ALIMENTAÇÃO DE Rhamdia quelen EM RIACHOS DA REGIÃO DE CUESTAS BASÁLTICAS, ESTADO DE SÃO PAULO

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1 189 ALIMENTAÇÃO DE Rhamdia quelen EM RIACHOS DA REGIÃO DE CUESTAS BASÁLTICAS, ESTADO DE SÃO PAULO Souza, Jussara E. 1, Fragoso-Moura, Evelise N. 2 e Fenerich-Verani, Nelsy 3 1 Programa de Pós Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235, CEP São Carlos, SP. caju_jussara@yahoo.com.br 2 Depto de Biologia Geral, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, CEP Belo Horizonte, MG. evelisefragoso@yahoo.com.br 3 Depto de Hidrobiologia, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235, CEP São Carlos, SP. dnfv@ufscar.br RESUMO Os riachos são ambientes frágeis e sua ictiofauna encontra-se fortemente ameaçada pelas atividades antrópicas. Este trabalho teve por objetivo caracterizar a dieta de Rhamdia quelen em dois riachos da bacia do rio Corumbataí. As coletas de peixes foram realizadas sazonalmente e peixes foram medidos e pesados e os estômagos extraídos e fixados em formol. Os itens alimentares foram identificados até o nível taxonômico mais baixo possível e a freqüência, volume e Índice Alimentar foram avaliados. Os itens predominantes foram peixes e insetos, indicando o hábito carnívoro da espécie. ABSTRACT Streams are very fragile environments and its ictiofauna is in danger by impacts caused by human activities. The aim of this study was to characterize the Rhamdia quelen in two Corumbataí river basin streams. Fish were collected seasonally and were measured, weighted and the stomachs extracted and fixed in formol. Alimentary items were identified to nearest taxonomic level and frequency, volume and Alimentary Index were evaluated. Predominant items were fish and insects, suggesting the carnivorous habits of the species. INTRODUÇÃO Os peixes de água doce apresentam diversas especializações alimentares, mas a maioria possui certa plasticidade alimentar, favorecendo o uso de itens abundantes em cada estação (1). Esta plasticidade permite que as espécies superem variações ambientais podendo alterar a dieta de acordo com a disponibilidade de itens alimentares (9). O alimento é um fator biológico extremamente importante do ambiente e sua abundância e variedade podem influenciar a estrutura e composição das populações de peixes (1). As escassas informações a respeito da ictiofauna de riachos da bacia do rio Corumbataí, especialmente a

2 190 sub bacia do rio Passa Cinco, que ainda possui riachos bem conservados como o córrego da Lapa e seu principal afluente, o córrego do Cantagalo, constituem-se em estímulo a seu estudo (4, 5). Estudos sobre alimentação são fundamentais para entender as relações tróficas entre espécies e o entendimento da estrutura e dinâmica das comunidades (1). Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi caracterizar a alimentação de Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard, 1824) neste ambiente frágil e pouco estudado a fim de comparar, posteriormente, com a dieta de outras espécies do mesmo local, para fornecer subsídios para propostas de manejo. MATERIAL E MÉTODOS As coletas de materiais biológicos foram realizadas sazonalmente, no meio de cada estação do ano: outono (abril/2002), inverno (julho/2002), primavera (outubro/2002) e verão (fevereiro/2003). Foram escolhidos pontos amostrais ao longo do córrego da Lapa e do córrego Cantagalo, além de dois pontos, a montante e a jusante da foz do córrego da Lapa, no rio Passa Cinco. Os dados bióticos foram obtidos por meio de coletas trimestrais. Os exemplares de peixes foram coletados com diversos petrechos de pesca, como tarrafa, peneira, armadilhas de covo e, onde possível, redes de espera, nos períodos noturno e diurno. Depois de coletados, os peixes foram acondicionados em sacos plásticos e fixados em formol 10% e posteriormente transferidos para álcool 70%. Os exemplares foram subamostrados para dissecção de acordo com as proporções em cada classe de comprimento padrão. Durante a dissecção, foram obtidos também os valores de comprimento total em centímetros e o peso em gramas e os estômagos foram retirados, pesados e classificados quanto ao grau de repleção através da observação do volume ocupado pelo alimento. Após isto, os estômagos foram mantidos em formol a 4% em frascos identificados. O conteúdo estomacal dos espécimes foi analisado sob estereomicroscópio, em uma placa de Petri e os itens separados e identificados até o nível taxonômico mais baixo possível. Foi calculada a freqüência de ocorrência (F), Fi=(n/r).100, em que, n é o número de estômagos contendo o item alimentar i e r é o número total de estômagos com conteúdo (7) e o volume (V) dos itens foi calculado pelo método gravimétrico (7). Estas variáveis foram estimadas para a obtenção do Índice Alimentar (IAi) (8), IAi= (Fi.Vi)/ (Fi.Vi), em que, IAi = índice alimentar de determinado item; Fi = freqüência de ocorrência (%) de cada item e Vi = volume (%) de cada item. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram coletados no período estudado 113 exemplares de Rhamdia quelen com comprimento padrão variando de 1,8 a 22,0 cm que foram agrupados em oito classes de 2,7 cm. O peso corporal variou de 0,08 a 156,78 g. A maioria dos exemplares coletados (58,4%) pertence às duas menores classes de comprimento (1,8-4,5 e 4,5-7,2), resultado esperado uma vez que o pequeno porte é um padrão geral dos peixes de riachos (3). A coleta com maior número de indivíduos foi em outubro de 2002 (47%).

