Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica
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- Stella da Fonseca Ribeiro
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1 Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica / Souza LRMF et al. Artigo de Revisão Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica Luís Ronan Marquez Ferreira de Souza 1, Denis Szejnfeld 2, Thiago G. Abud 2, Daniela Mayumi Takano 3, Suzan Menasce Goldman 4, Jacob Szejnfeld 5 Descritores: Testículo; Neoplasias testiculares; Ultrasonografia. Resumo O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão dos principais achados de imagem, aspectos patológicos e epidemiológicos das neoplasias testiculares, buscando encontrar características que auxiliem no diagnóstico diferencial das lesões mais freqüentes. Foi feito estudo retrospectivo de 51 pacientes encaminhados com diagnóstico de tumor testicular ao Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo Hospital São Paulo, no período compreendido entre julho de 2003 e março de 2004, que foram submetidos a exame de ultra-sonografia e tomografia computadorizada do abdome e da pelve. Concluiu-se que, embora exista muita sobreposição dos achados ultra-sonográficos, o conhecimento básico dos aspectos anatomopatológicos, epidemiológicos e as principais caracterísiticas de imagem dos tumores testiculares permitem um diagnóstico mais preciso, reduzindo seus diferenciais. Recebido para publicação em 27/4/2005. Aceito, após revisão, em 18/10/2005. Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem (DDI) da Escola Paulista de Medicina/ Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), São Paulo, SP. 1 Médico Doutor em Radiologia pelo DDI-EPM/Unifesp, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) e da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SPR). 2 Médicos Residentes do DDI-EPM/Unifesp. 3 Médica Residente do Departamento de Anatomia Patológica da EPM/Unifesp. 4 Doutora em Radiologia, Chefe do Setor de Geniturinário do DDI-EPM/Unifesp. 5 Professor Adjunto, Livre-Docente, Chefe do DDI- EPM/Unifesp. Correspondência: Dr. Luís Ronan M.F. de Souza. Rua Episcopal, 564, ap. J-203, Mercês. Uberaba, MG, luisronan@gmail.com O câncer de testículo é a neoplasia maligna mais freqüente no sexo masculino na faixa etária entre 18 e 35 anos [1]. Os tumores testiculares podem ser divididos em quatro grandes grupos: de células germinativas, do cordão sexual e estroma gonadal, de tecido linfóide e as metástases. Esta neoplasia afeta predominantemente homens brancos, com três picos de faixa etária de incidência, o principal compreendido entre 25 e 35 anos, no qual o seminoma é o tumor mais freqüentemente encontrado. O segundo pico é compreendido entre 71 e 90 anos, com predomínio dos tumores de tecido linfóide, e um terceiro, em crianças com menos de dez anos de idade, com predomínio de tumores do saco vitelino ( yolk sac ). Ocorrem cerca de 0,5 a 2 casos de tumor testicular para cada crianças. Os tumores testiculares constituem a sétima neoplasia em ordem de freqüência nesta faixa etária, correspondendo a somente 2% dos tumores sólidos em pediatria [2]. Apesar do inexplicável aumento da incidência desses tumores, já que se dobrou o número de casos descritos desde 1936 [3], houve considerável melhora nas taxas de sobrevida com evolução do tratamento radioterápico e aparecimento de novas técnicas cirúrgicas. O quadro clínico mais freqüentemente encontrado é o de massa escrotal não dolorosa à palpação, e menos freqüentemente a sensação de peso no abdome inferior e alterações endócrinas. Entre os fatores de risco para o desenvolvimento de neoplasia testicular, o mais comum seria a criptorquidia, que aumenta a chance de desenvolvimento em 4% (principalmente seminomas), genitália ambígua (25%), infertilidade (1%) e acometimento Rev Imagem 2005;27(4):
