7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Parede digestiva PAREDE DIGESTIVA
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- Fernando Clementino Escobar
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1 Introdução PAREDE DIGESTIVA A aplicação da ultrassonografia (US) ao estudo do tracto gastrointestinal (TGI) foi inicialmente escassa, ao se considerar que este lhe oferecia enormes dificuldades. Em 1º lugar, o seu conteúdo aéreo originava importantes artefactos ao impedir a correcta transmissão dos ultra-sons e, em 2º lugar o aparecimento de diversas imagens formadas por agrupamento de ansas intestinais ou dilatações das mesmas, conduziam com relativa frequência a diagnósticos erróneos. Com o desenvolvimento da US em tempo real (capacidade de identificação do TGI pelas mudanças de imagem devido ao peristaltismo ou movimentos do conteúdo intra-luminal), o progresso técnico dos aparelhos ecográficos e a maior experiência dos operadores, foi demonstrado o seu grande valor no diagnóstico da patologia do TGI. Actualmente, devido à sua disponibilidade, não-invasibilidade, repetibilidade e eficácia, a US é correntemente usada na investigação de patologia neoplásica, infecciosa e inflamatória do TGI. Muitas vezes é o 1º exame imagiológico realizado nas queixas abdominais, especialmente em situações de abdómen agudo. Eco-anatomia da parede digestiva Ao exame US do TGI pode-se distinguir a sua parede e o seu lúmen, numa imagem mais ou menos arredondada, quando em corte transversal. O lúmen, central na imagem, aparece ecogénico e de intensidade variável com o material que contém (quando contém gás atinge a sua maior intensidade). A parede digestiva, localizada na periferia da imagem, aparece hipoecogénica. As 5 camadas da parede digestiva são visualizáveis utilizando uma sonda linear de alta frequência sendo a correlação entre o aspecto ecográfico transparietal e a histologia estabelecida da seguinte forma (figura 1): 1ª camada (ecogénica) - interface entre o líquido digestivo e a mucosa superficial; 2ª camada (hipoecogénica) - mucosa profunda, inclui a muscularis mucosa; 3ª camada (ecogénica) sub-mucosa e interface com a muscular; 4ª camada (hipoecogénica) muscular própria; 5ª camada (ecogénica) serosa com a gordura periférica. Figura 1. Corte longitudinal da parede digestiva normal. As áreas claras são hiperecogénicas e as escuras hipoecogénicas na ecografia. Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 76
2 A medição da espessura da parede, que vai depender do grau de distensão do órgão, é um factor determinante da ausência ou presença de anomalias intrínsecas esogastrointestinais. É considerada normal quando < 5 mm e claramente patológico se superior a 10 mm. Para obter correctamente esta medição usam-se, idealmente, sondas de alta frequência (7,5 a 10 MHz) e o feixe de US deve incidir perpendicularmente ao centro do lúmen, já que desvios em relação a este eixo originam falsas imagens de espessamento parietal. O padrão ecográfico de espessamento parietal, é denominado como sinal de pseudo-rim, pela sua semelhança com a imagem US do rim, e também em donut ou em olho de boi. Pode inclusivé, ser um falso positivo em alguns casos e, foi descrita excepcionalmente, em indivíduos saudáveis. Tabela 1. Exemplos de Doenças Causadores de Sinal em Pseudo-rim Neoplasias malignas do esófago, estômago, intestino delgado e cólon Úlcera gástrica benigna com grande componente inflamatório Doença de Menetrier Doença inflamatória intestinal Resumo Invaginação da anatomia: intestinal O fígado Alterações ocupa a região intestinais sub-frénica pós-radiação direita prolongado-se para a região Linfangiectasia intestinal Tuberculose intestinal Diverticulite Hematoma da parede intestinal A. Esófago e estômago Para identificar estes órgãos, examina-se geralmente a região epigástrica em decúbito dorsal, efectuando cortes longitudinais e transversais sistemáticos. Para uma melhor definição da parede digestiva pode-se usar-se uma sonda de alta frequência e pedir ao doente que ingira 250 a 300 cc de água. Para o estudo das regiões do antro gástrico (e duodeno) o doente pode posicionar- se em decúbito lateral direito e no estudo do corpo e fundo pode- se efectuar cortes oblíquos com o doente em decúbito lateral esquerdo ou em supinação. Figura 2. Corte longitudinal Corte transversal Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 77