3 191 Foram dissecados 21 exemplares de R. quelen sendo que, dentre estes, havia o mesmo número de machos e fêmeas (38,1%) e 23,8% imaturos. Em todos os estômagos analisados havia algum conteúdo. Quando necessário, os itens alimentares foram agrupados e o resultado obtido foi o seguinte: (1) Peixe (escama, embrião, partes moles, placa óssea, ovo e peixe), (2) Insetos aquáticos imaturos (larva de Ceratopogonidae, de Chironomidae, de Megaloptera, de Simuliidae e de Trichoptera, Ninfa de Ephemeroptera e de Odonata e Pupa de Diptera e de Simuliidae), (3) Insetos aquáticos adultos (Coleoptera), (4) Insetos terrestres adultos (Hymenoptera e Orthoptera), (5) Insetos terrestres imaturos (Larva de Lepidoptera e de Hymenoptera), (6) Insetos não identificados (imaturo e/ou adulto), (7) Isca (milho e quirera), (8) Vegetal (detrito, fragmento, raiz e semente), (9) Hirudinea, (10) Copepoda, (11) Thecamoebina e (12) Nematoda. Os itens mais freqüentes foram os Insetos aquáticos imaturos (95,2%) e Insetos não identificados (66,6%) seguidos dos itens Insetos terrestres adultos, Peixe e Vegetal, todos com 33,3% de freqüência (Figura 1). Figura 1: Freqüência dos grupos de itens alimentares em R. quelen durante o presente estudo, na micro bacia do córrego da Lapa. Em termos de Índice Alimentar (IA) os itens que se destacaram foram Peixe e Insetos Aquáticos Imaturos (Tabela I) evidenciando a tendência à carnivoria. A espécie mostrou-se bastante oportunista uma vez que, apesar de Peixe ser o item com maior IA, esse item foi consumido principalmente por exemplares capturados em armadilhas de covo, provavelmente tendo sido atraídos pela grande quantidade de pequenos caracídeos também capturados pelo covo. Além disso, o item Peixe inclui escamas e placas ósseas. Considerando o pequeno tamanho dos peixes em cujos estômagos foram encontrados esses itens e o grande tamanho dos mesmos é provável que estes foram tomados no fundo, não havendo a ingestão direta dos peixes. Os insetos foram mais freqüentes, porém tiveram menor expressão no IA devido ao pequeno tamanho e volume. CASTRO (3) aponta os insetos aquáticos e terrestres como predominantes na alimentação de peixes de riachos além da utilização permanente ou esporádica de muitos micro-ambientes como locais de abrigo e alimentação. O item Isca foi considerado por apresentar IA expressivo, mas não se caracteriza como item da dieta desta espécie uma vez que só apareceu nos exemplares capturados em covo. Em estudos de alimentação, em geral, os exemplares capturados em

