SEMIÓTICA ENQUANTO CATEGORIA DA REPRESENTAÇÃO: A NECESSIDADE FORMAL DA CATEGORIA DA REPRESENTAÇÃO EM PEIRCE
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1 SEMIÓTICA ENQUANTO CATEGORIA DA REPRESENTAÇÃO: A NECESSIDADE FORMAL DA CATEGORIA DA REPRESENTAÇÃO EM PEIRCE Paulo Henrique Silva Costa (FAPEMIG/UFSJ) Mariluze Ferreira de Andrade e Silva (Orientadora/DFIME/UFSJ) Resumo: O objeto de investigação desse trabalho centra-se na análise da necessidade formal da Categoria da Representação em Peirce, pensada a partir da Fenomenologia. O objetivo da investigação é demonstrar de que forma Peirce extrai da Fenomenologia à necessidade de uma Ciência Formal do Pensamento denominado por ele de Semiótica. Palavras-Chave: Fenomenologia. Categoria da Representação. Necessidade Formal. Semiótica. Introdução: P ara Peirce o estudo dos Signos é dirigido à ciência denominada Semiótica, que se encontra dentro da divisão das Ciências da Filosofia, na chamada divisão das Ciências Normativas 1. Na Semiótica, há três subdivisões: (i) Gramática Pura ou Especulativa (ii) Lógica Crítica (iii) Retórica Pura ou Metodêutica. Iremos nos ater somente à primeira divisão em nossa análise, à medida que nela se encontra às 1 Cf: CP, An outline classification of the sciences. CP refere-se à Collected Papers, o primeiro número ao capítulo, e o segundo ao parágrafo.
2 28 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa condições conceituais necessárias para a construção da Semiótica pensada enquanto Ciência Formal do Pensamento. Antes, contudo, é necessário primeiramente entender como Peirce formula sua Semiótica partindo da Fenomenologia. Diagrama das ciências em Peirce: 1. CIÊNCIAS DA DESCOBERTA (i) Matemática (ii) Filosofia 1. Fenomenologia 2. Ciências Normativas 2.1Estética 2.2Ética Lógica ou Semiótica Gramática Pura ou Especulativa Lógica Crítica Retórica Especulativa ou Metodêutica 3 Metafísica (iii) Ciências Especiais (Físicas e Psíquicas) 1. Fenomenologia Analisando o diagrama acima, verifica-se que Peirce segue uma ordem de complexidade crescente. Para ele, a Matemática é a única Ciência da Descoberta que lança as bases conceituais (axiomas, princípios, teoremas) que necessita. A Filosofia, em comparação à Matemática, está em um nível abaixo, à medida que não extraí de si mesma todas às suas propriedades. De modo similar funciona à Filosofia, e suas áreas. Para Peirce a Filosofia inicia-se com a Ciência da Fenomenologia, que por sua vez fornece os subsídios
3 P á g i n a 29 Semiótica enquanto Categoria da Representação: a necessidade formal da categoria conceituais para as Ciências Normativas, e, por conseguinte, fornece os elementos constitutivos da Metafísica. O que a Fenomenologia fornece são as Categorias do Pensamento ou Categorias Fenomenológicas responsáveis em apresentar os elementos primários, isto é, as propriedades primárias que constituem a experiência, e o fenômeno. Essas categorias, em termos fenomenológicos, são descritas através das categorias de Qualidade, Relação e Representação, conhecidas também como Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. 2 Diferentemente da tradição fenomenológica, cujo maior expoente é Edmund Husserl, Peirce define sua fenomenologia em termos lógicos, visando analisar a experiência concreta em que um fenômeno ou faneron 3 está presente para uma mente 4. Fenomenologia é, assim, descrita enquanto a ciência que analisa os modos concretos da experiência. As habilidades referentes a esta análise é definida por Peirce como: atento olhar, discriminação e generalidade. Toda mente 2 A definição das Categorias com o nome de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade é uma definição apenas terminológica que pretende livrar os termos de interpretações errôneas ocasionadas pela linguagem, e pelo significado corrente vinculado às categorias. Entretanto, mesmo com essas dificuldades presentes, reportaremos apenas à definição de Qualidade, Relação e Representação. Pode-se encontrar também o termo Relação e Representação como similares aos termos Reação e Mediação, nomenclatura postulada pelo próprio autor, posterior ao artigo de 1868 On a The New List Categories. 3 Fenômeno ou faneron significa o total coletivo de tudo o que está de qualquer forma ou em qualquer sentido presente à mente, independentemente de ele corresponder a qualquer coisa real ou não (CP, ). 4 Mente para Peirce não se refere a uma estrutura psicológica, mas sim, lógica, na qual qualquer relação pode ser descrita e verificada. O que não define uma estrutura lógica como meramente pensamento, dado que Peirce busca qualquer noção real em qualquer nível de consciência passível de ser percebida e analisada.