3 Esófago O esófago pode ser reconhecido por US, geralmente nos 3 últimos cm do seu segmento distal intra-abdominal, simultaneamente com a junção gastroesofágica, sendo difícil visualizar o segmento distal supradiafragmático. O esófago distal atravessa o diafragma a nível da 10ª vértebra torácica e localiza-se à esquerda da linha média, à frente da aorta, atrás do lobo hepático esquerdo e abaixo do diafragma. A sua imagem US é obtida num corte subcostal médio esquerdo e pode variar entre tubular, redonda ou oval, dependendo dos distintos cortes ecográficos realizados (figura 3). Corte longitudinal Corte transversal 1-Aorta; 21-Lobo hepático esquerdo; 22-Lobo quadrado (segmento IV); 6-Art.gástrica esquerda; 10-Veia cava inferior; 12-Veia hepática média; 71-Fundo gástrico; 94-Artefacto; 96-Diafragma Figura 3. Esquema US do esófago Estômago O estômago, em condições normais, não pode geralmente ser diferenciado em todas as suas partes à exploração por US, estando o fundo e o corpo tapados pela grade costal, interferindo com a sua visualização. A obesidade e uma hipertrofia do lobo hepático esquerdo são também factores limitantes à exploração do estômago. No entanto, se existe distensão gástrica ou após a ingestão de água, tanto o fundo como o corpo podem ser explorados a nível epigástrico com o doente em decúbito lateral esquerdo ou em supinação. Observam-se áreas hipoecogénicas ou anecogénicas, conforme o seu conteúdo e, com localizando-se à esquerda do fígado e aorta, à direita do baço e por cima do rim esquerdo (figura 4 e 5). O antro, pelo contrário, é facilmente reconhecido no epigastro como uma pequena estrutura arredondada ou oval, a nível da linha média. Nos cortes longitudinais localiza-se imediatamente abaixo ou posterior à margem inferior do fígado e nos cortes transversais localiza-se anteriormente ao pâncreas (figura 4 e 6). Se existe conteúdo no seu lúmen, a sua morfologia muda, Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 78
4 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Parede digestiva objectivando-se este como uma estrutura mais alongada com material líquido e/ou sólido no seu interior. Figura 4. Corte transversal ao nível do estômago Corte longitudinal Corte transversal 72-Corpo gástrico; 1-Aorta; 21-Lobo hepático esquerdo; 10-Veia cava inferior; 12-Veia hepática média; 90-Coluna vertebral; 96-Diafragma Figura 5. Esquema US do corpo gástrico Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 79
5 Corte longitudinal Corte transversal 73-Antro gástrico; 1-Aorta; 5-Artéria esplénica; 10-Veia cava inferior; 19-Veia mesentérica superior; 20- Lobo hepático direito; 21-Lobo hepático esquerdo; 24-Ligamento redondo; 30- Vesícula biliar; 41-Cabeça pancreática; 42-Corpo pancreático; 77-Ansa do intestino delgado Figura 6. Esquema US do antro gástrico No estudo ecográfico da patologia gástrica mede-se a espessura da sua parede, que em condições normais é uniforme e não supera os 5 mm, e quando > 6 mm é sugerida a existência de patologia. A nível do antro distal e região pilórica a espessura pode ser superior em 2 a 3 mm (7-8 mm). As doenças causadores de espessamento parietal gástrico são numerosas, desde benignas a malignas, podendo todas elas originar a imagem ecográfica em falso-rim. Há que ter em conta, no entanto, que o espessamento da parede pode aparecer de forma transitória durante a peristalse ou quando a cavidade gástrica se encontra colapsada. Pode-se recorrer à técnica de replecção líquida do estômago, denominada US hidrogástrica, para o melhor estudo da espessura, distensibilidade e definição das diferentes camadas de todas as regiões anatómicas da cavidade gástrica (incluindo o duodeno proximal). Para a sua realização, o