2 Souza LRMF et al. / Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica do testículo contralateral (5%). A possibilidade de se considerar microlitíase como uma lesão pré-tumoral ainda é incerta, porém alguns autores recomendam controle semestral/anual em testículos com microlitíase com neoplasia tratada no testículo contralateral [4,5]. O nosso objetivo é realizar uma revisão dos principais achados de imagem, aspectos patológicos e epidemiológicos das neoplasias testiculares, buscando encontrar características que auxiliem no diagnóstico diferencial das lesões mais freqüentes. MÉTODOS Casuística: Foi realizado estudo retrospectivo de 51 pacientes encaminhados com diagnóstico de tumor testicular ao Setor de Ultra-sonografia do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo, no período compreendido entre julho de 2003 e março de Foram também incluídos os pacientes com casos clínicos que foram apresentados na reunião geral da Disciplina de Urologia desta mesma instituição, neste período. Critérios de inclusão: Pacientes encaminhados para o Departamento de Diagnóstico por Imagem com o diagnóstico clínico de tumor testicular pelo urologista ou médico plantonista. Todos os pacientes realizaram ultrasonografia (US) de bolsa escrotal e tomografia computadorizada (TC) de abdome e pelve com protocolo para pesquisa de linfonodomegalia abdominal. Critérios de exclusão: Pacientes com sintomas clínicos ou evidências de outras doenças da bolsa escrotal, como torção aguda, orquite, infarto testicular ou doenças extratesticulares. Equipamentos: O equipamento de US utilizado foi o Sonoline Antares (Siemens Erlangen, Alemanha), com transdutor linear multifrequencial de 7,0 12 MHz. O exame de US foi realizado em posição supina, colocando-se um lençol/toalha entre os membros inferiores (coxas) para melhor exposição do escroto, e outro lençol foi utilizado para manter o pênis em contato com a parede abdominal. Os equipamentos de TC usados foram os modelos Secura Release 1.3 e Tomoscan AV-EV1 (Philips Eindhoven, Holanda), utilizando técnica de aquisição helicoidal (colimação: 5 mm; pitch de 1 a 1,5), com apnéia respiratória. A aquisição foi feita com 120 kv e 200 mas, com uso de meio de contraste. O meio de contraste utilizado (iônico/não iônico) foi selecionado segundo cada caso, pelo residente de radiologia responsável pelo setor. O constraste foi injetado por via endovenosa, utilizando bomba de infusão e protocolo específicos, determinados previamente pelo chefe do setor. REVISÃO DOS ACHADOS DE IMAGEM E DA LITERATURA 1 Métodos de imagem na avaliação dos tumores testiculares A US é o método de imagem mais indicado para avaliação dos tumores testiculares, principalmente pela sua alta disponibilidade, sensibilidade e especificidade. Este método permite a diferenciação de alterações extratesticulares e intratesticulares, com sensibilidade de 98% a 100% [6]. A utilização da US como método de rastreamento tumoral não é indicado, já que o critério necessário para isso seria que o tratamento precoce fosse superior ao iniciado pós-sintomatologia. Os transdutores utilizados são os lineares, que possuem alta freqüência, preferencialmente acima de 7,5 MHz. Na US o testículo normal é caracterizado com formato ovalado, homogeneamente ecóico, com ecotextura granular (Fig. 1). A túnica albugínea normalmente não pode ser individualizada separadamente do testículo, exceto na sua invaginação intraparenquimatosa (mediastino), que se apresenta com uma faixa hiperecóica contínua que secciona transversalmente posteriormente o testículo. A utilização do Doppler colorido pode auxiliar no diagnóstico diferencial das massas intratesticulares, principalmente para afastar a suspeita de orquite [7]. Os parâmetros do Doppler colorido devem ser regulados de forma que se tenha a menor escala e o menor filtro possíveis, e o ganho colorido esteja próximo ao máximo. O modo de amplitude pode ser utilizado com sucesso para detecção de fluxos vasculares de baixa velocidade [8]. Fig. 1 Testículo normal. Ultra-sonografia do testículo direito. A ecotextura do parênquima testicular é homogeneamente ecóica, de aspecto granular. Observar pequena faixa que atravessa longitudinalmente o parênquima, representando o mediastino testicular (seta). 244 Rev Imagem 2005;27(4):
