O Efeito Metrópole na Cultura Política: reflexões a partir de Louis Wirth
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- Cláudio Belém Castel-Branco
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1 O Efeito Metrópole na Cultura Política: reflexões a partir de Louis Wirth Luciana Teixeira de Andrade 1 Louis Wirth ( ) nasceu na Alemanha, mas fez seus estudos nos Estados Unidos, na Universidade de Chicago. Formado pela primeira geração dessa escola, tornar-se-ia mais tarde um de seus mais importantes professores. Suas principais obras são O gueto, publicado em 1928, e o texto aqui apresentado, O urbanismo como modo de vida. Publicado originalmente no American Journal of Sociology, teve tradução para o português no livro O fenômeno urbano, organizado por Otávio Guilherme Velho (1987) e publicado pela Editora Guanabara. Trata-se de uma importante coletânea, que traz ainda textos de Georg Simmel, Robert Park, Max Weber e P. H. Chombart de Lauvwe, mas que se encontra esgotada. Em O urbanismo como modo de vida, a influência do sociólogo alemão Georg Simmel é facilmente perceptível. O texto de Wirth remete a várias questões discutidas por Simmel em A metrópole e a vida mental (1987), mas há contribuições novas e importantes. A primeira delas referese ao tratamento do urbano e do rural não mais como opostos ou como dois espaços e modos de vida separados e sem contato. Ao contrário, Wirth destaca a interpenetração desses mundos. A vida urbana é influenciada pela vida rural, até porque muitos de seus habitantes têm origem rural, e o urbanismo rompe as fronteiras da cidade, levando sua influência para além de seus limites físicos. Wirth, como Simmel e Weber, tratou esses mundos como tipos ideais e procurou uma definição de cidade que captasse tanto a sua dimensão 1 - Doutora em sociologia e professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e dos cursos de Ciências Sociais e Jornalismo da PUC Minas. Coordenadora Regional do Instituto do Milênio.
2 física quanto a social. A cidade como uma realidade sui generis, uma determinada forma de associação humana e um ambiente que produz uma forma também específica de vida, um modo distinto de vida dos agrupamentos humanos (1987, p. 92). Enfim, a metrópole e a vida mental, nos termos de Simmel, ou a cidade e o urbanismo, para Wirth. As fronteiras frágeis entre cidade e campo foram destacadas em vários momentos do texto: Nas periferias de grandes centros metropolitanos que cruzam limites administrativos arbitrários da cidade, do município, do estado e da nação. (p. 93). Os desenvolvimentos tecnológicos no transporte e na comunicação (...) acentuaram o papel das cidades como elementos dominantes na nossa civilização e estenderam enormemente o modo de vida para além dos limites da própria cidade. (p. 93). O urbanismo não está confinado a tais localidades, mas manifesta-se em graus variáveis onde quer que cheguem as influências das cidades. (p. 96) Para Wirth, urbanismo não deve ser confundido com urbanização ou com a entidade física da cidade, e, portanto, rigidamente limitado no espaço, mas como um modo de vida que se estende para além da cidade. No entanto, é nas grandes cidades, especialmente nas metropolitanas, que ele se expressa de forma mais pronunciada. Trata-se, portanto, de uma questão de grau e de intensidade. Pois se a cidade é, como ele diz, uma concentração de atividades e instituições, tais como atividades industriais, comerciais, financeiras, administrativas, de transporte e comunicação, de equipamentos culturais e recreativos, de instituições culturais, de saúde, educacionais, religiosas, de pesquisa e de organizações profissionais, quanto maior a cidade, maior a presença dessas atividades e instituições, ou seja, maior a presença do urbanismo como um modo de vida. O urbanismo se estende para além dos limites da cidade, mas se manifesta de forma mais intensa nas grandes cidades: Quanto mais densamente habitada, quanto mais heterogênea for a comunidade, tanto mais acentuada serão as características associadas ao urbanismo (p. 97).