4 30 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa que se propõe analisar qualquer fenômeno presente, deve satisfazer essas três habilidades. Da análise conjunta dessas três habilidades, Peirce define somente três propriedades ou categorias 5 presentes no fenômeno. (i) Qualidade refere-se à categoria primeira que descreve o fenômeno em sua imediaticidade, enquanto mera possibilidade. Logo, Qualidade é, assim, a propriedade primeira do fenômeno, que quando presente à mente é apenas um tatear de um evento. (ii) Relação é a propriedade adversativa da Qualidade. Toda Qualidade é expressa em uma duração ou Relação, isto é, em uma propriedade concreta quando se torna objeto de análise. Assim, a cor vermelha identificada em um objeto X define apenas uma Qualidade que é expressa em uma Relação. 6 (iii) Representação é a terceira categoria do fenômeno presente à mente, que diz da condição mediativa em que uma Relação X (que é para a mente, uma oposição real) se encontra 5 Cf: CP, The categories in detail. 6 Essas definições são sucintas, mas abordam uma complexidade importante de ser destacada ao se comparar ao todo da proposta peirceana. Por isso, segue um exemplo concreto: Imaginemos alguém sentado em uma sala. Há nessa sala diversos aparelhos como rádio, televisão, impressora, etc. Imaginemos que todos funcionem ao mesmo tempo. A pessoa que está dentro dessa sala, não consegue observá-los a todo o momento. Para isso, ela identifica numa Relação à Qualidade X, e em outra a Qualidade Y. Assim, ela observa que o objeto X fez tal som, e o objeto Y outro som. A Qualidade aqui só pode ser analisada porque foi expressa em uma Relação concreta. Entretanto, a constituição diádica Qualidade-Relação carece de um terceiro elemento que possibilite a conexão concreta entre ambos. Isto porque, não há nada que possibilite fazer a mediação entre a Qualidade X e a Relação Y, dado que ambas são categorias adversativas, e tão-logo, não constituem para a mente que as observa uma comunicação real, uma vez que não há como pensá-las para fora da estrutura diádica, ou da imediaticidade da relação. Logo, a única categoria que possibilita essa comunicação formal denomina-se Representação.