3 Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica / Souza LRMF et al. Os tumores testiculares maiores que 3 cm tendem a ser mais vascularizados que os menores, porém não existem parâmetros dopplerfluxométricos precisos que possam ser utilizados na prática diária do ultra-sonografista [1]. Existem autores que afirmam que pode ser identificada queda no índice de resistência (IR) ou aumento do pico da velocidade sistólica no testículo afetado, devido a neoangiogênese tumoral [8]. A US também deve ser realizada para excluir afecções benignas e analisar a morfologia tumoral, e todos os detalhes de sua ecotextura devem ser valorizados, já que 95% das neoplasias testiculares são hipoecóicas [9] (Tabela 1). A TC é considerada excelente método de imagem complementar à US e deve ser rotineiramente utilizada após o diagnóstico, no estadiamento (Tabela 2). A linfonodomegalia retroperitoneal, na altura do hilo renal, é o local inicial de metástases (Fig. 2). Nódulos hepáticos e pulmonares também podem ser encontrados, porém em estádios mais avançados. A TC também tem papel TABELA 1 Classificação dos tumores testiculares*. Tumores testiculares 1. Células germinativas (90%) a. Seminoma (50%) b. Carcinoma embrionário (2% a 3%) c. Tumor do saco vitelino (1%) d. Teratoma (5%) e. Cisto epidermóide (1%) f. Coriocarcinoma (1%) g. Mistos (40%) 2. Tumores dos cordões sexuais e estroma gonadal (4%) a. Células de Leydig (2%) b. Células de Sertoli (1%) c. Células da granulosa (1%) d. Fibroma-tecoma (1%) 3. Tumores de tecido linfóide (5%) 4. Metástases (1%) * Modificado de Woodward e cols. [1]. TABELA 2 Estadiamento dos tumores testiculares*. Estádio 1 2A 2B 3A 3B Rev Imagem 2005;27(4): Descrição Neoplasia limitada ao testículo e ao cordão espermático Acometimento linfonodal infradiafragmático nãopalpável Acometimento linfonodal infradiafragmático confluente/palpável Acometimento linfonodal supradiafragmático Disseminação hematogênica (metástases) * Modificado de Heiken [3]. Fig. 2 Tomografia computadorizada de abdome, fase arterial na altura do hilo renal. Observar o conglomerado linfonodal que se estende no retroperitônio (seta), predominantemente hipodenso e deslocando o tronco celíaco. fundamental no acompanhamento destes pacientes após o tratamento químio e radioterápico. A ressonância magnética (RM) deve ser utilizada na avaliação do testículo quando a US trouxer dúvida diagnóstica, especialmente na diferenciação de processos inflamatórios crônicos de tumores. Uma das melhores indicações do estudo testicular por RM é para a avaliação da criptorquidia, essencialmente no testículo intra-abdominal. Na RM o testículo normal apresenta sinal homogêneo e intermediário em seqüências ponderadas em T1, e alto sinal, porém menor que o da água, nas seqüências ponderadas em T2. 2 Tumores de células germinativas a) Seminoma É o tipo histológico mais comum entre os tumores germinativos (35% a 50% dos casos), provavelmente originário da linhagem de células gonadais unipotenciais [10]. Sua incidência abrange faixa etária mais alta que os demais tumores germinativos e é mais freqüente na terceira e quarta décadas. O testículo se apresenta de dimensões aumentadas e a túnica vaginal está intacta na maioria dos casos, pois no momento da avaliação clínica inicial 75% dos pacientes apresentarão neoplasia limitada ao testículo, 20% terão linfonodomegalia retroperitoneal e 5%, metástases hematogênicas [1]. À microscopia, o seminoma consiste de células que se assemelham às células germinativas primitivas associadas a infiltrado linfocitário (Fig. 3), sendo dividido em três subtipos: clássico (85%), anaplásico (5% a 10%) e espermatocítico (4% a 6%). Destes, o anaplásico tem o pior 245
