Delineamento de formas farmacêuticas
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- Luca do Amaral Bennert
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1 1 Delineamento de formas farmacêuticas Peter York CONTEÚDO Fundamentos do delineamento de formas farmacêuticas 17 Aspectos biofarmacêuticos no delineamento de formas farmacêuticas 18 Vias de administração de fármacos 20 Via oral 20 Via retal 21 Via parenteral 21 Via tópica 21 Via respiratória 22 Fatores relativos ao fármaco no delineamento de formas farmacêuticas 22 Tamanho de partícula e área de superfície 22 Solubilidade 23 Dissolução 24 Coeficiente de partição e pk a 24 Propriedades cristalinas: polimorfismo 25 Estabilidade 25 Propriedades organolépticas 26 Outras propriedades dos fármacos 27 Considerações terapêuticas no delineamento de formas farmacêuticas 27 Resumo 28 Bibliografia 28 FUNDAMENTOS DO DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS Os fármacos são raramente administrados na forma de substâncias químicas puras, sendo mais freqüente a sua administração na forma de formulações ou medicamentos. Estes últimos podem variar desde soluções relativamente simples até sistemas de liberação complexos, dependendo do uso apropriado de adjuvantes de formulação ou excipientes. Os adjuvantes podem exercer funções farmacêuticas variadas e especializadas. Especificamente, são os adjuvantes de formulação que permitem, entre outras funções, solubilizar, suspender, espessar, conservar, emulsionar, modificar a dissolução, favorecer a compressibilidade e corrigir características organolépticas do fármaco, possibilitando a obtenção de diversas preparações ou formas farmacêuticas. O principal objetivo do delineamento de formas farmacêuticas é obter uma resposta terapêutica previsível em relação a um fármaco incorporado em uma formulação, passível de ser preparado em ampla escala, com qualidade reprodutível. Para assegurar a qualidade do produto, é necessário observar vários aspectos, como estabilidade química e física, conservação apropriada contra a contaminação microbiana, quando requerida, uniformidade de dose do fármaco e aceitação por parte dos usuários, incluindo médico e paciente, assim como embalagem e rotulagem adequadas. Idealmente, as formas farmacêuticas deveriam ter um caráter independente em relação à variabilidade entre pacientes, porém, isso é difícil de ser alcançado na prática. Nos últimos tempos, contudo, o tratamento baseado na atividade metabólica específica do paciente individual ou os implantes que respondem, por exemplo, a um estímulo sonoro ou magnético aplicados externamente, disparando um sinal para a liberação do fármaco, vêm-se constituindo em um modo de adequação a esses requisitos.
2 18 MICHAEL E. AULTON Tabela 1.1 Formas farmacêuticas existentes para as diferentes vias de administração Via de administração Oral Retal Tópica Parenteral Respiratória Nasal Ocular Auricular Formas farmacêuticas Soluções, xaropes, suspensões, emulsões, géis, pós, grânulos, cápsulas, comprimidos Supositórios, ungüentos, cremes, pós, soluções Ungüentos, cremes, pastas, loções, géis, soluções, aerossóis de uso tópico Soluções, suspensões e emulsões injetáveis, implantes, soluções de irrigação e de diálise Aerossóis (na forma de solução, suspensão, emulsão e pó), inalações, nebulizados, gases Soluções, inalações Soluções, ungüentos, cremes Soluções, suspensões, ungüentos, cremes Algumas considerações devem ser feitas com respeito às diferenças de biodisponibilidade entre formulações aparentemente similares e as possíveis causas dessas diferenças. Como conseqüência disso, recentemente vem sendo dada uma atenção maior no sentido de eliminar a variabilidade entre as características de biodisponibilidade, em especial, para os produtos quimicamente equivalentes, uma vez que se reconhece que fatores de formulação podem influenciar o desempenho terapêutico desses produtos. Para otimizar a biodisponibilidade dos fármacos, freqüentemente é necessário selecionar, de maneira cuidadosa, a forma química do fármaco mais apropriada. Por exemplo, essa seleção deve contemplar requisitos de solubilidade, tamanho de partícula e forma física, assim como os adjuvantes de formulação e de processo adequados, vinculando-os com a seleção da(s) via(s) de administração e forma(s) farmacêutica(s) mais apropriada(s). Também é exigido que os processos de produção e de embalagem ajustem-se a essa finalidade. Para o tratamento eficaz e conveniente de uma doença, existem várias formas farmacêuticas de incorporação de um fármaco. As formas farmacêuticas podem ser projetadas para a administração de fármacos por vias de liberação alternativas, com o intuito de maximizar uma resposta terapêutica. As preparações podem ser tomadas oralmente ou injetadas, assim como aplicadas sobre a pele ou inaladas. Na Tabela 1.1, estão listados os grupos de formas farmacêuticas que podem ser utilizados para a liberação de fármacos por várias vias de administração. Contudo, uma vez que cada doença ou indisposição freqüentemente exige um tipo específico de terapia, é necessário associar o fármaco ao sintoma clínico a ser tratado antes de efetuar a combinação correta entre fármaco e forma farmacêutica. Ao delinear uma forma farmacêutica, deve-se também considerar os fatores que controlam a escolha da via de administração e as exigências específicas pertinentes a essa rota, que afetam a absorção do fármaco. Muitos fármacos são formulados em diferentes formas farmacêuticas em várias potências, e cada uma apresenta características farmacêuticas escolhidas para uma dada aplicação. É o caso do glicocorticóide prednisolona, utilizado na forma de suspensão para o tratamento de processos inflamatórios e alérgicos, que, mediante o uso de diferentes formas químicas e adjuvantes de formulação apropriados, também está disponível sob uma ampla variedade de produtos antiinflamatórios, incluindo comprimidos, comprimidos com revestimento entérico, injetáveis, gotas oftálmicas e enemas. A solubilidade extremamente baixa em água da prednisolona base e da forma acetato faz com que ambas sejam utilizáveis na forma de comprimidos e de suspensão injetável de absorção intramuscular lenta. Por outro lado, a forma de fosfato sódico solúvel permite que sejam preparados comprimidos solúveis, gotas oftálmicas, enema e injeção endovenosa. O analgésico paracetamol também é encontrado sob diferentes formas farmacêuticas e potências, com o propósito de preencher necessidades específicas por parte do usuário, incluindo comprimidos, comprimidos dispersíveis, comprimidos solúveis de uso pediátrico, solução oral de uso pediátrico, solução oral para diabéticos (sugar-free oral solution) e suspensão oral, assim como suspensão e supositórios com potência dupla. Como conseqüência, fica evidente que é preciso considerar vários fatores antes de incorporar um fármaco com êxito em uma forma farmacêutica. De modo amplo, as considerações a serem feitas podem ser agrupadas em três categorias: 1. considerações biofarmacêuticas, incluindo os fatores que afetam a absorção de um fármaco a partir de diferentes vias de administração; 2. fatores vinculados ao fármaco, tais como as suas propriedades físicas e químicas; 3. considerações terapêuticas, incluindo aquelas relativas à sintomatologia clínica a ser tratada e aos fatores vinculados ao paciente. Medicamentos com elevada qualidade e eficazes podem ser formulados e preparados somente quando todos esses fatores são levados em consideração e relacionados entre si. Este é o princípio subjacente ao delineamento de formas farmacêuticas. ASPECTOS BIOFARMACÊUTICOS NO DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS O delineamento de formas farmacêuticas pode ser visto como o estudo das relações entre a física, a química e as ciências biológicas aplicadas aos fármacos, às formas farmacêuticas e à atividade de fármacos. Fica evidente que a compreensão dos princípios relacionados a esse assunto é importante no delineamento