5 P á g i n a 31 Semiótica enquanto Categoria da Representação: a necessidade formal da categoria expressa de forma mediada com uma Qualidade Y (um mero sentir de um som, em meio a N sons, por exemplo). A questão que Peirce elucida mediante a estrutura das Categorias é que há uma irredutibilidade crescente entre elas, de modo que a Categoria primeira, não pressupõe a segunda, mas a segunda pressupõe a primeira e, de modo similar, a terceira pressupõe a segunda e a primeira. Sendo as Categorias interligadas, a questão inicial é saber: como uma Qualidade pode se ligar a uma Relação? Para responder essa questão, Peirce define que toda a filosofia deve se iniciar pela experiência 7, contudo, este olhar da filosofia para a experiência deve ser um olhar lógico, e não subjetivo. O olhar lógico, para Peirce, deve visualizar todos os modos concretos em que um fenômeno pode estar expresso em uma mente. Logo, Peirce quer entender como qualquer coisa pode estar expressa em uma mente, e como podemos definir esses modos. A análise define três Categorias, ou três propriedades presentes no fenômeno quando posto à mente, conforme descrito. Assim, se a Relação, nesses termos, define algo que é adversativo à Qualidade, algo que não pode ser abarcado pela mente, então, toda Qualidade para ser pensada é expressa em uma Relação. Entretanto, na Fenomenologia de Peirce, observa-se que para uma Qualidade ser expressa em uma Relação fato que se opõe à mente há a necessidade real de algo que faça a mediação entre essas duas Categorias. Se a Fenomenologia estuda os modos concretos do fenômeno na forma como este está expresso em uma mente, logo conclui-se que a Fenomenologia em Peirce, não 7 Cf. CP, A experiência é a nossa única mestra. [...] O que a experiência gradualmente faz é, e por uma espécie de fracionamento, precipitar e filtrar as falsas ideias, eliminando-as e deixando a verdade verter em sua corrente vigorosa.
6 32 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa pode ser sinônimo de matriz da realidade 8, isto é, não pode ser um discurso da realidade, mas, tão-somente do modo como algo pode ser conhecido da realidade. Assim, chega-se à seguinte questão: o fenômeno que a princípio possui uma estrutura diádica Qualidade-Relação expresso em uma mente, é insuficiente para representar a Categoria do fenômeno que analisa o fenômeno fora do fluxo imediato do tempo que define qualquer propriedade do fenômeno, através da dicotomia isto/este, aquilo/aquele. Para isso, há a necessidade de algo que faça essa mediação, ou seja, há a necessidade da Categoria da Representação ou Terceiridade, que introduz alguma generalidade daquilo que se opõe à mente e que se encontra dualmente relacionada a uma Qualidade. 2. Categoria da Representação A dualidade Qualidade-Relação só diz do modo como uma Qualidade é expressa em uma Relação, mas, não define todas as condições lógicas possíveis em que uma implica a outra, e tampouco é capaz de analisar tal estrutura para fora do fluxo da presentidade, do imediato, algo que torna a tarefa do conhecimento restrita e insuficiente 9. Tal incapacidade não responde, também, questões tradicionais sobre a aparência do conhecimento, assim como, a questão de como é possível pensar dois objetos ao mesmo tempo, se não há uma Relação real entre eles, através de uma Qualidade real. Logo, a 8 A Fenomenologia não pretende ser uma ciência da realidade, mas, apenas, buscará escrutinizar as classes que permeiam toda experiência comum. (IBRI, 1992, p. 5). 9 Grande parte daquilo que eventualmente chamamos de conhecimento, se insere em uma estrutura que se encontra fora da dualidade Qualidade-Relação, e isso inclui de modo geral toda forma de linguagem formal.
7 P á g i n a 33 Semiótica enquanto Categoria da Representação: a necessidade formal da categoria Categoria da Representação 10 ou Terceiridade traz consigo esse problema, e tenta superá-lo, à medida que define que uma coisa é algo que está posto a uma mente, outra coisa é o modo como essa mente pensa de modo formal esta coisa. Mediante a estrutura da Fenomenologia posta em destaque, sobretudo sua estrutura triádica, Qualidade, Relação e Representação, evidencia-se a necessidade de uma ciência que estude formalmente as condições reais da possibilidade da Representação. Tais condições reais só podem ser definidas logicamente, dado que a própria categoria da Representação para a Fenomenologia diz de um grau de complexidade superior as anteriores. Outra questão igualmente importante para o surgimento de tal ciência, diz da própria proposta assumida por Peirce ao definir à Filosofia enquanto ciência. Se no diagrama iniciamos com a experiência, isto é, com os modos concretos em que um fenômeno está presente à mente, então, agora há a necessidade das Ciências Normativas, que definem não mais os modos como os fenômenos estão presentes, mas, como pensamos formalmente a partir deles das categorias, em especial da Categoria da Representação. Definida essa necessidade formal, se insere então no itinerário de Peirce a Ciência formal do Pensamento ou Semiótica Geral. 3. Semiótica enquanto Categoria da Representação A Semiótica nasce como uma Ciência formal da Categoria da Representação, só que não se reportando à experiência exclusivamente, mas sim, às condições que definem a relação entre uma Qualidade e uma Relação. 10 Representação é um nome genérico para a categoria do terceiro, há outros nomes igualmente importantes, tais como, generalidade, mediação e regularidade.