4 Souza LRMF et al. / Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica Fig. 3 Seminoma clássico. HE, 400. Células neoplásicas isoladas com núcleos redondos, nucléolo evidente e citoplasma claro. prognóstico por ser pouco sensível ao tratamento radioterápico. Já o subtipo espermatocítico afeta faixa etária mais alta, em torno dos 60 a 70 anos, com ótimo prognóstico [10]. Na US o aspecto clássico dos seminomas é de lesão hipoecóica homogênea e com limites bem definidos, podendo estar ou não associada a microlitíase testicular. Pode ainda se apresentar como lesão volumosa e heterogênea com áreas císticas associadas ou, ainda, infiltrar todo o testículo. No estudo com Doppler colorido geralmente se identificam vasos periféricos de baixa resistência, sem parâmetros espectrais característicos. O comprometimento bilateral não é freqüente e ocorre em cerca de 2% dos casos (Figs. 4 e 5). O seminoma é quatro vezes mais freqüente quando acomete os testículos criptorquídicos, com incidência 25 a 50 vezes maior que o da população geral [11]. Já a incidência dos tumores germinativos em pacientes transplantados ou portadores de AIDS é 20 a 50 vezes maior do que em indivíduos normais, com metade dos casos representados por seminomas. A idade média dos pacientes envolvidos é de 32 anos, um pouco mais elevada do que a da população geral [12]. b) Carcinoma embrionário É o mais freqüente dos tumores germinativos não seminomatosos, que se originam da linhagem celular de células totipotenciais, sendo encontradas células epiteliais anaplásicas que se assemelham a células embrionárias. Estas células podem originar várias linhagens neoplásicas simultâneas, daí a alta freqüência de tumores germinativos não seminomatosos que ocorrem em forma Fig. 4 Seminoma clássico. Ultra-sonografia do testículo direito. Observa-se nesta imagem, obtida por reconstrução, volumosa formação sólida e heterogênea, predominantemente hipoecóica no testículo direito. O restante do parênquima testicular tem aspecto heterogêneo, com microcalcificações associadas na região posterior. Fig. 5 Seminoma clássico. Ultra-sonografia do testículo esquerdo. O parênquima testicular apresenta-se mais homogêneo à esquerda, porém identifica-se, no seu pólo superior, outro nódulo hipoecóico e heterogêneo, associado a algumas microcalcificações esparsas, que foi diagnosticado foco de seminoma com neoplasia germinativa intratubular. Este paciente não apresentava evidência de doença abdominal na tomografia computadorizada helicoidal de abdome. mista, ou seja, mais de uma linhagem celular encontrada na mesma massa tumoral. Sua incidência compromete a faixa etária dos 24 a 35 anos e se apresenta com dimensões menores que o seminoma, porém com comportamento mais agressivo. Na US identifica-se pequeno nódulo bastante heterogêneo, predominantemente hipoecóico, contendo áreas císticas de permeio. Hemorragia e calcificações podem ser caracterizadas por focos de hiperecogenicidade [11]. Os limites tumorais são mal definidos e a túnica albugínea apresenta-se normalmente invadida, podendo alterar o contorno testicular (Fig. 6). 246 Rev Imagem 2005;27(4):
5 Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica / Souza LRMF et al. Fig. 6 Tumor embrionário. Ultra-sonografia do testículo direito. Neste caso nota-se acometimento multifocal com nódulos heterogêneos e hipoecóicos, apresentando limites mal definidos. Há ainda acentuada microlitíase associada. c) Tumores do saco vitelino ( yolk sac ) Esta linhagem de células germinativas se origina das células totipotenciais da membrana fetal extra-embrionária, sendo por isso encontrados na mais jovem faixa etária dos tumores testiculares (antes dos dois anos de vida) [13]. Podem ser encontrados em adultos, principalmente nos tumores germinativos mistos (44% dos casos). A origem embrionária relaciona-se intimamente com a elevação da α-fetoproteína em 90% dos casos. O aspecto de imagem é inespecífico, mas sua apresentação mais freqüente é de volumosa massa heterogênea de comportamento infiltrativo e limites imprecisos, podendo estar acompanhada de focos de fibrose e calcificação [10]. As crianças com o diagnóstico de tumor do saco vitelino restrito ao escroto devem ser seguidas rigorosamente com dosagens séricas de α-fetoproteína, uma vez que cerca de 9% a 12% destas crianças tratadas somente