ACÓRDÃO. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JARBAS GOMES (Presidente), RUBENS RIHL E LEONEL COSTA.

Transcrição

1 fls. 832 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JARBAS GOMES (Presidente), RUBENS RIHL E LEONEL COSTA. São Paulo, 28 de janeiro de JARBAS GOMES RELATOR Assinatura Eletrônica

2 fls. 833 VOTO Nº / a Câmara de Direito Público Apelação n Apte: Defensoria Pública do Estado de São Paulo Apdos: Fazenda do Estado de São Paulo e Prefeitura Municipal de São Paulo AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Indeferimento da inicial. Coisa julgada. Inexistência. Identidade entre as partes e causa de pedir distintas entre a presente ação e outra demanda já transitada em julgado. Condições da ação preenchidas. Sentença reformada. A antecipação total ou parcial dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial exige, concomitantemente, a presença da prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Requisitos preenchidos. Tutela antecipada deferida. RECURSO PROVIDO. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO contra a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, a fim de obriga-las à finalização da rede de esgoto, com ligações individuais aos coletores implantados nas vias localizada na comunidade Chácara Progresso, a pavimentação das vias que compõem o loteamento, com implantação de sistema de drenagem e realização de obras de contenção em relação as vias de acesso aos lotes com intervenções pontuais que se encontram interditados pela Defesa

3 fls. 834 Civil e obras de acessibilidade a fim de resolver a condição precária de acesso ao loteamento e dos acessos alternativos internos promovidos pelos moradores. A r. sentença de fls , cujo relatório se adota, indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 295, inciso III e artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Inconformada apela a vencida pleiteando a reforma do decisum e o prosseguimento da ação (fls ). O recurso foi recebido e processado em ambos os efeitos (fls. 778), sobrevindo as respectivas contrarrazões (fls e ). A douta Procuradoria Geral de Justiça, com o parecer de fls , opinou pelo deferimento da liminar e provimento do recurso. É o relatório. O recurso comporta provimento. O conjunto probatório permite aferir, com a certeza necessária, que não há coisa julgada em relação ao pedido formulado nos presentes autos. Com efeito, o processo nº que tramitou perante a 11ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital e que se encontra atualmente em

4 fls. 835 sede de cumprimento da sentença, foi ajuizado para exigir o cumprimento de obrigações formais inerentes à regularização do loteamento da Chácara Progresso pela Imobiliária Jurema. Ocorre, porém, que não há identidade entre as partes e a causa de pedir é diversa, o que legitima a propositura da presente ação. Como bem asseverado pela digna Procuradora de Justiça Camila Mansour Magalhães da Silveira, em seu parece de fls e cujos fundamentos ora adoto como razões de decidir, formou-se nova relação jurídica processual, por decorrência do princípio legal de que o credor pode acionar qualquer dos devedores e que a propositura da ação anterior não importa em renúncia. Aliás, indispensável lembrar que as ocupações irregulares inseridas e já consolidadas em possíveis áreas de risco acarretam responsabilidade da Municipalidade, que tem o encargo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (artigos 30, VIII, e 182, CF). Nesse sentido: (...). A responsabilidade pelos danos urbanísticos e ambientais da Municipalidade e da Fazenda Estadual resulta na negligência no controle e fiscalização do uso da propriedade, parcelamento e ocupação do solo. (...).

5 fls. 836 Mas a responsabilidade não é somente do Município de São Paulo. O loteamento foi efetivado em Zona de Proteção aos Mananciais, onde há a incumbência da Administração Estadual de efetivar a sua conservação. O art. 13, da Lei nº 6.766/79, prevê a obrigação do Estado em anuir previamente no caso de loteamentos localizados em áreas de mananciais. A responsabilidade do Estado decorre da afronta das suas obrigações previstas na Lei Federal 6.766/79, principalmente o art. 13, e na Carta Magna (art. 225). Entre as suas atribuições estão a de implantar, executar e fiscalizar as normas do uso do solo de competência estadual na área metropolitana. Também deve propor e aplicar as respectivas normas de planejamento, ordenação e controle. Logo, a Fazenda Estadual responde solidariamente pelos danos ambientais. Isso considerado, a alegada ilegitimidade passiva do Estado não se sustenta. A omissão de órgão estaduais (sic.), como a CETESB, que atua por delegação do Governo doestado de São Paulo (conforme artigo 2º da Lei /09), não retira deste a responsabilidade solidária pela preservação ambiental, expressamente prevista no art. 225 da Constituição Federal, ainda mais em se tratando de área de proteção aos mananciais hídricos. (...) Também não assiste razão ao Estado de São Paulo ao alegar que a recorrente descreve apenas a responsabilidade do Município e somente contra ele pede que a liminar seja concedida, mas, ao final pede que o Estado também responda solidariamente pelas

6 fls. 837 medidas que preconiza serem necessárias à regularização do loteamento. Da simples leitura da inicial e do recurso, verifica-se que foi atribuída a responsabilidade a ambos e, de igual modo, os corréus constam dos pedidos liminar e principal. Destarte, encontram-se preenchidas as condições da ação. Por fim, vislumbram-se presentes os requisitos necessários para o deferimento da tutela antecipada. Vejamos a lição de LUIZ GUILHERME MARINONI, em sua obra Antecipação da Tutela, 12º edição, RT, pág. 35 e 108/109: A restrição da cognição no plano vertical conduz ao chamado juízo de verossimilhança ou às decisões derivadas de uma convicção de verossimilhança. É correto dizer, resumidamente, que as tutelas de cognição sumarizadas no sentido vertical objetivam: (a) assegurar a viabilidade da realização de um direito (tutela cautelar); (b) realizar, em vista de uma situação de perigo, antecipadamente um direito (tutela antecipatória fundada no art. 273, I, do CPC); (c) realizar, em razão do procedimento ordinário, antecipadamente