8 34 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa Dessa forma, Semiótica é pensada por Peirce como sinônimo de Lógica 11, uma vez que a Semiótica se ocupa com as condições formais do pensamento referentes à constituição da representação do próprio pensamento, disposto em uma estrutura modular triádica. Se observarmos a Divisão da Semiótica, veremos que a Semiótica ou Lógica se ocupa tanto com as condições formais do pensamento quanto com a análise dos argumentos das ciências e da própria constituição da representação. A estrutura da Semiótica - Gramática Pura ou Especulativa - é pensada por Peirce 12, em uma relação triádica, que tem por finalidade lógica criar um inventário ou mapeamento de todas as formas possíveis de representação, em seus diversos níveis. O que Peirce visa é criar um Diagrama da realidade como é expressa pela mente. No Diagrama conceitual 13 abaixo está descrito à estrutura da Gramática Pura pensada por Peirce: 11 Lógica na Semiótica é usada para se referir a uma Ciência Normativa do Pensamento, em especial, da construção representativa do pensamento. Cf. CP, Gramática Especulativa é a doutrina da condição universal do simbolismo e de outros signos, que têm o caráter de significação. É o departamento da lógica universal que estamos a todo o momento nos ocupando. CP, Ou, Podemos denominá-la gramática pura. Tem por objetivo determinar o que deve ser verdadeiro a propósito do representamem utilizado por toda inteligência científica para que possam incorporar um significado. Cf. PEIRCE, Charles S. Semiótica e Filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1975, p É importante salientar que o Diagrama utilizado aqui não é o único trabalhado por especialistas em Semiótica, entretanto, é o mais usado, por se referir ao terceiro momento do desenvolvimento da Semiótica do autor de 1906 a Cf. Peirce's Theory of Signs. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy. Disponível em: Acesso 06 de Março de Conferir também: The Cambridge Companion to Peirce, cap 9, The Development of Peirce s Theory of Signs.
9 P á g i n a 35 Semiótica enquanto Categoria da Representação: a necessidade formal da categoria (1) Signo Obj. Dinâmico Int. Imediato (2) Objeto (Imediato) (3) Interpretante (Dinâmico) Fundamento Int. Final A Estrutura da Semiótica segue esses três elementos: Signo, Objeto e Interpretante. Se a Semiótica é a Ciência que estuda as formas de Representação, ou como uma Qualidade X pode estar expressa em uma Relação Y, para fora de um fluxo de presentidade, então os elementos Signo, Interpretante e Objeto seguem, de modo formal, o andamento descrito na Fenomenologia, em especial, o andamento das categorias. Entretanto, a Fenomenologia se ocupa da experiência, já à Semiótica da representação ou do pensamento. Logo, a questão inicial na Semiótica é saber: como é possível o processo de Representação, de modo que tal processo estabeleça formalmente uma mediação real entre Qualidade e sua Relação para uma mente lógica. Decorrente dessa questão pode-se extrair duas questões filosóficas igualmente importantes, qual seja, (i) quais são às condições reais para a referência signo/realidade, linguagem/signo, pensamento/objeto; (ii) e o que torna tal processo significativo, isto é, quais as condições reais para o significado de um signo, palavra, imagem, impressão, lembrança. A primeira
10 36 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa condição lógica para que isso ocorra, e a única que iremos nos ater na análise é a seguinte: Todo Signo representa um Objeto para um Interpretante 14. Todo Signo é significativo, isto é, representa algo, à medida que denota sempre uma relação triádica com o Objeto e logo com o Interpretante, mesmo que tal relação possa ser expressa de modo não genuína ou incompleta, também chamada por Peirce de degenerada. Representar, em Peirce, refere-se à propriedade lógica de estar no lugar de, corresponder em algum aspecto à, ou mediar alguma ideia, propriedade, qualidade, etc, de