A Bioeletricidade Sucroalcooleira e o Hiato entre Oferta Potencial e Oferta Efetiva 1. Nivalde José de Castro 2 Guilherme de A.
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1 A Bioeletricidade Sucroalcooleira e o Hiato entre Oferta Potencial e Oferta Efetiva 1 Nivalde José de Castro 2 Guilherme de A. Dantas 3 Introdução A utilização de fontes renováveis de energia e de processos de produção de energia com maior eficiência são os dois instrumentos existentes parar atenuar o conflito entre segurança do suprimento energético e sustentabilidade ambiental, o qual se apresenta de forma tão latente no início do século XXI e tende a se constituir em um grande desafio para a humanidade ao longo do presente século. A matriz energética brasileira é privilegiada pois possui uma participação de 44,9% de fontes renováveis de energia comparada a uma média mundial de 13,2% (MME, 07). Contudo, ainda existe um imenso potencial de fontes renováveis a serem exploradas no território brasileiro, entre as quais, a geração de eletricidade a partir da biomassa, mais especificamente a bioeletricidade sucroalcooleira. A estrutura atual do setor elétrico e a conjuntura energética mundial são extremamente favoráveis a inserção da bioeletricidade sucroalcooleira que é uma fonte renovável de energia produzida através do processo de co-geração, o qual é um processo de elevada eficiência energética. Além das externalidades ambientais, a bioeletricidade sucroalcooleira apresenta uma série de externalidades econômicas e sociais (, gerar empregos no campo e utilizar bens de capital produzidos no Brasil) e reforça a segurança energética por se tratar de uma fonte de geração distribuída, complementar a geração hídrica. A opção dos agentes do setor sucroalcooleiro de priorizarem o auto-suprimento de energia não possuindo interesse na comercialização de excedentes de energia elétrica assim como os entraves que ainda hoje justificam a inércia de parte do setor em realizar investimentos em tecnologias mais eficientes não são o objeto de análise do presente artigo. Dada a importância estratégica da inserção da eletricidade gerada a partir da biomassa na matriz elétrica brasileira, o foco analítico deste artigo é mostrar como tem evoluído a capacidade instalada de co-geração nas usinas sucroalcooleiras e compará-lo com o imenso potencial de expansão da geração de eletricidade a partir da biomassa da cana de açúcar. 1 Publicado no IFE - Informativo Eletrônico do Setor Elétrico. Rio de Janeiro, n.º 2.213, 28 de fevereiro de 08 2 Professor da UFRJ e coordenador do GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia. 3 Mestre em Economia e Pesquisador do GESEL/UFRJ.
2 O trabalho está dividido em duas partes. Na primeira parte após uma breve análise da autosuficiência energética do setor sucroalcooleiro e a atual oportunidade de comercialização dos excedentes de energia elétrica são apresentado os dados referentes à evolução da potência instalada nas usinas e a divisão entre a energia gerada para auto-consumo e a energia gerada visando à comercialização. Nesta parte, serão ressaltadas as diferenças existentes entre as estimativas da União da Indústria da Cana de Açúcar (ÚNICA) e as estimativas realizadas pela Aneel e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), diferenças estas justificadas pelo caráter recente da comercialização de bioeletricidade e sua ainda reduzida participação na matriz elétrica brasileira. Na segunda parte do trabalho é apresentado o potencial de geração de energia elétrica a partir da cana de açúcar e o custo do investimento em tecnologias mais eficientes capazes de gerarem um maior excedente de energia elétrica comercializável. 