4 192 armadilhas usando iscas devem ser considerados com cautela. No presente estudo esses exemplares foram analisados por apresentarem maior comprimento padrão, visando contemplar todas as classes de comprimento e ter um melhor conhecimento da dieta da espécie na microbacia, visto o pequeno número de exemplares. Outro fator que motivou a análise destes exemplares foi a presença, nestes mesmos estômagos, de elementos da dieta natural, como os peixes. Nematoda também deve ser considerado com cautela pelo fato de poder ser parasita do próprio animal ou um item alimentar. Tabela I: Valores de Índice Alimentar dos itens encontrados em estômagos de Rhamdia quelen durante o estudo na micro bacia do Córrego da Lapa. Itens alimentares Índice Alimentar (%) Peixe 56,80 Insetos Aquáticos Imaturos 22,72 Insetos Aquáticos Adultos 1,68 Insetos Terrestres Adultos 4,32 Insetos Terrestres Imaturos 0,02 Insetos Não Identificados 7,04 Isca 6,33 Vegetal 1,02 Hirudinea 0,08 Copepoda + Thecamoebina + Nematoda + Legenda: + valores de IA inexpressivos devido ao pequeno volume dos itens. CASSATTI (2), estudando um riacho-referência, incluiu R. quelen na guilda dos invertívoros uma vez que, neste tipo de ambiente a espécie se alimenta principalmente de larvas de Diptera e Trichoptera. Em observações diretas observou-se R. quelen comportando-se como predador bentônico oportunista forrageando no fundo a partir do anoitecer (2). Em rios da Serra do Mar, GOMIERO et al. (6) encontraram na dieta de R. quelen praticamente os mesmos itens encontrados no presente estudo. Os insetos, abrangendo uma grande variedade de ordens, foram de grande importância na alimentação desta espécie no ambiente citado (6). Nestes ambientes R. quelen foi considerado onívoro com tendência à maior ingestão de itens de origem animal com base também nos resultados do Quociente Intestinal. Os autores comparam seus resultados com o trabalho de GOMES et al. (2000) em que R. quelen foi considerada onívora com tendência a piscivoria e apontam a baixa diversidade de espécies de peixes de pequeno porte nos rios estudados como a possível causa da ausência do item peixes na dieta da espécie. CONCLUSÕES Na micro bacia do córrego da Lapa a espécie Rhamdia quelen é representada por indivíduos de pequeno porte que utilizam diversos itens como alimento, principalmente insetos e peixes.

5 193 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, J.M.R; GOMES, J.H.C & FOGAÇA, F.N.O. Feeding of two sympatric species of Characidium, C. lanei and C. pterostictum (Characidiinae) in a coastal stream of Atlantic Forest (Souther Brazil). Brazilian Archives of Biology and Technology, 2000, vol. 43 no. 5, p CASSATTI, L. Alimentação dos peixes em um riacho do Parque Estadual Morro do Diabo, bacia do Alto Rio Paraná, sudeste do Brasil. Biota Neotropica, 2002, vol. 2, no CASTRO, R.M.C. Evolução da ictiofauna de riachos sul americanos: padrões gerais e possíveis processos casuais, p In: CARAMASCHI, EP; MANZZONI, R & PERES NETO, PR (Eds.) Ecologia de peixes de riachos. Rio de Janeiro: PPGE-UFRJ (Série Oecologia Brasiliensis, 6), FRAGOSO, E.N. Ictiofauna da microbacia do córrego da Lapa, bacia do Alto Paraná, Itirapina/Ipeúna, SP. São Carlos: UFSCar, GOMIERO, L.M. Estudo biológico das populações de peixes na Área de Proteção Ambiental das Cuestas de São Pedro e Analândia (SP). Rio Claro: UNESP, 2003., SOUZA, U.P., BRAGA, F.M.S. Reprodução e alimentação de Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard, 1824) em rios do Núcleo Santa Virgínia, Parque Estadual da Serra do Mar, São Paulo, SP. Biota Neotropica, 2007, vol. 7, no HYSLOP, E..J. Stomach content analysis - a review of methods and their application. Journal of Fish Biology,1980, vol. 17, p KAWAKAMI, E., VAZZOLER, G. Método gráfico e estimativa de índice alimentar aplicado no estudo de alimentação de peixes. Boletim do Instituto Oceanográfico,1980, vol. 29, no. 2, p MESCHIATTI, A.J. Alimentação da comunidade de peixes de uma lagoa marginal do Rio Mogi-Guaçu, SP. São Carlos: UFSCar, Fontes Financiadoras: Capes, CNPq, PPG-ERN UFSCar / Apoio: Prefeitura de Ipeúna/SP.