3 No seu desafio de tentar definir a cidade, With procurará contemplar tanto essa diversidade proveniente da reunião de muitas coisas em um só lugar, quanto os diferentes tipos de cidade: industrial (de uma ou de mais indústrias), comercial, de mineração, pesqueira, de estação de águas, universitária, uma capital, cidade suburbana, uma cidade-satélite dentro de uma região metropolitana, cidade velha, nova, em crescimento, estável e em extinção: Uma definição sociológica deve ser suficientemente inclusiva para conter quaisquer características essenciais que estes diferentes tipos de cidades têm em comum (p. 95). Caso contrário, a definição corre o risco de se ater a fenômenos físicos como o número de habitantes, e Wirth insiste que a cidade não é apenas uma entidade física, mas um modo de vida. É no desafio de captar dimensões quantitativas e qualitativas que ele chega à definição de cidade como um núcleo relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos (p. 96). A partir dessa definição ele elabora a sua teoria do urbanismo e explicita um conjunto de proposições sociológicas que advêm dessas características e que só fazem sentido se tomadas conjuntamente: grande número, densidade e heterogeneidade. Essa definição é interessante na medida em que associa intimamente os seus elementos constitutivos. O número de habitantes, se tomado isoladamente, não faz sentido, mas quando associado à densidade, conduz à idéia da heterogeneidade, uma vez que é de se esperar que a amplitude de diferenças cresça proporcionalmente à quantidade (p. 98). A heterogeneidade procede da divisão do trabalho e da conseqüente especialização, mas também do recrutamento de sua população em diferentes cidades ou países: A cidade tem sido, dessa forma, o cadinho das raças, dos povos e das culturas e o mais favorável campo de criação de novos híbridos biológicos e culturais. Reuniu povos dos confins da terra porque eles são diferentes e, por isso, úteis uns aos outros e não porque sejam homogêneos e de mesma mentalidade. (p. 98)
4 Tamanho Se os grandes números levam a uma maior diferenciação individual, Wirth infere que essas variações aparecerão também no espaço da cidade, com os diferentes grupos (econômicos, cor, status, gostos e preferências), ocupando espaços distintos. Essa heterogeneidade é responsável pelo enfraquecimento de antigos laços sociais, como os que existiam no campo e nas pequenas cidades e que eram fundamentados na origem comum e no conhecimento pessoal dos seus habitantes. O habitante da cidade depende de mais pessoas para a satisfação de suas necessidades pessoais, mas depende menos de determinadas pessoas e essa dependência repousa sobre o aspecto também fragmentado da esfera de atividade das outras pessoas. Como Simmel, Wirth mostra que mudanças quantitativas têm conseqüências qualitativas: o grande número interfere no modo de vida ou, se quisermos, na subjetividade metropolitana. Outra conseqüência da segmentação dos papéis sociais e da exposição parcial da personalidade nos diversos contatos cotidianos é que, apesar de face a face, os contatos não são pessoais. Ou seja, apesar da proximidade física, a reserva e a atitude blasé protegem o homem urbano da proximidade mental e da pessoalidade. Na sua maioria, os contatos são impessoais, objetivos e transitórios, com conseqüências tanto positivas quanto negativas. A segmentação dos papéis também dá margem a relações utilitaristas: O papel que cada um desempenha em nossa vida é sobejamente encarado como um meio para alcançar os fins desejados (p. 101). Por outro lado, ela protege o indivíduo dos controles pessoais, conferindo-lhe maior sentimento de emancipação e de liberdade. Há ainda outro aspecto que se aproxima da anomia, tal como a definiu Durkheim, pois, apesar de o indivíduo estar exposto a muitos contatos, estes são breves e passageiros, fazendo-o perder o senso de participação na vida em sociedade.