1- Evolução dos Dados de Co-Geração no Setor Sucroalcooleiro Brasileiro O setor sucroalcooleiro brasileiro é tradicionalmente auto-suficiente em termos energéticos. A utilização do bagaço como combustível responde por 98% das necessidades energéticas das usinas (CORRÊA e RAMON, 02). De acordo com SOUZA E AZEVEDO (06), os agentes do setor sucroalcooleiro realizam investimentos em tecnologias de co-geração mais eficientes visando à garantia preventiva de sua auto-suficiência energética dentro da lógica de integração vertical, sendo a comercialização de excedentes de energia elétrica um negócio secundário. Porém, o surgimento do nicho de negócio de comercialização da bioeletricidade tende a colocar a eletricidade como um terceiro produto ofertado pelo setor sucroalcooleiro a ser transacionado no mercado juntamente com o álcool e com o açúcar. A concretização da comercialização de eletricidade como mais um mercado onde atua o setor sucroalcooleiro brasileiro pode ser comprovada pelo considerável aumento da quantidade de energia negociada pelas usinas. Como ilustração, a CPFL, distribuidora paulista com maior participação na compra da bioeletricidade, comprou no ano de GWh enquanto que no ano de 00 havia contratado junto às usinas sucroalcooleiras modestos 180 GWh (WAINSTOK, 05). O aumento da potência instalada de co-geração nas usinas sucroalcooleiras deve considerar suas duas vertentes. Por um lado o aumento absoluto da potência instalada oriundo do ciclo expansivo do setor que resulta em uma maior demanda de energia para a produção de álcool e de açúcar e pela gradativa entrada do setor sucroalcooleiro no mercado de comercialização de energia elétrica. Ao mesmo tempo, verifica-se um aumento da participação relativa da energia destinada ao mercado em detrimento a participação da energia gerada para auto-consumo, comprovando a importância que a comercialização de energia elétrica vem assumindo para as usinas de álcool e açúcar. Existem relevantes diferenças entre os dados referentes à potência instalada de geração de bioeletricidade no setor sucroalcooleiro estimados pelos órgãos privados, leia-se UNICA, e os dados publicados por órgãos estatais. Em 05 a UNICA estimava em 2800 MW a capacidade instalada, dos quais 20 MW eram destinados ao consumo próprio e os demais 600 MW eram comercializados. Por outro lado, a Aneel estimava no mesmo ano uma potência instalada de 2233 MW. Segundo KITAYAMA (07b), tal diferença origina-se no fato da Aneel não contabilizar a produção de todas as unidades existentes no Brasil.
3 Embora existam divergências de valores absolutos entre as estimativas das empresas privadas e do Estado, a expansão da potência instalada é nítida em ambas as análises. As tabelas 1, 2 e 3 apresentam dados da Cogen-SP de 05 relativos a expansão da geração de eletricidade no setor sucroalcooleiro, seja através da construção de novas usinas ou de aprimoramentos tecnológicos nas plantas de produção já existentes. Tabela 1 Projetos Prontos para Operar 07/08 Empresa Usina L.Ambiental(LI) MW 1 COSAN Diamante 24/11/ COSAN Ipaussú 31/07/ COSAN Santa Helena 19/09/ COSAN São Francisco 09/03/ SANTA ELISA Santa Elisa 29/06/ SANTA ISABEL Santa Isabel 18/10/ SANTA ISABEL Fartura 18/10/ DEDINI São João 10/09/ MB MB 29/04/ SÃO DOMINGOS São Domingos 18/11/ COSAN Rafard 18/03/ COSAN Costa Pinto 29/04/ FLORALCO Flórida Paulista 22/09/04 51 Total (13 usinas) 417 Fonte: VEIGA (05). Tabela 2 Upgrade de Usinas Existentes Empresa Usina MW Empresa Usina MW 1 ALBERTINA Albertina 14 NOVA AMERICA Nova América 2. ALTO ALEGRE Alto Alegre TAVARES MELO Passatempo 10 3 VIRGOLINO 4 CENTRALCOOL Catanduva Centralcool 16 PITANGUEIRAS 17 VIRALCOOL Pitangueiras Pitangueiras VALE DO SAPUCAÍ Cevasa 18 SANTA FÉ Santa Fé 6. COLOMBO Colombo S. FRANCISCO São Francisco 21 7 COSAN Da Barra 70 ZILLO São José 8 OSWALDO RIBEIRO Colorado COSAN Univalem 40 9 CORONA Corona CORURIPE Coruripe COSAN Gasa CAETÉ Delta BEGHIN-SAY Guarani 24 GIASA Giasa 12 COINBRA Luciania 40 ESTIVAS Estivas NARDINI Nardini 26 DASA Dasa GOIANÉSIA Gianésia 5 Total (27) 764 Fonte: VEIGA (05).
