Parecer nº: P1034/2001 Processo nº: Requerente: PURAS BRASIL S/A Assunto: Atuação da vigilância sanitária. Legislação aplicável.
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- Sérgio Sanches Carrilho
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1 Parecer nº: P1034/2001 Processo nº: Requerente: PURAS BRASIL S/A Assunto: Atuação da vigilância sanitária. Legislação aplicável. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. PODER DE POLÍCIA. Atuação da vigilância sanitária com base em legislação estadual. Possibilidade. Organização dos serviços de saúde em sistema integrado com a participação das três esferas de governo. Reserva legal prevista no artigo 24 da Constituição Federal, para União, Estados e Distrito Federal. Município como executor da vigilância sanitária. Trata o presente expediente da tramitação de processo administrativo impugnando auto de infração emitido por Agente de Fiscalização da Coordenação de Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde. A empresa infracionada alega que a autuação foi feita com amparo em norma estadual, segundo ela, inaplicável à espécie. Foi anexado o auto de infração n 97017, bem como Relatório da Médica Veterinária da SMS e os Boletins de Análise do Laboratório Central de Saúde Pública - LACEN e relatório da Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde e Meio Ambiente - Setor de Alimentos, que instruem o processo. A manifestação da Assessoria Jurídica da SMS concluiu pela manutenção do ato administrativo, recomendando a remessa do presente expediente à PGM, tendo em vista possíveis repercussões no Poder Judiciário. É o relatório.
2 O exercício do poder de polícia é a essência da atividade da Administração Pública na relação com o administrado, impondo-lhe restrições ao exercício da liberdade e da propriedade em benefício do bem comum. Convém salientar que não deve ser confundido liberdade e propriedade com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são as expressões daqueles, porém, tal como admitidos em um dado sistema normativo. Por isso, rigorosamente falando, não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade, uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há, isto sim, limitações à liberdade e à propriedade. Poder de Polícia, segundo Hely Lopes Meirelles, é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado. A cada restrição à liberdade individual - expressa ou implícita em norma legal - corresponde equivalente Poder de Polícia Administrativa à Administração Pública, para torná-la efetiva e fazê-la obedecida 1. Para Celso Antonio Bandeira de Mello: A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-se aos interesses coletivos designa-se poder de polícia. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. Mais adiante, complementa que é a atividade da administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação, ora 1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18 a. ed. São Paulo, Malheiros Editores, 1993, p. 115.
3 fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo. 2 O artigo 196 da Constituição Federal dispõe, expressamente, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, que deverá ser garantido por políticas sociais e econômicas, objetivando o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. O artigo 198 da Constituição Federal complementa o dispositivo antes citado, dispondo que: Art As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado segundo as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. O Sistema Único de Saúde está concebido no artigo 200 da Constituição Federal: Art Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, 2 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 12 ª ed., São Paulo, Malheiros, 2000.
4 imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde; IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem coo bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Ora, da própria ordem constitucional em vigor, que concebeu o sistema de saúde pública implantado, houve o objetivo de envolver todos os segmentos do Estado Democrático de Direito como entes garantidores da sua concretude. Objetivamente, determinou, em seu artigo 24, a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal de legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde (inciso XII), resguardando, também, ao Município, tal competência no âmbito do interesse local. Daí que, no âmbito da vigilância sanitária, enquanto serviço inserido no Sistema Único de Saúde (SUS), a