7 fls. 838 um direito (liminares de determinados procedimentos especiais); (d) realizar, quando o direito do autor surge como evidente e a defesa é exercida de modo abusivo, antecipadamente um direito (tutela antecipatória fundada no art. 273, II, do CPC). (...) A provisoriedade não é nota exclusiva da tutela cautelar onde, na verdade, existe temporariedade -, ocorrendo também na tutela satisfativa sumária. Não basta, portanto, que a tutela tenha sido concedida com base em cognição sumária. É imprescindível que a tutela não satisfaça o direito material para que possa adquirir o perfil de cautelar. A tutela cautelar não pode antecipar a tutela de conhecimento. De fato, como já disse Armelin, uma das formas de distorção do uso da tutela cautelar verifica-se sempre que se dá ao resultado de uma prestação de tutela jurisdicional cautelar uma satisfatividade que não pode ter. Ovídio Baptista da Silva, em seus Comentários, referindo-se à lição de Cristofolini, lembra que este processualista mostrou que as

8 fls. 839 provisionais, ao anteciparem a eficácia do provimento final de acolhimento da demanda, em verdade realizam plenamente o direito posto em causa, ainda que sob forma provisória, ao passo que as medidas propriamente cautelares, enquanto tutela apenas de segurança, limitam-se a assegurar a possibilidade de realização, para o caso de vir a sentença final a reconhecer a procedência da pretensão assegurada. (...) A tutela cautelar, como já foi dito, visa assegurar a viabilidade da realização do direito. Assim, se afirmamos que a tutela cautelar pode realizar o próprio direito (por exemplo a pretensão aos alimentos), estaremos incidindo em contradição, pois uma vez realizado o direito material nada mais resta para ser assegurado. Ou seja, quando o direito é satisfativo nada é assegurado e nenhuma função cautelar é cumprida. (grifei) Em suma, a antecipação total ou parcial dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial exige, concomitantemente, a presença da prova inequívoca que

9 fls. 840 convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Todavia, há vedação expressa de sua concessão se ficar evidenciado o perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (artigo 273, caput, incisos I e II, e 2º, do Código de Processo Civil). Os documentos carreados aos autos permite verificar tanto a prova inequívoca das alegações apresentadas pela autora quanto ao fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação, tendo em conta a exposição das famílias que residem naquele local a risco de vida e saúde, principalmente porque a inexistência de sistema de drenagem e captação de água no local inviabiliza o trânsito seguro de pedestres, prejudicando a estrutura de edificações e possibilitando a contaminação da população por agentes biológicos. Importante frisar, por necessário, que Só a existência de prova inequívoca, que convença da verossimilhança das alegações do autor, é que autoriza o provimento antecipatório da tutela jurisdicional em processo de conhecimento (RJTJERGS 179/251, apud Theotonio Negrão, Codigo de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 45ª ed., Ed. RT, pág. 397). No mesmo sentido, confira-se a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

10 fls. 841 PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REQUISITOS. Os pressupostos necessários à concessão da tutela antecipada são concorrentes, a ausência de um deles inviabiliza a pretensão do autor. A falta do requisito primordial, qual seja, prova inequívoca da verossimilhança da alegação inviabiliza o deferimento da antecipação da tutela, dispensando o julgador da apreciação do "periculum in mora" que, de qualquer modo, foi analisado no acórdão recorrido. Rejeitada a argüição preliminar de violação do art. 535-CPC. Ofensa ao art. 273-CPC não configurada. Recurso especial improvido. (REsp nº /RS, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 17/06/2003, DJ 25/08/2003, pág. 271) Ressalte-se, ainda, que há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação caso a medida não seja deferida à autora, ora apelante, tendo em conta, como já afirmado, tratar-se de valor necessário e imprescindível à manutenção da vida e saúde da população que reside e transita pelo local em que realizado o loteamento.

11 fls. 842 Diante desse quadro, reputam-se presentes os requisitos necessários à obtenção da liminar pleiteada, razão pela qual fica ela DEFERIDA, a fim de determinar à Prefeitura Municipal de São Paulo que a) finalize a rede de esgoto, com ligações individuais aos coletores implantados nas vias; b) pavimente as vias que compõem o loteamento, com implantação de sistema de drenagem; c) realize e conclua obras de contenção em relação às vias de acesso e aos lotes com intervenções pontuais que se encontram interditados pela Defesa Civil; d) realize e conclua obras de acessibilidade, a fim de resolver a condição precária de acesso ao loteamento e dos acessos alternativos internos promovidos pelos moradores do loteamento Chácara Progresso, providências estas que devem ser efetivadas e, reitere-se concluídas, sem ônus aos moradores, no prazo de 60 (sessenta dias), contados da data da publicação do presente v. acórdão, sob pena de multa-diária de R$ ,00 (dez mil reais). Isto posto, dá-se provimento ao recurso, a fim de, reformada a r. sentença apelada, reputar preenchidas as condições da ação e determinar o normal prosseguimento do feito em Primeiro Grau de Jurisdição, com o deferimento da tutela antecipada à autora, nos termos retro especificados. José Jarbas de Aguiar Gomes Relator