3 DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS 19 de formas farmacêuticas, particularmente no que se refere à absorção do fármaco, assim como à distribuição, ao metabolismo e à eliminação deste. De modo geral, o fármaco deve estar dissolvido antes de ser absorvido para os fluidos do organismo, via membranas absorventes, epitélio da pele, trato gastrintestinal e pulmões. Os fármacos são absorvidos por dois modos distintos: por difusão passiva e por meio de mecanismos de transporte especializado. Na absorção passiva, a qual se acredita controlar a absorção da maioria dos fármacos, o processo é determinado pelo gradiente de concentração que existe ao longo da barreira celular, ocorrendo a passagem de moléculas da região de maior concentração para a de menor. A solubilidade em lipídeos e o grau de ionização do fármaco no sítio de absorção influenciam a velocidade de difusão. Alguns mecanismos de transporte especializado têm sido propostos como, entre outros, o transporte ativo e o transporte facilitado. Uma vez absorvido, o fármaco pode exercer um efeito terapêutico local ou em um sítio de ação distante do sítio de administração. Nesse último caso, o fármaco terá que ser transportado pelos fluidos do organismo (Figura 1.1). Quando um fármaco é administrado, utilizando-se uma forma farmacêutica destinada à liberação bucal, respiratória, retal, intramuscular ou subcutânea, ele passa do tecido de absorção diretamente para a corrente sangüínea, mas a via intravenosa é a mais direta de todas. Quando o fármaco é administrado pela via oral, o início do efeito pode ser retardado, devido ao tempo de trânsito gastrintestinal necessário, ao processo de absorção e às características de circulação sangüínea hepatoentérica. A forma física da forma farmacêutica oral pode, também, influir na velocidade de absorção e no início da atividade, sendo que as soluções atuam mais rapidamente que as suspensões, que, por sua vez, atuam, em geral, mais rápido que as cápsulas e os comprimidos. Assim, as formas farmacêuticas podem ser ordenadas segundo o tempo de início do efeito terapêutico (Tabela 1.2). Po- Tabela 1.2 Variação no tempo de início da ação de diferentes formas farmacêuticas Tempo de início da ação Segundos Minutos Minutos a horas Várias horas Dias Variado Formas farmacêuticas Injeções pela via i.v. Injeções pelas vias i.m. e s.c., comprimidos bucais, aerossóis, gases Injeções depot de curto prazo, soluções, suspensões, pós, grânulos, cápsulas, Comprimidos, comprimidos de liberação modificada Formulações com revestimento entérico Injeções depot, implantes Preparações tópicas Trato gastrintestinal Pele Preparações orais Preparações retais Boca Estômago Intestino delgado Intestino grosso Reto Fármaco nas fezes Sistema vascular Bucal Direta ou hepatoentérica Retal Sistema circulatório (fármaco e metabólitos) Rins Sistema vascular Trato respiratório Sistema vascular Fármaco e metabólitos nos tecidos, fluidos extracelulares e linfáticos Tópica Injeção s.c. Injeção i.m. Aerossóis Gases Injeção i.v. Fármaco na urina Fármaco na saliva, ar exalado, etc. Excreção Eliminação Figura 1.1 Percursos que um fármaco pode seguir após a administração de uma forma farmacêutica por diferentes vias.
4 20 MICHAEL E. AULTON rém, os fármacos, independentemente da via de liberação, são substâncias estranhas ao corpo humano, e os processos de distribuição, metabolização e eliminação começam imediatamente após a sua absorção, até que sejam eliminados do corpo por meio da urina, das fezes, da saliva, da pele ou dos pulmões, tanto na forma inalterada como na metabolizada. Vias de administração de fármacos O padrão de absorção de fármacos varia consideravelmente de substância para substância, assim como entre diferentes vias de administração. As formas farmacêuticas são projetadas para ceder o fármaco em uma forma que se ajuste à absorção, a partir de cada via de administração selecionada. A discussão seguinte considera as vias de administração de modo amplo e, embora sejam mencionadas determinadas formas farmacêuticas, o propósito é apenas introdutório, uma vez que tais formas serão tratadas em detalhe em outras partes deste livro. Via oral A via oral é a mais freqüentemente utilizada na administração de fármacos. Formas farmacêuticas orais são normalmente planejadas para obter um efeito sistêmico decorrente da absorção do fármaco por vários epitélios e mucosas do trato gastrintestinal. Contudo, são poucos os fármacos destinados a sofrer dissolução na boca, visando a absorção rápida ou um efeito local no trato gastrintestinal, devido tanto à escassa absorção por esta via de administração como à sua baixa solubilidade em água. Em comparação com outras vias de administração, a via oral representa o meio mais simples, conveniente e seguro de administrar um fármaco. Contudo, a via oral apresenta como desvantagens o início relativamente lento do efeito, as possibilidades de absorção irregular e a degradação de certos fármacos pelas enzimas e secreções do trato gastrintestinal. As preparações que contêm insulina são inativadas pela ação dos fluidos gástricos, por exemplo. No contexto das vias de administração, alguns aspectos específicos relativos à absorção de fármacos no trato gastrintestinal podem ser destacados. A solubilidade do fármaco pode ser alterada por reações com outras substâncias presentes no trato gastrintestinal como, por exemplo, a absorção de tetraciclinas é afetada pela formação de complexos insolúveis com cálcio, presentes nos alimentos ou em adjuvantes de formulação. O tempo de esvaziamento gástrico é um fator importante para a absorção efetiva de fármacos em nível intestinal. Um esvaziamento lento pode ter efeitos negativos sobre fármacos suscetíveis à inativação pelo suco gástrico ou retardar a absorção de fármacos com absorção intestinal predominante. Uma vez que o ph do meio pode influir sobre o grau de ionização e a solubilidade lipídica do fármaco, a variação de ph ao longo do trato gastrintestinal, que