Mecânica dos Fluidos I
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- Theodoro Caminha Zagalo
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1 Mecânica dos Fluidos I Revisão dos últimos capítulos (Novembro Dezembro de 2008) EXERCÍCIO 1 Figura 1: Exemplos de moscas comuns (Fannia Canicularis; em inglês houseflies), com indicação da dimensão típica. (Fontes: e Pretende-se estudar experimentalmente a aerodinâmica do voo de moscas caseiras com um modelo à escala 1, mergulhado num tanque de glicerina a 30 C. As dimensões de alguns exemplares destes insectos estão indicadas na figura 1: comprimento de 5 6 mm e massa de 12 mg, para moscas adultas. O modelo, à escala 100:1, terá 50 cm de comprimento. As propriedades físicas da glicerina a 30 C são: massa volúmica ρ g = 1, kg/m 3 ; viscosidade absoluta µ g = 0, 612 Pa s. 1. Enumere as variáveis físicas que podem interessar para estudar as forças aerodinâmicas em voo rectilíneo. 2. Indique um conjunto de grupos adimensionais para descrever o problema. 1 Pode encontrar mais dados e uma explicação acessível deste tipo de estudo experimental no seguinte artigo sobre a mosca da fruta, Drosophila melanogaster: Fry, Steven N.; Sayaman, Rosalyn; Dickinson, Michael H., The aerodynamics of hovering flight in Drosophila, The Journal of Experimental Biology, vol. 208, 2005, pp Uma versão ainda mais simplificada deste trabalho foi publicada num artigo de divulgação científica: Hall, Alan, Fly Like a Fly, Scientific American, 28 de Junho de 1999, e pode consultar-se na Net: e
2 2 3. Se esta classe de moscas voa a 0,6 m/s com 30 batimentos das asas por segundo, calcule a velocidade do escoamento relativo no ensaio e a frequência de batimentos do modelo. 4. Nas condições da alínea anterior, qual o factor de escala das forças? Faça uma estimativa da força necessária para accionar o modelo. 5. Se quisesse construir um robot, à escala, que reproduzisse as acrobacias de uma mosca viva, qual deveria ser a massa do modelo? Soluções: A lista de variáveis que importam para a componente longitudinal da força, em voo rectilíneo é: componente longitudinal da força [F x ] = M L T 2 frequência de batimento das asas [f] = T 1 dimensão característica da mosca [l] = L velocidade do vento relativo [v] = L T 1 viscosidade do fluido [µ] = M L 1 T 1 massa volúmica do fluido [ρ] = M L 3 Resultam três (3 = 6 3) grupos adimensionais, que podem ser: Π 1 = F x l ρ v2 ; Π 2 = f v/l ; Π 3 = ρ l v µ. (1) Analogamente, poderíamos formular um problema semelhante para as outras componentes da força. Por exemplo, para a componente transversal da força ([F y ]=M L T 2 ) obteríamos os mesmos grupos adimensionais indicados em 1, excepto que em vez de Π 1 apareceria Π 4 = F y /(l ρ v2 ). Os números Π 1 e Π 4 são coeficientes de força (poderiam designar-se C x e C y ), o grupo Π 2 é conhecido como número de Strouhal (Str) e Π 2 como número de Reynolds (Re). Para haver semelhança, os números adimensionais do modelo têm de ser iguais aos do escoamento original. Em particular, Re m = Re p : v m = v p ρ p l p ρ m l m µ m µ p = v p l p ν m l m ν p = 0, 200 m/s; Str m = Str p : f m = f p v m l p v p l m = f p ν m l 2 p ν p l 2 m = 0, 100 Hz (período: T = 9, 98 s). Sendo iguais os coeficientes de força, (F x ) m = (F x ) p l 2 m ρ m v 2 m l 2 p ρ p v 2 p = (F x ) p ν 2 m ρ m ν 2 p ρ p = 1, (F x ) p.
