Vivências de perda em uma empresa familiar: um estudo psicossociológico

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1 Vivências de perda em uma empresa familiar: um estudo psicossociológico HASHIMOTO, Francisco. Esta pesquisa consistiu em estudar os processos psíquicos envolvidos em situações de perda em uma empresa familiar de agronegócios, levando em conta a história de vida de seus membros. Para atingir tal objetivo, procurou-se compreender a representação da figura paterna no contexto das relações de trabalho entre os membros dessa empresa. Buscou-se, ainda, analisar as relações entre a constituição do sujeito psíquico destes membros e a sua trajetória nessa organização. A pesquisa fundamentou-se no referencial teórico da psicanálise freudiana e psicossociologia. O corpus de análise constou de relatos de três irmãos membros da empresa cuja sede era localizada na cidade de São Paulo e, ainda, de três irmãs que participaram da fase inicial da constituição da mesma. Os relatos foram obtidos por meio de entrevistas não diretivas, com sessões de cinqüenta minutos cada, e sua quantidade variou de quatro a oito. Os resultados mostram que a crise que levou ao fechamento de várias filiais da empresa teve como causa, entre outros fatores, a relação conflituosa que se estabeleceu no interior da família. A morte de um dos filhos, considerado importante na estrutura familiar, deu início a uma desorganização da empresa. A dificuldade de lidar com a perda provocou um processo melancólico na família. O sentimento de ambivalência em relação ao pai tornou-se a questão central para se compreender o processo de constituição e desenvolvimento dessa família. Os relatos dos filhos apontam temas voltados à ambivalência e também a necessidade de lidar com o sentimento de culpa para buscar a indulgência paterna. O conflito decorrente da relação do filho mais velho com os pais e, por conseqüência, com os irmãos aparece permeado pela ambivalência. Os mais novos não se expressam unicamente de forma hostil para com o mais velho, mas com manifestações de

2 admiração e remorso. O remorso em função do ódio sentido aparece como impedimento para tirá-lo do negócio. O medo impede que os irmãos busquem soluções concretas para, mesmo simbolicamente, matar o irmão. Ele o mais velho se mantém de alguma forma desorganizando a família, principalmente no processo de sucessão. Não assume e, ao mesmo tempo, não deixa ninguém assumir. Tem a seu favor a imagem idealizada do filho que deveria ser o sucessor elegido pelo grupo, que com a sua morte, carregou todo o legado da família. Da ambivalência decorrente do próprio processo e da dificuldade de elaboração, ficou um espaço aberto, principalmente porque o morto transforma-se em objeto idealizado. Quando o luto não é possível de ser elaborado, resulta em melancolia separa-se do objeto por meio da identificação e, desta forma, mantém-se ligado a ele. O objeto torna-se odiado, pois está perdido. No entanto, o sentimento de ambivalência emerge, pois outrora era um objeto amado e idealizado. No entanto, o melancólico pode construir uma outra face do superego, aquela que Freud mencionou em Totem e Tabu (1913), do pai que tem o cuidado, a proteção e indulgência e, com isso, poderá constituir um superego tolerante capaz de buscar objetos substitutivos. Caso contrário, se a face cruel for dominante, o destino será a melancolia. Devido à dificuldade em aceitar a morte do filho, a família organiza-se de forma a mantê-lo vivo, tal como o conceito de relíquia desenvolvido por Fedida (1999), que realiza o ilusório compromisso que o indivíduo pode utilizar para resistir à angústia de morte. Essa preservação cumpre o seu papel na medida em que ocorre um ganho narcísico, pois a tentativa de mantê-lo vivo é uma forma de conservar a si mesmo; é uma forma de mediação que possibilita a conservação da própria vida. Essa família não consegue vivenciar todo o processo de transição tal como descreve Freud (1913), pois, no momento em que isso ocorria, o novo pai desaparece, e o que fica são relíquias, imagens, vozes que não são reais; são aquelas construídas no imaginário familiar. As tentativas de sair desse lugar deparam-se com aquilo que Freud, em Luto e Melancolia (1917[1915]), já assinalava: sabe-se quem se perdeu, mas não se sabe o que se