varia de ph 1 no estômago até aproximadamente ph 7 ou 8 no intestino, é um fator importante tanto para o grau de absorção do fármaco como para o sítio em que a variedade ocorre. As membranas são mais permeáveis à substância na forma não-ionizada que na ionizada, e, uma vez que a maioria dos fármacos consiste em ácidos ou bases fracos, pode ser demonstrado que ácidos fracos, quando predominantemente não-ionizados, são bem absorvidos a partir do estômago. No intestino delgado (ph próximo de 6,5), que possui uma ampla superfície de absorção, tanto ácidos fracos como as bases fracas são bem absorvidos. As formas farmacêuticas orais mais amplamente utilizadas são comprimidos, cápsulas, suspensões, soluções e emulsões. Os comprimidos são obtidos por compressão e contêm fármacos e adjuvantes de formulação, que são incorporados visando funções específicas. Os desintegrantes, por exemplo, promovem a desagregação dos comprimidos em grânulos e partículas pulvéreas no trato gastrintestinal, facilitando, desse modo, a dissolução e a posterior absorção do fármaco. Freqüentemente, os comprimidos são revestidos com o propósito de garantir a estabilidade do fármaco, protegendo-o de fatores ambientais, ou para mascarar sabores desagradáveis ou torná-los resistentes ao meio ácido do estômago (revestimento entérico). A utilização de comprimidos de liberação modificada, tais como os sistemas de dissolução acelerada ou formulações de liberação controlada, retardada ou sustentada, tem sido cada vez maior. Entre os benefícios derivados do uso de formulações de liberação controlada obtidas, por exemplo, pelo uso de núcleos à base de polímeros ou de películas de revestimento, cabe incluir a redução na freqüência dos efeitos colaterais do fármaco e a manutenção, por longos períodos de tempo, de níveis plasmáticos constantes. Esses fatores são importantes quando o medicamento é prescrito para o tratamento de doenças crônicas ou quando a condição de níveis plasmáticos constantes é necessária para alcançar uma eficácia terapêutica ideal, como nos tratamentos de angina e hipertensão. Cápsulas são formas farmacêuticas sólidas que contêm fármacos e, normalmente, adjuvantes de enchimento apropriados, acondicionados dentro de um invólucro de gelatina dura ou mole. Do mesmo modo que os comprimidos, a uniformidade da dose pode ser facilmente obtida, havendo no comércio diversos tipos de invólucros com respeito a tamanho, forma e cor. Após ser administrado oralmente, o invólucro de gelatina rompe-se e dissolve-se com facilidade e, em muitos casos, o fármaco é liberado de forma mais rápida, se comparado aos comprimidos. Nos últimos anos, tem-se renovado o interesse na veiculação de formulações semi-sólidas e microemulsões na forma de cápsulas duras de gelatina, objetivando formas farmacêuticas rapidamente dispersíveis, que contêm fármacos escassamente solúveis. As suspensões, formas farmacêuticas caracterizadas por conter fármacos finamente divididos e suspensos em um veículo apropriado, representam um meio útil de administração de grandes quantidades de fármaco, que, de outro modo, seriam dificilmente administráveis na forma de comprimido ou cápsula. Também se apresentam como uma forma farmacêutica van-
5 DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS 21 tajosa, no caso de pacientes com dificuldade de deglutir comprimidos ou cápsulas e no uso pediátrico. Considerando-se que, quando um fármaco é administrado, a dissolução deste é um requisito prévio à absorção, o fato de as partículas finas apresentarem uma elevada superfície de contato frente a líquidos de dissolução favorece a dissolução no trato gastrintestinal, a sua absorção e, conseqüentemente, o início do efeito do fármaco. Porém, nem todas as suspensões são destinadas a obter efeitos sistêmicos, e algumas, como a suspensão de caulim e morfina, são indicadas para um efeito local no trato gastrintestinal. Por outro lado, as soluções, incluindo formulações como xaropes e linctuses,* são absorvidas mais rapidamente que as formas farmacêuticas sólidas ou que as suspensões, uma vez que não é requerida a dissolução do fármaco. Via retal Os fármacos aplicados via retal na forma de solução, supositório ou emulsão são geralmente administrados para obter um efeito local e não um efeito sistêmico. Os supositórios são formas farmacêuticas sólidas, destinadas a serem introduzidas em cavidades do corpo (normalmente a retal, mas também a vaginal e uretral), nas quais fundem, liberando o fármaco. A escolha da base de supositório ou carreador do fármaco pode influenciar fortemente o grau e a velocidade de liberação do fármaco. Essa via de administração é indicada para fármacos que são inativados pelos fluidos gastrintestinais, quando administrados oralmente, ou quando a via oral é desaconselhada, por exemplo, quando o paciente vomita ou está inconsciente. Os fármacos, quando administrados pela via retal, entram na circulação sistêmica sem passar pelo fígado, o que representa uma vantagem quando são inativados acentuadamente no fígado após terem sido administrados pela via oral. Contudo, a via retal é pouco prática, e a absorção dos fármacos é muitas vezes irregular e de difícil previsão. Via parenteral O fármaco administrado pela via parenteral é injetado dentro do organismo com o auxílio de uma agulha oca, em vários lugares e a diferentes profundidades. As três principais vias parenterais são a subcutânea (s.c.); a intramuscular (i.m.) e a intravenosa (i.v.). Outras vias, tais como a intracardíaca e a intratecal, são de uso menos freqüente. A via parenteral é preferida quando a absorção rápida é essencial, como em situações de emergência ou quando o paciente está inconsciente ou inabilitado para aceitar uma medicação oral, e quando o fármaco pode ser destruído, inativado ou escassamente absorvido pela via oral. Após a administração parenteral de um fármaco, a absorção é rápida e, em geral, os níveis plasmáticos obtidos são mais * N. de T. Consistem em formulações xaroposas, destinadas ao tratamento das afecções das vias respiratórias, similares aos xaropes expectorantes. O termo xarope é utilizado pelo autor tanto stricto sensu como, às vezes, para designar suspensões adicionadas de edulcorantes e flavorizantes. previsíveis que aqueles obtidos com formas farmacêuticas de uso oral. Os produtos injetáveis são, em geral, soluções ou suspensões estéreis de fármacos em água ou em outros veículos considerados fisiologicamente apropriados. Como antes mencionado, os fármacos em solução são rapidamente absorvidos e, por isso, as suspensões injetáveis atuam de modo mais lento. Uma vez que os fluidos do corpo são aquosos, é possível formular preparações contendo fármacos suspensos em veículos oleosos, que apresentam características de absorção mais lenta, obtendo-se preparações depot, capazes de funcionar como um reservatório de fármaco, a partir da qual o fármaco é cedido lentamente para a circulação sistêmica. Essas preparações são administradas por meio de injeção