rococó: o século XVIII

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1 4 Barroco tardio e rococó: o século XVIII Figura 1 A principal característica dos jardins de Versalhes é sua conformação geométrica: em lugar de bosques irregulares, Le Nôtre criou um desenho matematicamente exato de jardins, caminhos e complexos arborísticos, na mais perfeita ordem e simetria, impondo organização à natureza desordenada. O arquiteto também projetou fontes e espelhos d água, os quais, em conformidade com as enormes janelas de vidro do palácio, permitiam jogos de reflexos impressionantes, em determinadas horas do dia. A linguagem barroca religiosa, que tão rapidamente se espalhara pela Europa, alcançou, desde o fim do século XVII, as longínquas terras americanas. Tal expansão teria um papel determinante para o Brasil, na medida em que as fórmulas expressivas do Barroco em sua fase final chegaram a Portugal e, como sabemos, alcançaram a América portuguesa, onde também teve muita repercussão a linguagem do rococó religioso. Tupungato/Shutterstock 1 França: do Barroco de Versalhes ao rococó Durante o reinado de Luís XIV ( ), foi erguido, na França, o grandioso Palácio de Versalhes, auge da opulência barroca francesa e que serviria de residência real entre 1682 e A obra foi entregue aos arquitetos Louis le Vau e Hardoin Mansart, que deixaram de lado as características do Barroco romano, optando por uma linguagem clássica grandiosa e, no interior, por uma decoração extremamente luxuosa. As centenas de aposentos do palácio foram adornadas com candelabros de cristal, mármores de várias cores, móveis em prata maciça e cortinas de veludo bordado a ouro. A preocupação era o impacto visual, pois a corte vivia, em parte, de alimentar sua imagem por meios simbólicos. Assim, o esplendor da arquitetura e da decoração barrocas atendia às pretensões da monarquia francesa de construir para si uma projeção simbólica inquestionável. O complexo do palácio incluía também um exótico jardim zoológico e um incrível conjunto de parques e jardins, projetados por André le Nôtre. 33

2 Atenção! Expressão de uma mudança social específica do meio francês, o rococó tem início nas artes ornamentais, expressando-se nas decorações de ambientes internos, que pareciam evitar a lógica arquitetônica. O estilo foi também empregado em áreas externas, explorando formações rochosas pouco convencionais (como grutas artificiais) e as qualidades ornamentais da água, jorrando de cascatas ou brotando de conchas em jatos verticais. Como consequência, o rococó deu novo valor às chamadas artes menores, como a ourivesaria, o mobiliário, a tapeçaria e a porcelana. Empregado para decorar os interiores das residências nobres francesas, o estilo atraiu a atenção de outras cortes, tendo um expressivo desenvolvimento na Alemanha e em Portugal. Esse gosto pela decoração, que caracterizou as sociedades de corte do século XVIII, deu origem a diferentes estilos de forte cunho nacional, em geral marcados por um gosto mais leve e delicado do que a decoração barroca. Suas principais características são: o emprego de linhas sinuosas e flexíveis, a assimetria das composições ornamentais e o predomínio de efeitos decorativos sobre os arquitetônicos estruturais. Figura 2 Com esta obra, Watteau conseguiu entrar para a Academia francesa, o que demonstra que os gostos estavam mesmo mudando. Na pintura, casais elegantes esperam calmamente pela sua vez de reembarcar na barca que os havia levado à lendária ilha de Cítera, casa de Vênus, deusa do amor, cuja estátua domina a cena à direita. Peregrinação à ilha de Cítera, de Jean-Antoine Watteau (óleo sobre tela, 1717). No início do século XVIII, a corte francesa desloca-se de Versalhes para Paris. Uma nobreza abonada e cosmopolita estimula a construção ou renovação de imóveis que ficariam conhecidos como hôtels, residências nobres urbanas que espelhavam uma nova forma de viver na França dos setecentos. Tais residências caracterizavam-se por uma maior integração entre a casa e o jardim, por janelas mais amplas e envidraçadas, aposentos mais íntimos e uma decoração interior com paredes brancas ornamentadas com arabescos e espelhos que substituíam as tapeçarias e brocados escuros do século anterior. A esse tipo de decoração, com o dourado contrastando delicadamente com as superfícies brancas