alguma coisa. No caso da Semiótica, o Signo representa o Objeto para o Interpretante. O Objeto, nesses termos, é algo em parte diverso do signo, é aquilo que determina a representação do Signo, ou o que o Signo intenta representar. Entretanto, para representálo, tanto Objeto quanto Signo devem estar expressos em alguma condição real de significação, ou algum meio lógico para que tal relação seja de fato realizada. Assim, o Interpretante surge, enquanto condição, para que o Signo represente o Objeto de fato, em algum aspecto ou qualidade. Se voltarmos à Fenomenologia, veremos que a Relação que pode ser muitas coisas, desde um evento, um fato, um meio, etc que é posta a uma mente, só pode ser conhecida se essa mente reconhecer nela alguma Qualidade. Ou seja, não é porque algo está posto em uma mente, que este algo pode ser pensado, e conhecido de fato. A Categoria da 14 Ao longo do The Collected Papers, Peirce fornece inúmeras definições de Signo, algumas sucintas outras complexas. Para conferir a variedade de definições vinculadas a este conceito, Cf. SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as coisas. Cap, 1 Do Signo e Cap, 4º Signo revisado.
11 P á g i n a 37 Semiótica enquanto Categoria da Representação: a necessidade formal da categoria Representação tenta formar a mediação entre o evento, o fato, ou fenômeno posto, visualizando a sua relação de fato com uma Qualidade. Isto porque, assim como o Objeto a Relação é algo diverso da Qualidade, é algo que impõe resistência à mente, e que para ser conhecido de fato, necessita de algo que faça a mediação dessa resistência ou tensão. Para isso, o que está posto é pensado de forma mediativa pela Representação que o liga à Qualidade. Nessa estrutura triádica, tanto a Qualidade quanto a Relação são reconhecidas pela mente, formando uma estrutura genuína. E de modo similar funciona a Semiótica, como iremos analisar a seguir. Iniciaremos nossa análise pelo objeto. O Objeto não é tão-somente um fato físico, diverso da mente, mas pode se referir a um conjunto de propriedades, a uma ideia, uma abstração, um universal. Nesse sentido, Peirce divide o Objeto em dois tipos: (i) Objeto Dinâmico (ii) Objeto Imediato. O Objeto Imediato é o objeto tal como está expresso pelo signo. Já o Objeto Dinâmico é o objeto real, aquilo que o signo não o representa de forma absoluta. Na estrutura Objeto, Signo e Interpretante, o Objeto Imediato é o modo como o Objeto Dinâmico se apresenta para o interpretante. O Objeto Dinâmico é sempre mediado; ele mesmo não é representado, e eis um problema que a tradição filosófica sempre trabalhou. Isto é, uma coisa é a forma na qual algo é representado, algo que diz acerca de um conjunto de propriedades, outra forma, é todo o conjunto de propriedades de um objeto ser representado. Assim, o Objeto Imediato é esse conjunto de propriedades que são representadas pelo signo para um interpretante, algo totalmente diferente da representação se possível -, de todas as propriedades de um objeto, algo que Peirce define como Objeto Dinâmico. Caso fosse possível
12 38 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa representar todas as propriedades do Objeto Dinâmico, não haveria erro ou lacuna no conhecimento da perspectiva daquilo que é representado. Problema que até então nenhuma ciência conseguiu resolver. Se admitirmos tal capacidade representativa, então, o erro real da representação não deveria estar na matriz do objeto, mas do Interpretante. Do outro lado da tríade há a noção lógica de Interpretante, que não é definida pelo termo interpretação, leitura, etc, mas, denota o lugar ou condição real no qual o signo toma forma. Logo, Interpretante é sinônimo de condição real em que o signo deve representar de alguma forma o objeto. Sem a noção de Interpretante, não haveria a noção de signo, e nem de objeto para o signo, dado que tal relação é triádica. Assim, a noção de Interpretante é ampla, e Peirce a divide em três modos: Interpretante Imediato, Interpretante