3 3 Analogamente, (F y ) m /(F y ) p = 1, O peso da mosca é uma indicação da força de sustentação média das asas: m p g = 1, , 80 = 1, N. Dada a relação de forças, a correspondente força no modelo é 1, , = 134 N. As acelerações acrobáticas dependem das forças e da massa. Assim, as variáveis relevantes são: frequência de batimento das asas [f] = T 1 velocidade do vento relativo [v] = L T 1 módulo da força [F ] = M L T 2 massa da mosca [m] = M dimensão característica da mosca [l] = L Desta lista resultam dois (2 = 5 3) grupos adimensionais, que podem ser: Π 5 = F m v f ; Π 3 = f v/l (que já tinha aparecido). A relação de massas deduz-se da igualdade destes dois grupos adimensionais: m m = m p v 2 p l m v 2 m l p (F x ) m (F x ) p = m p ρ m l 3 m ρ p l 3 p = 1, m p. A relação de volumes é Vol m = (l m /l p ) 3 Vol p = 10 6 Vol p. Portanto, o modelo teria de ser cerca de mil vezes mais denso que a mosca, m m /Vol m m p /Vol p = 1, = 1024, a ponto de ser impossível construir um robot, com esta escala e com este fluido, suficientemente denso para simular as acrobacias da mosca no ar. Ao analisar a escala de massas, poderíamos ter seguido outra estratégia. Por exemplo,... Este modelo à escala oferece muitas vantagens em relação ao escoamento original. É maior, o que facilita a visualização e a medição; a escala de tempos é muito mais conveniente (enquanto a mosca tem 30 batimentos por segundo, cada batimento deste modelo demora cerca de 10 s); a escala de velocidade também é mais cómoda e a medição de forças é mais fácil (enquanto o peso da mosca é cerca de 0, N, a força no modelo é 134 N); e a relação de momentos ainda é mais favorável. Só a relação de massas é que seria proibitiva. O modelo é esplêndido para estudar o escoamento, mas não serve para um robot voador. EXERCÍCIO 2 Um processo industrial implica misturar num recipiente dois líquidos que entram por uma extremidade, com caudal constante e numa proporção fixa, e saem pela outra já misturados. Um agitador mecânico rotativo garante
4 4 que os dois líquidos se misturam efectivamente enquanto passam pelo interior do recipiente. Pretende-se determinar os parâmetros do processo de mistura para construir um novo recipiente de mistura, geometricamente análogo ao actual, mas com o dobro da capacidade de produção. Actualmente, em condições nominais, o agitador roda a ω 0N = 0, 5 r.p.s. e, para essa velocidade de rotação, o caudal máximo que se consegue escoar com boa qualidade da mistura é cerca de Q 0N = 0, 56 l/s. 1. Enumere as variáveis que podem influenciar o processo. Compare a sua lista com a solução proposta no final deste exercício. 2. Forme números adimensionais. Procure números adimensionais que ajudem a identificar o maior caudal que se pode processar sem comprometer a qualidade da mistura. 3. Como preparação para a alínea 5, Calcule o caudal máximo do novo misturador, supondo que a dimensão característica do actual é D 0 = 1 m e que, para a nova instalação, D 1 = 2 m e ω 1 = r.p.s. 4. Ainda como preparação para a alínea 5, supondo que a dimensão característica do actual misturador é D 0 = 1 m, calcule a velocidade de rotação mínima para uma instalação com D 1 = 2 m misturar adequadamente um caudal Q = 1 m 3 /s. 5. Projecte o novo misturador para Q 1 = 1 l/s (aproximadamente o dobro da actual capacidade produtiva nominal), sujeito à restrição de a velocidade linear do agitador mecânico se manter idêntica à que tem actualmente em condições nominais. O misturador actual foi ensaiado para oito velocidades de rotação, obtendo-se os seguintes caudais máximos, para uma boa qualidade da mistura: ω Q max 0,1 r.p.s. 0,21 l/s 0,2 r.p.s. 0,26 l/s 0,3 r.p.s. 0,33 l/s 0,35 r.p.s. 0,38 l/s 0,4 r.p.s. 0,43 l/s 0,5 r.p.s. 0,56 l/s 0,6 r.p.s. 0,72 l/s 0,7 r.p.s. 0,91 l/s