doente, após um jejum de 8 horas, deve ingerir previamente de cc de água ou sumo diluído, que vai actuar como janela acústica para a exploração ecográfica e, pode ser administrado um agente anticolinérgico i.m. ou i.v. para relaxar a camada muscular e suprimir a peristalse. No estudo ecográfico, pode-se, também, observar dilatação gástrica, originada por diferentes patologias obstrutivas, intrínsecas ou extrínsecas do estômago ou por doenças sistémicas como diabetes mellitus e amiloidose. Esta situação pode simular uma massa abdominal que ecograficamente se assemelha a um quisto. Se o seu conteúdo é líquido a imagem é anecogénica e se sólido manifesta-se como ecos fortes que têm geralmente sombra acústica posterior. A visualização com a US em tempo real permite observar os movimentos peristálticos característicos do estômago, ajudando a diferenciá-lo de uma possível lesão quística ou anomalia de órgãos adjacentes. De forma Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 80
6 prática, quando se realiza uma US convencional, o facto de se visualizar um estômago com conteúdo num doente em jejum, é a favor de patologia gastroduodenal, por dificuldade de esvaziamento ou hipersecreção gástrica. É possível efectuar estudos funcionais mediante ecografia, objectivando a motilidade gastrointestinal, de especial interesse na valorização do esvaziamento gástrico em indivíduos com dispepsia idiopática. B. Intestino delgado e Cólon Intestino delgado O intestino delgado (ID) é um longo órgão tubular, que constitui local de importante digestão e absorção de água e nutrientes. Divide-se em 3 segmentos (figura 7): 1º Duodeno: primeiros 25 cm do intestino delgado, para além do esfíncter pilórico; 2º Jejuno: a partir do ângulo de Treitz; mede cerca de 2,5 m; sustentado pelo mesentério; 3º Íleon: mede cerca de 3 m; sustentado pelo mesentério; termina na junção ileocecal. Todo o ID apresenta modificações para aumentar a sua superfície de absorção. Apresenta válvulas coniventes (ou pregas circulares), excepto no íleon, vilosidades (pregas da mucosa) e microvilosidades (figura 8). Figura 7. Intestino delgado Figura 8. Duodeno e Jejuno 1º Duodeno (figura 9) As distintas porções que compõem o duodeno não são apreciáveis ecograficamente em condições normais, salvo quando têm líquido no seu interior. Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 81
7 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Parede digestiva No entanto, o bulbo duodenal pode ser identificado em cortes transversais no epigastro, medialmente à vesícula biliar, aparecendo como uma área hiperecogénica mínima com sombra acústica posterior devido ao seu conteúdo aéreo (figura 10). Por vezes pode-se confundir com litíase biliar. A 2ª porção duodenal, se está cheia de líquido, aparece em corte transversal delimitando a cabeça do pâncreas. A 3ª porção, em corte longitudinal visualiza-se à frente da aorta e por debaixo da artéria mesentérica superior. No caso de existir patologia infiltrativa da parede duodenal, pode-se detectar à exploração US o espessamento da mesma, que em condições normais geralmente não excede os 3 mm de espessura. Figura 9. Duodeno in situ Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 82
8 Corte longitudinal Corte transversal 76-Bulbo duodenal; 1-Aorta; 10-Veia cava inferior; 11-Veia mesentérica superior; 17-Veia porta; 20-Lobo hepático direito; 21-Lobo hepático esquerdo; 24-Ligamento redondo; 30-Vesícula biliar; 41-Cabeça pancreática; 42-Corpo pancreático; 45-Canal de Wirsung; 73-Antro gástrico Figura 10. Esquema US do bulbo duodenal 2º e 3º Jejuno-Íleon O intestino delgado, para além do duodeno, não é facilmente acessível à exploração US devido ao seu conteúdo gasoso ou reduzido em líquido. O conteúdo intra-luminal origina, com as pregas da mucosa e superfícies peritoneais, imagens ecogénicas de distinta morfologia e inclusivé de localização variável se o ar se mobiliza. A identificação ecográfica das ansas intestinais só é possível quando a quantidade de líquido intra-luminal, correspondente às secreções digestivas, é