Ágora. Estudos Clássicos em debate ISSN: Universidade de Aveiro Portugal
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- Ana do Carmo Stéphanie de Barros Maranhão
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1 Ágora. Estudos Clássicos em debate ISSN: Universidade de Aveiro Portugal BRASETE, MARIA FERNANDA Giuliana Ragusa, Lira, Mito e Erotismo. Afrodite na Poesia Mélica Grega Arcaica. Campinas SP, Ed. Unicamp, 2010, 661 pp. Ágora. Estudos Clássicos em debate, núm. 14, 2012, pp Universidade de Aveiro Aveiro, Portugal Disponível em: Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
2 360 Recensõesenotíciasbibliográficas Giuliana Ragusa, Lira, Mito e Erotismo. Afrodite na Poesia MélicaGregaArcaica.CampinasSP,Ed.Unicamp,2010,661pp. (ISBN ) MARIAFERNANDABRASETE 6 CentrodeLínguaseCulturas,UniversidadedeAveiro Estaobradáseguimentoaumambiciosoprojetodeinvesti gaçãoiniciadoedesenvolvidoporgiulianaragusa,desdemeados dadécadapassada,noâmbitodoprogramadepósgraduaçãoem Letras Clássicas, Departamento de Letras Clássicas e vernáculas, FaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas,USP. Depois da publicação de Fragmentos de uma deusa: arepresentaçãodeafroditenalíricadesafo(2005)aespecialistabrasi leiraque,aolongodestesanos,setemdedicadoaumestudoconti nuado e rigoroso da representação de Afrodite na antiga poetisa delesbos,dáprovas,novolumeemepígrafe,deumtrabalhode investigação escrupuloso, bem articulado e profusamente do cumentadonoâmbitodoestudodeoutrospoetasdalíricaarcaica grega,alémdesafo.oobjetivoprincipaldestaobra,queaprópria A. apresenta, na secção preliminar de Agradecimentos, como uma «versão revisada, com acréscimos e atualizações da tese de doutoramento», defendida no ano de 2008, é retomar o percurso deinvestigaçãoquetemdesenvolvidoemtornodarepresentação dafiguradeafroditena«mélicaarcaicagrega»,alargandoocorpus textual a «cinco poetas mélicos e dezassete fragmentos»: Álcman (1,58,59ª Dav.; Alceu: 411, 296(b) e 380 Voigt; Estesícoro: S 104 e S105;223Dav.;Íbico:S151,S257(a)(fr.1,col.i),286,287,288Dav.; e Anacreonte: 346 (fr. 1), 346 (fr.4) e 357 P (p. 1718). Na secção introdutória, que aparece sob a designação de Abertura, reto mando,tãoapropósito,umtermodalinguagemmusical,aa.exa minasucintamenteacomplexidadeeapertinênciadoseuestudo, justificando a metodologia adotada e esclarecendo os critérios 6 mbrasete@ua.pt Ágora.EstudosClássicosemDebate14(2012)
3 Recensõesenotíciasbibliográficas 361 seguidos nas transliterações do grego para português, bem como nastraduçõesapresentadas(p.19en.5). Oexcelenteeprofusoestudoqueainvestigadorabrasileira apresenta agora nesta publicação, dividese em duas partes prin cipais,que,emsintoniacomocontextoprimordialdalírica/mélica gregaarcaica,sãosugestivamentedesignadaspor«primeiromovi mento Duasdelicadascomposições»e«SegundoMovimento Cinco temas para Afrodite», rematadas por um «Ensaio de Conclusão»,aqueseseguemaindaumaextensaeatualizadalista (52 páginas) de «Bibliografia Consultada», organizada alfabetica mente, e dois «Apêndices» (1. «Texto grego e tradução dos 17 fragmentos do corpus»; 2. «Texto grego e tradução de outros fragmentos mélicos dos poetas do corpus»). Além de bem conce bidaeestruturada,estaobracorrespondecabalmenteàsexpecta tivas criadas pelos objetivos enunciados no início, dando provas de que assenta num trabalho sério e muito rigoroso de pesquisa original, que equaciona novas perspetivas de análise da obra lacunardoscincopoetasmélicosemapreço. No «Primeiro Movimento Duas delicadas composições» osenunciadosdosdoiscapítulosqueocompõem(1.«enredosde umobjeto:emtornodamélicagregaarcaica»;2.