5 5 6. Indique a estratégia para estimar a potência consumida pela nova instalação. Que experiência poderia realizar no sistema actual para obter a informação necessária acerca do novo motor? Imagine que alguém lhe transmite a informação de que a instalação actual, consumiu 1 kw com um caudal de 0,72 l/s e uma velocidade do agitador de 0,6 r.p.s. Consegue calcular a potência do novo motor? Soluções: A lista de variáveis mais relevantes para este problema é (veja-se, adiante, o comentário acerca da possibilidade de substituir ρ e µ pela viscosidade cinemática): caudal volúmico [Q] = L 3 T 1 dimensão característica [D] = L velocidade angular do agitador [ω] = T 1 viscosidade do fluido [µ] = M L 1 T 1 massa volúmica do fluido [ρ] = M L 3 Neste problema existem três fluidos (os dois componentes de entrada e a mistura), portanto, existem três caudais, três viscosidades e três massas volúmicas. Na tabela acima não se incluíram as três variantes porque as propriedades físicas dos fluidos são fixas, de modo que as propriedades de dois deles podem expressar-se em relação às propriedades do terceiro. Analogamente, as proporções da mistura são fixas, de modo que dois dos caudais se podem expressar em função do terceiro. Com 5 variáveis e 3 dimensões, podem formar-se 2 = (5 3) grupos adimensionais. Para facilitar a identificação do caudal máximo, convém que só um dos números inclua o caudal. Um deles pode ser Π α = Q D 3 ω e, nesse caso, o outro tem de incluir necessariamente as variáveis ρ e µ. Por exemplo: Π β = D2 ω ρ µ. O processo de mistura há-de ser descrito por uma função do tipo: Π α = f(π β ). Nota-se que as variáveis ρ e µ só aparecem no quociente ρ/µ. Portanto, em vez destas duas variáveis basta usar o seu quociente, ou a viscosidade cinemática ν = µ/ρ. O problema passa a ter apenas 4 variáveis e 2 dimensões físicas independentes (a massa desaparece porque [ν] = L 2 T 1 ). Continua, pois, a precisar de 2 = (4 2) grupos adimensionais. Em vez de Π α e Π β indicados acima, outra escolha possível de números adimen-
6 6 sionais, que seguiremos a partir de agora, é o par Π A = Q D ν e Π B = D2 ω ν, (2) de modo que a velocidade angular do agitador só aparece num dos números adimensionais e o caudal só figura no outro. Com D 1 = 2 m e ω 1 = 0, 125 r.p.s., Π B1 = D1 2 ω 1 /ν = 0.5. Para esse valor Π B sabe-se que o máximo Π A = 0, 56 (ver, por exemplo, a figura 2). Portanto, o máximo Q 1 = Π A D 1 ν = 1, 12 m 3 /s. supondo que a dimensão característica do actual misturador é D 0 = 1 m, calcule a velocidade de rotação para uma instalação Com D 1 = 2 m e caudal Q 1 = 1 m 3 /s, o número Π A1 = Q 1 /(D 1 ν) = 0, 5 Este Π A corresponde a um valor mínimo Π B = 0, 456 (ver, por exemplo, a figura 2). Utilizemos o índice 0 para designar a actual instalação e o índice 1 para referir a nova instalação. Para a velocidade linear das pás do misturador se manter igual à actual velocidade nominal em pontos homólogos, D 1 ω 1 = D 0 ω 0N, sendo ω 0N = 0.5 r.p.s. a actual velocidade de rotação nominal. Os valores limites de Π A e Π B são idênticos para as duas instalações. Ou seja, conforme se pode ver na figura 