suficiente para causar dilatação. O seu aspecto ecográfico é de estruturas tubulares anecogénicas ou ecogénicas, com uma espessura da parede < 3 mm (ou 4 mm em alguns estudos), da qual partem para o seu interior as válvulas coniventes (figura 8) como pequenos focos ecogénicos lineares separados entre si cada 3 a 5 mm. A esta configuração tem-se chamado sinal do teclado, podendo originá-lo tanto o duodeno como o jejuno, mas não o íleon (porque carece de válvulas coniventes). Quando existe líquido livre intraperitoneal, as ansas do intestino delgado aparecem como um conglomerado irregular de estruturas ecogénicas, mais ou menos arredondadas, suspensas pela raiz do mesentério. O mesentério pode ser identificado ecograficamente em algumas situações, especialmente em obesos. Aparece na US como estruturas tubulares de 7 a 12 mm de diâmetro, paralelas entre si e com bordos ecogénicos, devido às superfícies peritoneais, com as ansas intestinais num dos seus extremos. O mesentério pode-se observar especialmente espessado quando há líquido ascítico. Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 83
9 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Parede digestiva Cólon (figura 11) O estudo da patologia do cólon não se realiza facilmente com a ecografia, pois que o seu elevado conteúdo em gás prejudica a exploração do mesmo. A técnica de US hidrocólica, melhora o seu estudo, recorrendo à introdução no cólon, mediante enema, de 1500 cc de água, para detecção de patologia proliferativa e exame da parede cólica transabdominal. Para obtenção de bons resultados é imprescindível uma adequada limpeza prévia do cólon. Com esta técnica o cólon é visualizado como uma estrutura tubular livre de ecos com 4 a 5 cm de diâmetro e com bandas ecogénicas finas e curtas que partem da parede para o lúmen correspondendo às haustras. A espessura da parede é geralmente considerada normal até 3 mm. Região ileocecal (figura 11) A exploração US da região ileocecal é de particular interesse, pela informação diagnóstica que desta se pode obter numa 1ª abordagem diagnóstica, nomeadamente na investigação da dor abdominal aguda. O seu estudo é realizado sem preparação cólica particular. O doente é instalado em decúbito dorsal ou lateral direito, e a replecção vesical pode ser útil. O cego é a formação maior da fossa ilíaca direita, tem uma forma arredondada ou oval e encontra-se localizado à frente do psoas, debaixo do arco ecogénico peritoneal e à frente dos vasos ilíacos (figura 12). O seu conteúdo é ecogénico, geralmente contendo ar, fezes e raramente líquido. O seu diâmetro é de 5-6 cm, a sua parede não excede os 5 mm e apresenta pouco peristaltismo. Região ileocecal Figura 11. Cólon e região ileocecal Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 84
10 p- peritoneo. i-íleon. v- válvula ileocecal. c- cego c-cego, v-válvula ileocecal, i-íleon, p-peritoneu Figura 12. Corte transversal da região ileocecal O apêndice cecal normal é difícil de localizar. Poderá ser identificado após localização do ascendente e do cego, seguindo para a válvula ileocecal (ecogénica) e procurando-se caudal a esta em cortes transversais, longitudinais e oblíquos (figura 13). A técnica do exame de avaliação ecográfica do apêndice cecal, consiste na sua localização com sonda convexa de 3,5 MHz, seguida de compressão gradual do abdómen usando transdutores de alta frequência. Os critérios de identificação do apêndice normal à exploração ecográfica são: - Estrutura digestiva, com um lúmen central ecogénico e uma parede estratificada; - Estrutura tubular, ovóide em corte transversal, depressível, com uma extremidade cega e a outra inserida no cego; - Ausência de peristaltismo e de fluido intra-luminal móvel. O seu diâmetro é inferior a 6 mm e a sua parede não excede os 3 mm de espessura. A gordura peri-apendicular é geralmente ecogénica. Figura 13. Principais cortes na região ileocecal Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 85