4 Tabela 3 Usinas em Construção em 05 Investidor Investidor 1. Denusa 2. Vale do Paranaíba 3. Brasilândia 4. Sonora Estância 5. Itamarati 6. São Gabriel 7. JB 8. Pumaty 9. Cocamar 10. Goio Erê 11. Sabarálcool 12. Sta Terezinha 13. Itapagipe 14. Sta Helena 15. Lasa 17. Alta Floresta 18. Andrade 19. Batatais. São João (Araras) 21. Dacal 22. São Luiz 23. São Martinho 24. Zillo. Eldorado 26. Vale do Verdão 27. Volta Grande 28. São João (Quirinópolis) 29. Pagrisa 30. Paineiras 31. Junqueira 16. Dois Córregos Total (31) 1000 MW Fonte: VEIGA (05). Dado o caráter recente da bioeletricidade como mercado, ainda não existem estimativas precisas da capacidade instalada. É comum haver confusão entre a potência efetiva, a potência contratada e o potencial de geração. De acordo com KITAYMA (07b), na última safra a potência estimada para auto-consumo foi de 3000 MW enquanto que a potência de aproximadamente 900 MW foi destinada a comercialização, totalizando uma potência de aproximadamente 3900 MW. Segundo o autor, a UNICA contratou o Centro de Tecnologia Canavieira para a contabilização exata da potência instalada nas usinas e do potencial de geração existente, entretanto, o trabalho ainda não foi concluído. Em contraste com os dados da UNICA, EPE (07) estima em 2677 MW a potência instalada do setor sucroalcooleiro, dos quais 659 MW é a potencia disponível ao mercado em 07. A tabela 4, a partir de dados da UNICA, mostra a evolução da energia comercializada pelas usinas sucroalcooleiras e a estimativa de auto-consumo atual.
5 Tabela 4 Evolução do Auto-Consumo e da Exportação de Bioeletricidade Ano (MW) Total (MW) (crise) (Proinfa) (Leilão) (Leilões) (Leilão) Auto Consumo Atual Total 5409 Fonte: Adaptado de KITAYAMA (07a). 2 O Potencial de Geração de Bioeletricidade e os Custos de Investimento O potencial de produção de bioeletricidade é função da disponibilidade de biomassa a ser utilizada como combustível e da tecnologia empregada. Desta forma, as projeções do potencial de energia elétrica a ser produzida pelo setor sucroalcooleiro dependem das premissas adotadas. As estimativas da disponibilidade de combustível não possuem grandes divergências. Na safra 06/07 foram produzidas 4 milhões de toneladas de cana pelo setor sucroalcooleiro, possibilitando a produção de 17,5 bilhões de litros de álcool e 29,5 milhões de toneladas de açúcar. Conforme ÚNICA (07), a projeção para a safra 12/13 é de uma colheita de aproximadamente 700 milhões de toneladas de cana para uma produção de 36 bilhões de litros de álcool e 39 milhões de toneladas de açúcar. Portanto, o ciclo expansivo do setor sucroalcooleiro irá garantir uma oferta crescente de bagaço da cana de açúcar. Além disso, o gradativo fim do método da queimada na colheita da cana 4 irá disponibilizar um enorme adicional de biomassa a ser utilizado como combustível. Mesmo admitindo-se que parte da palha deve ser mantida no campo para proteger o solo, a utilização da palha como combustível representará um sensível aumento da quantidade de combustível para a geração de bioeletricidade. No que se refere à tecnologia adotada, os cenários desenhados sofrem sensíveis variações de acordo com as premissas assumidas. De acordo com CORRÊA E RAMON (02), a tecnologia de ciclo de contrapressão modificada para a geração máxima de excedentes pode produzir em torno de 30 KWh excedentes por tonelada de cana enquanto que a tecnologia de condensação e extração pode produzir 80 KWh de energia excedente por tonelada de cana. Por sua vez, tecnologias que utilizam a gasificação da biomassa são capazes de produzirem em torno de 300 KWh por tonelada de cana. 4 Atualmente 40% da colheita de cana no estado de São Paulo já é realizada de forma mecanizada. O Governo Paulista pretende eliminar totalmente a prática da queimada até 17.
