Ser um estrangeiro brasileiro: Identidade e subjetividade entre estudantes de pósgraduação
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- Adriana Felgueiras Santana
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1 Ser um estrangeiro brasileiro: Identidade e subjetividade entre estudantes de pósgraduação REZENDE, Claudia Barcellos. Retratos do estrangeiro: identidade brasileira, subjetividade e emoção. Rio de Janeiro: Editora FGV, O livro Retratos do Estrangeiro: identidade brasileira, subjetividade e emoção de Claudia Rezende tem como questão central a importância das situações de contraste na elaboração e re-elaboração das identidades nacionais, e se destaca por congregar múltiplas vozes em sua fundamentação teórica, se posicionando em relação aos demais trabalhos sobre a experiência de brasileiros vivendo no exterior, dialogando com os clássicos da disciplina e trazendo à pauta discussões bastante atuais sobre as questões abordadas. Tendo como ponto de partida as transformações causadas pelo caráter transnacional das sociedades modernas, o aumento considerável do fluxo de pessoas pelo globo e a especificidade do caso brasileiro em que as fronteiras nacionais são uma realidade distante para a maior parte da população, a autora lança seu olhar sobre a experiência de brasileiros que realizaram seus cursos de doutorado nos Estados Unidos ou em 790
2 países da Europa, para desta forma analisar os significados, elementos e dinâmicas presentes no processo de re-elaboração de identidade nacional desencadeado pelo contato direto com o outro. Em um capítulo introdutório primoroso, Rezende inicia sua reflexão narrando sua própria experiência enquanto estudante brasileira em Londres, deixando claro, assim, seu posicionamento em relação ao tema e ao grupo pesquisado. Esta preocupação da autora está em sintonia com a moderna discussão sobre o trabalho etnográfico como uma análise produzida por sujeitos posicionados, que possuem uma história de vida determinada, ocupam uma posição específica no campo e observam as situações a partir de um ângulo de visão particular. No que diz respeito ao grupo pesquisado, o enfoque proposto pela autora é inovador, pois ela estabelece como recorte de pesquisa, não o imigrante de classes populares e baixa escolaridade que vem sendo analisado com freqüência pelos autores que se dedicam ao tema, mas um grupo de acadêmicos pertencentes à camada média intelectualizada da cidade do Rio de Janeiro, que se percebem de forma cosmopolita e pouco identificada a certas características e elementos da cultura popular que em geral são associadas a identidade brasileira como o futebol, o Carnaval e a emotividade exacerbada. Na vida cotidiana destes indivíduos, a manifestação da identidade nacional não possui a eficiência necessária para mediar as relações e por isso outros planos de identificação 791
3 como a classe social, o gênero e o pertencimento profissional cumprem esta função. A autora analisa que, ao se tornarem estudantes brasileiros no exterior, no entanto, estas pessoas encontram-se inseridas em um contexto em que a nacionalidade é um fator claro de diferenciação entre eles e os outros com quem interagem. Nesta situação de contraste, a manifestação da identidade nacional não só faz sentido como também se torna o principal elemento de identificação do sujeito, fazendo com que ele tanto seja identificado como brasileiro pelo outro, como passe a identificar a si mesmo a partir do seu pertencimento nacional. No segundo capítulo do livro, a autora discute a representação do brasileiro como um povo emotivo, utilizando como base para esta análise os livros Retrato do Brasil de Paulo Prado, Casa-grande & Senzala de Gilberto Freire e Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, três obras clássicas do pensamento social brasileiro da década de Através deles a autora demonstra como este estereótipo associado a identidade nacional brasileira foi construído social e culturalmente ao longo do tempo e, seguindo as ambigüidades relativas às próprias visões da emotividade, atrela ao brasileiro um tipo de estereótipo oscilante, que em alguns momentos é visto como positivo por evocar a imagem de um povo amistoso, caloroso e mais verdadeiro, e em outros é inferiorizado por atrelar a emotividade a uma certa irracionalidade e impulsividade. 792
