A Repercussão Geral das Questões Constitucionais nos Recursos Extraordinários (EC nº 45/2004 e Lei nº , de )

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1 A Repercussão Geral das Questões Constitucionais nos Recursos Extraordinários (EC nº 45/2004 e Lei nº , de ) Por Fábio Martins de Andrade Introdução Com a primeira parte da Reforma Constitucional do Poder Judiciário, veiculada pela Emenda Constitucional nº 45, publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 2004, iniciou-se uma série de iniciativas legislativas com vistas a prestigiar principalmente a celeridade processual e minimizar a propalada morosidade da justiça. 1 O art. 1º desta emenda acrescentou o 3º ao art. 102 da Constituição da República. Estabeleceu como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário a necessidade de demonstração pelo recorrente da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei. 2 Recentemente, a Lei nº , publicada no Diário Oficial da União em , trouxe as modificações ao Código de Processo Civil para regulamentar o 3º do art. 102 da Constituição da República. 1 Com efeito, neste último decênio, a enorme frustração com a chamada morosidade do Poder Judiciário foi refletida em vários campos profissionais: (a) os noticiários jornalísticos da grande mídia insistiam em preencher suas matérias destacando casos emblemáticos de demora ou aparente ineficiência da prestação jurisdicional aos olhos dos leigos; (b) especialistas da área jurídica criticavam o excesso de formalismo e de recursos previstos no sistema processual; (c) especialistas no campo econômico destacavam as cifras envolvidas no custo para o país de tanta lentidão; (d) em decorrência da atualidade recorrente do tema e da insatisfação generalizada, os políticos usaram em diversas ocasiões como plataforma de campanha a urgente necessidade de implementação da chamada Reforma do Judiciário. Como resultado disso, os três Poderes do Estado se reuniram solenemente e subscreveram de comum acordo o Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano (Exposição de Motivos/MJ nº 204, publicada à página 8 do Diário Oficial da União de , Seção 1). 2 Eis a dicção do dispositivo constitucional: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

2 A regulamentação Inicialmente, destaque-se que a regulamentação da repercussão geral das questões constitucionais será finalizada quando da modificação do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, cuja referência foi especialmente prestigiada na dicção desta lei. 3 Quando da publicação do acórdão de segunda instância, à parte perdedora que interpuser o recurso extraordinário incumbirá demonstrar preliminarmente de maneira cabal a existência de repercussão geral da(s) questão(ões) constitucional(is) nele versada, sob pena de seu não conhecimento ou inadmissão pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível (art. 543-A, caput, do CPC). Para a demonstração de tal transcendência, a parte recorrente demonstrará: (a) a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social e/ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa (art. 543-A, 1º); 4 e/ou (b) que impugna decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, 3º). 5 Ainda no âmbito do tribunal de origem (segunda instância), caber-lhe-á selecionar um ou mais recursos representativos de idêntica controvérsia e encaminhá-los ao Supremo 3 Por exemplo, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal é mencionado para completar dita regulamentação, seja através de dispositivos já existentes, seja por meio de dispositivos que precisarão ser criados e a ele acrescentados, como se lê nos seguintes dispositivos legais: art. 543-A, 5º e 6º; art. 543-B, caput e 5º, todos do Código de Processo Civil, bem como o art. 3º da lei em questão: Caberá ao Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento Interno, estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei. O 5º do art. 543-B também atribui ampla competência a ser regulamentada regimentalmente: O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral. 4 É recomendável que se divida o rol de relevância de cada ponto de vista apontado nas razões recursais de maneira explícita: econômico, político, social e/ou jurídico. 5 Atualmente, muitas causas chegam ao Supremo Tribunal Federal por mero dever de ofício da parte sucumbente. Por exemplo, mesmo em questões pacificadas na jurisprudência da Suprema Corte, ainda assim os representantes da Fazenda Nacional recorrem de decisões que não se modificarão exatamente pela aplicação de precedente em situação idêntica ou semelhante. Neste sentido, necessária e complementar medida que já foi devidamente adotada na esfera legislativa é a regulamentação da Súmula Vinculante. Juntos, estes dois mecanismos de controle e aplicação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal poderão desafogar consideravelmente, em um médio/longo prazo, o enorme volume de trabalho no elevado mister de bem guardar a Constituição da República. 2