Dinâmico e Interpretante Final. (i) Interpretante Imediato refere-se aquilo que o signo está apto a produzir. Significa uma propriedade ainda não atualizada. Ex: Antes de Jean- François Champollion conseguir decodificar os hieróglifos Egípcios, todas as informações ali contidas nada significavam de fato, apenas um potencial ainda não explorado da cultura egípcia. (ii) Interpretante Dinâmico refere-se ao que o signo efetivamente produz em uma mente, o que pode ser descrito em três níveis. Interpretante Emocional (o efeito se realiza como qualidade de sentimento), Interpretante Energético (o efeito se realiza como uma ordem física, psicológica, ou ação mental); e Interpretante Lógico (em que o efeito se realiza como uma regra ou lei de interpretação). Nessa tríade, primeiro os hieróglifos provocariam admiração, sem nada denotar; segundo, a admiração seria vista nas formas ali
13 P á g i n a 39 Semiótica enquanto Categoria da Representação: a necessidade formal da categoria contidas, denotando algum sentido, mas nenhum significado; terceiro os hieróglifos seriam decodificados exaustivamente, denotando algum significado. (iii) Interpretante Final refere-se ao efeito real e geral no qual todo signo levado a cabo no processo semiótico pode produzir, entretanto, tal processo para ocorrer evocaria exaustivamente todos os interpretantes dinâmicos. (Nesse Interpretante todas as condições dos interpretantes anteriores teriam ocorrido exaustivamente, alçando um grau altíssimo de significação). Na Tríade Semiótica, no entanto, a primeira estrutura não é o Objeto, nem o Interpretante, mas, o Signo. O Signo exerce uma função mediativa, na qual um objeto é posto em relação a um interpretante. Nessa relação, entende-se que o Objeto gera um Signo para um Interpretante. Entretanto, a ação lógica na qual a Semiótica se insere, define o Signo enquanto o primeiro correlato da tríade, em que um objeto só é posto a um interpretante, graças ao signo. Assim, o Signo é todo e qualquer mecanismo no qual um objeto para ser pensado por um interpretante, deve assumir, isto é, passar pelo signo. Logo o signo denota um objeto, sendo o objeto denotado o objeto do signo. Essa estrutura se articula em diferentes níveis, desde a simples qualidade na qual um signo denota um objeto chamado Ícone, passando por uma relação existente como um Índice, até chegar a uma estrutura triádica genuína, que gera em tal ação uma lei ou hábito, classificado por Peirce de Símbolo. Ícone, Índice e Símbolo são as relações que o signo estabelece com seu objeto. Mas, há também duas outras relações. A 1º a relação do signo consigo mesmo; e 2º a relação do signo com seu interpretante. O
14 40 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa quadro abaixo mostra a tricotomia 15 que é mais explorada na semiótica peirceana, tricotomia que enfatiza a relação que o signo exerce com a tríade semiótica: Signo mesmo consigo Signo com seu Objeto Quali-signo Ícone Rema Sin-signo Índice Dicente Signo com seu Interpretante Legi-signo Símbolo Argumento Ao extrair da Fenomenologia, em especial, da terceira Categoria à noção de representação, Peirce, insere as propriedades da Semiótica. Isto significa que a Semiótica pensada enquanto Categoria da Representação, diz de um modo peculiar da experiência, que analisa todo e qualquer signo, em seus diversos níveis de significação, conforme exposto pela tabela acima. Assim, ao analisar os modos pelos quais algo que é posto à mente pode ser conhecido, Peirce está fundamentando uma Ciência Formal do Pensamento, e logo uma Teoria do Conhecimento. 4. Conclusão Habitualmente atribui-se à Semiótica a definição de uma ciência que se ocupa única e exclusivamente da 15 Embora a tricotomia acima seja a mais explorada, Peirce estabelece 10 tricotomias, ou seja, 10 divisões triádicas do signo, o que gera por análise combinatória 64 classes de signos, ocasionado cerca de tipos de signos logicamente possíveis. Cf. SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2000.