3 perdeu. Esse parece ser o grande enigma que a família enfrenta na busca sem sucesso da superação dos conflitos. Uma empreitada que parece não ter fim. Como conseqüência desse processo, a repetição ganha outra configuração de tempo: deixa de ser linear, e o presente-passado-futuro passam a se reproduzir simultaneamente, como num jogo de espelhos, como afirma Mezan (1998). Assim, os processos inconscientes se arranjam cronologicamente, possuindo uma temporalidade própria que se expressa na repetição. Os três irmãos apresentam comportamentos repetitivos que atravessam a infância, adolescência e idade adulta. Assim, outros problemas foram se acentuando, como a dificuldade de um dos filhos de ocupar o lugar do pai, levando-os à construção de espaços individuais fora da empresa. Enfim, a família buscou preencher o vazio do lugar do pai e da perda do filho e essa situação fez com que movimentos repetitivos que acabavam em fracasso se tornassem mecanismos para superar o sofrimento. Bibliografia: BERENSTEIN, I. Família e doença mental. Trad. Adriana Friedmann. São Paulo: Escuta, BIRMAN, J. Estilo e modernidade em psicanálise. São Paulo: Ed. 34, CARUSO, I. A separação dos amantes. 4 ed. Trad. João Silvério Trevisan. São Paulo: Diadorim: Cortez, DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In: CHANLAT, J.-F. (org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: Psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Zahar Ed., FÉDIDA, P. Depressão. São Paulo: Escuta, FREUD, S. (1913). Totem e Tabu. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIII. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIV.

4 (1917). Luto e melancolia. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIV. (1921). Psicologia de grupo e análise do ego. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVIII. (1923). O Ego e o Id. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIX. (1930). O mal estar na civilização. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, vol. XXI. FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 22 ed. São Paulo: Cia Ed. Nacional, GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, HASHIMOTO, F. Sol Nascente no Brasil: cultura e mentalidade. São Paulo: HVF Arte & Cultura, Ventos de outono: uma fenomenologia da maturidade. São Paulo: Arte & Ciência, KAËS, R. Introdução: O sujeito da herança. In: KAËS, R.; FAIMBERG, H. e outros. Transmissão psíquica entre gerações. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Casa do Psicólogo, KRISTEVA, J. Sol Negro: depressão e melancolia. Rio de Janeiro: Rocco, MANDELBAUM, B. O impacto da perda em uma família: considerações psicanalíticas. In: AGOSTINHO, M. L.; SANCHEZ, T. M. (org.) Família: conflitos, reflexões e intervenções. São Paulo: Casa do Psicólogo, MELLO, S. L. Família, a incógnita familiar. In: AGOSTINHO, M. L.; SANCHEZ, T. M. (org.) Família: conflitos, reflexões e intervenções. São Paulo: Casa do Psicólogo, MEZAN, R. Freud: a conquista do proibido. São Paulo: Ateliê Editorial, Freud: a trama dos conceitos. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, Interfaces da psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

5 MOREIRA, A. C. G. Clínica da melancolia. São Paulo: Escuta/Edufpa, MIZUMOTO, A. Outono em uma organização: convivendo com as crises. Assis (SP): Dissertação de Mestrado/Faculdade de Ciências e Letras UNESP, MIZUMOTO, K. História da família Mizumoto. São Paulo: s/ed., NOGUEIRA, A. R. Imigração japonesa na história contêmporanea do Brasil. São Paulo: Centro de Estudos Nipo Brasileiros: Masao Ohno Editor, PELLEGRINO, H. Pacto Edípico e Pacto Social. In: PY, L. A. e outros (org.) Grupo sobre grupo. Rio de Janeiro: Rocco Ed., ROUDINESCO, E. e PLON, M. Dicionário de psicanálise. Trad. Vera Ribeiro e Lucy Guimarães. Rio de Janeiro: Zahar, SILVA, M. E. L. Pensar em psicanálise. In: SILVA, M. E. L. (coord.) Investigação e Psicanálise. Campinas (SP): Papirus, 1993.