e linhas sinuosas e flexíveis que davam forma a motivos naturalistas de árvores, vegetais e flores em delicados arranjos, pássaros e pequenos animais, deu-se o nome de estilo rococó. O estilo rococó foi acompanhado por novos gostos no campo da pintura. Uma das maiores expressões desse momento foi o pintor francês Antoine Watteau, em cujas pinturas se podem ver figuras elegantes em trajes modernos misturadas com outras, em trajes teatrais, conversando ou fazendo música em parques de residências particulares. Com Watteau, François Boucher e Jean-Honoré Fragonard, ambos pintores históricos reconhecidos na Academia francesa, fizeram carreira lucrativa com suas pinturas dedicadas a temas divertidos e decorativos. Uma importante característica dessa nova pintura é seu caráter fluido e imediato. As composições não exigem grandes preparações, mas são elaboradas com grande rapidez e eficiência, como as telas de Fragonard, cujas pinceladas fluidas conferem aos temas abordados a qualidade decorativa tão ao gosto da sofisticada sociedade parisiense. Em meio ao tamanho sucesso dessas novas cenas, Jean-Baptiste Greuze, com seus temas mais moralizantes, e Jean-Baptiste Chardin, com suas cenas de interiores domésticos e naturezas-mortas de inspiração holandesa, ofereciam aos colecionadores uma alternativa mais sóbria aos excessos da pintura rococó. Musée du Louvre, Paris (França) 34

3 National Gallery of Art, Washington (EUA) Royal Collection, Windsor (Inglaterra) Figura 3 A pintura de capriccios despertou a sensibilidade pelas ruínas, consideradas heranças da humanidade e detentoras de momentos de glória passados. A preocupação com o patrimônio seria, doravante, uma constante nos debates intelectuais europeus. Capriccio de ruínas romanas, de Marco Ricci (têmpera sobre pelica, década de 1720). 2 Expressões do rococó e novos gêneros de pintura: Itália e Alemanha A pintura na Itália do século XVIII está marcada pela ascensão de Veneza como centro dominante das artes. Artistas e intelectuais estrangeiros, a caminho de Roma, destino final do grand tour, sentiam-se inspirados pela atmosfera veneziana e por seus magníficos edifícios. Conscientes da tradição artística local, os visitantes buscavam os melhores artistas e o mercado de arte cresceu. A cidade adequava-se ao novo espírito das artes setecentistas, inspirando pintores de paisagens e vistas topográficas, bem como os luminosos afrescos e retábulos de Giambattista Tiepolo e seu filho, Giovanni Domenico Tiepolo. Os Tiepolo tiveram uma importante atuação em países como Alemanha e Espanha, onde realizaram trabalhos de pintura em paredes e tetos de palácios nobres. O estilo leve e espirituoso inspirou também pinturas de cavalete com cenas históricas, mitológicas e de gênero. Dois novos gêneros pictóricos nascem desse cenário privilegiado: o capriccio e a veduta. No primeiro deles, paisagens primorosas frequentemente adornadas por ruínas de formas arquitetônicas sugeriam a herança cultural de Veneza. A veduta apresenta vistas topográficas da cidade, imagens retiradas do mundo contemporâneo. Sua maior expressão foi o artista Giovanni Antonio Canale, conhecido como Canaletto. O rococó teve sua maior expressão na Europa central, em especial na Alemanha do sul, região de tradição católica, e na Áustria. O estilo, que perdurou aproximadamente entre 1730 e 1770, foi bem representado pela arquitetura de Johann Michael Fischer, Dominikus, Johann Baptist Zimmermann e Balthasar Neumann. Nas construções em estilo rococó, o ornamental tem a mesma importância que o arquitetônico; por isso, arquitetos e decoradores operam conjuntamente, dando origem ao que a crítica alemã nomeou como obra de arte total, conceito que orientou a construção e decoração das igrejas do rococó, segundo o qual arquitetura, pintura, escultura e demais elementos ornamentais constituem uma unidade destinada a valorizar o efeito do conjunto. Figura 4 Para a realização de cenas topográficas, Canaletto e outros paisagistas fizeram uso da câmera óptica. Esse aparelho era uma caixa escura, que possuía um furo e um sistema de lentes e espelhos que projetava a imagem sobre uma superfície de vidro. O artista, então, reproduzia a projeção perspectiva dos monumentos, com grande precisão e clareza. Veneza: uma regata no grande canal, de Canaletto (óleo sobre tela, c ). Grand tour: viagem de estudos que se costumava fazer à Itália, com destino final em Roma, onde artistas e eruditos buscavam conhecer a tradição clássica e aproximar-se dela. Para os artistas em formação nas academias de arte europeias, o grand tour era praticamente uma exigência. 35