6 A adoção do cenário tecnológico deve levar em consideração sua viabilidade económica. Segundo FERREIRA (07), plantas com a tecnologia de extra-condensação capazes de gerarem 80 KWh excedentes por tonelada de cana possuem atualmente um custo de R$3000,00 por KW. O autor relata que tecnologias que utilizem a gasificação da biomassa ainda são inviáveis economicamente. Existem relevantes divergências entre as análises de viabilidade econômica de investimentos em plantas com maior capacidade de geração de eletricidade dos agentes privados do setor e do governo. Os usineiros alegam ser necessário uma remuneração de R$ 2,00 por MWh para viabilizar o empreendimento, embora transacione a bioeletricidade em leilões na faixa de R$ 140,00 por MWh. Por sua vez, o governo alega que o limiar de viabilidade da bioeletricidade sucroalcooleiro é muito inferior ao MWh exigido pelos usineiros, os quais estão acostumados com taxas de retorno superiores a % no setor sucroalcooleiro e não se satisfazem com a taxa de retorno média de 12% do setor elétrico. Com o intuito de atender o objetivo de ter a bioeletricidade sucroalcooleira como backup do suprimento elétrico brasileiro, o governo analisa a possibilidade de realizar os investimentos necessários para a maximização da geração de bioeletricidade sucroalcooleira ofertando à usina a energia que a mesma necessite para atender as suas necessidades. Certamente as disputas por mais R$ por MW e pela busca da modicidade tarifária chegarão a um meio termo. EPE (07) adota premissas conservadoras ao estimar uma potência instalada de aproximadamente 5100 MW em 16, como pode ser visto na tabela 5. Por outro lado, as projeções de KITAYMA (07) são mais otimistas e considera os cenários de utilização apenas do bagaço da cana de açúcar e cenários onde também é utilizada a palha como combustível, conforme pode ser verificado na tabela 6. Tabela 5 Limites da Oferta Potencial de Bioeletricidade para Comercialização Fonte: EPE (07).
7 Tabela 6 Potencial de Exportação de Bioeletricidade Fonte: KIYTAYAMA (07a). Conclusão A bioeletricidade sucroalcooleira é uma energia renovável gerada de forma extremamente eficiente. Além disso, apresenta externalidades nas esferas económica e social. Estas qualificações indicam que ela terá uma maior participação na matriz energética brasileira. A geração de energia elétrica nas usinas sucroalcooleiras vem apresentando sensível aumento para atendimento das necessidades de auto-suprimento das usinas em um cenário de expansão da produção de álcool e de açúcar setor e devido ao crescimento expressivo da exportação de eletricidade. A implementação de tecnologias mais eficientes e a utilização da palha como combustível permite se vislumbrar um imenso potencial de geração de bioeletricidade nos próximos anos. Hoje o ponto central é de definição do valor do MW a ser negociado nos contratos de longo prazo. A dificuldade maior que se vem encontrando para a maior participação deste recurso energético na matriz pode ser sintetizada na diferença de taxa de retorno verificada no setor sucroalcooleiro e o setor elétrico. Como se trata de uma dificuldade monetária a sua superação não deve tardar.
8 Referências CORRÊA NETO, V; RAMON, D. Análise de Opções Tecnológicas para Projetos de Cogeração no Setor Sucroalcooleiro. Setap. Brasília, 02. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Plano Decenal de Expansão de Energia 07/16. Brasília, 07. FERREIRA, J. Custos de Plantas de Co-Geração Sucroalcooleiras. Entrevista concedida à Guilherme de Azevedo Dantas em 04/09/07. KITAYMA, O (a). Tecnologia e operação de unidades de bioeletricidade a partir de biomassa de cana-de-açúcar condições operacionais. In: Cogeração de Energia a Bagaço de Cana no Estado de São Paulo. São Paulo, 07. KITAYMA, O (b). Divergências dos Dados de Co-geração. Entrevista concedida à Guilherme de Azevedo Dantas em 05/11/07. MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Resenha Energética Brasileira do Exercício 06 (preliminar). Brasília-DF, 07. SILVETRIN, C. Inserção da Bioeletricidade na Matriz Energética. In: Bioeletricidade: A Segunda Revolução Energética da Cana de Açúcar INEE; BNDES. Rio de Janeiro, 05. SOUZA, Z; AZEVEDO, P. Energia Elétrica Excedente no Setor Sucroalcooleiro: um estudo a partir de usinas paulistas. Revista de Economia e Sociologia Rural. Brasília-DF, 06. UNICA. Produção e uso do Etanol combustível no Brasil: Resposta às questões mais frequentes. São Paulo, 07. VEIGA, M. Perspectivas da Inserção da Bioeletricidade. In: Bioeletricidade: A Segunda Revolução Energética da Cana de Açúcar INEE; BNDES. Rio de Janeiro, 05. WAINSTOK, R. Comercialização de Energia: Bioeletricidade e Vantagens da Associação. In: Bioeletricidade: A Segunda Revolução Energética da Cana de Açúcar INEE; BNDES. Rio de Janeiro, 05.
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