4 Tendo como foco a identidade nacional a partir do olhar do outro, o terceiro capítulo do livro aborda as dificuldades enfrentadas por estes alunos de doutorado ao se depararem com visões estereotipadas que contrastavam consideravelmente com a visão que tinham de si mesmos. De acordo com Rezende, em prol do discurso homogeneizador que dá coerência as identidades nacionais, em muitas ocasiões estes indivíduos tinham suas especificidades individuais deixadas de lado e eram vinculados a um tipo nacional estereotipado, que nem sempre era bem visto pelos estrangeiros, como no caso dos estudantes, que queriam ser vistos como responsáveis e disciplinados, e se viam rotulados pela informalidade associada ao brasileiro ou no espanto causado pela pontualidade dos estudantes brasileiros que cumpriam seus prazos. A autora destaca a raça e o gênero como elementos significativos desta identificação brasileira estereotipada. As imagens relacionadas ao gênero, que a partir dos relatos vemos serem as mais incômodas para estes estudantes, expressamse em situações como a das acadêmicas que estavam vivenciando uma experiência de investimento na carreira e crescimento intelectual, mas sentiam-se profundamente incomodadas com a imagem da mulher sensual e fisicamente provocante que as acompanhava no exterior, bem como os homens, que mesmo tendo sido socializados em um ambiente de valorização das 793
5 igualdades entre gêneros, se viam classificados como machistas. A raça, por sua vez, surge no discurso dos entrevistados referindo-se a um corpo tipicamente mestiço e latino, com o qual eles mesmos não se identificavam e por isso não lhes causava problemas de descriminação. Contudo, salientando o fato de que as percepções de atributos definidores de raça variam culturalmente, Rezende aponta a diferença existente entre o olhar de seus entrevistados sobre seu pertencimento a uma classe média branca e o olhar dos estrangeiros, que partiam de definições distintas de brancura: representada com clareza no espanto dos europeus em encontrar um brasileiro de olhos claros, e o choque destes estudantes em se deparar com os estereótipos do brasileiro como exclusivamente negro ou mulato. Estas imagens, principalmente associadas à raça e ao gênero, a partir das quais os estrangeiros tratavam os brasileiros e que nem sempre possuíam significados positivos, faziam com que eles fossem obrigados a colocar em diálogo a visão que possuíam de si mesmos e as características que lhes eram atribuídas, um exercício importante para a afirmação identitária, mas ao mesmo tempo sofrido à medida que implicava a desconstrução das autoimagens elaboradas e até então consolidadas. No quarto capítulo do livro, no entanto, o foco é transferido para os sentidos subjetivos da identidade nacional e dentro deste contexto vemos como o contato com o outro faz também com que 794
6 em alguns casos o indivíduo passe a se identificar com estas características tipicamente brasileiras que anteriormente não o mobilizavam. Rezende destaca ainda que, mesmo que não levasse a formação de guetos ou ao estabelecimento de um novo tipo de interação ou relação próxima entre os brasileiros que se encontrava no exterior, esta identificação coletiva assume papel fundamental por criar um sentido de comunidade em termos de identificação pessoal e coletiva que redimensiona e valoriza aspectos particulares do ser brasileiro, como a afetividade, que em outros contextos eram vistas de forma negativa. Esta valorização das características tipicamente brasileiras surge novamente no quinto capítulo do livro, através dos relatos dos entrevistados sobre a dificuldade que a maior parte deles encontrou em fazer amigos nativos dos países em que estudavam: uma questão que para eles era de suma importância, uma vez que a criação de laços de amizade significava a integração de fato com a sociedade local. No entanto, de acordo com Rezende, esta tentativa era dificultada não só pelos estereótipos atrelados às identidades nacionais, como pelos próprios significados atribuídos a amizade, que para os brasileiros estaria necessariamente associada à espontaneidade e a demonstração de afeto, contrastando com a frieza do europeu ou a competitividade do americano. Neste ponto, é importante destacar a relevância do trabalho de Resende para os estudos sobre a emoção no Brasil, pois sua análise vai além 795
7 da experiência emotiva individual destes sujeitos e discute a forma como a micropolítica das relações estabelecidas entre brasileiros e estrangeiros está implícita nestes discursos sobre amizade, solidão, incômodo e fascínio, colocando em foco não só a situação hierárquica destes estudantes em seu país de origem como a transformação destas hierarquias em território estrangeiro. Esta reflexão sobre as emoções proposta pela autora pode lançar nova luz sobre as dinâmicas das relações interpessoais em diferentes contextos, fazendo com que o livro seja instigante mesmo para o leitor que não tem como questionamento a elaboração das identidades nacionais. Com uma escrita fluida e agradável, o livro Retratos do estrangeiro desenvolve de maneira competente os eixos temáticos a que se propõe, apresenta uma proposta interessante sobre o estudo das emoções e se destaca pela escrita etnográfica preocupada com o lugar do antropólogo na elaboração da análise. Fernanda Sansão 796
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