com orquiectomia podem apresentar metástases retroperitoneais microscópicas [13]. d) Teratomas Os teratomas são o segundo tumor mais freqüente em crianças, principalmente nas menores que quatro anos, depois dos tumores do saco vitelino. Assim como os tumores do saco vitelino, os teratomas são raros na sua forma pura em adultos e bastante freqüentes nos tumores germinativos mistos. Trata-se de um tumor complexo em que se nota mistura desordenada de tecidos oriundos das três camadas germinativas: endoderma, mesoderma e ectoderma. Embora classicamente divididos em maduros e imaturos, os teratomas apresentam comportamento biológico variável Rev Imagem 2005;27(4): e podem metastatizar independentemente da sua classificação histológica [14]. Podem ser subclassificados em maduros (cistos dermóides), que possuem comportamento mais benigno, e imaturos, que geralmente são mais volumosos e possuem componentes malignos [15]. Sua apresentação à US reflete sua complexidade celular, sendo na grande maioria dos casos muito heterogêneos e com limites bem definidos. Os teratomas podem ter áreas de degeneração císticas associadas e são o primeiro diagnóstico que deve ser lembrado quando se encontra um cisto heterogêneo intratesticular (Figs. 7 a 9). Podem ainda ser encontradas áreas de hiperecogenicidade associadas, representando calcificações distróficas, cartilagens, fibrose, e freqüentemente se associam Fig. 7 Cisto dermóide. HE, 100. Cavidade cística revestida por epiderme típica. Lamelas de queratina preenchem o conteúdo cístico. Fig. 8 Teratoma. Ultra-sonografia do testículo esquerdo. Nesta imagem pode ser identificada lesão de formato nodular, com margens parcialmente definidas, e predominantemente heterogênea. Notar, no interior da formação predominantemente cística, finos septos ecóicos, que foram caracterizados na microscopia como septos compostos por queratina. Observar ainda a intensa microlitíase que se associa a este nódulo, afetando a quase totalidade do parênquima testicular. 247
6 Souza LRMF et al. / Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica Fig. 9 Teratoma. Ultra-sonografia do testículo esquerdo com Doppler colorido modo ângio. Nesta imagem pode ser identificado fluxo periférico à lesão de formato nodular. Comparar o aspecto heterogêneo deste nódulo com o seminoma clássico das figuras 4 e 5. Fig. 11 Teratoma/cisto dermóide roto. Ultra-sonografia da região cervical. Nesta imagem, feita com reconstrução panorâmica da região cervical, observa-se no lado esquerdo, lateral à artéria carótida comum esquerda, volumosa massa heterogênea e hipoecóica, que corresponde a conglomerado de linfonodos cervicais (segmento IV). Esta região foi biopsiada e o diagnóstico foi de metástase cervical de teratoma testicular. Fig. 10 Teratoma/cisto dermóide roto. HE, 100. Cavidade cística com ruptura da parede, exibindo reação granulomatosa de tipo corpo estranho à queratina, que constituía o epitélio de revestimento. a microlitíase testicular no momento de sua apresentação. Cerca de 70% dos casos [10] apresentam linfonodomegalia retroperitoneal ao diagnóstico (Figs. 10 a 14). e) Coriocarcinoma É um tumor germinativo raro, de péssimo prognóstico, encontrado em sua forma pura em apenas 1% dos pacientes, sendo mais freqüentemente encontrado como componente de tumores mistos (8% dos casos). A incidência é mais comum na segunda e terceira décadas de vida, e em face da sua característica de promover freqüentemente invasão vascular microscópica, metástases hematogênicas e hemorrágicas podem ser encontradas. Os sintomas clínicos iniciais podem ser decorrentes das metástases. Os órgãos mais freqüentemente acometidos pela disseminação hematogênica são pulmões, fígado, trato gastrintestinal e cérebro [16]. Fig. 12 Teratoma/cisto dermóide roto. Ultra-sonografia do testículo esquerdo. Nódulo sólido-cístico, hipoecogênico, com áreas de calcificação na parede. Fig. 13 Teratoma/cisto dermóide roto. Ultra-sonografia do abdome. Notar que existe uma formação nodular ecogênica à esquerda, localizada no hilo renal, que desloca a artéria aorta para a direita. 248 Rev Imagem 2005;27(4):