intramuscular profunda no músculo esquelético (p. ex., alguns injetáveis contendo penicilina). De forma alternativa, preparações depot podem ser implantes subcutâneos ou pellets, que são discos contendo o fármaco, obtidos por moldagem ou compressão, os quais são colocados no tecido subcutâneo frouxo, sob as camadas da pele mais externas. Esses sistemas incluem microsferas sólidas, microsferas à base de polímeros biodegradáveis (p. ex., homo e copolímeros dos ácidos polilático e co-glicólico), que contêm proteínas ou peptídeos (como o hormônio de crescimento humano e leuprolida). Vistas de um modo mais geral, as injeções subcutâneas são soluções aquosas ou suspensões que permitem que o fármaco possa ser depositado nas adjacências dos capilares. Como conseqüência, o fármaco difunde para o interior destes. A incorporação de vasoconstritores ou vasodilatadores em injetáveis subcutâneos pode, obviamente, influenciar o fluxo sangüíneo nos capilares e, desse modo, modificar a capacidade de absorção. Esse princípio é muitas vezes utilizado na administração de anestésicos locais junto ao vasoconstritor adrenalina, que retarda a absorção do fármaco. O caso contrário, quando um vasodilatador é incluído na formulação, pode resultar em um aumento na absorção do fármaco. A administração endovenosa envolve a injeção de soluções aquosas estéreis diretamente na veia a uma velocidade adequada. O volume injetado pode variar de alguns poucos ml, como no caso de tratamentos de emergência ou para sedativos hipnóticos, até quantidades da ordem de L, como nos tratamentos de reposição de fluidos ou de nutrição parenteral. Considerando que a aceitabilidade desta importante via de liberação é geralmente negativa por parte do paciente, que a associa à dor e ao fato de ser pouco prática, os desenvolvimentos mais recentes têm tido como foco os denominados sistemas de injeção needle-free, capazes de impelir em alta velocidade e diretamente pelas camadas externas da pele fármacos em solução aquosa ou na forma pulverulenta. Via tópica Os fármacos são aplicados topicamente, isto é, sobre a pele, visando sobretudo uma ação local. Embora essa via também possa ser utilizada para a liberação sistêmica de fármacos, a absorção percutânea é escassa e errática com freqüência, ainda que
6 22 MICHAEL E. AULTON atualmente estejam disponíveis diversos adesivos (patches) transdérmicos, capazes de liberar o fármaco para distribuição sistêmica (p. ex., os adesivos de trinitrato de glicerila para a profilaxia e tratamento da angina). Os fármacos aplicados na pele para efeito local incluem agentes anti-sépticos, antifúngicos e antiinflamatórios, assim como emolientes da pele para fins de proteção. As formulações farmacêuticas de uso tópico ungüentos, cremes e pastas compõe-se de um fármaco incorporado em uma base semi-sólida apropriada, que pode ter caráter hidrofóbico ou hidrofílico. As bases desempenham um papel importante na definição do tipo de liberação do fármaco a partir da formulação. Os ungüentos são formas farmacêuticas hidrofóbicas, à base de substâncias oleosas, enquanto os cremes são emulsões semi-sólidas. As pastas contêm uma maior proporção de sólidos que os ungüentos e, por esse motivo, apresentam consistência firme. Para a aplicação tópica na forma líquida, desde que não sejam soluções, são usadas loções (suspensões de sólidos em meio aquoso) ou emulsões. Recentemente, tem crescido o interesse por sistemas transdérmicos de eletrotransporte. Nesse caso, o transporte de fármaco é aumentado mediante a aplicação de um potencial elétrico baixo, mantido pela pele. A aplicação de fármacos sobre outras superfícies tópicas, como a ocular, a auricular e a nasal, também é comum, sendo, para isso, utilizados ungüentos, cremes, suspensões e soluções. As preparações oftálmicas, entre outros requisitos exigidos, devem ser estéreis. As formas farmacêuticas nasais incluem soluções ou suspensões, aplicadas como gotas ou como aerossol, utilizando-se um spray. As formulações auriculares são geralmente viscosas, com o intuito de prolongar o tempo de contato com as áreas afetadas. Via respiratória Os pulmões constituem uma excelente superfície para a absorção, quando o fármaco é liberado na forma de gás, aerossol ou de partículas sólidas ultrafinas. Quando o fármaco é administrado na forma de aerossol ou sólida, o tamanho de partícula é um fator extremamente determinante do grau de penetração na região alveolar, que é a zona de absorção rápida. Partículas na faixa de 0,5 a 1 μm de diâmetro atingem o saco alveolar, enquanto as partículas fora dessa faixa são exaladas ou se depositam nas vias bronquiais maiores. Essa via vem sendo particularmente útil no tratamento de problemas de asma por meio do uso tanto de aerossóis pulvéreos (p. ex., cromoglicolato sódico) como de aerossóis com dispositivo doseador que contêm o fármaco incorporado em um gás propelente liqüefeito e inerte (p. ex., aerossol de sulfato de salbutamol). Cabe destacar, a importância do fato dessa via de liberação ser cada vez mais reconhecida como um meio de administrar substâncias terapêuticas de origem biotecnológica, tais como peptídeos e proteínas. FATORES RELATIVOS AO FÁRMACO NO DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS Para obter um medicamento estável e eficaz, cada tipo de forma farmacêutica exige um estudo cuidadoso das propriedades físicas e químicas do fármaco. Essas propriedades, como solubilidade, tamanho de cristal, formas polimórficas, estabilidade no estado sólido e interações entre fármaco e adjuvantes, podem ter um efeito profundo sobre a disponibilidade fisiológica e a estabilidade física e química do fármaco. Mediante a combinação desses dados e de outros procedentes de estudos farmacológicos e biológicos, podem ser selecionados o fármaco e os adjuvantes que melhor se ajustem à formulação da forma farmacêutica escolhida. Embora a avaliação extensiva dessas propriedades nem sempre seja necessária para todos os tipos de formulação, algumas destas são reconhecidamente as mais importantes no delineamento e na fabricação de formas farmacêuticas. Uma relação das propriedades mais importantes, junto com as condições às quais a formulação é exposta durante o processamento e a manipulação, assim como os procedimentos envolvidos, estão listados na Tabela 1.3. Por exemplo, a moagem fina de fármacos escassamente solúveis pode modificar a molhabilidade e as características de dissolução, que são propriedades importantes para a granulação e a eficiência do medicamento, respectivamente. Por causa disso, a avaliação cuidadosa dessas propriedades e a compreensão dos efeitos dessas condições adversas sobre esses parâmetros são importantes no delineamento e na preparação da forma farmacêutica, assim como para o desempenho do produto. Tamanho de partícula e área de superfície A redução do tamanho de partícula conduz a um aumento da superfície específica do pó, ou seja, da relação área de superfície por unidade de peso. Tanto as velocidades de dissolução e de absorção do fármaco como a uniformidade de conteúdo e estabilidade da forma farmacêutica são dependentes do grau de variação do tamanho de partícula, da distribuição de tamanho e das interações entre as superfícies sólidas. Em muitos casos, é necessário reduzir o tamanho das partículas, tanto do fármaco como de adjuvantes, procurando obter as características físicoquímicas desejadas. Hoje, aceita-se que os fármacos escassamente solúveis em água, que apresentam uma etapa de velocidade de dissolução limitante do processo de absorção, tenham uma biodisponibilidade melhor se forem administrados na forma de partículas finamente subdivididas, as quais têm uma superfície de contato maior que as partículas mais grosseiras. Entre os exemplos existentes, são incluídas griseofulvina, tolbutamida, indometacina, espironolactona e nifedipina. Substâncias finamente divididas, muitas vezes com dimensões micrométricas ou submicrométricas (nanométricas), apresentam uma superfície especí-
