O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO COMO DEMANDA DE AMOR: NOTAS A PARTIR DE UM CASO

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Luciana Regueira Graça
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1 1 O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO COMO DEMANDA DE AMOR: NOTAS A PARTIR DE UM CASO Jamile Luz Morais 1 Roseane Freitas Nicolau 2 Mayumi Aragão Fujishima 3 a doença é a única arma que lhe resta para afirmar-se na vida Freud (1905) Este trabalho, desdobramento do grupo de pesquisa O Sintoma do Corpo 4, tem como objetivo mostrar, a partir de fragmentos de um caso de uma paciente acometida de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), como a eclosão de um fenômeno psicossomático pode se constituir como uma demanda de amor. A paciente, que chamamos de Elisa, traz como queixa o sofrimento decorrente de sua doença, a qual descobrira há mais de cinco anos. Diz ela na primeira sessão: Dra, eu não desejo o que eu passei pra ninguém. Até eu descobrir que eu tinha lúpus, andei de médico em médico e ninguém sabia o que eu tinha. Enquanto isso, minha perna inchava sem parar e, meu corpo, tomava uma forma que não conhecia. Só depois de fazer o exame laboratorial três vezes é que deu positivo para lúpus, não sabia nem o que era isso! O LES, doença crônica e auto-imune, além de atingir no Brasil uma proporção de a pessoas (MIGUEL FILHO, 1992), seu diagnóstico, visto a multiplicidade de seu quadro clínico, não se dá de maneira fácil. Conta em Sato et AL (2002) que até o paciente saber que é portador de LES, ele geralmente já percorreu uma variedade de especialidades médicas; fato este que conduz o paciente a um estado intenso de angústia, pois ao mesmo tempo em que seus sintomas podem facilmente ser confundidos com outras doenças, seu quadro pode se agravar de modo inesperado, podendo atacar todos os órgãos do corpo: como a pele, os rins, o pulmão, o coração, as articulações e o sistema nervoso. Por esta razão, o Colégio Americano de Reumatologia 1 Psicóloga, mestre em psicologia, membro do grupo de Pesquisa Psicanálise, sintoma e instituição da Universidade Federal do Pará (UFPA). 2 Psicanalista, Professora-Doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenadora do grupo de Pesquisa Psicanálise, sintoma e instituição. 3 Graduanda em Formação de Psicólogo pela Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista PBIC e membro do Grupo de Pesquisa Psicanálise, sintoma e instituição. 4 Projeto de Pesquisa desenvolvido na Clínica de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).

2 2 acabou considerando o LES como um grande imitador, sendo um verdadeiro fenômeno da natureza, onde o sistema imunológico, ao invés de ser um grande aliado à saúde do indivíduo, faz com que o organismo, transforme-se num palco de lesões e inflamações (MATTJE; TURATO, 2006). Por outro lado, a dificuldade de um diagnóstico preciso está diretamente relacionada ao desconhecimento das causas da doença, pois se sabe apenas que fatores genéticos 5, ambientais e emocionais estão envolvidos. Sobre os aspectos emocionais, autores como Otto e Mackay (1967 apud MATTJE; TURATO), ao debaterem sobre a provável influência das emoções no curso do lúpus, afirmaram que devido à ação de certas substâncias nos complexos imunológicos, este deveria ser considerado como sendo de caráter psicossomático. Elisa, munida desse dado, dizia: Dra., por favor me diz o que aconteceu comigo? Por que não consigo me livrar desses sintomas? A minha mãe viu na internet que a causa do lúpus pode também ser emocional, assim a Sra. pode me dizer o que eu tenho. Ao demandar uma resposta do outro, Elisa denotava sua falta a saber, ficando presa numa fala vazia, direcionada a todos os sintomas físicos que lhe ocorriam durante a semana: Essa semana foi horrível, quase não consegui dormir direito, meu coração batia forte, aquelas dores voltaram. E o pior, há 4 dias acordei cheia de manchas na pele! Não agüento mais, todo hora é uma coisa, fui na médica e ela disse que pode ser psoríase, minha cabeça está só casquinha, sabe. Elisa insistia que a analista dissesse, assim como fazia o seu médico, o que ela tinha, não se implicando subjetivamente. Essa resposta ela poderia só encontrar nela mesma. Contudo, ao menos naquele momento, não estava sendo capaz de sair deste discurso, ficando presa ao registro do real do seu corpo. Fundamentando-se no pensamento lacaniano, podemos dizer que Elisa foi atingida por uma falha epistemo-somática. Esta expressão, sugerida por Lacan (1966) para se referir aos fenômenos psicossomáticos, diz respeito a uma falha no saber, na própria cadeia de significantes. A gelificação de S1 S2, ao impedir o deslizamento da cadeia, impossibilita o aparecimento do sujeito do desejo e, portanto, a de um sintoma analítico. Isso faz com que o sujeito nada possa dizer sobre o mal que lhe causa, na medida em que está fixado numa fala presa a ordem do impossível de se representar. 5 No que se refere ao componente genético do Lúpus, não houve ainda a identificação de um gene ou genes responsáveis por ele. É em torno de 10 a 12% o número de pacientes que têm parentes próximos com a doença, e apenas 5% de filhos de pacientes tendem a desenvolver o Lúpus (SATO et al 2002).