11 Principais patologias da parede digestiva: A. Abdómen agudo Apendicite aguda A especificidade diagnóstica da avaliação clínica da apendicite aguda é limitada. Em todos os apêndices tratados cirurgicamente, 30-50% não revelaram apendicite aguda na histologia. A US pode atingir uma eficácia diagnóstica de cerca de 90% quando realizada por um operador experiente. Se existirem complicações severas, como perfuração ou abcesso, o apêndice pode não ser visualizado como a origem da inflamação, sendo indicada a realização de TC. Sinais ecográficos: Sinais ecográficos: Sinais constantes 1) Diâmetro anteroposterior >/= 6 mm (também em alguns casos de hiperplasia linfoide) 2) Dor localizada ao apêndice com a compressão 3) Não depressível pela sonda Sinais inconstantes - Alteração da gordura periapendicular (hipertrofia ou infiltração hipoecogénica com perda da diferenciação com a parede apendicular) - Forma redonda em corte transversal - Fecalito no apêndice, com obstrução - Ausência de gás no apêndice - Hipervascularização no Doppler de cor - Aumento moderado dos nódulos linfáticos - Ausência de peristaltismo - Colecção localizada (resultado de perfuração contida) Doença diverticular A US pode diagnosticar diverticulose (em 60%) e diverticulite (>90%) quando realizada por um operador experiente. Quando há suspeita de complicações, como abcesso ou fístulas, deve ser realizada TC. Diverticulose: Protuberâncias da parede, geralmente hiperecogénicas com sombra acústica de intensidade variável com o tipo de conteúdo (em alguns casos hipoecogénicas), com parede fina e nem sempre demonstrável. Diverticulite: Os mesmos 4 critérios usados na TC: i. Espessamento da parede. ii. Divertículo. iii. Ecogenicidade destes focos variando de hipoecogénico a predominantemente hiperecogénico, com um rim hipoecogénico envolvente e hiperecogénico com / sem sombra acústica interna. Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 86
12 iv. Inflamação da gordura pericólica, reconhecida como um halo hiperecogénico e em casos avançados hipoecogénico. Sinais de microperfuração: pequenas bolhas de ar (focos hiperecogénicos extraluminais). Sugestivo de fistulização: focos ecogénicos lineares e longitudinais. Abcessos, quando grandes e complexos são de difícil acesso por US. Obstrução intestinal A US não é considerada benéfica na maioria dos doentes com obstrução intestinal, sendo a TC geralmente o 1º método diagnóstico na obstrução intestinal. No entanto, quando os segmentos intestinais obstruídos estão dilatados e preenchidos por fluido, servem como janela acústica e a US pode demonstrá-los adequadamente, confirmando a presença de obstrução intestinal, definindo o nível e identificando a causa da obstrução. Logo, a US, associada ao facto de maior disponibilidade, ausência de radiação e preço reduzido, pode ser tentada em doentes com Rx abdominal normal, suspeita de obstrução no intestino proximal, crianças e grávidas. Sinais ecográficos: - Proximal ao local da obstrução: ansas dilatadas, preenchidas por fluidos/gás/resíduos; peristalse aumentada (ausente, no ileus paralítico). - Distal ao local da obstrução: ansas colapsadas. US Doppler pode demonstrar o fluxo vascular e definir o risco de estrangulamento Quando há uma parede espessada e ascite, é sugerida obstrução complicada. Isquémia do mesentério Ausência de sinais US específicos, necessitando sempre de confirmação endoscópica. O papel proposto da US é o de detecção da extensão e de sinais sugestivos da colite isquémica (espessamento da parede do cólon esquerdo, sem fluxo sanguíneo identificável). Factores de prognóstico, como perda da estratificação da parede, hiperecogenicidade do tecido adiposo pericólico e ascite, devem ser procurados. Factores predisponentes, como estenose e/ou oclusão das principais artérias esplâncnicas, podem também ser detectados por Doppler de cor. Volvo intestinal a. Volvo do ID Situação rara e grave, que consiste na rotação do ID à volta do eixo mesentérico, resultando por vezes em obstrução intestinal e oclusão linfática, venosa ou arterial. Pode ser primário ou secundário a situação predisponente congénita (ex: má rotação intestinal, onfalomesentério persistente, quisto mesentérico) ou adquirida (ex: aderências, ascaridiase, quisto mesentério, tumor). Sinais ecográficos: i. Não específicos: Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 87
