O pedido que fazem directamente à Ordem dos Médicos prende-se, fundamentalmente, com a vertente ético-deontológica e técnico profissional.
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- Eugénio Sabrosa Barreiro
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1 ASSUNTO: Revistas e perícias médico-legais - O problema do Consentimento do examinando nas intervenções determinadas por decisão judicial no decurso dos poderes de investigação - Crimes de tráfico de Estupefacientes Parecer A Direcção de um Serviço de Urgência Hospitalar colocou-nos a seguinte situação: A pedido do Ministério Público são presentes na urgência do aludido Hospital inúmeros cidadãos para os quais o Procurador Adjunto ordena revista e perícia médica nos termos e para os efeitos dos artigos 174º, nºs 1 e 3 e 175º, ambos do Código de Processo Penal e artigo 53º do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro (Tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas). A consulente refere, ainda, que alguns dos utentes admitidos na urgência colocam problemas muito particulares tanto às equipas de saúde como ao próprio hospital, já que recusam submeter-se a qualquer exame complementar de diagnóstico e/ou terapêutica, a qualquer vigilância e observação médicas e, inclusive, à tomada de alimentos e ingestão de líquidos. O pedido que fazem directamente à Ordem dos Médicos prende-se, fundamentalmente, com a vertente ético-deontológica e técnico profissional. Tais abordagens são das competências específicas do Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas e do Conselho Nacional do Exercício Técnico da Medicina. Não obstante e no sentido de enquadrar a situação em apreço numa visão global da problemática em causa julgamos útil ter em consideração as notas que infra se
2 explicitam. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO É sabido que a lei processual penal atribui ao juiz o dever e o poder de investigar no sentido da descoberta da verdade para a boa decisão da causa. Para tal pode aquele ordenar a produção dos meios de prova que repute necessários. Não obstante, a procura da verdade não justifica a utilização de todos os meios de prova disponíveis pelo juiz. A lei impõe restrições. Assim e para que possamos analisar com o devido cuidado a situação que nos foi colocada há que precisar o regime legal das revistas e dos exames e perícias médico-legais, previsto no Código de Processo Penal (C.P.P). O artigo 174º do C.P.P. determina que se efectue revista quando houver indícios que alguém oculta na sua pessoa qualquer objecto relacionado com o crime ou que possam servir de prova. 1 A regra é, pois, a de que as revistas e buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho, pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que 1 Artigo 174º do Código de Processo Penal 1- Quando houver indícios que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista. 2- Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em local reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca. 3- As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência. 4- Ressalvam-se das exigências contidas no número anterior as revistas e buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos: a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; E(PTXHRVYLVDGRVFRQVLQWDPGHVGHTXHRFRQVHQWLPHQWRSUHVWDGRILTXHSRUTXDOTXHUIRUPDGRFXPHQWDGRRX c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
3 possível, presidir à diligência. No entanto, o artigo 174º, n.º 4 e o artigo 251º 2 do C.P.P. prevêem casos em que as revistas e buscas podem realizar-se sem autorização ou ordem das autoridades judiciárias, ou seja podem ser efectivadas pelos órgãos de polícia criminal. Deste modo, a par da regra geral, existem situações especiais em que é legalmente conferida aos órgãos de polícia criminal, e sem prévia autorização da autoridade judiciária competente, a faculdade de proceder por sua própria iniciativa a revistas e buscas, quando a urgência o exigir. O Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, que contém o regime geral dos crimes de tráfico e consumo de estupefacientes, no seu artigo 53º, prevê uma situação característica de revista, consignando um determinado formalismo a seguir. Assim, preceitua o mencionado artigo que quando houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, deve ser ordenada revista (e se necessário, proceder-se a perícia). Porém, na falta de consentimento do visado, mas sem prejuízo da realização urgente de perícia adequada à determinação do seu estado (se o arguido for toxicodependente), a realização da revista (e da perícia) depende da autorização prévia da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, 2 Artigo 251º 1 - Para além dos casos previstos no artigo 174º, n.º 4, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária: a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar onde se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se. b) À revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer acto processual, sempre que houver razão para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência.