7 Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica / Souza LRMF et al. Fig. 14 Teratoma/Cisto dermóide roto. Tomografia computadorizada de abdome, fase excretora na altura do hilo renal. Outro aspecto característico das lesões testiculares é a disseminação linfática que ocorre diretamente para os linfonodos aórticos ou para o hilo renal esquerdo nos tumores do testículo esquerdo. Neste paciente pode-se observar grande massa heterogênea (seta) infiltrando o hilo renal esquerdo, que já havia sido identificada no exame ultra-sonográfico. Fig. 15 Tumor de Leydig. Ultra-sonografia do testículo direito. Pequeno nódulo sólido hipoecóico, com limites definidos encontrado em paciente assintomático. O aspecto na US é incaracterístico e freqüentemente este é exame realizado após a TC, na qual são principalmente caracterizadas as metástases hemorrágicas [1]. 3 Tumores dos cordões sexuais e estroma gonadal Podem ser originários das células componentes do cordão sexual ou do estroma intersticial. A incidência é maior na faixa pediátrica, representando 10% a 30% dos casos, com bom prognóstico, já que 90% destes tumores são benignos [17]. Os tumores das células de Leydig são os tumores dos cordões sexuais mais freqüentes, podendo ocorrer em qualquer faixa etária, e encontrados como achados incidentais em até 12% dos casos (Fig. 15). Os sintomas são decorrentes da endocrinopatia que acomete cerca de 30% destes pacientes, com elevação dos hormônios andrógenos e estrógenos, causando ginecomastia, diminuição da libido e virilização precoce [10]. Na US são identificados como pequenas massas sólidas heterogêneas, mais freqüentemente hipoecóicas, podendo apresentar áreas de degeneração cística e áreas hiperecóicas secundárias a hemorragia [15] (Fig. 16). Os tumores das células de Sertoli são menos freqüentes que os de Leydig e menos relacionados a alterações endócrinas. Sua apresentação clássica à US é de massa lobulada, arredondada e unilateral, com limites bem definidos. Os demais tumores não germinativos são relacionados a síndromes intersexuais e disgenesias gonadais, e 80% dos casos ocorrem em pacientes com fenótipo feminino. Rev Imagem 2005;27(4): Fig. 16 Tumor de Leydig. Ultra-sonografia do testículo direito. Nódulo sólido heterogêneo e hipoecóico, com limites bem definidos e áreas hiperecóicas no seu interior. 4 Tumores de tecido linfóide Existem três formas de acometimento testicular pelo linfoma: como sítio primário, como manifestação inicial de foco primário desconhecido, ou como local de recorrência tumoral. Apesar de ocorrer em 5% dos casos das massas testiculares, o acometimento testicular pelo linfoma só ocorre em menos de 1% dos pacientes com linfoma [18]. O seu quadro clínico é bastante distinto das demais massas testiculares, ocorrendo numa faixa etária mais elevada, principalmente acima dos 60 anos de idade, como massa testicular dolorosa associada a síndrome consumptiva em 25% dos casos e comprometimento bilateral em 38% dos casos [1]. O aspecto na US é bastante variável e indistinguível das demais massas testiculares. O mais freqüentemente 249
8 Souza LRMF et al. / Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica encontrado é o de lesões pequenas e heterogêneas, predominantemente hipoecóicas, porém bastante infiltrativas, podendo envolver o cordão espermático e o epidídimo, com freqüência maior do que ocorre nos casos de seminomas espermatocíticos [10]. Ao estudo com Doppler colorido os nódulos apresentam-se hipervascularizados (Figs. 17 a 19). O acometimento testicular por leucemia é bastante raro em adultos, sendo mais freqüente em crianças na forma de recorrência pós-tratamento de leucemia linfoblástica aguda, já que a ação da medicação quimioterápica é limitada no parênquima testicular por uma barreira vascular fisiológica. O aspecto ultra-sonográfico é incaracterístico, semelhante ao do linfoma [15]. 