13 - Ansas com paredes espessadas, à direita da coluna vertebral com aumento do fluido peritoneal e duodeno dilatado. ii. Específico: - Sinal de remoinho (massa arredondada de anéis concêntricos incompletos de bandas ecogénicas alternadas com hipoecogénicas) de localização diferente conforma a causa. - O centro / eixo central do remoinho varia: na porção superior é a artéria mesentérica superior (AMS) e aparece como mancha hipoecogénica e na porção inferior é a artéria ocluída e aparece como hiperecogénica brilhante. iii. Outros: - Na má rotação intestinal: alteração da relação entre a veia e a artéria mesentéricas superiores. - Obstrução intestinal: pode ser o único sinal na US a sugerir volvo. A US para além de permitir a observação do sinal de remoinho diagnóstico (melhor em cortes oblíquos), também observa lesões predisponentes (como cistos mesentéricos ou ascaridiase) e complicações (obstrução, gangrena ou pneumoperitoneo) se presentes. b. Volvo cecal (somente 11% dos vólvos intestinais) O cego torce, à volta do próprio mesentério, na direcção dos ponteiros do relógio ocupando o hipocôndrio esquerdo. O íleon terminal está geralmente também torcido com o cego. Resulta frequentemente em obstrução intestinal, com dilatação do cego (desproporcionalmente dilatado) e ansas do ID. Invaginação intestinal Um segmento de intestino proximal invagina para um segmento de intestino distal adjacente. Comum nas crianças (a causa mais comum de obstrução intestinal nas crianças) e sem causa predisponente. Menos comum em adultos. A maioria com factor predisponente, sendo no ID geralmente lesão benigna e no cólon em 50 % maligna. Sinais ecográficos: - Sinal específico: ansa com múltiplos anéis concêntricos (sinal de donut ). - Ou, sinal inespecífico: pseudo-rim, quando o edema da parede se torna marcado com perda da sua estratificação. É importante a diferenciação com invaginação transitória (geralmente: doente assintomático; segmento curto, de pequeno tamanho, no abdómen central, sem edema, com manutenção da motilidade e sem lesão predisponente). A US pode ser usada na terapêutica, como controlo na redução hidrostática da invaginação intestinal idiopática nas crianças e, na vigilância. Invaginação jejunogástrica A US é o método diagnóstico de escolha nesta situação, que surge pela invaginação do jejuno para o estômago, geralmente cerca de anos após gastrojejunostomia. Sinais US: estômago dilatado preenchido com fluido e massa do jejuno invaginado no seu lúmen, com aspecto típico em salsicha ou banana. Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 88
14 B. Doenças Inflamatórias Intestinais Crónicas Doença de Crohn A US tornou-se o exame imagiológico de 1ª linha para o diagnóstico precoce da doença, frequentemente na detecção de complicações intraabdominais, e também no follow-up Sinais ecográficos na parede intestinal Complicações intra-abdominais 1. Espessamento da parede - Espessura da parede > 4 mm, até 15 mm - Envolvimento circunferencial e segmentar do íleon terminal Falsos negativos: obesos, lesões superficiais Falsos positivos: doenças infecciosas, neoplásicas e outras inflamatórias 2. Padrão US da parede - Estratificado (normal) - Perda parcial ou total da estratificação (geralmente, camada submucosa mais espessa) - Interrupção da estratificação por áreas hipoecóicas (úlceras profundas) 3. Alteração do padrão vascular - Por vezes, vascularidade da parede (por hiperémia e neovascularização) com ecogenicidade - Uso do Doppler a cor (tem sido estudado como um índice da actividade da DC, somente se definindo em alguns estudos correlação significativa entre a vascularidade (em scores semiquantitativos e subjectivos da intensidade da cor e/ou análise das curvas Doppler) e a actividade endoscópica/radiológica) - Mais recentemente, contrastes US para aumento da sensibilidade 4. Elasticidade