dos mecanismos alostéricos e de fosforilação reversível já apontados, também têm importância na regulação da glicólise e na gliconeogénese, a regulação da síntese das enzimas próprias da glicólise e gliconeogénese ao nível da transcrição. No fígado, a insulina estimula a síntese da hexocínase IV (também designada de cínase da glicose) e reprime a síntese da cínase da desidrogénase do piruvato, cujo papel é o de catalisar a fosforilação (e consequente inibição) da desidrogénase do piruvato. Além disso a insulina estimula a ação da fosfátase da desidrogénase do piruvato. Através destas ações a insulina promove a oxidação da glicose, quer porque aumenta a concentração intracelular da hexocínase IV, quer porque aumenta a percentagem de desidrogénase do piruvato que está na forma desfosforilada (a ativa). A insulina também inibe a síntese de enzimas próprias da gliconeogénese como a carboxicínase do fosfoenolpiruvato e a glicose-6-fosfátase. A insulina promove a fosforilação de fatores de transcrição denominados FOXO (da expressão inglesa forkhead box others ) que, na forma desfosforilada, estimulam a transcrição dos genes destas duas enzimas; a fosforilação dos fatores FOXO impede a sua presença no núcleo e faz com que deixe de haver este efeito estimulador. A própria glicose (ou mais precisamente um seu metabolito, a xilulose-5-fosfato), independentemente da ação da insulina, tem ação ativadora na síntese da cínase do piruvato: quando a glicose entra para os hepatócitos, um fator de transcrição denominado ChREBP (da expressão inglesa Carbohydrate Responsive Element-Binding Página 8 de 10
9 Protein ; proteína de ligação ao elemento de resposta aos carbohidratos) fica ativado e estimula, entre outros, a transcrição do gene que codifica a cínase do piruvato. 20- A glicagina e os glicocorticoides têm efeitos opostos aos da insulina e da glicose estimulando a transcrição de genes envolvidos na gliconeogénese. Está melhor estudada a ação da glicagina como estimuladora da síntese da carboxicínase do fosfoenolpiruvato e de glicose-6-fosfátase. Estes efeitos também são mediados pelo AMPc e pela PKA. A PKA, estimulada pelo AMPc, fosforila uma proteína nuclear denominada CREB (camp response element binding protein; proteína ligante do elemento de resposta ao camp) que é um fator de transcrição; o CREB fosforilado liga-se a um elemento do DNA que estimula a transcrição dos genes da carboxicínase do fosfoenolpiruvato e da glicose-6-fosfátase. Esse elemento denomina-se CRE (camp response element) e a ligação CREB-CRE induz a transcrição destes genes. Como já referido, via fosforilação de fatores de transcrição FOXO, a insulina inibe a transcrição dos mesmos genes. No entanto, um outro mecanismo da ação da insulina que tem o mesmo efeito final é a estimulação da fosfodiestérase, uma enzima que catalisa a hidrólise do AMP cíclico (ver Equação 35) [9]. Assim, a insulina contraria o efeito da glicagina provocando diminuição da concentração de carboxicínase do fosfoenolpiruvato e da glicose-6-fosfátase o que diminui a velocidade da gliconeogénese e a produção de glicose pelo fígado. Equação 35 AMPc + H 2 O AMP 21- Por si só, o valor da glicemia tem importância na regulação da velocidade de entrada de glicose para o fígado e este efeito envolve o GLUT2 e a cínase da glicose/hexocínase IV (ver Equação 2). Quer no GLUT2, quer nesta enzima hepática, o Km da glicose é próximo ou superior às concentrações de glicose no sangue da veia porta e, por isso, as suas atividades são sensíveis às variações fisiológicas da glicemia 7. Além disto, quando a concentração de glicose é baixa no hepatócito a cínase da glicose está ligada a uma proteína inibidora; quando a concentração de glicose aumenta quebra-se a ligação entre a cínase da glicose e a proteína inibidora e a cínase fica ativa. 22- O conhecimento da regulação da glicólise versus gliconeogénese pode ser resumido atentando na regulação recíproca das enzimas envolvidas em cada um dos 3 ciclos de substrato pertinentes. (i) No ciclo glicose/glicose-6-fosfato, a glicocínase (hexocínase IV) é diretamente ativada pela glicose que entra para o fígado e a sua síntese é estimulada pela insulina; por sua vez, a síntese da glicose-6- fosfátase é reprimida pela insulina e estimulada pela glicagina. (ii) No ciclo frutose-6-fosfato/frutose-1,6-bisfosfato é relevante o efeito alostérico da frutose-2,6- bisfosfato: a cínase-1 da frutose-6-fosfato é ativada enquanto a frutose-1,6-bisfosfátase é inibida. Por sua vez a concentração intracelular da frutose-2,6-bisfosfato depende da regulação recíproca das duas atividades da enzima bifuncional onde é relevante o seu estado de fosforilação, por sua vez dependente da razão entre as concentrações plasmáticas de insulina (que ativa uma fosfátase da enzima bifuncional fazendo com que esta funcione como cínase-2 da frutose-6-fosfato) e glicagina (que ativa a PKA que fosforila a enzima bifuncional fazendo com que esta funcione como fosfátase da frutose-2,6- bisfosfato). (iii) No ciclo fosfoenolpiruvato/piruvato/oxalacetato têm especial relevância a inibição da cínase do piruvato via fosforilação (dependente da PKA) induzida pela glicagina, a estimulação da sua síntese pela glicose (via ChREBP) e a síntese da carboxicínase do fosfoenolpiruvato estimulada pela glicagina e reprimida pela insulina. Por sua vez a carboxílase do piruvato é estimulada pela acetil-coa que aumenta nas mitocôndrias quando, como acontece no jejum, aumenta a oxidação dos ácidos gordos. Neste resumo também é relevante referir que a inibição da desidrogénase do piruvato ocorre quando a gliconeogénese está ativada (deixando piruvato disponível para o processo) e que, pelo contrário, a ativação da desidrogénase do piruvato promove a oxidação da glicose. 