5 Metástases Entre as massas testiculares, o comprometimento metastático é o menos freqüente. Geralmente é originário do pulmão, rim e próstata, porém outras doenças de disseminação hematogênica, como o melanoma e linfoma, também podem ocorrer. Seu padrão na US é inespecífico, porém freqüentemente múltiplo. 6 Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial com os tumores testiculares é o de cisto epidermóide. É um tipo histológico pouco freqüente (1% dos casos) e benigno, sendo considerado, por alguns autores, como resultante de desenvolvimento monodermal de um teratoma, e por isso classificado com subtipo deste tumor [19]. A primeira descrição foi feita por Price [20], que analisou 69 casos e descreveu achados comuns a todos: A B Fig. 18 Linfoma bilateral. Ultra-sonografia da bolsa escrotal. (A) Nesta imagem dos dois testículos, obtida por reconstrução panorâmica, pode ser observada grande massa heterogênea infiltrando o testículo e o epidídimo esquerdo. Nota-se apenas pequena área de parênquima testicular esquerdo remanescente (B). Fig. 17 Linfoma bilateral. HE, 400. Nesta lâmina observe o extenso predomínio de linfócitos, com algumas figuras de mitose, configurando padrão descrito como monótono. Fig. 19 Linfoma bilateral. Ultra-sonografia do testículo direito. Nesta figura pode-se observar nódulo hipoecóico à direita que infiltra parte do epidídimo direito. O Doppler colorido mostra vascularização periférica ao nódulo e no seu interior. 250 Rev Imagem 2005;27(4):
9 Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica / Souza LRMF et al. lesão cística no parênquima testicular, com lúmen composto por material amorfo e disposto em camadas (estratificado) e débris de queratina, as paredes são compostas de septos fibrosos com epitélio escamoso completo ou não, sem elementos teratomatosos associados. Incide mais freqüentemente na faixa etária entre a segunda e quarta década, sendo raro em crianças [21]. Apesar de serem considerados cistos verdadeiros no exame histológico, o conteúdo extremamente pastoso e laminado se apresenta com aspecto sólido à US (Fig. 20). Os limites são bem definidos, com formato redondo ou oval, em sua maioria predominantemente hipoecóicos, situados próximos à albugínea, com paredes hiperecóicas (septos fibrosos) que podem calcificar [22]. É também descrito que em alguns casos o material queratinizado pode ser diferenciado à US, concentrando-se centralmente, conferindo formato de alvo ou olhode-boi, ou ainda em camadas, com aspecto de casca de cebola [19]. Estes aspectos de imagem são característicos, porém não patognomônicos, pois outros tumores germinativos podem ter esta forma de apresentação (Fig. 21). Ao estudo com Doppler colorido, essas lesões são predominantemente avascularizadas, sendo que esta característica, juntamente com a capacidade de se definir os limites da lesão, e a ausência de elevação dos marcadores tumorais devem ser muito valorizadas e assim deve se suspeitar do diagnóstico [21]. Não há na literatura casos descritos de recorrência local ou a distância de cistos epidermóides tratados cirurgicamente [22]. Outros diagnósticos diferenciais que podem ser feitos com as neoplasias testiculares malignas são os seguintes: abscesso ou orquite focal, atrofia focal, hematoma, infarto testicular, ectasia tubular da rete testis, sarcoidose. A B Fig. 20 Cisto epidermóide. HE, 50 Túbulos seminíferos com maturação espermatogênica normal. Ao lado, estrutura cística contendo material hialino lamelar no seu interior (A). HE, 100. Revestimento do cisto (aumento maior) é constituído por epiderme, nítida hipergranulose, com conteúdo laminar e queratínico (B). CONCLUSÃO A US com transdutores de alta freqüência (acima de 7,5 MHz) possibilita ao radiologista adquirir imagens detalhadas dos tumores testiculares. Embora exista muita sobreposição dos achados ultra-sonográficos, o conhecimento básico dos aspectos anatomopatológicos, epidemiológicos e das principais caracterísiticas de imagem dos tumores testiculares permite um diagnóstico mais preciso, reduzindo seus diferenciais. Agradecimentos À equipe de áudio-visual (Silvio) e aos médicos docentes da Disciplina de Urologia da EPM/Unifesp, pela concessão de algumas imagens apresentadas neste trabalho (Figs. 6, 15, 16 e 21). Fig. 21 Cisto epidermóide. Ultra-sonografia do testículo esquerdo. Observar que este nódulo apresenta limites bem definidos, com ecotextura heterogênea, porém possui o aspecto clássico em alvo (figura gentilmente cedida pelo Dr. Marcos Leal, São Paulo, SP). Rev Imagem 2005;27(4):