«cincopoetase seus enredos: problemas de classificação e de abordagem») prenunciam,deimediato,todaaproblemáticasubjacenteàtermi nologia antiga e remanescente na teorização moderna, relativa menteaclassificaçãodosgéneros líricos gregos,ouseja,osque não se incluíam na poesia hexamétrica e na poesia dramática da época arcaica. Trazendo à colação os argumentos aduzidos por umaplêiadedeautoresconsagradosnodebatedasquestõesgeno lógicas associadas a lírica arcaica grega (nomeadamente R.Pfeiffer, M. Lekfkowitz, B. Gentili, E.L. Bowie, D. E. Gerber, F.Budelmann, entre muitos outros) a A., para evitar a ambigui dadeeosequívocosgeradosemtornodovocábulo lírica,quesó setornoucorrentenaerahelenística,explicitaasuaopçãotermi nológicosemânticadeutilizar,emsubstituição,otermo mélica, Ágora.EstudosClássicosemDebate14(2012)
4 362 Recensõesenotíciasbibliográficas atendendo ao seu sentido antigo «que mantém a distinção entre essegéneroeaelegiaeojambo,oepigrama»(p.30),etambémao factodequeeraesse«otermoemvogaentreosgregosdaépoca clássica» (p.32). Além de uma análise circunstanciada do léxico gregoantigoque,nodecursodostempos,foisendoutilizadopara designarascomposiçõespoéticasproduzidas,executadasedivul gadas numa cultura oralaural, muito distante e distinta da mo dernaconceptualizaçãodeliteratura,constituemtambémobjetode discussão outros tópicos relacionados com o peculiar contexto performativo da mélica arcaica, como por exemplo: a polémica divisão entre poesia monódia e coral, inspirada no célebre passo dasleis(764de)deplatão;asocasiões,públicasouprivadas,reli giosasoumaissecularizadas,emqueessesgénerosdecantospoé ticoseramexecutados(simpósios,festivaiscívicoreligiosos,com petições, funerais, bodas); a complexidade de interpretações rela cionadascomainserçãoda1.ªpessoadosingular(egolírico),e,em especial,quandoseassumiacomoumavozfeminina;e,evidente mente,oconhecimentolacunardeumcorpusnãosófragmentário, mas também precário, tendo em consideração as descobertas papirológicas mais recentes (e.g.: fragmentos de Estesícoro, de Íbico ou mesmo de Safo). As dificuldades de categorização das obrasdeálcman,estesícoroeíbicoeaproblemáticautilizaçãoda 1.ª pessoa do singular nas canções de Alceu e de Anacreonte permitiramàa.umabreverevisitaçãocríticaeatualizadadaobra destespoetasedocontextoemqueforamproduzidas. O«SegundoMovimento CincotemasparaAfrodite»,que constitui a segunda parte desta obra, desenvolvese ao longo de cincocapítulos:3 «AfroditeemEsparta:mito,crimeecastigono Partênio (Fr. 1 Dav.), de Álcman»; 4 «Afrodite em Troia: o ciclo mítico revisitado em Estesícoro e Íbico», (Estesícoro, Frs. S 104eS105(SaquedeTroia),223Dav.;Íbico,Fr.S151Dav.;5 «Umadeusanutriz:Afroditeebelosmeninos,emduascançõesde Íbico»,(Fr.288Dav.;Fra.S257(a)(fr.1,col.I)Dav);6 «Paisagens de Afrodite: três poetas, quatro quadros (Alceu, Frs. 41 e 296 (b) Ágora.EstudosClássicosemDebate14(2012)
5 Recensõesenotíciasbibliográficas 363 Voigt;Íbico,Fr.286Dav.;Anacreonte,Fr.346(fr.1);7 «Afrodite, Erosesuasvítimas:quatropoetas,seistramas(Alcmán,Frs.58e 59(a9dav.;Alceu,Fr.380Voigt;Íbico,Fr.287Dav.;Anacreonte, Frs.3468fr.4)e357P. Procedendo a uma exegese esclarecedora e rigorosa do célebrefr.1deálcman,vulgarmenteconhecidocomopartheneion do Louvre, onde a atribuição da autoria, questões de ecdótica, estudos métricos, discussões sobre a sua performance original são objetodecomentáriocríticomodelarmentearticuladocomaminu dente análise temáticoestilística da intricada estrutura deste fragmentolacunar,enriquecidaaindapelocotejoestabelecidocom textosdeoutrasépocasdaliteraturagregaemcausaestáainter pretação da imagem de Afrodite nessa canção, provavelmente coral,aoníveldocontextomíticoemqueseinsereenoquecon cerne à reflexão moral