4 50u15pec7a70r/Shutterstock Figura 5 Palácio de Würzburg, Alemanha. O pintor veneziano Giambattista Tiepolo, assistido pelo seu filho, Giovanni Domenico Tiepolo, pintou afrescos no edifício. Entre as características mais espectaculares do interior encontram-se a grande escadaria, a capela e o grande salão. O palácio foi severamente danificado durante a Segunda Guerra Mundial, com as obras de restauro iniciadas em National Gallery, Londres (Inglaterra) O palácio da cidade alemã de Würzburg é uma obra-prima do Barroco com decoração rococó. Balthasar Neumann, que o projetou em 1735, criou espaços com ilusão de movimentos e repleto de efeitos luminosos, organizados de acordo com uma preocupação cenográfica que é própria das construções barrocas. A decoração do teto da escadaria do palácio é obra de Giambattista Tiepolo, que elaborou um programa iconográfico dedicado ao tema dos quatro continentes. A maior obra rococó em território alemão, porém, é do francês François Cuvilliés, que projetou o pavilhão de Amalienburg, no qual se encontra o Salão dos Espelhos, uma sala circular, de 15 metros de diâmetro, revestida por amplas portas e janelas em vidro e uma série de espelhos, expressão máxima entre os interiores em estilo rococó. 3 O século XVIII inglês Figura 6 Na Inglaterra de Hogarth, as cenas inspiradas em histórias modernas, moralistas e cômicas, baseadas na observação da vida cotidiana, ganharam maior popularidade do que a pintura histórica tradicional. Um amplo mercado se formara, então, para o gênero criado pelo artista. Mariage à la mode: o contrato de casamento, de William Hogarth (óleo sobre tela, 1715). Desde o início do século XVI, problemas políticos e religiosos intimidaram o desenvolvimento das artes visuais na Inglaterra. Até o século XVIII, apenas a arte do retrato alcançou certa expressão. Ao longo do século XVII, nobres ingleses entraram com contato com a arte europeia e realizaram o tour da Itália, promovendo a circulação, no cenário inglês, de livros e tratados sobre arte destinados a mecenas, amadores, artistas profissionais e artesãos. A primeira academia de arte na Inglaterra data de 1673 e, durante este século, foi crescendo o mercado de interessados em arte. O amadurecimento do sistema de artes inglês, porém, ocorreu no século XVIII, com a criação da Royal Academy of Arts, em À diferença das academias francesa e italiana, a instituição inglesa não se estabeleceu em torno do sistema de mecenato da corte, mas resultou da existência de uma série de instituições já atuantes no campo artístico (clubes de arte, sociedades de artistas etc.), do desenvolvimento do mercado de arte e do crescimento de um público de arte. Mesmo assim, a grande referência para os primeiros anos da Academia inglesa e para seu primeiro diretor, sir Joshua Reynolds, foi a arte clássica italiana, com qual Reynolds tivera contato durante sua permanência na Itália, entre 1749 e Reynolds, William Hogarth e Thomas Gainsborough são os grandes nomes da pintura inglesa setecentista. Hogarth dedicou-se à pintura e à gravura e ficou conhecido por suas séries de cenas cômicas e satíricas, em que zombava de fatos cotidianos envolvendo os diversos segmentos da sociedade, desde a ociosa aristocracia, passando pelos políticos corruptos e, até mesmo, trabalhadores urbanos. Sua preocupação era acabar com o que considerava o complexo de inferioridade inglês, criticando o apego exagerado dos artistas da Academia aos modelos clássicos e defendendo uma arte livre da imposição dos grandes mestres. 36

