TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de Rio Claro, em que é apelante DON ORIONE EMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS S/S LTDA, é apelado PREFEITURA DO MUNICIPIO DE RIO CLARO. ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CRISTINA COTROFE (Presidente), ANTONIO CELSO FARIA E RONALDO ANDRADE., 27 de julho de 2016 Cristina Cotrofe RELATORA Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Apelante: Don Orione Empreendimentos e Seviços S/S Ltda Apelada: Prefeitura Municipal de Rio Claro Comarca de Rio Claro Voto nº SERVIDÃO ADMINISTRATIVA Indenização Ressarcimento devido apenas pela restrição na utilização pública da propriedade - Área afeta à construção do Cemitério local não avaliada Inadmissibilidade Efetivo prejuízo ao direito de propriedade Indenização devida Determinação de realização de nova perícia - Recurso provido. Trata-se de apelação interposta por Don Orione Empreendimentos e Serviços S/S Ltda contra a respeitável sentença de fls. 199/202, que, nos autos da ação ajuizada em face da Prefeitura Municipal de Rio Claro, julgou parcialmente procedente o pedido para declarar devido e justo o valor de R$ ,00 (quinhentos mil reais), com correção monetária a partir de novembro de 2012, juros remuneratórios, nos termos do artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com as alterações trazidas pela Lei nº /09, com incidência a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àqueles em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do artigo 100, da Constituição Federal, conforme preceitua o artigo 15-B, do Decreto- Lei 3.365/41, acrescido pela MP nº , e juros compensatórios a partir da elaboração do laudo, no percentual de 6% ao ano. Ante a sucumbência recíproca, cada parte arcará com as suas despesas, custas processuais e honorários advocatícios de seus patronos. A apelante sustenta, em apertada síntese, que a decisão que julgou procedente a ação de indenização por desapropriação indireta comporta reforma quanto à metragem do terreno a ser ressarcida. Afirma que deve ser acrescida na avaliação Apelação nº Rio Claro - VOTO Nº /6

3 a área de 3.904,10m², existente defronte ao Cemitério e velório (vulgo Avenida 55), e que sua exclusão, em razão do isolamento imposto pelo Código Sanitário Estadual, não deve prevalecer. Aponta que o citado Diploma faz referência quanto à possibilidade de instalação de logradouros públicos, o que não justifica que o recuo afeto à construção de cemitérios não mereça mensuração pecuniária, mesmo porque referida faixa possui todas as características de via pública, custeada pela apelante. Pugna, subsidiariamente, para que o termo inicial dos juros compensatórios se dê a partir do apossamento, que se deu em dezembro de 1994, e no percentual de 12% ao ano. Por fim, pleiteia a inaplicabilidade dos índices de atualização monetária fixados nos termos da Lei nº /09, declarado inconstitucional, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e, que a Municipalidade custeie integralmente com os honorários advocatícios. Regularmente processado o recurso, foram apresentadas contrarrazões (fls. 242/248). É o relatório. O recurso comporta provimento. Inicialmente, há que se consignar que o presente caso não diz respeito à desapropriação indireta, como pressupõe a apelante. Isso porque desapropriação indireta é o fato administrativo por meio do qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia. Na desapropriação indireta, repudiada pela doutrina, o Estado apropria-se de bem particular sem o devido Apelação nº Rio Claro - VOTO Nº /6

4 processo legal: não declara o bem como de interesse público e não paga a justa e prévia indenização 1. Trata-se, na verdade, de servidão administrativa, uma vez que o Poder Público não se apropriou da propriedade da apelante. Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, ensina que: (...) não se confunde a servidão administrativa com a desapropriação, porque esta retira a propriedade do particular, ao passo que aquela conserva a propriedade com o particular, mas lhe impõe o ônus de suportar um uso público. Na desapropriação despoja-se o proprietário do domínio e, por isso mesmo, indeniza-se a propriedade, enquanto que na servidão administrativa mantém-se a propriedade com o particular, mas onera-se essa propriedade com um uso público e, por esta razão, indeniza-se o prejuízo (não a propriedade) que este uso, pelo Poder Público, venha causar ao titular do domínio privado. 2 Note-se que a servidão administrativa é a limitação de direitos de propriedade, em favor de um serviço público. Não há perda de propriedade, como ocorre na expropriação, mas tão somente uma restrição ao seu uso. No caso dos autos, houve a instituição de servidão administrativa correspondente a uma faixa de terra aberta, 1 Direito Administrativo Descomplicado Marcelo Alexandrino e Vicento Paulo,, Editora Método, 2008, p MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 35ª ed., Malheiros Editores, 2009, p.632. Apelação nº Rio Claro - VOTO Nº /6

5 asfaltada, com guias, sarjetas, rede de esgoto em um pequeno trecho, aproximado de 268 metros de cumprimento, pela sua largura variando de 14 a 21 metros, totalizando uma área superficial de 5.063,00m², (...) localizado à Avenida 53, entre as Ruas 8 e 9, no Jardim Residencial Copacabana, na cidade de Rio Claro, por intermédio do Decreto nº 4.915/94, posteriormente revogado pelo Decreto nº 5.075/95 (fls.48). Observa-se que o Perito deixou de avaliar a face que faz frente para o Cemitério, correspondente a 3.904,10m², por entender ser necessária à construção do Cemitério. Deste modo, a controvérsia dos autos cinge-se acerca do valor fixado a título de indenização em relação à área afeta à construção do cemitério, não mensurada economicamente pelo Perito Judicial, em razão do disposto no Decreto nº /78. É certo que referido Decreto, quando discorre sobre a construção de cemitérios, notadamente sobre normas específicas das edificações, prevê, em seu artigo 152, que estes deverão ser isolados, em todo o seu perímetro, por logradouros públicos ou outras áreas abertas, com largura mínima de 15,00 m, em zonas abastecidas por redes de água, e de 30,00 m, em zonas não providas de rede. No entanto, é incontroverso que a área em discussão passou a ser utilizada como via de acesso entre os bairros da região, inclusive com construção de imóveis lindeiros e uma academia de natação, na qual seus usuários a utilizam como estacionamento, o que efetivamente alijou o caráter privado da área. Não há como negar que a questionada servidão prejudicou a utilização do bem, segundo sua normal destinação, bem como as obras realizadas às expensas da apelante Apelação nº Rio Claro - VOTO Nº /6

6 beneficiaram a Municipalidade, justificando-se, deste modo, a devida indenização do prejuízo causado ao proprietário. Outrossim, o Código Sanitário referenda a possibilidade de instalação de logradouros públicos, razão pela qual não se justifica que o referido recuo afeto à construção do cemitério, faixa esta provida de todas características de via pública, não mereça mensuração pecuniária. Ora, a servidão administrativa é indenizável quando há o efetivo prejuízo ao uso da propriedade, decorrência lógica do instituto, e no presente caso, restou devidamente comprovado que o direito do particular restou afetado, sendo de rigor sua respectiva indenização. Portanto, é de rigor que nova perícia técnica seja realizada para que se inclua na avaliação a área afeta à construção do cemitério. Ante ao exposto, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso, para anular a sentença, abrindo-se oportunidade para a produção de nova prova pericial, nos termos acima explicitados. CRISTINA COTROFE Relatora Apelação nº Rio Claro - VOTO Nº /6