4 presidir à diligência. Também neste sentido, o da obrigatoriedade da realização dos exames e perícias sem o consentimento do examinando, vai o artigo 6º, n.º 1 da Lei 45/2004 3, de 19 de Agosto, que estabelece o regime das perícias médico-legais, ao indicar: 1 - Ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária competente, nos termos da lei. Assim, toda a pessoa que, depois de devidamente advertida das consequências penais do seu acto, se recuse a ser submetida a revista (e/ou perícia) autorizada, Sobre a realização de perícias urgentes importa ter em atenção o artigo infra transcrito. Facto é que pelo elemento literal do preceito não decorre em nosso entender o enquadramento na situação em apreço. Artigo 13.º Realização de perícias urgentes 1 - Consideram-se perícias médico-legais urgentes aquelas em que se imponha assegurar com brevidade a observação de vítimas de violência, tendo designadamente em vista a colheita de vestígios ou amostras susceptíveis de se perderem ou alterarem rapidamente, bem como o exame do local em situações de vítimas mortais de crime doloso ou em que exista suspeita de tal. 2 - Para a realização das perícias médico-legais urgentes a que se refere o número anterior haverá, diariamente, em cada delegação e gabinete médico-legal, um perito em serviço de escala, sendo da responsabilidade do director da delegação ou do coordenador do gabinete médico-legal indicar, para cada mês, os médicos escalados. 3 - Para assegurar a realização de perícias médico-legais urgentes fora do horário normal de funcionamento dos serviços, as delegações do Instituto e os gabinetes médico-legais elaboram e remetem às autoridades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal da respectiva área de actuação a lista dos peritos em serviço de escala no mês seguinte, indicando os seguintes elementos: a) Nome dos peritos; b) Período de tempo assegurado por cada perito; c) Contacto de cada perito durante o respectivo período de prevenção. 4 - O disposto nos n.os 2 e 3 só se aplica aos gabinetes médico-legais em funcionamento que disponham de peritos do quadro do Instituto em número suficiente para assegurar o período de prevenção. 5 - As perícias médico-legais urgentes relativas a vítimas de agressão realizadas fora das horas normais de funcionamento dos serviços médico-legais poderão ter lugar em serviços de urgência de hospitais públicos ou outros estabelecimentos oficiais de saúde, dependendo, neste último caso, da prévia celebração de protocolos de cooperação entre estes e o Instituto. 6 - Nas situações previstas no n.º 4, excepcionalmente, sempre que se verificar o impedimento do perito médico de escala ou nas comarcas não compreendidas na área de actuação das delegações ou dos gabinetes médico-legais em funcionamento, pode a autoridade judiciária nomear médico contratado para o exercício de funções periciais ou médico de reconhecida competência para a realização de perícias médicolegais urgentes. 7 - O Instituto ou os médicos referidos no número anterior podem cobrar, por cada perícia médico-legal urgente efectuada, os preços previstos em tabela aprovada por portaria do Ministro da Justiça, valendo as quantias arbitradas como custas do processo
5 incorre na prática de um crime de desobediência, punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (art. 348º do Código Penal). No entanto, os exames que sejam susceptíveis de ofender o pudor das pessoas examinadas só podem ser ordenados quando revistam carácter de absoluta necessidade e visem assegurar as finalidades do processo penal, respeitando-se a dignidade de quem a eles se submeter. A estes exames só assistem as pessoas que a eles procederem e a autoridade judiciária competente e, nos casos em que não haja perigo na demora, esta deve informar o examinando de que pode fazer-se acompanhar de pessoa da sua confiança. Ora, do que supra ficou exposto resulta, pelo menos do regime legal, que a autoridade judiciária competente pode compelir determinada pessoa que pretenda eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou se recuse a facultar coisa que deva ser objecto de exame, a submeter-se a este. Tudo aponta para que os bens e valores juridicamente tutelados pelo direito penal justifiquem, em regra, a restrição da liberdade e da integridade física ou moral das pessoas em determinado crime como é o caso do tráfico de estupefacientes 4. Julgamos que, na situação em apreço, se aplica a regra desde que cumpridas as exigências legais. Ainda numa perspectiva estritamente processual dir-se-à que, face à legislação sobre perícias médicas e à competência atribuída ao Instituto de Medicina Legal, 4 De notar que o art. 51 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, equipara, para os efeitos da aplicação da lei processual penal, as condutas típicas do tráfico de estupefacientes aos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada.