5 godrick/shutterstock Figura 7 Catedral de São Paulo, em Londres. A catedral londrina é uma das maiores do mundo, com uma cúpula que mede 34 metros de diâmetro e possui uma altura de 111 metros. Foi construída em pedra, uma medida que se tornou comum nas construções londrinas depois do grande incêndio que destruiu a cidade em Na arte do retrato, que continuou bem cotada entre os ingleses, destacaram-se Reynolds e também Gainsborough, em diferentes estilos. O primeiro foi mais fiel às regras clássicas, enquanto o segundo executou retratos em estilo mais natural e elegante. Na arquitetura, a catedral de São Paulo, no centro de Londres, foi um ousado projeto de sir Christopher Wren, para rivalizar com a basílica de São Pedro, em Roma. Sua construção durou 40 anos, tendo sido concluída apenas em Arte e arquitetura na América portuguesa Assim como nos diversos aspectos que envolvem a evolução histórica brasileira, também as artes estão marcadas pela experiência colonial de nosso território. A partir da instalação e fixação de colonos em terras da então América portuguesa, foram sendo para cá transferidos os códigos da civilização portuguesa e europeia. Desde as formas de organização administrativa e política, até os modelos literários e artísticos, toda a nossa cultura está marcada por esse processo de transferência e assimilação de princípios. Assim como aconteceu com a transferência das linguagens artísticas na Europa, onde, a cada inspiração ou modelo estrangeiro que chegava, os grupos locais desenvolviam variações regionais, o processo aqui foi semelhante. Mesmo não havendo uma tradição já constituída, a partir da qual as novas referências fossem trabalhadas e adaptadas, as inspirações artísticas dos estilos europeus importados para a colônia lusa tiveram que se adaptar às condições locais, especialmente àquelas impostas pela frágil estrutura material e humana disponível. A arte e a arquitetura no Brasil colonial foram instrumentos da colonização. Nação de forte tradição religiosa, Portugal transportou para a América a fé católica, que tentou impor aos indígenas e, depois, aos grupos africanos que desde cedo passaram a constituir o maior contingente da população local. A mestiçagem que caracteriza nossa formação social teve profundas implicações na arte que aqui se desenvolveu, tanto no que diz respeito aos artistas (em sua maioria, mestiços) quanto ao que se refere à sua natureza (geralmente religiosa). Linguagens que chegam: Barroco e rococó A introdução da arquitetura e das artes visuais na América portuguesa acompanhou, em parte, o próprio desenvolvimento dos estilos barroco e rococó na metrópole, inspirados pelo Barroco tardio romano e pelo rococó francês e germânico. Houve uma tendência a realizar na colônia obras semelhantes às que se construíam na metrópole, muitas vezes transportando todo o material de Lisboa para o território americano, como é o caso da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, em Salvador. A primeira igreja foi construída ainda no início do século XVII, com pedra-sabão trazida de Portugal. No século XVIII, foi reconstruída, novamente com material vindo de Lisboa, dessa vez pedra lioz, um tipo de calcário típico daquela região. Como instrumento da colonização, as primeiras manifestações artísticas registradas no Brasil dizem respeito às construções de conventos e mosteiros, ainda no século XVII, em estilo maneirista e monumental. A maioria das construções, porém, data do século XVIII e espalha-se pelos diversos núcleos do Brasil setecentista: Nordeste, Minas Gerais, Rio de Janeiro e extremo norte, com sede em Belém. Destacam-se, então, as associações religiosas leigas, como as confrarias, irmandades e ordens terceiras, que mandam construir igrejas de menores dimensões e requintada ornamentação. Os edifícios eclesiásticos, como sabemos, levavam muito tempo para serem concluídos e, muitas vezes, eram totalmente reformulados ou mesmo reconstruídos ao longo de sua história, o que deu origem a edifícios que congregam elementos de diferentes fases da história arquitetônica e artística brasileira. O mesmo acontece com a decoração interna e externa desses edifícios. Em resumo, podemos dizer que detalhes construtivos e de ornamentação barrocos de tradição portuguesa e italiana foram introduzidos na arquitetura brasileira, depois acrescidos por uma tendência decorativa rococó, que permaneceu até o século XIX. 37