5 competência para sua regulamentação é concorrente. Como decorrência do plano constitucional, a Lei n /90, estabelece uma conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população para a execução das ações de saúde de forma integrada, estabelecido como princípio do sistema, pelos incisos X e XI do artigo 7. No artigo 15 da Lei n /90, estabelece, em seu inciso V, como atribuições comuns dos entes federativos, a elaboração de normas técnicas e estabelecimentos de padrões de qualidade e parâmetros de custos que caracteriza a assistência à saúde. Assim, ainda que a execução dos serviços de vigilância sanitária seja da competência dos Municípios, por força do disposto no artigo 18, inciso IV, letra b, da Lei n /90, a necessária integração de recursos técnicos e materiais que se vislumbra no plano Constitucional como na lei federal, torna possível a aplicação das regras preexistentes, emanadas pelos Estados e União, pelos Municípios, agora executores das ações de vigilância sanitária. E mais, são aplicáveis pelos Municípios os regulamentos emitidos pela União e Estado em matéria de saúde pública, nos termos do artigo 24 da Constituição Federal. Como diz a Lei Orgânica de Saúde (Lei 8.080/90), os Municípios são executores das ações de vigilância sanitária, que faz parte de um sistema integrado, abrangendo também as outras esferas federativas. Por derradeiro, o artigo 1 da Lei Complementar n. 395, de 24 de abril de 1997, dispõe, expressamente, que: Art. 1. Esta Lei Complementar tem por objetivo normatizar, em caráter supletivo à legislação estadual e federal pertinente, os direitos e obrigações que se relacionam com a saúde individual e coletiva; dispor sobre o
6 Sistema Municipal de Vigilância à Saúde e aprovar normas sobre promoção, proteção e recuperação da saúde publica no Município de Porto Alegre. O caráter supletivo na regulamentação municipal não tem o poder de revogar as normas federais e estaduais sobre a matéria. Ao contrário disso, como refere no primeiro artigo da lei, a normatização federal e estadual é aplicável em matéria de vigilância sanitária do que o texto municipal é complementar. No caso em tela, a empresa foi infracionada pelo preparo e serviço de alimento que causou a toxinfecção alimentar a, aproximadamente, 184 pessoas, conforme Boletim de Análise n 0620/00. Na inspeção realizada, foi constatado irregularidades como a falta de registro da temperatura do produto recebido do Entreposto Colonial (carne moída). A análise da panqueca preparada continham coliformes fecais em quantidade que classificou o produto como insatisfatório para o consumo. Em decorrência da análise do alimento servido e das conseqüências causadas à saúde de, aproximadamente, 184 pessoas, o auto de infração enquadrou a conduta pelo Decreto Estadual n /74, artigo 246, inciso II, que dispõe o seguinte: Art Só poderão ser dados à venda ou expostos ao consumo alimentos próprios para tal finalidade, sendo assim considerados os que:... II - por sua natureza, composição e circunstância de produção, fabricação, manipulação, beneficiamento, fracionamento,
7 depósito, distribuição, venda e quaisquer atividades relacionadas com os mesmos, não sejam nocivos à saúde, não tenham seu valor nutritivo prejudicado e não apresentem aspecto repugnante A conduta também foi enquadrada no artigo 347, inciso VI, do citado Decreto: Art São considerados impróprios para o consumo, os alimentos que:... VI - estejam alterados por ação de causas naturais, tais como umidade, ar, luz, enzimas, microorganismos e parasitos, tenham sofrido avarias, deterioração ou prejuízos em sua composição intrínseca, pureza ou caracteres organolépticos. Está, pois, correto o enquadramento legal da conduta da empresa no auto de infração. Ainda que assim não fosse, conforme entendimento pacificado pela doutrina e jurisprudência, não acarreta nulidade do ato, pois o acusado se defende do fato e não da capitulação. Esta é a orientação no processo penal cuja formalidade é quesito da segurança jurídica do procedimento. Nestes casos, o pronunciamento dos tribunais tem sido invariável: o réu não se defende da capitulação dada na denúncia, mas dos fatos nela descritos, tanto é assim que o Juiz sentenciante pode considerar na capitulação do delito dispositivos penais diversos dos enunciados, ainda que tenha que aplicar pena mais grave. 3 Diante da inconsistência dos argumentos da defesa, tanto pelas provas constantes no processo administrativo, como pela ordem jurídica vigente, que legitima a atuação da Vigilância 3 STJ, HC SC, 6 a. T. jlgto , Rel. Min. Vicente Leal, in RT 725, p. 517.
8 Sanitária, a conclusão é pela manutenção do ato administrativo e as conseqüências daí decorrentes. É o parecer. ANA LUÍSA SOARES DE CARVALHO PROCURADORA DO MUNICÍPIO OAB 16776
9 HOMOLOGAÇÃO APROVO o Parecer nº 1034/2001, firmado pela Procuradora Ana Luísa Soares de Carvalho, quanto a validade da fiscalização da vigilância sanitária com base no ordenamento legal estadual e federal, diante organização integrada e complementar dos serviços de saúde, atuando o Município como executor dessa política. Registre-se, extraindo-se cópia homologado à parecerista e a ESP, dando-se ciência coletiva aos demais procuradores desta Procuradoria. Encaminhe-se o expediente ao Secretário da SMIS, a fim de dar ciência ao setor interessado sobre o parecer da PGM e a empresa recorrente quanto a decisão administrativa de manutenção da penalidade aplicada. Porto Alegre, 12 de março de ROGERIO FAVRETO Procurador-Geral do Município
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