10 Souza LRMF et al. / Neoplasias testiculares: aspectos ultra-sonográficos com correlação anatomopatológica REFERÊNCIAS 1. Woodward PJ, Sohaey R, O Donoghue MF, Green DE. Tumors and tumorlike lesions of the testis: radiologic-patholic correlation. RadioGraphics 2002;22: Hachui M. Tumor testicular na infância. Urologia on line 1997;1(3). Disponível em: uronline. 3. Heiken JP. Tumors of the testis and testicular adnexa. In: Pollack HM, ed. Clinical urography. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders, 2000: Heinemann V, Frey U, Linke J, Dieckmann KP. Testicular microlithiasis. Scan J Urol Nephrol 2003;37: Cast JEI, Nelson WM, Early AS, et al. Testicular microlithiasis: prevalence and tumor risk in a population referred for scrotal sonography. AJR 2000;175: Woodward PF, Schwab CM, Sesterhenn IA. Extratesticular scrotal masses: radiologic-pathologic correlation. RadioGraphics 2003;23: De Diego AC, Rasines GL, Rodríguez RH, et al. Lesiones testiculares que no hay que tocar. Arch Esp Urol 2003;56: Dogra VS, Rubens DJ, Gottlieb RH, Bhatt S. Torsion and beyond. J Ultrasound Med 2004;23: Light D. Testicle, malignant tumors. Disponível em: emedicine.com 10. Dogra VS, Gottlieb RH, Oka M, Rubens DJ. Sonography of the scrotum. Radiology 2003;227: Ueno T, Tanaka YO, Nagata M, et al. Spectral of germ cell tumors: from head to toe. RadioGraphics 2004;24: Srougi M. Tumores do testículo em pacientes imunodeprimidos. Urologia on line 1997;1(1). Disponível em: unifesp.br/dcir/urologia/uronline. 13. Srougi M. Tumores germinativos do testículo na infância. In: Srougi M, Simon SD. Câncer urológico. 2ª ed. São Paulo: Platina, 1996: Prando D. Contribuição da ultra-sonografia na avaliação dos tumores testiculares. (Tese de Doutorado). São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Ragheb D, Higgins JL. Ultrasonography of the scrotum. J Ultrasound Med 2002;21: Geraghty MJ, Lee FT Jr, Bernsten SA, et al. Sonography of testicular tumors and tumor-like conditions: a radiologic-pathologic correlation. Crit Rev Diagn Imaging 1998;39: Howlett DC, Marchbank NDP, Sallomi DF. Ultrasound of the testis. Clin Radiol 2000;55: Doll DC, Weiss RB. Malignant lymphoma of the testis. Am J Med 1986;81: Langer JE, Ramchandani P, Siegelman ES, Banner MP. Epidermoid cysts of the testicle: sonographic and MR imaging features. AJR 1999;173: Price EB. Epidermoid cysts of the testis: a clinical and pathological analysis of 69 cases from the testicular tumor registry. J Urol 1969;102: Kaasinem E, Taavitsainen M, Lehtonen T. Epidermoid cyst of the testis. Eur Urol 1988;15: Malvica RP. Epidermoid cyst of the testicle: an unusual sonographic finding. AJR 1993;160: Abstract. Testicular tumors: correlation between radiological findings and pathology results. The aim of this study is to review the main imaging findings and the pathological and clinical features seen on patients with testicular tumors in order to define characteristics that may help in the differential diagnosis of the most frequent lesions. We performed a retrospective study of 51 patients with diagnosis of testicular tumors submitted to ultrasound and computed tomography between July 2003 to March 2004 that were referred to the Diagnostic Department of Universidade Federal de São Paulo Hospital São Paulo, São Paulo, Brazil. We concluded that a basic knowledge of the key imaging findings and pathological and clinical features of testicular tumors is very helpful for an accurate diagnosis of this condition. Key words: Testis; Neoplasic testicular lesions; Ultrasound. 252 Rev Imagem 2005;27(4):
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