6 os pedidos feitos ao Serviço de Urgência de um Hospital não serão, por regra, correctos. Todavia, só aprofundando melhor todos os circunstancialismos próprios de cada caso e da Comarca em causa é que poderíamos, com fundamento, abordar esta vertente do problema. DO ENQUADRAMENTO DEONTOLÓGICO Sob o ponto de vista ético e deontológico e como a consulente refere os médicos envolvidos ficam numa situação delicada quando as pessoas que lhes são presentes se recusam a ser vigiadas e medicamente observadas, não aceitam a sujeição a exames complementares de diagnóstico ou terapêutica nem a tomada de alimentos ou ingestão de líquidos. Nesta vertente o dilema é:. Aceitar a ordem do Tribunal que determina a realização compulsiva de um exame médico e desse modo agir contra a vontade expressa do examinando, o que aparentemente parece representar uma violação aos princípios éticos do respeito pela autonomia do paciente e da beneficência, ou. Não acatar a ordem judicial por respeito à vontade do examinando e por entenderem estar em causa o princípio da independência próprio da sua profissão (art. 4º do CDOM) 5 e, bem assim, outras normas deontológicas, como sejam aquelas que se referem aos doentes privados de liberdade (arts. 56 e 57 do ARTIGO 4.º (Independência dos Médicos) 1. O Médico, no exercício da sua profissão, é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus actos, não podendo ser subordinado à orientação técnica e deontológica de estranhos à profissão médica no exercício das funções clínicas. 2. O disposto no número anterior não contraria a existência de hierarquias técnicas institucionais legal ou contratualmente estabelecidas, não podendo em nenhum caso um Médico ser constrangido a praticar actos Médicos contra sua vontade
7 CDOM) 6, correndo desse modo o risco de perpetrar o crime de desobediência. Façamos, então, um esforço de fundamentação da nossa posição que, diga-se desde já, vai no sentido de compatibilizar a deontologia com a situação excepcional prevista nas leis penais e processuais penais. Por tudo o que acima ficou dito o princípio da auto-determinação daquele que é sujeito a revista e perícia médicas está prejudicado, no caso em análise, pela ponderação de valores sociais prosseguidos pelas leis penais e processuais penais no âmbito da prevenção e punição do tráfico de estupefacientes. Por via da excepção criada julgamos que a atitude ético deontológica não deverá ser a de confrontação com base no sobredito princípio mas, antes sim, a de harmonização com as obrigações legais, salvo situações que possam perigar ou prejudicar gravemente a saúde ou a vida do examinando. Respeitar-se-ia, deste modo, o princípio da não maleficência e o preceituado nos arts. 26º, 28º, 33º, entre outros do CDOM. ARTIGO 56.º (Princípio Geral) 1. O Médico que preste, ainda que ocasionalmente, cuidados clínicos em instituições em que o doente esteja, por força da lei, privado da sua liberdade, tem o dever de respeitar sempre o interesse do doente e a integridade da sua pessoa, de acordo com os preceitos deontológicos. 2. Sempre que possível, o Médico deve impedir ou denunciar à Ordem dos Médicos qualquer acto lesivo da saúde física ou psíquica dos presos, nomeadamente daqueles por cuja saúde é responsável. ARTIGO 57.º (Greve da fome) 1. Quando o preso ou detido recusar alimentar-se, o Médico, tendo verificado que o mesmo está em condições de compreender as consequências da sua atitude e delas tomou conhecimento, deve abster-se de tomar a iniciativa ou de participar em actos de alimentação coerciva, ainda que perante perigo iminente da vida. 2. A verificação prevista no numero anterior deve ser confirmada por outro Médico estranho à instituição prisional.
8 Há, ainda, uma outra hipótese a considerar. Perante uma situação concreta que possa ferir a consciência moral do médico este sempre poderá invocar a objecção de consciência 7 para não praticar determinados actos. Em suma, caso o médico não dê cumprimento ao ordenado pelo Tribunal, só poderá justificar a sua conduta com a alegação e prova de que o acto ordenado pode prejudicar a saúde ou a vida do doente, com a objecção de consciência devidamente fundamentada ou com a invocação da persistência e oposição física do visado em não consentir. EM CONCLUSÃO:. Quando houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, deve ser ordenada revista e se necessário, proceder-se a perícia.. Na falta de consentimento do visado, mas sem prejuízo da realização urgente de perícia adequada, a realização da revista depende da autorização prévia da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.. A recusa a ser submetido ou a realizar a revista e/ou perícia autorizada judicialmente podem fazer com que o visado e/ou o médico incorram na prática de um crime de desobediência.. As perícias médicas devem ser realizadas, em regra, pelo Instituto de Medicina Legal.. Dado tratar-se de uma situação excepcional o médico deve conformar a sua 7 ARTIGO 30.º (Objecção de consciência) O Médico tem o direito de recusar a prática de acto da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária, ou contradiga o disposto neste Código.
9 actuação às obrigações legais.. A actuação médica só poderá ser desconforme com o ordenado judicialmente desde que prove que o acto ordenado pode prejudicar a saúde ou a vida do doente, que fundamente o seu comportamento numa objecção de consciência ou invoque a persistência e oposição física do visado em não consentir. O Consultor Jurídico Paulo Sancho Julho 2006
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