que se pretende veicular. No capítulo se guinte,cujocenárioétróia,asalusõesàdeusadasexualidadesão perscrutadas, com grande acuidade e rigor em três fragmentos muitolacunaresdeestesícoro(quepertenceriam,possivelmente,a poemasextensos,destinadosàexecuçãocoraloucitaródica)ena célebre OdeaPolícrates,deÍbico.Desalientar,oamploenqua dramentofilológicotemático,completadoporelucidativasleituras intertextuais, que a A. fornece dos textos em apreço, que, nasua opinião, parecem associar, em tons diferentes a deusa «Ciprogênia»aoraptodeHelena.Atravésdeumalinguagemmais epicizante,emestesícoroenumamodulaçãoencomiásticadematiz erótica,emíbico,asimagensdeafroditeedehelenaconvergem pararepresentaraforçadestrutivadabelezafemininasuperlativa, tradicionalmente considerada a causa belli que levou à destruição detroia.doencómiodabelezasenutreocapítulo5,dedicadoà análise de dois fragmentos de Íbico, considerados exemplos de paidikia, cantos encomiásticos de um adulto à beleza sedutora de um menino (pais kalos). Tanto o encómio de Euríalo, fr. S 225 (a) (fr.1,col.i),comoofr.228dav.versamoamorpederástico,consi deradotambémumaprerrogativadeafrodite,istoé,umaforma Ágora.EstudosClássicosemDebate14(2012)
6 364 Recensõesenotíciasbibliográficas de aphrodisia (p.355), apesar de ensombrado por ressonâncias sáficas (especialmente do fr. 130 Voigt, que define Eros como glykypikros, doceamargo )nadescriçãodaexperiênciadapaixão (emanadadoolhardapersonapoética)quebrotavadosolhossedu toresedaimagembemnutrida(numsentidometafórico)dome ninoamoroso.denotarqueíbicoacrescentaumnovosintomaàs patologias da paixão erótica a insónia (p. 376), e que irá ser retomado por autores posteriores. No que se refere à ocasião da performance destes fragmentos, se bem que não se possa rejeitar liminarmente a execução coral, o simpósio palaciano seria, na opiniãodaa.,oespaçomaisapropriado.nocapítulo6,dedicado às«paisagensdeafrodite»,osfragmentosselecionadosdealceu, Íbico e Anacreonte demonstram como a imagem de Afrodite transpõeodomíniodametáforaparaseconverteremmoldurade cançõesdecaráterritualefestivo,que,nocasodosfragmentosde Alceu, poderiam conciliar uma estrutura hínica (provavelmente simposiástica)aumatemáticaerotizada,coloridaeperfumadapor elementos da natureza. No fr. 286 Dav., de Íbico, a apóstrofe de Afrodite evoca as suas prerrogativas (beleza, sedução, sexua lidade)numcenáriohomoerótico,típicodeumpaidikion,talvezde caráterritual,comjovensperfumadosdeambrosiaecoroadosde grinaldas.tambémumcantoencomiásticodeumadultoaumpais kaloséofr.286dav.,deíbico,cujosversosconservadosconstitui riamopreâmbulo.ocontextodofragmentopreservadoéinequi vocamente erótico e a experiência amorosa, indiferente às varia ções sazonais, é descrita num cenário em que «anatureza se expande fértil e fecunda, plena de perfumes, cores e sabores» (p.396). Da análise circunstanciada e bem documentada do com plexo fr. 346 (fr.1) de Anacreonte ( Ode a Herotima ), concluise que a imagética configura um natureza sacropoética, matizada e odorífera,intensamentesensual,cujosespaços,pulsantesdevida, seabremefechamaolongodasestrofesquevãodoelogioaovitu pério.asfloreseosanimais,emparticularoscavalos,recobrem, neste fragmento, sentidos metafóricos inspirados na tradição Ágora.EstudosClássicosemDebate14(2012)