6 Fulviusbsas Figueira Figura 8 Fachada do mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro ( ). O rigor da fachada maneirista é exemplar da arte sob comando das ordens religiosas no Brasil. A economia visual da fachada contrasta com o interior da igreja, abundantemente decorado. Esse contraste entre simplicidade de exteriores e ricas decorações interiores foi uma marca do Barroco brasileiro, mesmo em suas fases posteriores. Na arte religiosa colonial brasileira encontramos os mesmos elementos que já conhecemos da tradição barroca e do rococó europeus; nas plantas das igrejas, identificamos a mesma variação, que vai do formato mais retilíneo, com naves únicas ou múltiplas, às plantas elípticas ou poligonais. A maneira como esses elementos foram incorporados e empregados tem uma relação direta com os responsáveis por sua aplicação. No século XVII, os construtores eram essencialmente clérigos ligados às ordens religiosas que participaram do processo de colonização desde os seus primórdios e buscaram se manter fiéis aos modelos europeus. No século XVIII, predominaram artistas leigos, em sua maioria mestiços nascidos na colônia, mais independentes e abertos às inovações estilísticas, inevitáveis em todo desenvolvimento artístico. Expressões da arte religiosa colonial Em meados do século XVII tem início a decoração interna da igreja do mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro. Pinturas em painéis e uma profusa talha barroca dourada espalham-se pelo interior da igreja, que chama atenção pela forte combinação de tons dourados e vermelhos. Frei Ricardo do Pilar realizou diversos painéis para o complexo beneditino, Figura 9 As igrejas barrocas são, geralmente, construídas sobre elevações de terreno, podendo ser ainda destacadas por amplas escadarias. A igreja de Nossa Senhora da Glória, no Rio de Janeiro (1714 (?)-1739), destaca-se no alto de um morro carioca, chamando a atenção com sua forma poligonal. entre os quais o Senhor dos martírios é considerado sua obra- -prima. Pintado em 1690, representa, em cores expressivas e com grande vigor, o Cristo de corpo inteiro, coroado de espinhos e com as chagas da crucificação. Esse religioso foi um dos principais artistas atuantes no Rio de Janeiro setecentista, considerado o fundador da Escola Fluminense de Pintura. Na talha, motivos vegetais, anjos e pássaros, além de outros elementos, seguem o programa iconográfico do escultor frei Domingos da Conceição da Silva, autor de todo o projeto decorativo do mosteiro, que incluía, além da talha e das esculturas, o desenho de portas, grades e cadeiras. Para realizar todo esse trabalho, o escultor contava com a ajuda de oficiais-carpinteiros, concentrando-se na supervisão dos trabalhos. Consta em documentos que, para a realização das obras no mosteiro, a comunidade beneditina comprou dez escravos. A decoração da igreja, porém, seguiu até o fim do século XVIII, destacando-se os lampadários de autoria do mestre Valentim, executados entre 1781 e Também no Nordeste a talha barroca está presente desde meados do século XVII. Destacam-se, nesse período, a capela- -mor da catedral basílica de Salvador e a capela dourada da igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, no Recife. Ambas são exemplos da magnífica talha em estilo português, na qual elementos tropicais se misturam aos motivos típicos do Barroco europeu. 38

7 Tetraktys Tetraktys Figura 10 Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Salvador. O exagero decorativo de toda a fachada impressiona pela qualidade técnica e artística das formas talhadas na pedra. O interior dessa igreja foi completamente renovado no século XIX, ganhando feições neoclássicas em clara oposição ao rebuscamento da fachada. Figura 11 Teto da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Salvador, de José Joaquim da Rocha (meados do século XVIII). A decoração em perspectiva cria a ilusão de profundidade, aproveitando o efeito das pinturas de elementos arquitetônicos. A grande quantidade de elementos decorativos pintados assemelha-se à riqueza ornamental da talha do período e, somada ao tom escurecido, caracteriza a pintura dessa fase. O período seguinte, que concentra as primeiras décadas do século XVIII, é considerado pelos estudiosos da arte colonial brasileira como o primeiro ciclo do Barroco, quando se verifica uma tendência à decoração externa das fachadas, sobretudo portadas, frontões e torres. Na decoração, predomina o estilo nacional português, reconhecido pelas colunas torsas com ornamentação de folhas de videiras, pássaros fênix e figuras de anjos. Esse estilo de decoração de retábulos e altares predominou, com poucas variações, até 1730, quando foi substituído pelo chamado estilo joanino, inspirado no Barroco seiscentista