5 Densidade A densidade o aumento de indivíduos em uma área intensifica a diferenciação e a especialização, que por sua vez tornam a estrutura social mais complexa. Os espaços das cidades também se diferenciam, adquirindo funções especializadas, constituindo um mosaico de mundos sociais. Mais uma vez, Wirth, como Simmel, vê nessas mudanças estruturais conseqüências na personalidade urbana. A proximidade física, aliada ao distanciamento mental, faz do olhar o sentido mais importante da vida urbana. É por meio do reconhecimento visual que nos situamos nos contatos sociais, que por sua vez apresentam uma dimensão reducionista: o uniforme denota uma profissão, a roupa um estilo de vida, o carro um status. A diferenciação e a multiplicidade de modos de vida tendem a produzir uma maior tolerância às diferenças. O diferente, que numa pequena cidade pode ser visto como estranho ou exótico, na grande cidade se mistura a outros diferentes, podendo mesmo passar despercebido. A maior tolerância, ou perspectiva relativista, resulta também de uma significativa diminuição dos controles pessoais, substituídos por controles formais. Na vida urbana o semáforo regula o trânsito de carros e de pedestres e o relógio disciplina os encontros e o funcionamento das instituições. Heterogeneidade A heterogeneidade social e a intensidade dos contatos alteram o conteúdo associado às posições sociais, muito mais rígidas e consolidadas nas pequenas sociedades. A maior mobilidade social e o contato contínuo com diferentes grupos sociais sujeitam o indivíduo a um status flutuante no seio dos grupos sociais diferenciados (p. 104). Um status adquirido em um grupo não se reproduz em outro, já a circulação entre diferentes grupos
6 sociais favorece o cosmopolitismo, uma vez que nenhum grupo isolado é possuidor da fidelidade exclusiva do indivíduo (p. 104). Isso mais uma vez conduz às idéias de maior autonomia e de menor vínculo à vida social, que em grau extremo pode levar à anomia. O cosmopolitismo se expressa nessa capacidade de o homem urbano sentir-se relativamente confortável em diferentes ambientes e de saber transitar por diferentes grupos sem perder sua autonomia, ou seja, sem abdicar de sua personalidade. Daí decorre também a intensa alteração dos grupos nas grandes cidades. Seus membros são fácil e freqüentemente substituídos, seja em razão da maior mobilidade social, seja da maior liberdade individual. As mudanças no espaço urbano são outra característica da vida nas grandes cidades. Muda-se com muito maior freqüência de casa e de emprego, por isso as relações de vizinhança e de amizade são mais instáveis. Devido ao seu tamanho, à sua heterogeneidade e à sua fragmentação ou segregação socioespacial, dificilmente a cidade é percebida por seus habitantes como um todo. Daí a dificuldade em participar e intervir coletivamente nos rumos da cidade: Os indivíduos que integram a sociedade compõem as massas fluidas que tornam tão imprevisível e, portanto, tão problemático o comportamento coletivo na comunidade urbana (p. 105). A outra face dessa intensa diversificação é a tendência niveladora também produzida pelas cidades. Para lidar com grandes números, as instituições sociais precisam tratá-los como categorias e não como indivíduos, devendo atender às necessidades coletivas e não individuais. A divisão do trabalho gera tanto especialização quanto padronização de processos e produtos. Na perspectiva do indivíduo essa força niveladora é sentida como um processo de despersonalização em meio à massa. Do
7 ponto de vista da sua participação na vida coletiva, o indivíduo é levado a subordinar a sua individualidade às exigências da comunidade. A cidade, para Wirth, tal como para Simmel, é palco de forças contraditórias. A liberdade e autonomia são conquistadas em detrimento de vínculos mais fortes com os diversos grupos sociais. A participação na vida coletiva é dificultada por essa fragmentação, pela multiplicidade de papéis sociais assumidos pelos indivíduos. Se em determinados contextos a individualização e a autonomia podem ser experimentadas como potência e força, em outros pode revelar-se como impotência diante de uma totalidade extremamente complexa e da qual pouco se apropria. Daí a necessidade de se associar para fazer valer seus interesses. Mas, como os interesses são diversos, há uma multiplicidade de associações, com objetivos também muito distintos. E não são os interesses econômicos, ou a classe social, a principal referência para essas organizações, o que dá margem à constituição de organizações com padrões muitas vezes contraditórios e incongruentes. Ou seja, na metrópole não ocorre como na pequena cidade ou no mundo rural, onde se percebe facilmente quem se filiará a quem, uma vez que as posições sociais são mais rígidas. Referências VELHO, Otávio G. (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Guanabara, 4 a. ed., SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio G. (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Guanabara, 4 a. ed., WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, Otávio G. (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Guanabara, 4a. ed., 1987.
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