7 DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS 23 Tabela 1.3 Propriedades de fármacos importantes para o delineamento de formas farmacêuticas e estresses potenciais que ocorrem durante o processo de produção, segundo o procedimento de fabricação Propriedades Efeitos de processo Procedimento de fabricação Tamanho de partícula, área Pressão Precipitação de superfície Mecânico Filtração Solubilidade Radiação Emulsificação Dissolução Exposição a líquidos Moagem Coeficiente de partição Exposição a gases e a Mistura Constante de ionização vapores de líquidos Granulação Propriedades da forma cristalina, Temperatura Secagem polimorfismo Compressão Estabilidade Autoclavagem Organolépticas Cristalização (Outras propriedades) Manipulação Armazenagem Transporte fica elevada e dissolvem com maior velocidade, o que pode levar a um aumento na absorção do fármaco por difusão passiva. De modo contrário, as preparações de nitrofurantoína, formuladas de modo a ter um tamanho de partícula ideal de 150 µm, reduzem o desconforto gastrintestinal e permitem que a excreção urinária desse agente antibacteriano urinário permaneça ainda satisfatória. Contudo, a velocidade de dissolução do fármaco pode ser afetada de forma negativa caso a escolha dos adjuvantes de formulação seja inadequada, mesmo quando forem utilizados sólidos com tamanho de partícula apropriado. Os lubrificantes sólidos para comprimidos, por exemplo, podem tornar a formulação hidrofóbica, impedindo a dissolução do fármaco. Da mesma maneira, sólidos na forma de pó fino podem aumentar a adsorção de ar ou a formação de cargas estáticas, o que traz problemas de molhabilidade ou de aglomeração. Os fármacos na forma micronizada podem, também, provocar alterações polimórficas e de energia de superfície, comprometendo a sua estabilidade química. O tamanho de partícula do fármaco também influencia a uniformidade de conteúdo em formas farmacêuticas sólidas, particularmente em formulações de dose baixa. Nesses casos, é importante ter o máximo possível de partículas por dose, de modo a minimizar as variações de potência entre doses unitárias. Outras formas farmacêuticas também são afetadas pelo tamanho de partícula, entre as quais as suspensões (no controle das características de fluxo e das interações entre as partículas), os aerossóis de inalação (na otimização da penetração das partículas do fármaco até a mucosa de absorção) e diversas formulações de uso tópico (para evitar a sensação arenosa). Solubilidade Para se ter um efeito terapêutico eficaz, todo fármaco, independentemente da via de administração, deve ter uma solubilidade em água, mesmo que limitada. Por isso, substâncias relativamente insolúveis em água podem apresentar uma absorção incompleta ou errática, tornando recomendável o uso de sais solúveis ou de outros derivados químicos. Outras alternativas que podem ser utilizadas são a micronização, complexação ou técnicas de dispersão sólida. A solubilidade e, especialmente, o grau de saturação no veículo também podem ser importantes na absorção do fármaco já dissolvido em uma forma farmacêutica, uma vez que pode ocorrer a precipitação do fármaco no trato gastrintestinal, alterando a sua biodisponibilidade. A solubilidade de substâncias ácidas ou alcalinas é dependente do ph do meio e, conseqüentemente, estas poderão ser transformadas em seus sais respectivos, cada qual com diferentes solubilidades em seu ponto de equilíbrio. Porém, a solubilidade de sais de ácidos fortes é menos afetada pelas alterações de ph que a solubilidade de sais de ácidos fracos. Nesse último caso, quando o ph é baixo, o sal hidrolisa em uma magnitude que é dependente do ph e do pk a, resultando em uma diminuição da solubilidade. Essa propriedade tam-
8 24 MICHAEL E. AULTON bém pode ser reduzida no caso de sais pouco solúveis de fármacos, pelo efeito do íon comum. Se um dos íons presentes na solução é adicionado na forma de um sal mais solúvel em água, o produto de solubilidade pode ser sobrepujado, precipitando uma parte do fármaco. Dissolução Como foi mencionado anteriormente, para que um fármaco venha a ser absorvido é necessário, a princípio, que esteja dissolvido no fluido do local de absorção. Por exemplo, um fármaco administrado pela via oral, na forma de comprimido, só será absorvido até que as partículas do fármaco sejam dissolvidas ou solubilizadas pelos fluidos, em algum ponto localizado ao longo do trato gastrintestinal, dependendo do perfil de solubilidade desse fármaco no ph do meio. O termo dissolução descreve o processo pelo qual as partículas do fármaco se dissolvem. Durante a dissolução, as moléculas do fármaco se dissolvem na camada superficial, originando uma solução saturada ao redor das partículas, a qual se constitui em uma camada de difusão. Na seqüência, as moléculas do fármaco dissolvidas passam pelo fluido de dissolução e entram em contato com a mucosa, na qual são absorvidas. A reposição das moléculas que difundem pela camada de difusão é feita pela ulterior dissolução de mais fármaco, dando continuidade ao processo de absorção. Quando a dissolução é rápida ou o fármaco é cedido, permanecendo na forma dissolvida, a velocidade de absorção depende, em primeiro lugar, da capacidade do fármaco em atravessar a membrana absorvente. Se, pelo contrário, a dissolução do fármaco é lenta, devido às características físico-químicas deste ou a fatores de formulação, a dissolução pode constituir-se na etapa limitante na velocidade de absorção, influindo na biodisponibilidade desse fármaco. De um modo simplificado, a dissolução de um fármaco é descrita pela equação de Noyes Whitney: Como foi comentado anteriormente, a velocidade de dissolução é, com freqüência, a etapa limitante do processo total de absorção de substâncias relativamente insolúveis. Por outro lado, para substâncias solúveis, a etapa determinante da velocidade de absorção é a velocidade de permeação pela membrana biológica. Enquanto a velocidade de dissolução pode ser alterada por