romano, indicando a tendência italianizante do monarca. Destaca-se, nesse período, uma obra que é, também, uma exceção no Barroco brasileiro: a decoração em estilo plateresco da fachada da igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, em Salvador, cuja construção se iniciou em O segundo ciclo do Barroco, compreendido entre 1730 e 1760, aproximadamente, trouxe algumas modificações significativas no estilo. O estilo joanino de decoração caracteriza-se pela estatuária integrada na talha e pelo uso de colunas salomônicas (também chamadas berninianas, por causa do emprego da forma no baldaquim de São Pedro), dosséis e conchas como coroamento das colunas. No desenho das plantas, a variante poligonal ou elíptica aparece em algumas igrejas, às vezes apenas internamente, como na matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto. Na decoração interna, tanto na pintura como na talha, o período é de grande movimentação de formas. Nos tetos, surge a pintura ilusionista sobre forros abobadados em tábua corrida, com destaque para José Joaquim da Rocha, responsável pela pintura do forro da nave da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, em Salvador. O artista é um dos nomes mais importantes da arte colonial brasileira, pioneiro do emprego da técnica da pintura em perspectiva nas igrejas do Nordeste e fundador da Escola Baiana de Pintura. Estilo plateresco: estilo arquitetônico e decorativo cuja origem está associada ao Renascimento espanhol. Recupera elementos da arte islâmica e do gótico final, bem como motivos decorativos típicos do Renascimento. Caracteriza-se por uma decoração minuciosa aplicada sobre fachadas e frontões, lembrando trabalhos de ourivesaria, o que justifica seu nome. Mais comum na América espanhola, o estilo foi uma exceção na arte colonial brasileira. 39

8 Fernando Dall Acqua Ricardo Frantz bip Figura 12 Interior da igreja de São Francisco, Salvador. Espaços inteiramente decorados como esse interior não foram muito comuns na arte colonial brasileira, mas constituem exemplos das cavernas douradas, como ficaram conhecidos. O douramento das superfícies era feito com finas folhas de material banhado a ouro, colocadas sobre a superfície da talha. Figura 13 Teto da igreja São Francisco de Assis, Ouro Preto, MG. Mestiço nascido em Mariana, Mestre Ataíde teria usado como modelos para essa pintura os filhos (inspiração para os anjos) e a mulher, a madona mulata que está no centro da composição. Embora polêmica, essa hipótese aponta para a questão das adequações do Barroco no Brasil e para o papel da cultura mestiça no desenvolvimento artístico local. Adro: espaço aberto diante da fachada principal de uma igreja. Figura 14 Santuário do Bom Jesus dos Matosinhos, Congonhas do Campo, MG. No interior das capelas encontram-se grupos esculpidos em madeira policromada, de autoria de Aleijadinho e Mestre Ataíde, realizados entre 1762 e Os profetas, feitos em pedra-sabão, são obras de Aleijadinho, na fase final de sua carreira. O efeito barroco é notável no caminho que conduz à igreja. A decoração do período colabora para reforçar um dos aspectos principais do Barroco: a teatralidade. Essa intenção é visível nas pinturas ilusionistas dos forros e na movimentação dramática da estatuária dos retábulos. No interior da igreja e do convento de São Francisco em Salvador está o ponto máximo na decoração em ouro do Barroco brasileiro. Todas as superfícies da igreja, que possui três naves com várias capelas nas laterais, são revestidas por complexos entalhes dourados, com motivos florais, frisos, arcos, volutas e diversas figuras de anjos e pássaros. Além da decoração em talha, o teto possui pinturas de frei Jerônimo da Graça, realizadas na década de 1730, e painéis de azulejos portugueses, que também podem ser vistos em outros ambientes do convento e são uma marca da arte colonial brasileira. O último ciclo da arte colonial, que abrange o período de 1760 a 1800, refere- -se à fase rococó, uma quase exclusividade mineira. Nesse período, o enfraquecimento econômico e político do Nordeste, associado ao fortalecimento da região Centro-Sul, em razão da economia mineradora, deslocaram o eixo cultural e artístico também para a região das Minas e para o Rio de Janeiro, capital da colônia desde O estilo rococó podia ser encontrado, sobretudo, na talha