2, se Π A1 = Π A0 terá de ser Π B1 Π B0 (ou, alternativamente, se Π B1 = Π B0 terá de ser Π A1 Π A0 ). Se a proporção entre as duas instalações for D 1 = ε D 0, temos o seguinte sistema: se Π A1 = Π A0 : então Π B1 Π B0 : Q 1 ε D 0 ν ε D 2 0 ω 0N ν = Q 0 D 0 ν D2 0 ω 0 ν ε = Q 1 Q 0 ε ω 0 ω 0N (3) Como seria de esperar, obtinha-se um resultado análogo impondo que Π A1 Π A0 para Π B1 = Π B0 : ε Q 1 /Q 0 ; ε = ω 0 /ω 0N. Para resolver o sistema 3 podemos fazer uma tabela dos valores possíveis de ε, sabendo que se quer Q 1 = 1 m 3 /s e que a actual velocidade de rotação em condições nominais é ω 0N = 0, 5 r.p.s.:
7 7 Figura 2: Curvas adimensionais de caudal máximo, supondo ν = 1 m 2 /s e D 0 = 1 m. O gráfico da esquerda sugere que, se os Π A forem iguais, o Π B da nova instalação terá de ser maior ou igual ao da anterior; o gráfico da direita mostra que, se os Π B forem iguais, o Π A da nova instalação terá de ser menor ou igual ao da anterior. ω 0 Q 0 Q 1 /Q 0 ω 0 /ω 0N ε ω 1 0,1 r.p.s. 0,21 l/s ε = 4, 66 ε 0, 2 4,66 0,005 r.p.s. 0,2 r.p.s. 0,26 l/s ε = 3, 88 ε 0, 4 3,88 0,01 r.p.s. 0,3 r.p.s. 0,33 l/s ε = 3, 03 ε 0, 6 3,03 0,03 r.p.s. 0,35 r.p.s. 0,38 l/s ε = 2, 66 ε 0, 7 2,66 0,05 r.p.s. 0,4 r.p.s. 0,43 l/s ε = 2, 32 ε 0, 8 2,32 0,07 r.p.s. 0,5 r.p.s. 0,56 l/s ε = 1, 79 ε 1, 0 1,79 0,16 r.p.s. 0,6 r.p.s. 0,72 l/s ε = 1, 39 ε 1, 2 1,39 0,31 r.p.s. 0,7 r.p.s. 0,91 l/s ε = 1.10 ε 1, 4 imposs. imposs. Cingindo-nos a esta tabela, vê-se que são possíveis muitos factores de escala para misturar o novo caudal, desde 4,66 até 1,39. Para a instalação ser o mais pequena possível, convém usar o menor factor de escala; consideremos ε = 1, 39. A velocidade de rotação nominal do novo misturador seria ω 1 = ω 0 (Q 0 /Q 1 ) 2 = 0, 31 r.p.s. (Por interpolação dos valores da tabela, verifica-se que o factor de escala mínimo é ε = 1, 2744, a que corresponde uma velocidade de rotação ω 1 = 0, 3923 r.p.s.). Para calcular a potência do agitador podemos examinar os números adimensionais que representam o problema. As variáveis mais relevantes são:
8 8 potência do agitador [P ] = M L 2 T 3 caudal volúmico [Q] = L 3 T 1 dimensão característica [D] = L velocidade angular do agitador [ω] = T 1 viscosidade do fluido [µ] = M L 1 T 1 massa volúmica do fluido [ρ] = M L 3 o que implica três (3 = 6 3) números adimensionais, que podem ser os mesmos Π A e Π B do sistema 2, juntamente com outro: Π A = Q D ν = Q ρ D µ ; Π B = D2 ω ν = D2 ω ρ µ ; Π C = P D 2 ρ Q ω 2. O novo misturador foi dimensionado de tal forma que ficará a funcionar em condições semelhantes (Π A e Π B iguais) ao actual com ω 0 = 0, 6 r.p.s. e Q 0 = 0, 72 l/s. Sendo Π C função de Π A e Π B, e sendo estes dois iguais, Π C também tem de ser igual. Assim donde: Π C1 = Π C0, ou: P 1 D 2 1 ρ Q 1 ω 2 1 = P 0 D 2 0 ρ Q 0 ω 2 0 P 1 ( ) 2 ( D1 Q0 = P 0 D 0 Q 1 ) (ω1 ) 2 ( ) 2 ( D1 Q0 = P0 ω 0 D 0 Q 1 ) 3 = 0, 72 kw. Este resultado não significa directamente que a nova instalação terá custos energéticos inferiores porque, além do agitador que consumirá menos, é preciso contar com o custo de bombagem do caudal através do aparelho misturador. Contudo, usando a Análise Dimensional da mesma maneira, pode mostrar-se que a potência de bombagem também é função dos mesmos números adimensionais Π A e Π B e que, desenvolvido o resultado, a potência de bombagem seria igualmente 72% inferior à actual, apesar de o caudal ser maior.
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