23- Um outro fator, menos bem compreendido, que pode contribuir para a ativação da gliconeogénese é o aumento da concentração plasmática de substratos da gliconeogénese. Uma situação vulgar em que os 7 É cerca de 20 mm no caso do GLUT 2 e cerca de 8-10 mm no caso da hexocínase IV. Ambos os valores são maiores ou da mesma ordem de grandeza dos valores da glicemia normal no sangue periférico (4 a 9 mm) e na veia porta (4 a 12 mm; jejum e após as refeições, respetivamente). Página 9 de 10
10 mecanismos hormonais prejudicam a gliconeogénese, mas há aumento da concentração plasmática de, pelo menos, um substrato da gliconeogénese é o período que se segue às refeições. A ativação da glicólise hepática pela insulina leva ao aumento da formação e da oxidação do piruvato, mas uma parte do piruvato formado não se oxida a acetil-coa, sendo reduzido a lactato. Por isso e porque, além do fígado, outros órgãos aumentam a sua produção de lactato a seguir às refeições, a concentração de lactato aumenta no plasma no período pós-prandial. No fígado os hepatócitos que se situam nas zonas mais proximais dos capilares (chamados de periportais) são mais ricos em enzimas próprias da gliconeogénese. Pelo contrário, os hepatócitos que se situam em zonas mais distais (chamados de perivenosos) são mais ricos em enzimas próprias da glicólise. No período pós-prandial há, nos hepatócitos perivenosos, uma produção líquida de lactato e, nos hepatócitos periportais, uma captação líquida de lactato. O lactato captado converte-se em glicose-6-fosfato via gliconeogénese. No entanto, no período pós-prandial as atividades relativas da hexocínase IV (ver Equação 2) e da glicose-6-fosfátase (ver Equação 1) não favorecem a formação líquida de glicose. Nesta condição metabólica a síntese de glicogénio está estimulada e a glicose-6-fosfato formada na gliconeogénese vai, maioritariamente, converter-se em glicogénio [2, 10]. A esta via de formação de glicogénio (que, na realidade, pode envolver outros substratos da gliconeogénese para além do lactato e lactato formado noutros órgãos para além do fígado) chama-se, por oposição à via clássica que usa diretamente a glicose para a síntese de glicogénio, glicogénese indireta. 24- No período pós-prandial, o fígado participa (juntamente com outros órgãos) no amortecimento da subida da glicemia. Neste período o somatório das velocidades das vias que, no fígado, consomem glicose (maioritariamente glicólise e glicogénese) é maior que o somatório das velocidades das vias que produzem glicose (gliconeogénese e glicogenólise). Na maior parte do tempo acontece o contrário e o fígado é um produtor líquido de glicose contribuindo (juntamente com o rim) para que a glicemia se mantenha dentro da normalidade no intervalo entre refeições. Foi amplamente enfatizado neste texto que a insulina e a glicagina são importantes fatores reguladores da atividade das enzimas hepáticas da glicólise e da gliconeogénese. Também é de realçar que a glicogénese e a glicogenólise também são reguladas pelas mesmas hormonas e que, por isso, quer a insulina quer a glicagina têm importantes papéis na regulação da glicemia. No entanto, embora se desconheçam os mecanismos, o fígado é capaz de, autonomamente, responder de forma homeostática a variações na glicemia. Em trabalhos experimentais em que se bloqueou a variação fisiológica das secreções pancreáticas de insulina e de glicagina pode observar-se que o fígado é capaz de responder a situações de hipoglicemia aumentando a produção de glicose e de responder a situações de hiperglicemia aumentando a captação de glicose [11]. 1. Roden, M. (2001) Non-invasive studies of glycogen metabolism in human skeletal muscle using nuclear magnetic resonance spectroscopy, Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 4, Frayn, K. N. (2012) Regulação Metabólica. Uma perspetiva focada no organismo humano., U.P. Editorial, Porto. 3. Ramnanan, C. J., Edgerton, D. S., Rivera, N., Irimia-Dominguez, J., Farmer, B., Neal, D. W., Lautz, M., Donahue, E. P., Meyer, C. M., Roach, P. J. & Cherrington, A. D. (2010) Molecular characterization of insulin-mediated suppression of hepatic glucose production in vivo, Diabetes. 59, Nuttall, F. Q., Ngo, A. & Gannon, M. C. 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