e peristalse - Redução ou ausência de peristalse no ID - Perda das haustras no cólon (O uso de contrastes orais pode melhorar os resultados) (Actualmente a enteroclise é considerado o instrumento mais fidedigno da avaliação da elasticidade da parede) 5. Hipertrofia mesentérica - Área hiperecóica, por vezes heterogénea a rodear a parede intestinal espessada (proliferação fibroadiposa no mesentério) (em cerca de 40% da DC) 6. Adenopatias mesentéricas - Nódulos ovais, homogéneos com margens regulares (achado frequente) 1. Estenoses e Oclusão intestinal - Espessamento parietal, lúmen estreitado e diâmetro ansa proximal >2.5-3cm. - Quando agudas: gás ou líquido na ansa proximal e peristaltismo. 2. Fístula: - Canais ou áreas hipoecóicas - Por vezes, ecos internos Melhor definição: Doppler, contrastes iv US ou fistulografia por US (contraste composto por peróxido de hidrogénio e iodopovidona) 3. Abcessos intra-abdominais e massas inflamatórias - Colecções fluidas: lesões hipoanecóicas, paredes espessadas e irregulares, com ecos internos e reforço posterior - Massas: hipoecóicas, bordos irregulares e sem parede Confirmação e distinção com: Doppler ou US com contraste iv 4. Perfuração - Livre: líquido ou ar intraperitoneal ou, ar subdiafragmático - Focal: áreas de espessamento focal e assimétrico da parede com colecções periparietais de ar ou líquido. Colite Ulcerosa O papel da US na CU foi menos investigado que na DC. Tem uma menor capacidade diagnóstica na CU, que pode ser explicada pela sua localização exclusiva no cólon, com atingimento preferencial do recto, de difícil Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 89
15 acesso na US trans-abdominal, um menor espessamento da parede e envolvimento somente da camada mais superficial da parede. Mas, a US pode ter um papel na definição da extensão da doença, quando activa e não limitada ao recto e na avaliação da actividade da doença (existe uma correlação significativa do grau de espessamento da parede com a actividade clínica, actividade analítica (PCR e VS), endoscópica e cintigráfica e, a perda da estratificação e da vascularidade da parede sugerem CU activa) Sinais ecográficos: 1. Espessamento da parede: - 4 mm, frequentemente 5-7mm, só raramente até 10 mm. - Contínuo, circunferencial, simétrico. - Predomina no cólon esquerdo (achado na FIE e hipogastro) 2. Padrão US da parede: - Mais frequentemente estratificação preservada - Inflamação aguda (envolvimento da submucosa)- submucosa ligeiramente hipoecóica e com aumento da vascularização 3. Perda das haustras Outros: - Pseudopólipos - somente visualizado com US hidrocólica - Pseudopolipose extensa - espessamento heterogéneo não estratificado da parede, margem interna irregular e/ou não depressível, com conteúdo ecogénico heterogéneo - Megacólon tóxico (o diagnóstico é efectuado por Rx) - espessura da parede (<2mm), perda das haustras e dilatação (> 6 cm do cólon transverso - fluido e dilatação das ansas ileais C. Neoplasias Carcinoma colo-rectal Um exame US cuidado do cólon e recto, quando a US trans-abdominal é realizada por queixas abdominais inespecíficas, pode identificar uma massa focal ou espessamento mural que levará a investigação posterior. Pode ser também detectada obstrução intestinal e metástases ganglionares adjacentes. A US do fígado deve ser efectuada para exclusão de metástases. Características US: a Lesão vegetante: massa de pequenas ou médias, geralmente com contornos irregulares ou lobulados, ecos de grande amplitude, por gás ou conteúdo fecal, localizados na massa (centrais ou excêntricos). b Lesão estenosante: espessamento segmentar da parede (> 5mm), abrupto, excêntrico ou circunferencial, geralmente < 5 cm de comprimento; geralmente sem fezes ou gás (pois há estreitamento do lúmen). Neoplasia gástrica A US é actualmente um instrumento essencial no diagnóstico, estadiamento (invasão da parede e metastização ganglionar) e follow-up das neoplasias gástricas, com a introdução da EndoUS. Já a US transabdominal tem sido Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 90
