TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº , da Comarca de Boituva, em que é agravante WALBERT INDUSTRIA E COMERCIO DE BRINQUEDOS LTDA, é agravado JOSE CARLOS KALIL FILHO. ACORDAM, em 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento parcial, nos termos que constarão do acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (Presidente) e ENIO ZULIANI., 30 de outubro de 2012 FRANCISCO LOUREIRO RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Agravo de Instrumento n o Comarca: BOITUVA Juiz: MARCELO BARBOSA SACRAMONE Agvte: WALBERT INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE BRINQUEDOS LTDA Agvdo: JOSÉ CARLOS KALIL FILHO VOTO N o RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Alienação judicial da sede da empresa recuperanda para a nova sociedade recém constituída, integrante do mesmo grupo econômico, em atenção a cumprimento de dispositivo do plano de recuperação judicial já aprovado pela assembléia de credores. Indeferimento pelo MM. Juízo a quo, em razão de suposta manobra para encerramento das atividades da empresa em recuperação e esvaziamento das garantias dos credores. Deliberação aprovada em assembleia de credores, além de contar com concordância do Administrador Judicial e do Ministério Público, a autorizar a alienação, e parte essencial do plano de recuperação. Credores fiscais, porém, não sujeitos ao plano de recuperação judicial, não ouvidos e que não podem ter as penhoras simplesmente canceladas. Alienação que pode ser feita, mas é ineficaz frente aos credores fiscais, preservando as penhoras já averbadas no registro imobiliário. Juízo da recuperação não dotado de natureza universal, razão pela qual eventual proveito da alienação viria em prejuízo dos credores fiscais, o que não se admite. Inteligência do art. 60, 1º da Lei nº /2005 que protege exclusivamente terceiros arrematantes de boa-fé. Não havendo arrematação, tampouco estando os credores fiscais sob efeito da recuperação judicial por força do art. 6º, 7º, do referido diploma, de rigor a manutenção do gravame. Recurso parcialmente provido. Cuida-se de agravo de instrumento tirado da decisão copiada às fls. 313, proferida nos autos da recuperação judicial Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 2/9

3 requerida pela agravante WALBERT INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE BRINQUEDOS LTDA, que indeferiu a alienação do imóvel sede da empresa à pessoa jurídica TITAN INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE BRINQUEDOS LTDA, sob o fundamento de que o pedido contraria o plano de recuperação judicial, pois revela que a recuperanda deseja encerrar suas atividades mediante alienação de seu estabelecimento principal. Entende que a recuperação visa à novação do passivo para viabilização da atividade social, e não liquidação dos ativos para pagamento aos credores, o que é típico da falência. Recorre a recuperanda, alegando, em síntese, que a alienação da sede da empresa constitui a parte mais importante do plano de recuperação judicial aprovado na assembléia de credores. Tratase de medida indispensável à divisão das atividades da empresa, com a criação de uma nova pessoa jurídica, que se encarregará do desenvolvimento e fabricação de produtos mais rentáveis. A pessoa jurídica atual, em recuperação, subsistiria com produção menos rentável e licenciamento da marca a terceiros que atuam em praças mais afastadas. Aduz não se tratar de ardil dos sócios ou de desinteresse no prosseguimento da atividade empresarial e, ademais, a alienação da sede e divisão das atividades contou com a larga anuência dos credores em assembleia, além da concordância do Representante do Ministério Público e do Administrador Judicial. Por fim, ressalta que as dívidas concursais e trabalhistas seriam transferidas para a nova empresa concomitantemente à transferência de sede e de todos os seus atuais empregados. Em razão do exposto e pelo que mais argumenta às fls. 02/17, requer, ao final, o provimento do recurso. 316). Foi deferida a antecipação da tutela recursal (fls. Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 3/9