meio modificações físico-químicas do fármaco e/ou da composição da fórmula, a velocidade de permeação é dependente do tamanho, das solubilidades relativas em meio aquoso e lipofílico e da carga iônica das moléculas do fármaco, fatores que podem ser alterados por meio de modificações na molécula. O coeficiente de partição, entre água e óleo, por exemplo, é a medida do caráter lipofílico da substância. A maioria dos fármacos consiste em ácidos ou bases fracos e, dependendo do ph do meio, ocorre na forma ionizada ou não-ionizada. As membranas de mucosas absorventes são mais permeáveis às formas não-ionizadas dos fármacos que às ionizadas, dadas a maior solubilidade das formas não-ionizadas em meio lipofílico e a natureza fortemente carregada da membrana celular, o que leva à repulsão ou ligação do fármaco ionizado e, como conseqüência, a uma diminuição da penetração deste. Por esse motivo, os principais fatores que influem na absorção de ácidos e bases fracas são o ph do local de absorção e a solubilidade em meio lipofílico da forma não-ionizada. Esses fatores, juntamente com a equação de Henderson-Hasselbalch de cálculo da proporção entre espécies ionizadas e não-ionizadas, a um determinado valor de ph, constituem a teoria da abdm = k AC ( S C) dt onde, dm/dt é a velocidade de dissolução, k a constante de velocidade de dissolução, A a área superficial do sólido que dissolve, C * a concentração de fármaco no meio de dissolução no tempo t e C S a concentração de saturação desse fármaco. A equação mostra que a velocidade de dissolução pode ser aumentada mediante incremento, quer seja da área superficial do fármaco (por redução do tamanho de partícula), da solubilidade deste na camada de difusão ou da constante k, que inclui o coeficiente de difusão do fármaco e a espessura da camada de difusão. Nas primeiras etapas da dissolução, C S > C, e, se a área superficial e as condições experimentais são mantidas constantes, então k pode ser determinada para compactos que * N. de T. Ampliou-se o conceito de C para melhor compreensão do texto. contenham apenas fármaco. Atualmente, a constante k é denominada constante de velocidade de dissolução intrínseca, além de ser um valor característico para cada fármaco sólido, em um solvente determinado e sob condições hidrodinâmicas definidas. Os fármacos que apresentam valores de k abaixo de 0,1 mg 1 cm 2 normalmente apresentam uma absorção dependente da dissolução. A dissolução de substâncias particuladas também pode ser investigada sob condições controladas de A, o que permite que os efeitos de formulação também possam ser estudados. Os dados de velocidade de dissolução, quando combinados com dados de solubilidade, coeficiente de partição e de pka, permitem ao formulador inferir antecipadamente aspectos sobre as potenciais características de absorção in vivo do fármaco. Porém, os testes in vitro somente têm significado se forem relacionados com resultados de testes in vivo. Uma vez que uma relação dessa natureza é estabelecida, os testes de dissolução in vitro podem, então, ser utilizados para prognosticar o comportamento in vivo. A importância dos testes de dissolução tem sido amplamente reconhecida pelos códigos oficiais, assim como por organismos de registro de medicamentos, mediante a inclusão de especificações sobre dissolução, utilizando procedimentos de teste padronizados relativos a uma ampla variedade de medicamentos. Coeficiente de partição e pk a
9 DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS 25 sorção de fármacos em função do coeficiente de partição e do ph. Contudo, esses fatores não descrevem completamente o processo de absorção, como o demonstra o fato de certas substâncias apresentarem uma boa biodisponibilidade, apesar de terem um baixo coeficiente de partição e/ou serem fortemente ionizadas em toda a faixa de valores de ph fisiológicos, demonstrando, claramente, o envolvimento de outros fatores. Propriedades cristalinas: polimorfismo Praticamente todos os fármacos, em alguma etapa da formulação de uma forma farmacêutica, são manipulados na forma de pó. Porém, as propriedades cristalinas e do estado sólido do fármaco devem ser cuidadosamente consideradas para aquelas substâncias compostas de pós ou produtos finais que contêm pós ou pós compactados. É bem conhecido que os fármacos podem ocorrer nas formas amorfa (ou seja, sem um arranjo reticular regular das moléculas), cristalina, anidra, com vários graus de hidratação ou solvatados com moléculas de outro solvente, com variabilidade na dureza, na forma e no tamanho do cristal. Adicionalmente, muitos fármacos podem existir em mais de uma forma, com diferentes arranjos de empacotamento molecular no retículo cristalino. Essa propriedade é denominada polimorfismo. Diversos polimorfos podem ser preparados mediante manipulação das condições de formação da partícula durante a cristalização, tais como solvente, temperatura e velocidade de resfriamento. Sob condições de temperatura e pressão definidas, apenas uma das possíveis formas polimórficas de uma substância pura é estável, sendo as outras formas denominadas metastáveis, formas que se transformam, a diferentes velocidades, na forma estável. Polimorfos diferentes variam quanto às suas propriedades físicas, como a dissolução e a estabilidade do estado sólido, assim como quanto ao seu comportamento tecnológico no que diz respeito, em alguns casos, ao fluxo do pó e à compactabilidade durante a compressão. Essas formas cristalinas diferentes podem ser de considerável importância em relação à facilidade ou dificuldade de formulação, assim como quando consideradas a estabilidade e a atividade biológicas. Como é de se esperar, velocidades de dissolução mais elevadas são observadas para formas polimórficas metastáveis, como é o caso da forma metastável do cloridrato de clortetraciclina, que apresenta melhores velocidade e extensão de biodisponibilidade. Em alguns casos, porém, formas amorfas são mais ativas que as cristalinas. A insulina, um hormônio polipeptídico, amplamente utilizado na regulação do metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas, também é um exemplo de como diferentes graus de atividades podem resultar a partir do uso de diferentes formas cristalinas de um mesmo fármaco. Em meio tamponado com acetato, o zinco combina-se com a insulina, formando um complexo extremamente insolúvel. Esse complexo, dependendo do ph do meio, pode ser amorfo ou cristalino. A forma amorfa, que apresenta partículas de tamanho não-uniforme e menor que 2 µm, é absorvida quando injetada pelas vias i.m. ou s.c., tendo uma ação de curta duração. De modo inverso, o produto cristalino, constituído por cristais romboédricos e de tamanho entre 10 e 40 µm, é absorvido de modo mais lento e tem uma ação de duração mais longa. As preparações de insulina com duração de ação intermediária são obtidas mediante mistura física dos produtos amorfo e cristalino. As transições polimórficas podem ocorrer durante as operações de