e na decoração de interiores, valorizando os efeitos luminosos, a elegância dos detalhes dourados e o refinamento do contraste entre o dourado e os fundos brancos e tons pastel. Na arquitetura, os projetos de Aleijadinho para as igrejas de Nossa Senhora do Carmo e São Francisco de Assis, em Ouro Preto, bem como a de São Francisco de Assis, em São João del Rey, foram embasados na linguagem rococó, que orienta o formato arredondado das torres e os ricos detalhes das portadas. Nos interiores, nota-se o extravasamento da decoração para além dos retábulos, avançando sobre as paredes laterais e pela cúpula, no mais perfeito modelo rococó. A pintura ilusionista do período rococó substituiu a trama fechada e os tons escuros da fase anterior por uma pintura clara, sobre amplos espaços vazados, como no forro da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, concluída apenas em 1802, por Manuel da Costa Ataíde. 40

9 Em grande parte das igrejas do período nota-se a preocupação em posicionar os edifícios religiosos de modo a criar um cenário especial. O caso do santuário de Bom Jesus dos Matosinhos, na cidade mineira de Congonhas do Campo, é emblemático dessa intenção: o complexo da igreja e das capelas conduz o observador pelos passos da Paixão de Cristo até colocá-lo em contato com os profetas que adornam o adro da igreja. Esse exemplo deixa evidente a intenção de comover e persuadir da arte barroca. CURIOSIDADE Entre 1637 e 1644, o Nordeste brasileiro esteve ocupado pelos holandeses, sob o comando de Maurício de Nassau. Na comitiva de Nassau estavam artistas, geógrafos, cartógrafos e desenhistas, responsáveis por registrar as condições e transformações do território ocupado. Os artistas Frans Post e Albert Eckhout produziram uma significativa quantidade de imagens durante esse período, muitas das quais estão em acervos estrangeiros, como os imensos painéis elaborados por Eckhout, inspirados em personagens da população brasileira. Paisagens de Frans Post podem ser encontradas em várias instituições brasileiras, públicas e privadas. O curioso é pensar no lugar dessa iconografia na história da arte brasileira. A produção dos artistas holandeses não deve ser vista como produção local, associada ao estudo que realizamos neste capítulo. Suas motivações estão completamente relacionadas com a dominação holandesa e suas características possuem ligações diretas com a pintura holandesa daquele período, em especial, sua natureza descritiva e o desenvolvimento da pintura de paisagem. Entre os temas abordados em suas pinturas, Eckhout registrava, sobretudo, tipos humanos e aspectos da flora e da fauna locais, enquanto Post se dedicava ao registro da paisagem, cenas históricas e edificações. Tal iconografia, portanto, deve ser considerada como representações visuais de estrangeiros a respeito do Brasil, e não como produções artísticas locais, apesar de seu destacado valor artístico e estético. ATIVIDADES 1 (U. E. Maringá-PR) Sobre a arte barroca é correto afirmar que: (01) a França é o país que, no século XVII, melhor representou o espírito do Barroco, com uma arte marcada pela expressão das emoções não contidas. (02) na arte barroca, a pintura italiana é marcada pelo drama, com uso bastante expressivo da técnica do claro-escuro. (04) o termo barroco pode ser empregado com correção para definir a arte produzida em lapsos temporais diferentes dos séculos XVII e XVIII. (08) o interior das igrejas, no século XVII na Itália, é marcado pelo claro-escuro e pela expressão das linhas curvas. (16) por razões econômicas e políticas, a arte barroca não foi praticada no Brasil colônia, tendo os artistas brasileiros ficado restritos a práticas maneiristas. Dê a soma dos números dos itens corretos. 2 (PUC-SP) Leia o texto. [ ] esta Minas dos árcades e da Inconfidência, que constitui a culminância e o fecho dos três séculos da existência brasileira anteriores à transladação do Estado português, esta mesma Minas ainda possui mais um título a proclamar, entre os que mais alto a colocam na história de nossa sociedade: o de haver desenvolvido uma cultura, cujo avanço e cujo requinte podem ser avaliados com exatidão, pela capacidade de assimilar inteiramente os padrões europeus para, em profunda reelaboração, formular seus próprios valores e conceitos no que apresentam de mais básico, isto é, na própria estrutura mental que os gera e sustém [ ] [obrigando-nos] a reconhecer a especificidade mineira deste Barroco. MACHADO, L. G. Barroco mineiro. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, p A partir do fragmento anterior, leia e avalie as seguintes afirmações: I. O autor identifica três contribuições das Minas à formação do Brasil, ainda no período colonial: o Trovadorismo, o nativismo dos inconfidentes e o Barroco. II. Os fenômenos culturais e políticos vividos pela sociedade mineira, ao longo do século XVIII, expressam com certa fidelidade, segundo o autor, as atitudes mantidas pela colônia em relação às influências metropolitanas, ou seja, assimilação e transformação. III. O autor demonstra, no texto, como a capacidade da arte mineira de reproduzir os padrões estéticos europeus somente pode ser reconhecida após a instalação da corte portuguesa no Brasil, no início do século XIX. 41

10 IV. Se há algo que singulariza o estilo barroco mineiro do século XVIII, esse elemento é a originalidade de sua manifestação, que está relacionada diretamente ao fato de revelar, através de suas formas, a estrutura mental local. Indique quais das afirmações anteriores são corretas. a) I, II e III d) II e IV b) II e III e) I, III e IV c) I, II e IV c) se manteve restrito à Europa, tendo sido muito difundido na Europa central e na península Ibérica. d) entre suas características está o emprego de linhas sinuosas e flexíveis e o uso de motivos vegetais na decoração. e) um dos efeitos da decoração rococó é disfarçar a arquitetura. 4 O rococó, em sua origem, foi um fenômeno tipicamente francês, resultado da adequação entre formas artísticas e um meio social específico. Comente esta afirmação. Exercícios complementares 3 Com relação ao estilo rococó, é incorreto afirmar que: a) se refere ao estilo surgido na França, durante o reinado de Luís XV. b) nasceu como estilo ornamental e logo contaminou a cultura da época. Vá em frente Leia 5 Complete o texto a seguir, sobre a arte colonial brasileira: Desde o século XVII, a arte serviu aos propósitos da.... O estilo adotado foi o..., que estava em pleno desenvolvimento na Europa. As principais manifestações da arte colonial restringiram-se ao âmbito..., destacando-se a decoração em..., a pintura... e a construção de... e.... O maior desenvolvimento da arte se deu no século XVIII. Ao longo desse século, três estilos decorativos se sucederam:...,... e.... Como reconhecer a arte rococó, de Aya Lorius (Lisboa/São Paulo: Edições 70/Martins Fontes). Pequeno volume da coleção destinada a analisar a produção arquitetônica, escultórica e pictórica da história da arte ocidental, de modo a evidenciar seus traços mais recorrentes. Assista Aleijadinho paixão, glória e suplício, de Geraldo Santos Pereira (Brasil, 2001). Este filme, inspirado na biografia do artista escrita pelo historiador Rodrigo Bretas, narra a história do escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, acompanhando sua vida e sua formação artística e cultural. Vatel um banquete para o rei, de Roland Joffé (França, 2000). Inspirado na biografia de Vatel, famoso cozinheiro e mestre de cerimônias francês que trabalhou para a corte de Luís XVI e depois para o próprio rei, este filme é um excelente retrato dos hábitos e costumes cortesãos na França no século XVII, do luxo de Versalhes e do requinte das festas barrocas organizadas para o rei e sua corte. Acesse (acesso em 9 jun. 2011) Por dentro do Barroco é um percurso educativo organizado pelo Instituto Itaú Cultural. Contém diversas informações sobre o Barroco religioso no Brasil, com indicação de livros e links de interesse para o tema. (acesso em 9 jun. 2011) Site do Museu de Arte Sacra de São Paulo, que funciona no mosteiro da Luz, construído na segunda metade do século XVIII. Informações sobre a história do edifício e sobre o acervo, que contém obras de imaginária, telas, ourivesaria e uma importante coleção de presépios. (acesso em 9 jun. 2011) Site organizado como parte do projeto Cidades Históricas Brasileiras, desenvolvido pela Ciclope arte e publicações em meios digitais. Interessantes textos sobre arte, música e literatura barroca no Brasil. (acesso em 9 jun. 2011) Material dedicado ao estilo barroco na arte e na arquitetura, contém textos didáticos e dados sobre arte barroca no Brasil. 42