3 Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte Suprema, nos termos do art. 543-B, 1º, do CPC. Ressalte-se que a apreciação acerca da existência ou não da repercussão geral é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (art. 102, 3º, da Lei Maior c/c o art. 543-A, 2º c/c o art. 543-B, caput, ambos do Código de Processo Civil). Já no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Relator designado poderá admitir, na análise da repercussão geral da questão constitucional, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do RISTF (art. 543-A, 6º). A apreciação, pelo STF, da existência ou não da repercussão geral e conseqüente conhecimento/admissão ou não do recurso extraordinário divide-se em dois distintos procedimentos, a saber: um regula a hipótese de sua existência e outro regulamenta a situação de sua inexistência. Na hipótese de inexistência da repercussão geral, esta decisão somente será possível com a manifestação neste mesmo sentido de pelo menos dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, isto é, oito Ministros. 6 Será necessariamente uma decisão tomada no Pleno. 7 Neste caso, importa salientar que: (...) será necessário número maior de votos de ministros do Supremo para a recusa de um recurso extraordinário do que para julgá-lo no mérito, o que pode comprometer a operacionalidade do instituto. 8 6 De fato, embora a lei em questão não estabeleça este quorum qualificado, o dispositivo constitucional introduzido pela EC nº 45/2004 foi claro neste sentido. Qualquer disposição legal subseqüente ou regimental contrária será de constitucionalidade duvidosa, por afronta direta, frontal e manifesta à Lei Maior. 7 No mesmo sentido: Ou seja, a manifestação negando a existência de repercussão geral precisará provir do Plenário do STF, que reúne todos os seus membros. O relator isoladamente ou mesmo a Turma não poderão negar conhecimento ao recurso por esse fundamento. Quando lhes parecer faltar a relevância geral, terão de remeter a questão ao Plenário (WAMBIER, Luiz Rodrigues [et.al.]. Breves comentários à nova sistemática processual civil: emenda constitucional n. 45/2004 (reforma do judiciário); Lei /2002; Lei /2001 e lei / ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 97). 8 MORO, Sergio Fernando. Jurisdição Constitucional como Democracia. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p O autor se refere à PEC 29, da qual se originou a EC 45/2004, mas a sua observação se aplica integralmente ao dispositivo em questão, vez que o poder de recusar o recurso extraordinário por mais de dois terços de seus membros foi mantido na redação final aprovada. 3

4 Tomada a decisão neste sentido, a Súmula da decisão constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão (art. 543-A, 7º). Neste caso, os recursos sobrestados nos tribunais de origem (segunda instância) considerar-se-ão automaticamente inadmitidos ali mesmo (art. 543-B, 2º) ou serão indeferidos liminarmente todos os recursos sobre matéria idêntica, salvo revisão da tese, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, 5º). Na hipótese de ser reconhecida a existência da repercussão geral no recurso extraordinário interposto, bastará que a Turma assim decida por quatro votos convergentes e ficará dispensada a sua remessa ao Plenário (art. 543-A, 4º). A conseqüência da decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da repercussão geral de determinada questão constitucional será que: (a) se os autos ainda estiverem no tribunal de origem (segunda instância) e algum recurso extraordinário em caso idêntico foi julgado pelo STF no mérito, então os recursos sobrestados serão apreciados pelos tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se (art. 543-B, 3º), consoante a orientação firmada; ou (b) se os autos já estiverem no STF e for mantida a decisão e admitido o recurso, então poderá cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada (art. 543-B, 4º). Insta salientar, por fim, que o diploma legal em questão não sofreu modificações significativas no processo legislativo do Congresso Nacional 9 e tampouco foi objeto de veto presidencial. O art. 5º desta lei estabelece que ela somente entrará em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação, para então, aplicar-se aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência (cf. art. 4º). Em outras palavras: a aplicação desta lei destina-se aos recursos 9 Tratou-se do Projeto de Lei nº 12/2006 do Senado Federal e que, na Câmara dos Deputados, tomou o nº 6.648/

5 interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência (art. 4º), isto é, sessenta dias após a data de sua publicação (art. 5º). Todavia, em respeito à boa técnica impõe-se desde já contemplá-la como se vigente fosse ou, ao menos, em obediência ao novel dispositivo constitucional, trazido ao ordenamento jurídico por meio da EC nº 45/2004. Conclusão Pela dicção desta lei, verifica-se que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal assume um especial relevo na adequada regulamentação da apreciação da repercussão geral das questões constitucionais de um recurso extraordinário. Isto ocorre fundamentalmente porque o 5º do art. 543-B atribuiu ampla competência a ser regulamentada regimentalmente (tais como dispor sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos), bem como o art. 3º da lei submeteu ao STF estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei. Neste momento, é necessário acompanhar de perto a regulamentação da lei que se dará no âmbito regimental do Supremo Tribunal Federal, o que provavelmente ocorrerá no seu reinício do ano forense ou, no máximo, até o fim do primeiro semestre. Parece haver um desejo generalizado por parte de todos, de que nossa Suprema Corte se ocupe primordialmente de julgamentos mais importantes para a condução do destino do país, especialmente na fase atual de turbulências e indefinições na vida política, econômica, social e jurídica Para aprofundamento deste tema e outros, inclusive com quadros esquemáticos, ver: ANDRADE, Fábio Martins de. Reforma do Poder Judiciário: Aspectos gerais, o sistema de controle de constitucionalidade das leis e a regulamentação da súmula vinculante. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 43, nº 171, jul/set 2006, pp