moagem, granulação, secagem e compressão (p. ex., transições durante a moagem de digoxina e espironolactona). A granulação pode levar à formação de solvatos, enquanto, na secagem, moléculas solvatadas ou hidratadas podem ser deslocadas, obtendo-se um material anidro. Face a isso, o formulador deve estar atento a essas potenciais transformações, que podem resultar em uma modificação não-desejada do desempenho do produto, ainda que as análises químicas de rotina não revelem qualquer alteração. A reversão de formas mestastáveis, se utilizadas, para a forma estável pode ocorrer durante o tempo de existência do produto. No caso de suspensões, esse evento pode vir acompanhado por alterações na consistência da preparação, afetando o prazo de validade e a estabilidade desta. Essas alterações podem ser, muitas vezes, prevenidas mediante a incorporação de certos adjuvantes, como hidrocolóides e tensoativos. Estabilidade Os aspectos químicos da formulação referem-se normalmente à estabilidade química do fármaco e à sua compatibilidade com os outros componentes da formulação. Além disso, pode-se enfatizar que o acondicionamento da forma farmacêutica é um fator importante, contribuindo para a estabilidade do produto, razão pela qual deve ser parte constitutiva dos programas de testes de estabilidade. Apenas um breve resumo é fornecido a esse respeito. Como já foi mencionado, um dos princípios do delineamento de formas farmacêuticas é o de assegurar que a integridade química do fármaco seja mantida durante o tempo de vida útil do medicamento. Ao mesmo tempo, alterações químicas que envolvam outros adjuvantes, bem como qualquer modificação física do produto, devem ser cuidadosamente monitoradas, de modo a otimizar a estabilidade da formulação. De modo geral, os fármacos sofrem decomposição como resultado de vários efeitos, como calor, oxigênio, luz e umidade. Por exemplo, ésteres como aspirina e procaína são suscetíveis à cisão solvolítica, enquanto a degradação por oxidação ocorre em substâncias como ácido ascórbico. Os fármacos podem ser classificados com respeito à sua sensibilidade à degradação química em: 1. estáveis em todas as condições (p. ex., caulim); 2. estáveis, se manuseados corretamente (p. ex., aspirina); 3. moderadamente estáveis, ainda que sob manejo especial (p. ex., vitaminas), e muito instáveis (p. ex., determinados antibióticos na forma de solução).
10 26 MICHAEL E. AULTON Embora os mecanismos da degradação no estado sólido sejam complexos e, muitas vezes, de difícil análise, a compreensão completa destes não é um pré-requisito no delineamento de formulações apropriadas que contenham substâncias sólidas. Por exemplo, nos casos em que os fármacos são sensíveis à hidrólise, determinadas precauções devem ser tomadas, como a exposição mínima à umidade durante o processo de preparação, o estabelecimento de especificações de baixo teor de umidade no produto final e a utilização de materiais de embalagem resistentes à umidade. No caso de fármacos sensíveis ao oxigênio, podem ser adicionados antioxidantes na formulação e, de modo similar aos fármacos sensíveis à luz, o emprego de materiais de embalagem adequados podem reduzir ou eliminar o problema. Para fármacos administrados na forma líquida, a estabilidade na forma de solução, bem como os efeitos do ph na faixa de ph gastrintestinal (de 1 a 8) devem ser bem compreendidos. Para controlar o ph de uma solução, com o objetivo de melhorar a estabilidade, pode ser necessário o emprego de substâncias tamponantes, assim como é necessário o uso de conservantes nas formas farmacêuticas líquidas sucetíveis a um ataque microbiano. Nessas formulações e, de fato, em todas as formas farmacêuticas que contenham adjuvantes, é muito importante ter certeza de que os componentes da formulação, que podem incluir fármacos adicionais, como é o caso de uma preparação multivitamínica, não apresentem interações químicas entre eles mesmos. As interações entre o(s) fármaco(s) propriamente ditos e com os adjuvantes incorporados na formulação, como antioxidantes, conservantes, agentes suspensionantes, corantes lubrificantes e materiais de acondicionamento, podem perfeitamente ocorrer, o que deverá ser verificado durante a fase de formulação do medicamento. Ao longo dos últimos anos, os dados obtidos por meio das técnicas de análise térmica, em especial calorimetria diferencial de varredura (DSC, Differential Scanning Calorimetry), quando examinados criteriosamente, têm demonstrado ser de grande utilidade na exploração rápida de possíveis interações entre fármaco e adjuvantes, bem como entre fármaco e fármaco. Mediante aplicação de DSC, por exemplo, foi demonstrado que o estearato de magnésio, adjuvante amplamente utilizado como lubrificante na obtenção de comprimidos, interage com aspirina, devendo ser evitado nas formulações que contenham esse fármaco. Propriedades organolépticas Os medicamentos modernos exigem que haja aceitabilidade das formas farmacêuticas por parte do paciente. Infelizmente, muitos fármacos utilizados nos dias de hoje são desagradáveis ao paladar e nada atrativos em sua forma natural. Por esse motivo, as formas farmacêuticas que contêm esses tipos de fármaco, em particular as preparações de uso oral, podem exigir a adição de flavorizantes e/ou corantes. O uso de agentes flavorizantes objetiva, sobretudo, as formas farmacêuticas líquidas destinadas à administração oral. Normalmente, estes são constituídos de misturas de substâncias de origem natural ou sintética, sendo encontrados como extratos concentrados, soluções, adsorvatos sobre pós ou microencapsulados. As papilas gustativas da língua respondem rapidamente ao sabor amargo, doce, salino ou ácido do flavorizante. Por outro lado, o sabor desagradável pode ser corrigido utilizando-se derivados do fármaco insolúveis em água, os quais têm pouco ou nenhum sabor. Um exemplo disso é o emprego do pamoato de amitriptalina. Nesse tipo de abordagem, outros fatores, como a biodisponibilidade, devem permanecer inalterados. Quando um derivado insolúvel não se encontra disponível ou não pode ser utilizado, a alternativa é usar um agente flavorizante ou uma essência. De modo alternativo, os fármacos de sabor desagradável podem ser administrados em cápsulas ou preparados na forma de partículas revestidas ou em comprimidos, que são de fácil ingestão, evitando as papilas gustativas. A escolha do agente flavorizante depende de vários fatores, mas, sobretudo, do sabor do próprio fármaco. Certos flavorizantes são mais eficientes para mascarar determinados tipos de sabor. Assim, por exemplo, flavorizantes cítricos são empregados com freqüência para mascarar o sabor azedo ou ácido de fármacos. A solubilidade e a estabilidade do flavorizante em um veículo também é um fator importante. A idade do paciente ao qual se destina a formulação também deve ser levada em conta, uma vez que as crianças, por exemplo, preferem sabores adocicados, sem esquecer o elo psicológico entre cor e agente flavorizante (a