16 menos estudada. A discriminação entre lesões infiltrativas e inflamatórias da parede, inclusive intestinal, pode não ser fácil por US recorrendo-se geralmente a TC. Técnica US transabdominal: - Sem preparação, geralmente na doença avançada. - Técnica de US hidrogástrica para lesões pequenas. Transdutores US: - Convexos de baixa frequência (3-5 MHz) screening de rotina. - Lineares de alta frequência (7,5-10 MHz) exame mais detalhado. a. Early gastric cancer - Tumor intra-mucoso - espessamento focal da parede originado na 2ª camada (hipoecogénica ), com a 3ª camada inalterada. - Invasão da camada submucosa alteração da morfologia e espessura das camadas, finalmente desaparece com a invasão da camada muscular (4ª camada) * Avaliação difícil da invasão neoplásica quando complicada com úlcera (a fibrose da cicatrização ulcerosa aparece como uma área hipoecogénica semelhante a neoplasia). b. Cancro gástrico avançado - Espessamento focal da parede gástrica, sem estratificação da parede pseudo-rim (excepcionalmente, os do tipo difuso apresentam estratificação mas mal definida da parede). - Baixa compliance e compressibilidade. - Diminuição ou perda do peristaltismo. Diagnóstico diferencial: Úlcera gástrica benigna: - Espessamento focal da parede gástrica (por edema da submucosa), com um defeito central e preservação da estratificação da parede. Linfoma maligno: - Espessamento focal da parede gástrica, sem estratificação da parede, mas com muito baixa ecogenicidade. Lesão aguda da mucosa gástrica: - Espessamento difuso da parede gástrica, com estratificação da parede Linfoma gastrointestinal Características US: - Espessamento da parede, simétrico ou assimétrico, pobre em ecos, com perda da estratificação. - O lúmen pode estar estreitado. - Pode ser detectada estenose e hipervascularização. - Perda da peristalse (sinal tardio). Mucocelo apendicular Relativamente raro. Variação considerável de tamanho (gigantes até 25 cm, mais frequentemente por tumores produtores de muco cistoadenoma ou cistoadenocarcinoma). Podem romper e originar Pseudomixoma peritoneal (lesões cistóides encapsuladas no peritoneo). Aspecto ecográfico: Aumento cistóide ou hipoecogénico do apêndice; aspecto em casca de cebola (pela diferença de viscosidade do muco). Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 91
17 D. Infecciosas e Má absorção Enterite e colite infecciosa Salmonelose (Salmonella enterocolitis) - Espessamento concêntrico no cólon esquerdo (geralmente 5-11mm), por vezes íleon e/ou cólon ascendente (resulta predominantemente do edema da submucosa); - Adenopatias mesentéricas; - Ascite (pode diferenciar enterite por salmonella de colite por rotavirus nas crianças); - Alteração da peristalse: aumentada ou atenuada. Shigellose (Shigella species -S. dysenterie, S. fl exneri, S. sonnei) (dados esporádicos) - Espessamento difuso (8mm), estratificado, geralmente envolvendo o cólon distal com diminuição progressiva nos segmentos proximais. Cecoileíte bacteriana (Yersinia enterocolitica, Campylobacter jejuni or Salmonella enteritidis) - Espessamento da mucosa (menos frequentemente da submucosa) do íleon, cego e cólon ascendente; por vezes também observada espessamento da válvulaileocecal. - Adenopatias mesentéricas. - Apêndice normal. Importante diagnóstico diferencial com apendicite e doença de Crohn (tabela 2). Tabela 2. Principais diferenças na US entre cecoileíte infecciosa, apendicite e doença de Crohn Doença Celíaca Achados na US: - Aumento do diâmetro transverso das ansas do ID contendo fluido; - Espessamento da parede do ID com hipertrofia das válvulas coniventes; - Peristalse aumentada; - Líquido abdominal livre na cavidade peritoneal; - Adenopatias mesentéricas; -Vesícula biliar aumentada em jejum; - Doppler: em jejum - velocidade e fluxo com um baixo índice de resistência da artéria mesentérica superior e da velocidade e fluxo da veia porta; na fase pós-prandial - variação dos anteriores parâmetros menor que o normal. Sílvia Leite, Eduardo Pereira Pág. 92
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