3 3 Sendo assim, Elisa foi afetada pela ignorância simbólica em relação ao saber do próprio corpo, do seu desejo e de sua história, pagando o preço com a moeda do seu corpo. Por sua vez, o prejuízo no registro simbólico, antes de refletir uma falha na metáfora paterna, aponta para uma falha na constituição narcísica e imaginária da paciente. O conceito de estádio do espelho formulado por Lacan (1949/1998) trata justamente da importância do narcisismo para que o sujeito, até então, eminentemente organismo, se constitua como uma unidade. A passagem por este estágio configura a constituição imaginária da criança, onde, a partir do instante em que se deixa capturar pelo olhar de seu primeiro grande Outro, ela deixa de ter um corpo apenas orgânico e fragmentado, para possuir um eu-corpo, investido pela perfeição narcísica. Porém, para que isso aconteça, faz-se necessário que a criança seja desejada e, ao menos por um momento de sua constituição, sinta-se objeto de desejo materno. Elisa, ao narrar uma parte negra de sua história, deixa explícito a mágoa de não ter sido desejada, amada por sua mãe biológica: Tudo bem que a minha avó me tirou dela por causa da forma irresponsável que ela me criava. Onde já se viu deixar um bebê sozinho numa casa, sabendo que eu podia cair da rede, comer cocô e tudo... Mas se ela me quisesse mesmo, ela não deveria ter deixado a minha avó me tomar dela, não me criou porque não quis. Este acontecimento deixou marcas não no psiquismo de Elisa, que apareciam em seu corpo, como bem nos aponta Miller (1999 apud FONSECA 1999, p. 23): No que concerne ao psicossomático precisamente, tentamos dar valor ao efeito traumático de algum acontecimento que não foi traduzido quanto ao simbólico, mas que, em curtocircuito, marca o corpo. O que não pôde ser simbolizado, Elisa atua no corpo, através de um fenômeno psicossomático, buscando, desta forma, um lugar no desejo dos pais adotivos. Além das desordens físicas comuns em razão do LES, Elisa teve psoríase, dermatite e uma coceira nos olhos que a impedia de dormir e estudar. Quando fora atacada por esses episódios, ela disse: Ai, Dra. se for assim prefiro não viver mais, às vezes eu quero morrer. O significante doente tomou conta de sua vida de maneira que ser doente era o modo que ela poderia se encarnar, pela via do real de sua dor, como objeto de desejo do outro. Dá um desconto pra ela, ela é doente, dizia sua mãe. Nesse sentido, Elisa tomou o corpo para encarnar no real um arremedo do simbólico que faltou em sua constituição, fazendo da doença, como nos coloca Freud (1905 [1901]/1996, p. 51) a única arma que lhe resta para afirmar-se na vida.

4 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREUD, S. (1905[1901]). Fragmentos da análise de um caso de histeria. In: FREUD, S. ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VII. FONSECA, M. C. B. Do trauma ao fenômeno psicossomático (FPS) Lidar com o sem-sentido? Ágora, v. X, n. 2, Rio de Janeiro, jul/dez 2007, p MIGUEL FILHO, E. C. Alterações Psicopatológicas no Lúpus Eritematoso Sistêmico. São Paulo, Faculdade de Medicina USP, 1992 (Tese). SATO ET AL. Consenso Brasileiro para o tratamento de Lúpus Eritematoso Sistêmico. Revista Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 42I, n. 6, nov./ dez, MATTJE, G. D.; TURATO, E. R. Experiências de vida com Lúpus Eritematoso Sistêmico como relatadas na perspectiva de pacientes ambulatoriais no Brasil: um estudo clínico-qualitativo. Revista Latino Americana de Enfermagem, n. 4, p. 14, jul./ago LACAN, J (1966). Psychanalyse et médécine. Em: Petit écrits et conférences , Inédito.. (1949). O estádio do espelho como formador da função do eu. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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