4 que pese a sua intimação. Ausente parecer do Administrador Judicial, em É o relatório. 1. O recurso comporta parcial provimento, preservado o entendimento do MM. Juiz de Direito. Adoto apenas em parte com a minuciosa decisão proferida pelo Exmo. Des. Romeu Ricupero, que permitiu a alienação do estabelecimento principal, em sede de antecipação dos efeitos da tutela recursal. Compulsando os autos, verifico a aprovação do plano de recuperação, em assembleia, de 100% para credores trabalhistas e de 61,4% para credores quirografários (fls. 169/170), homologado pela D. Magistrada que concedeu a recuperação judicial, nos exatos termos do quanto exposto pela recorrente em suas razões. Com efeito, o plano aprovado pelos credores, copiado às fls. 124/164, prevê a transferência de diversos ativos da recuperanda à nova pessoa jurídica TITAN Indústria de Comércio e Brinquedos Ltda., dentre eles o imóvel onde se localiza a sede, na Rua Raphael Bertoldi, 25, Comarca de Boituva/SP. A nova empresa constituída receberá valiosos ativos da recuperanda, mas, em contrapartida, constituirá penhor sobre as quotas sociais de responsabilidade limitada para garantia do pagamento aos credores, além de receber expressiva parcela dos empregados. Em cumprimento a tal dispositivo do plano, repitase, devidamente aprovado em assembleia, é que requereu a recuperanda ao Juízo a autorização para alienação do imóvel sede da empresa à TITAN Indústria de Comércio e Brinquedos Ltda. (fls. 256/260), com fulcro no art. 60, 1º, da Lei nº /2005. Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 4/9

5 Note-se que tanto o Administrador Judicial (fls. 276/277) quanto o Ministério Público (fls. 295) manifestaram sua concordância com o deferimento, dada a previsão de transferência do imóvel para implementação do plano. Parece claro, ao contrário do entendimento externado pelo MM. Juiz a quo, que a transferência de sua sede a uma nova empresa do mesmo grupo não tem por escopo o encerramento da atividade social para liquidação do passivo, mas sim a adoção de uma nova estratégia empresarial, com o objetivo de superar a crise financeira. A ideia posta no plano de recuperação, devidamente chancelado em assembleia pelos credores, foi a de cindir a empresa em duas partes, mediante criação de uma nova pessoa jurídica, que receberia parte dos ativos e concentraria a atividade produtiva mais rentável. Os balancetes copiados às fls. 268/273 apenas corroboram a tese, vez que demonstram o êxito contínuo da recuperação, confirmado pelo Administrador Judicial (fls. 277). É verdade, como aponta o MM. Juiz, que o art. 60 da L /05 contempla apenas a possibilidade de venda de filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor, exatamente com a finalidade de evitar o encerramento das atividades sociais. O caso concreto, porém, diz respeito não propriamente à alienação do estabelecimento principal, mas sim de operação econômica semelhante a uma cisão, com transferência de ativos e de passivos para uma nova pessoa jurídica. Na parte principal, portanto, o recurso comporta provimento, para o fim de permitir a alienação do imóvel, independentemente de licitação ou de avaliação judicial, pois, como acima dito, a operação econômica se assemelha a uma cisão, o que impediria a Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 5/9

6 arrematação por parte de terceiros. 2. O provimento do recurso, todavia, não é integral, diante de relevante peculiaridade do caso concreto: sobre o imóvel alienado existe averbada na matrícula penhora judicial para garantia de débitos fiscais, cujo valor perfaz a importância de R$ ,73, além de averbação de arrolamento fiscal. A recuperanda recorrente insiste na aplicação literal e irrestrita dos preceitos dos artigos 141 e 142 da L /05, em especial nas partes que dizem que o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus (art. 141). Almeja, assim, que as penhoras e arrolamento fiscal que gravam o imóvel sejam canceladas, para que a nova empresa, recém constituída, receba o ativo livre de qualquer ônus. Tal pedido, porém, não pode ser atendido, diante das peculiaridades da alienação, que não envolve pagamento em dinheiro, sobre o qual se sub-rogariam todos os credores, inclusive os fiscais. Basta ver que a alienação, à vista das peculiaridades do caso concreto, que não importa em licitação para venda em hasta pública, mas sim cisão para criação de uma nova pessoa jurídica, não foi precedida das formalidades exigidas pelo art. 142 da L /05, ou seja, avaliação judicial, ampla publicidade em jornais de grande circulação e leilão, ou abertura de propostas. Mais ainda. A vedação à sucessão, prevista no art. 141 da L /05, tem como pressuposto lógico a figura da subrogação, vale dizer: vende-se o ativo em hasta pública, e ingressa no patrimônio da devedora o respectivo preço, a ser rateado entre os credores, segundo critério de preferência legal. Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 6/9