7 Recensõesenotíciasbibliográficas 365 míticopoética,masqueacompanhamocrescendodaodequeda imagem da parthenos progride para a imagem da porne, o que, segundo a A., pode ajudar a compreender o sentido da presença deafrodite(p.437).àsvítimasdeafroditeedeerossededicao sétimo capítulo, o último deste «Segundo Movimento». Nesta «viagemfinalpelasruínasdamélicaarcaica»(p.439),aa.analisa seis fragmentos de quatro dos poetas: Álcman, Alceu, Íbico e Anacreonte.Nocentrodasuareflexãocríticaestáautilizaçãoda 1.ªpessoadosingularpara«retrataraaçãodeAfrofitee/ouEros» (p.439).nosdoisfragmentosdeálcman(frs.58e59(a)dav.)aa. centrase na questão que se prende com a relação de Afrodite e Eros, representado com um menino brincalhão mas poderoso, porque divino. Apesar de no dístico do fr. 58 os movimentos de Eros ocorrerem na ausência de Afrodite, o sentido, mesmo que metafórico, da sua associação a Afrodite é intrigante, tendo em conta que esta imagem de Eros como um meninobrincalhão é muitoraranasépocasarcaicaeclássica,alémdequeoseuculto data somente da época helenística. Depois de examinar as interpretaçõesdeautoresconsagradoscomocalame,easterlingou Rosennmeyer, a A. confessa a dificuldade em perceber esta relação/distinção. No Fr. 59 (a) Dav., os problemas de interpre taçãoesbatemse,namedidaemqueeros/amoratua,emfunção dosdesígniosdeafrodite.discutidas,sãoaindaassupostasmo dalidades de execução destes dois fragmentos. Relativamente às três palavras preservadas no fr.380 Voigt de Alceu, a dúvida centrase na pessoa da voz poética: 1.ª pessoa do singular ou do plural?menosproblemáticaéarelaçãohierárquicaentreafrodite eeros,nofamosofr.287dav.,deíbico:éadeusaquedominae eros. O Fr.346 (fr.4) P, de Anacreonte, que tem suscitado muitas dúvidasemtermostextuais,pressupõequeaaçãodeafroditese articulacomadeerosemtornodassuasvítimase,«lendometafo ricamenteacanção,temosqueelacantamaisumepisódiodecon frontoamorosonaarenadaseduçãoemqueapersonadamélicade Anacreonte é sempre o erastes, o amador, a perseguir os objetos Ágora.EstudosClássicosemDebate14(2012)
8 366 Recensõesenotíciasbibliográficas dosseusdesejos»(p.517).umestudodetalhadodofr.357p o Hino a Dioniso encerra este último capítulo. Salientamos apenasquearepresentaçãodeafroditenestefragmentoanacreôn ticoaliaafiguradeerosaomodusoperandidivinodesubjugarema vítima que atingem com um desejo erótico irresistível. A maior questãoquesecolocaprendesecoma«singularjunçãoafrodite Dionisonamélicagrega»(p.551)queaA.examinacomcuidadoe precisão, mas para concluir que se trata de uma associação com «contornosdescontínuoseimprecisos»(p.550). Afinalizarestavolumosapublicação,surgeum«Ensaiode Conclusão»quetemporobjetivoapresentar«umasíntesecompa rativa dos estudos da representação de Afrodite de Álcman a Anacreonte» (p.559). Atendendo ao caráter lacunar e precário do corpusanalisado(inclusiveamélicadesafo,estudadanumapubli caçãoanteriorjácitada,fragmentosdeumadeusa:arepresentaçãode Afrodite na lírica de Safo), a A. reconhece a impossibilidade de se considerarconcluídaestainvestigaçãoqueintentou comgrande proficiênciaerigor,digase umtrabalhode(re)composiçãode canções monódicas e corais da época arcaica grega que teste munhamaimportânciadarepresentaçãodeafrodite.deregistar, porém,queumaobradestamagnitudeetantocuidadonoquediz respeitoaorigorfilológico,nãoapresente,nofinal,índicesremis sivosqueseriam,certamente,preciososinstrumentosdetrabalho paraqualquerleitor,porquecontribuiriamparafacilitaratarefade leituraauns,eestimularaaberturadenovoshorizontes,aoutros. Emconclusão,estaobradeGiulianaRagusadáprovasdas qualidades notáveis da investigadora que oferece ao leitor, hele nistaounão,umaperspetivalpluralealargada,sistemáticaerigo rosa,bemfundamentadanoestudodasfonteseatualizadadeum tema que incentiva a prossecução do estudo da antiga literatura grega. Só é pena que não se vislumbre uma edição portuguesa deste excelente estudo, e que é também exemplar, em termos de investigação,nodomíniodosestudosclássicos Ágora.EstudosClássicosemDebate14(2012)
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