15 P á g i n a 41 Semiótica enquanto Categoria da Representação: a necessidade formal da categoria Linguagem. Entretanto, tal definição possui um erro conceitual, qual seja, que a Semiótica não é uma Ciência da Linguagem, mas sim, uma espécie de Teoria do Conhecimento. Sendo a Semiótica uma Teoria do Conhecimento, ela deve se ocupar com as condições reais e formais do próprio conhecimento. Logo, seu domínio deve se restringir apenas a estruturas formais, que possibilite dizer da realidade e do conhecimento, e isto inclui a própria linguagem. Tal domínio da Semiótica - Gramática Pura ou Especulativa - pretende responder à questão de como uma Qualidade pode se ligar à Relação? Para responder essa questão Peirce inicia-se pela análise da experiência, admitindo que algo possa ser extraída dela. Da análise da experiência são extraídas três categorias gerais que dizem de modo concreto o que define algo posto à mente. Surge então, no campo da Fenomenologia as Categorias do Pensamento e da Natureza, que definem de forma triádica a possibilidade de uma experiência real. A primeira e segunda categoria, isto é, Qualidade e Relação são insuficientes para responder questões importantes para a ciência, como por exemplo, como é possível 3+2=5 ou como podemos nos referir de modo acurado a algo não expresso imediatamente. Desse problema inicial, Peirce extrai a Categoria da Representação, que define a condição real que liga uma Qualidade a uma Relação para fora do fluxo da presentidade, dado que a presentidade nela mesma é ilusória, por não admitir conceitualmente análise. Surge então, no itinerário das Ciências da Descoberta à Semiótica, ou Ciência da Representação, que pretende analisar e traçar todas as formas possíveis de Representação. Tal ciência é uma ciência formal, pois define apenas formalmente as condições de
16 42 P á g i n a Paulo Henrique Silva Costa Representação. Assim, o fenômeno que é do domínio da Fenomenologia é transposto para a Semiótica a partir da Categoria terceira de Representação. Nesses termos, o signo não é um fenômeno, mas, é uma estrutura diferente do fenômeno, dado que o signo denota uma relação triádica conceitual signo, objeto, e interpretante e o fenômeno não. Assim, justifica-se a necessidade de uma Ciência Formal da Representação que é criada enquanto a ciência da representação em signos chamada por Peirce de Semiótica Formal. Referências HOUSER, Nathan: KLOESEL, Christian (Ed). The essential Peirce: selected philosophical writings. Bloomington: Indiana University, IBRI, Ivo Assad. Kósmos Noétós: a arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo: Perspectiva, MISAK, Cherd. The Cambridge companion to Peirce. Cambridge: Cambridge University, PEIRCE, Charles Sanders. The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Harvard: Harvard University, Escritos Coligidos. Trad. Armando Mora D Oliveira e Sérgio Pomeranglum. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores). Ilustrações da lógica da ciência. Trad. Renato Rodrigues Kinouchi. 2. ed. Aparecida: Idéias e Letras, Semiótica e Filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, Matrizes da Linguagem e pensamento: sonora visual verbal. 3.ed. São Paulo: Iluminuras, O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, STANFORD, Encyclopedia of Philosophy. Acesso em 03 de Março de 2012:
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