7 No caso concreto, não há nem dinheiro novo para satisfação dos credores sujeitos à recuperação judicial, e muito menos se toca na satisfação do crédito fiscal, já garantido pela penhora que se pretende cancelar e que se encontra fora da moratória. Rigorosamente irrelevante que o plano de recuperação tenha sido aprovado pela assembleia de credores, que não podem, como é obvio, alijar as garantias dos credores não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, e que dela não participam e nem votam. Consigne-se que, a rigor, não deveria existir qualquer execução fiscal tramitando em face da recuperanda, haja vista a determinação constante do art. 57, in fine, da Lei nº /2005. Os tribunais, sensíveis à realidade de que empresas em dificuldades financeiras dificilmente obteriam certidões negativas fiscais para instruir o pedido de recuperação, passaram dispensá-lo, até mesmo sob o argumento de que as execuções fiscais prosseguiriam normalmente contra o devedor. Sob esse enfoque é que se deve interpretar o disposto no parágrafo único do art. 60 da L /05, do seguinte teor: O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no 1 o do art. 141 desta Lei. A ideia é a de que as Fazendas Públicas poderão satisfazer os seus créditos com o produto da arrematação, uma vez que a hasta pública provoca alteração apenas qualitativa, mas não quantitativa sobre o patrimônio do devedor. No caso concreto, as penhoras já averbadas e a menção à existência de arrolamento fiscal constantes da matrícula devem ser preservadas, por duas razões, a saber: (i) a alienação do estabelecimento principal não se deu em hasta pública e nem houve ingresso de dinheiro novo nos cofres da empresa em recuperação judicial, Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 7/9

8 onde se operar a sub-rogação; (ii) os créditos tributários não se encontram sujeitos à recuperação judicial e as Fazendas Públicas não foram ouvidas, não participaram da assembleia e por isso não podem ser alijadas das penhoras em execuções já em curso, em frontal violação ao princípio do contraditório e do devido processo legal. Em última análise, o acolhimento integral do pleito da recuperanda significaria, um poucas palavras, alijar a União Federal da garantia das penhoras já averbadas no registro de imóveis, sem direito à sub-rogação, prévia oitiva e esvaziamento das execuções fiscais. Neste ponto, frise-se, não há suspensão de execuções fiscais pelo deferimento da recuperação judicial, desde que não sejam objeto de parcelamento, nos termos do art. 6º, 7º, da L. nº /2005. Assim, vale dizer, não estão os credores fiscais sujeitos aos efeitos do plano, razão pela qual não podem ser atingidos pela decisão tomada pela assembleia de credores. Diga-se que a matéria não tem sabor de novidade. Diz a recente Súmula 480 do STJ: O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa. O que almeja a recorrente, com o pedido de cancelamento das penhoras sob o falso argumento de que houve a alienação do estabelecimento, quando na realidade a operação econômica se aproximou de uma cisão, é estender aos credores fiscais os efeitos da recuperação judicial. Não parece correto que um dispositivo que visa a proteção do terceiro arrematante de boa-fé seja usado em situação jurídica completamente diferente, em que não há arrematação, mas apenas a transferência do estabelecimento para uma nova pessoa jurídica criada Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 8/9

9 pelos próprios controladores da empresa em recuperação judicial. 3. Feitas as considerações acima, de rigor a autorização da alienação judicial, tendo em vista a anuência expressa de todos os envolvidos na recuperação, porém sem aplicação do art. 60 da LRE, ou seja, devem ser mantidas as averbações de penhoras e outros gravames em favor dos credores fiscais. Apenas noto que, por força de decisão judicial, as penhoras não acarretam a indisponibilidade do imóvel, mas tão somente a ineficácia da transferência frente ao fisco. Diante do exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso para autorizar a alienação judicial do imóvel, mas preservando as averbações das penhoras e arrolamentos em favor do fisco. FRANCISCO LOUREIRO Relator Agravo de Instrumento nº Boituva - VOTO Nº FL. 9/9