cor amarela, por exemplo, é associada ao odor de limão). Por sua vez, os agentes adoçantes podem ser utilizados para mascarar sabores amargos. Embora a sacarose continue sendo empregada com essa finalidade, existem outras alternativas em termos de adjuvantes, como a sacarina sódica, que é 200 a 700 vezes mais doce que a sacarose, dependendo da concentração de uso, e o sorbitol, cujo uso é recomendado em preparações para pacientes diabéticos. Os corantes são empregados com o intuito de padronizar ou melhorar a própria cor do fármaco, bem como para mascarar uma mudança de cor ou complementar o flavour. Embora as cores sejam obtidas de substâncias tanto de origem natural (p. ex., os carotenóides) como sintética (p. ex., amaranto), a maioria dos corantes empregados é produzida sinteticamente. Esses corantes podem ser aquo-solúveis (p. ex., amaranto), solúveis em óleos (p. ex., sudão IV) ou insolúveis em ambos solventes (laca de alumínio). Os corantes insolúveis são denominados pigmentos. As lacas, as quais normalmente são complexos de cálcio ou alumínio insolúveis em água com corantes aquo-solúveis, são particularmente úteis em comprimidos e comprimidos revestidos, em função de sua maior estabilidade perante à luz, se comparadas com os respectivos corantes aquosolúveis, os quais, por sua vez, têm estabilidade variável em re-
11 DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS 27 lação ao ph e a agentes redutores. Recentemente, contudo, a inclusão de corantes nas formulações tem tornado-se bastante problemática, dada a proibição, em muitos países, de muitos dos corantes tradicionalmente mais utilizados. (Um resumo bastante útil sobre corantes é encontrado em Martindale, The Extra Pharmacopoeia). Outras propriedades dos fármacos Concomitantemente à garantia de que as formas farmacêuticas são estáveis do ponto de vista químico e físico e de que são terapeuticamente eficazes, também é essencial constatar que a formulação escolhida possa ser fabricada de modo eficiente e, em muitos casos, em larga escala. Além das propriedades já discutidas, como tamanho de partícula e forma cristalina, há também outras características particularmente valiosas a serem consideradas na formulação de formas farmacêuticas sólidas nas quais o fármaco representa um percentual expressivo do total da formulação, tais como, higroscopicidade, fluxibilidade e compressibilidade. Fármacos higroscópicos podem exigir ambientes de produção de baixa umidade, bem como a ausência de água durante a sua preparação. As formulações com escassas propriedades de fluxo podem necessitar da adição de agentes promotores de fluxo, como sílica coloidal. Nos laboratórios de formulação, os estudos da compressibilidade de fármacos normalmente são levados a cabo em máquinas de comprimir instrumentalizadas, procurando-se avaliar a potencialidade de um material ser submetido à compressão, bem como prever a existência de problemas potenciais durante a compactação, como laminação e aderência a punções (sticking), que podem exigir modificações na formulação ou nas condições de processo. CONSIDERAÇÕES TERAPÊUTICAS NO DELINEAMENTO DE FORMAS FARMACÊUTICAS A natureza da sintomatologia clínica, da doença ou do mal-estar que motivou a indicação do fármaco é um fator importante no momento de selecionar as formas farmacêuticas a serem preparadas. Fatores como a necessidade de terapia sistêmica ou local, a duração do efeito requerido e a emergência do uso do fármaco devem ser considerados. Na grande maioria dos casos, um único fármaco é preparado em formas farmacêuticas diferentes, visando satisfazer tanto as preferências particulares do paciente ou do médico como as necessidades específicas de uma dada situação clínica. Por exemplo, muitos pacientes asmáticos utilizam aerossóis de inalação, a partir dos quais, após inalação profunda objetivando o alívio rápido de uma emergência, o fármaco é rapidamente absorvido para a circulação sistêmica, enquanto, para a terapia crônica da asma, produtos de administração oral são utilizados. Pacientes que precisam de um alívio urgente de uma crise de angina pectoris, um problema da circulação coronária, costumam consumir comprimidos sublinguais de nitroglicerina para obter uma absorção rápida a partir da cavidade bucal. Isso significa que, apesar de os efeitos sistêmicos serem geralmente alcançados após a administração do fármaco pelas vias oral ou parenteral, outras vias podem ser empregadas, de acordo com a situação e o fármaco. Os efeitos locais são, de modo geral, restritos a formas farmacêuticas de aplicação direta, como as aplicadas sobre a pele, nos ouvidos, nos olhos e na garganta. Alguns fármacos podem ser bem absorvidos por uma via determinada, mas não por outra, o que, conseqüentemente, obriga a considerá-los de forma individual. A idade do paciente também desempenha um papel importante na definição do tipo de forma farmacêutica disponível. As crianças nos primeiros anos de vida em geral preferem formas farmacêuticas líquidas, sobretudo soluções e poções de administração oral. Além disso, no caso de uma preparação líquida, a quantidade de fármaco administrada pode ser facilmente ajustada mediante diluição, obtendo-se, assim, a dose requerida para um paciente em particular, considerando o peso, a idade e as condições de saúde desse. Crianças na idade infantil podem ter dificuldade de deglutir formas farmacêuticas sólidas e, por essa razão, muitas das preparações de uso oral são preparadas na forma de xaropes e poções flavorizados, de modo a torná-las agradáveis. Os adultos normalmente preferem as formas farmacêuticas sólidas, em primeiro lugar por motivos de conveniência. Porém, para aqueles que não podem deglutir comprimidos ou cápsulas, preparações líquidas alternativas também estão disponíveis. Recentemente tem aumentado o interesse pelo delineamento de formulações capazes de liberar fármacos em sítiosalvo específicos dentro do organismo (p. ex., lipossomas e nanopartículas), assim como de suprir fármacos durante longos períodos de tempo, com velocidade controlada. Tecnologias alternativas para a preparação de partículas com propriedades definidas engenharia de cristais têm proporcionando novas perspectivas. O processo com líquidos supercríticos consiste em um desses métodos que utiliza dióxido de carbono como solvente ou anti-solvente, permitindo um ajuste fino das propriedades, do desenho e da fabricação de partículas cristalinas. Sem dúvida esta e outras novas tecnologias, bem como formulações sofisticadas, serão necessárias para o manejo de fármacos peptídicos e protéicos com o advento da terapia gênica e com a necessidade de ceder tais macromoléculas lábeis dentro de células específicas do corpo. De modo adequado, essa atenção também deve ser dirigida às necessidade individuais do paciente, tais como idade, peso e fatores fisiológicos e metabólicos, aspectos capazes de afetar a absorção do fármaco e a sua biodisponibilidade.
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